Processo n.º 600/18.2T8LSB-A.L1
Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 4
Recorrente - C… (Requerente)
Recorrido/a(s) J… (Requerido)
Sumário:
I – O
arrolamento previsto no artigo 409.º do Código de Processo Civil tem como
objectivo a conservação de bens ou documentos para evitar o respectivo
extravio, ocultação ou dissipação, consistindo na sua descrição, avaliação ou
depósito, sendo requerido por quem tenha interesse nessa conservação e ficando
na dependência, em termos de instrumentalidade, da acção à qual interessa a
correspondente especificação.
II – Este
arrolamento é preliminar e tem como processo principal a acção de divórcio ou
de separação judicial (e não do processo de inventário subsequente), possibilitando
e assegurando a conservação dos referidos bens, até à realização da partilha
para que a mesma seja justa.
III – Com a
Sentença a decretar o arrolamento (sem oposição, nem recurso), a providência
cautelar e a instância que ela representava atingiu os seus objectivos e
cumpriu o que dela se esperava, extinguindo-se, mas não os seus efeitos.
IV - A
Sentença no processo de divórcio não determina a caducidade do arrolamento.
V - O
inventário subsequente ao processo de divórcio pode ser intentado sem um prazo
que imponha a caducidade do arrolamento.
VI - O
arrolamento e os seus efeitos só caducam com a sentença homologatória da
partilha no inventário que se siga ao decretamento do divórcio, por só aí se
extinguir o receio de dissipação dos bens em causa.
V - Não há motivo para extinguir a instância cautelar ou julgar caducado o arrolamento, sem que no inventário subsequente ao divórcio seja proferida a sentença homologatória da partilha.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
C… intentou providência cautelar de
arrolamento, nos termos do artigo
409.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (como incidente da acção de divórcio sem
consentimento do outro cônjuge) contra J….
A providência
foi decretada a 10/03/2018 e ordenado o arrolamento dos bens móveis e dos
direitos identificados no requerimento inicial.
No Processo
de divórcio n.º 600/18.2T8LSB, por decisão de 08/04/2019, foi decretado
divórcio entre os ora Requerente e Requerido.
Requerente e
Requerido intentaram Processos de Inventário, relativamente aos quais foi
suscitada a sua litispendência (para além de um incidente de suspeição), correndo
termos, neste momento o apenso J (junto do Cartório Notarial do Dr. R…).
A 28/04/2021
foi, nos presentes autos, proferido o seguinte despacho: “Face ao novo
incidente (reclamação à não admissão de recurso) assinalado em epígrafe, renove
solicitação dos bons ofícios do Cartório Notarial de Lisboa Dr. R… para, no
prazo de 5 (cinco) dias, informar os autos do estado actualizado do processo de
inventário que, com conexão ao presente procedimento cautelar de arrolamento,
aí corre termos.
Para melhor esclarecimento remeta
cópia da ref.ª 27794799”.
Apresentada
resposta por ofícios de 12/05/2021 e 26/08/2021,
Por despacho
de 27/09/2021 foi determinado o seguinte: “Notifique a Requerente que ficam estes autos
de procedimento cautelar a aguardar o respetivo impulso processual, sem
prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do CPC”.
Notificado o
despacho no dia seguinte, veio a 22/10/2021 a ser junta Procuração a nova
mandatária da ora Requerente, face a renúncia do mandato por parte do anterior
mandatário.
A 07/04/2022
foi proferido o seguinte despacho:
“Por
despacho proferido aos 27/09/2021, que lhe foi notificado aos 28/09/2021, foi a
Requerente notificada que estes autos de procedimento cautelar ficavam a
aguardar o respetivo impulso processual, sem prejuízo do disposto no artigo
281.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
A
Requerente nem impulsionou os autos, nem nada disse ou requereu ao processo até
esta data.
De
acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Civil, a
instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo
se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 (seis) meses.
Este
processo encontra-se sem qualquer impulso processual há mais de 6 (seis) meses,
por inércia da Requerente em promover os seus termos com o que, nos termos do
normativo citado, ocorreu a deserção da instância.
Em
consequência, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do CPC e 277.º,
alínea c) do mesmo diploma legal, julga-se extinta a instância, por deserção.
Custas
pela Requerente.
Valor:
o indicado na petição inicial.
Notifique.
Registe.”
É desta decisão que a Requerente apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
1.
Nos presentes autos de providência cautelar de arrolamento está em causa a
decisão que julgou extinta a instância, por deserção, ao abrigo do disposto no
artigo 281º, n.º 1 e 277º, al. c), do Código de Processo Civil, e condenou a
Recorrente em custas, por considerar que o processo se encontrava sem qualquer
impulso processual há mais de seis meses, por inércia da mesma em promover os
seus termos.
2.
O arrolamento foi requerido pela Recorrente, em 12.02.2018, ao abrigo do artigo
409º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, como incidente da acção de
divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que havia sido intentada pela
mesma, em 09.01.2018, com vista à dissolução do casamento.
3.
Por sentença proferida em 10.03.2018, foi julgado procedente o procedimento
cautelar e, em consequência, ordenado o arrolamento dos bens móveis e dos
direitos identificados no requerimento inicial.
4.
Com o julgamento da providência cautelar, extinguiu-se a instância, nos termos
do disposto no artigo 277º, al. a), do Código de Processo Civil.
5.
Assim, é incompreensível a decisão recorrida que veio julgar a instância
extinta por deserção, uma vez que a mesma já se havia extinguido com o
julgamento!
6.
Sendo certo que a providência (arrolamento) decretada apenas poderá caducar
pela verificação de uma das causas taxativamente elencadas no artigo 373º, n.º
1, do Código de Processo Civil.
7.
Ora, não tendo ocorrido nenhum dos factos extintivos previstos no artigo 373º,
n.º 1, do Código de Processo Civil, não poderá a providência caducar.
8.
Quanto à necessidade de a providência cautelar ser apensada ao processo de
inventário, cumpre, antes de mais, referir que não existe norma que imponha a
promoção do inventário dentro de qualquer prazo sob pena de caducidade do
arrolamento.
9.
Ainda assim, o facto é que o processo de inventário foi proposto quer pelo
próprio Recorrido no Cartório Notarial do Dr. R…, quer pela Recorrente no
Cartório Notarial da Dra. L…, ambos no prazo de 30 (trinta) dias após o
trânsito em julgado do divórcio.
10.
Acresce que o processo de inventário foi remetido para Tribunal de Família e
Menores de Lisboa, constituindo, desde 09.09.2021, um apenso (Ap. J) ao
processo de divórcio (n.º 600/18.2T8LSB) ao qual se encontra apensa a presente
providência cautelar (Ap. A).
11.
Face ao exposto, não se consegue, sequer, perceber que tipo de impulso
processual caberia à Requerente, aqui Recorrente, dar nos presentes autos e
muito menos que se possa qualificar tal “omissão” como negligente.
12.
O anterior mandatário da Recorrente renunciou ao mandato no dia seguinte à notificação
de 28.09.2021, na qual se referia que os autos de procedimento cautelar
ficariam a aguardar o respectivo impulso processual, sendo que aquela apenas
constituiu novo mandatário em 22.10.2021, o qual, por se tratar de uma
providência cautelar, não tinha acesso ao processo através do CITIUS.
13.
A Recorrente desconhecia, assim, o teor da notificação de 28.09.2021, razão
pela qual não respondeu.
14.
Deve, pois, manter-se o arrolamento dos bens e direitos que havia sido
decretado até adjudicação e partilha de bens do casal.
15.
A decisão recorrida desconsiderou o disposto nos artigos 277º, al. a), 373º,
n.º 1, e 409º, bem como interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos
artigos 277º al. c) e 281º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Não foram apresentadas Contra-Alegações.
Questões a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação
do tribunal ad quem (exercendo uma
função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Verificadas as Alegações e Conclusões
da Requerente-Recorrente e as suas divergências a questão a apreciar passa pela
verificação da existência nos presentes autos dos pressupostos para a
habilitação de uns adquirentes e de uma situação que leve à deserção da
instância e sua consequente extinção.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
A
factualidade a relevar é a descrita no Relatório.
Fundamentação de Direito
Nos
presentes autos de arrolamento por apenso a uma acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge,
foi a providência deferida por Sentença de 10 de Março de 2020, aí se referido
que “Como
preliminar ou incidente da acção de separação de pessoas e bens, de divórcio ou
de declaração de nulidade ou de anulação de casamento, ou ainda de inventário,
pode qualquer dos (ex-)cônjuges requerer a providência conservatória de
arrolamento de bens comuns ou de bens próprios que estejam sob administração do
outro cônjuge, sem necessidade de proceder à alegação e prova da existência de
justo receio de extravio, de ocultação ou de dissipação, receio este presumido
pelas circunstâncias que normalmente rodeiam ou são subsequentes à crise
matrimonial e pela plausibilidade da sua ocorrência – cfr. artigos 403.º, n.º
2, 404.º, n.º 1, e 409.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil.
Da
análise perfunctória dos factos indiciariamente apurados atenta a data da
celebração do casamento da requerente e do requerido, o mesmo considera-se
celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo que podemos concluir,
com grande probabilidade, que os bens que vêm identificados no articulado
inicial façam parte do acervo patrimoniais do casal (cfr. artigos 1717.º e
1724.º, do Código Civil), sabendo ainda que, conforme o disposto no artigo
1725.º, do Código Civil, quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens
móveis, estes consideram-se comuns.
Sendo
assim, não pode deixar de se entender que estão reunidos os pressupostos de que
a lei faz depender o decretamento da providência”.
E
por isso se concluiu que “Pelo exposto, julga-se procedente o presente
procedimento cautelar e, em consequência, ordeno o arrolamento dos bens móveis
e os direitos identificados a fls. 5 e 6, cujo teor se considera reproduzido.
-
Depositário: o detentor dos bens;
-
Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 406.º, do Código de Processo
Civil.
- O
pagamento das custas processuais é um encargo que impende sobre a requerente, a
atender na acção principal, segundo artigos 527.º, 539.º, e 607.º, n.º 6, todos
do Código de Processo Civil.
-
Após o arrolamento, proceda à notificação do requerido para recorrer ou deduzir
oposição no prazo de 10 dias – artigos 365.º, n.º 3, 366.º, n.º 1 e 5, e 293.º,
n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
Notifique
e registe”.
Em
sequência e notificado o Requerido, não foi deduzida oposição nem interposto
recurso, nos termos do artigo 372.º do Código de Processo Civil.
Com
este enquadramento inicial vale aqui o que - lapidarmente – se escreveu no
Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2006 (Processo n.º 9483/2006-7-Ana Resende): “porque
estamos em sede de procedimento cautelar, retém-se, desde logo, que se visa,
tão só, a composição provisória de um litígio, quando a mesma se mostre
necessária para assegurar a utilidade da decisão a proferir, atingindo-se a
efectiva tutela jurisdicional da pretensão do requerente, e a que está
associada a ideia de instrumentalidade, no sentido de dependência da acção
através da qual tal tutela se concretiza, numa decorrente adequada celeridade e
estruturação simplificada do processado, com a formulação de um juízo de
verosimilhança sobre a existência do direito que se pretende acautelar.
Em
particular, no [que] concerne ao
arrolamento, resulta claramente da lei que o objectivo deste procedimento cautelar
prende-se com a conservação de bens ou documentos para evitar o respectivo
extravio, ocultação ou dissipação, consistindo na sua descrição, avaliação ou
depósito, requerida por quem tenha interesse nessa conservação, ficando na
dependência, em termos de instrumentalidade, da acção à qual interessa a
correspondente especificação(…).
Em
casos como o dos autos, pode qualquer dos cônjuges requerer o arrolamento de
bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro, como
preliminar de acção de divórcio, possibilitando ou assegurando a conservação
dos mesmos, até à realização da partilha para que a mesma seja justa,
prescindindo até a lei da alegação e prova do justo receio de extravio,
ocultação ou dissipação dos bens(…).
Na
realidade, podendo presumir-se que na iminência de um divórcio o casal vive em
estado de conflito, a determinação dos bens, para que no momento da partilha
não haja a sua possível ocultação, bem como a sua conservação, evitando uma
eventual negligente, ou mesmo dolosa, deterioração, configura-se em termos da
providência em causa, como sendo a adequada para prevenir a lesão dos
interesses patrimoniais de qualquer dos cônjuges que a requeira como
preliminar, ou incidente, da acção de divórcio, mas também de separação judicial
de pessoas e bens e declaração de nulidade ou anulação de julgamento”.
Na
mesma linha, e a propósito deste arrolamento previsto no artigo 409.º do Código
de Processo Civil (no Código anterior, no artigo 427.º), Abrantes Geraldes assinala que a conflitualidade conjugal se
reflecte “sobremaneira no modo como cada um dos cônjuges passa a
comportar-se relativamente aos bens comuns ou aos bens do outro colocados sob a
sua administração. Daí até à apropriação indevida de bens, à sua ocultação ou à
prática de actos em detrimento do outro, a distância é tão curta que só o
acionamento imediato de meios preventivos se mostra satisfatório para acautelar
os direitos do cônjuge interessado”, concluindo que é “o
arrolamento que garantirá a justa partilha dos bens, logo que o divórcio ou a
separação judicial sejam concretizados”[2].
Daqui
decorre que a presente providência cautelar e a instância que ela representava
atingiu os seus objectivos e cumpriu o que dela se esperava (Pedido-Decisão-Não
oposição): o arrolamento foi pedido, o arrolamento foi decretado, não houve oposição
(nem recurso) e, consequentemente, o receio de dissipação ou extravio dos bens
arrolados ficou controlado e assegurado o fim cautelar da providência.
Por
outro lado, a instância, com o
julgamento e a decisão proferida extinguiu-se,
nos termos do artigo 277.º (Causas de extinção da instância), alínea a), do Código de Processo Civil.
E
aqui importa dizer que se a instância se extinguiu, os seus efeitos não: uma
coisa é a instância, outra a caducidade dos efeitos da decisão proferida.
Recorrendo
agora a Marco Carvalho Gonçalves, podemos
sem dificuldade afirmar que, destinando-se “o arrolamento a impedir a
dissipação ou o extravio dos bens comuns do casal ou de bens próprios do
requerente que estejam sob a administração do requerido, essa providência
cautelar caducará logo que se mostre concluído o inventário subsequente ao
divórcio, atenta a extinção do receio de dissipação dos bens objeto do
arrolamento”[3].
Portanto,
se caduca “logo que se mostre concluído o inventário”,
também só caduca, quando se
mostre concluído o inventário.
Repare-se,
embora tenha como acção principal a acção de divórcio, a instrumentalidade do
arrolamento enquanto providência cautelar vai para além desta última[4],
reflectindo-se (e tendo aí o seu auge definitivo de utilidade) no
inventário subsequente[5], como
resulta directamente do preceituado no n.º 2 do artigo 408.º do Código de
Processo Civil[6], onde se determina que o
auto de arrolamento sirva de descrição no inventário a que haja de proceder-se:
considerando a finalidade do arrolamento, este não poderá deixar de subsistir
até que ela seja alcançada[7].
Ou
seja, desde que intentada a acção de divórcio de que é dependente[8], nem sequer
é o decretamento deste que implica a caducidade do arrolamento[9], será
mesmo a concretização da partilha[10], por
ser aí que deixam de subsistir os motivos que o originaram e os bens deixam de
ser comuns ou próprios e administrados pelo outro: nas sempre lúcidas e
sintéticas palavras do Juiz Conselheiro Menéres
Pimentel (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 1989, no
Processo n.º 076648), só concluídos “o divórcio e o inventário subsequente,
parece óbvia a extinção do receio de dissipação prevenido no referido preceito,
caducando o arrolamento”.
Este (o arrolamento) não é o processo
principal, é apenas o processo apenso[11]
ao (primeiro) processo principal (o de divórcio) e um processo que releva para
o processo de inventário onde o património do ex-casal será partilhado (apenso
J), que passa a ser o (último e definitivo) processo principal.
Podemos
assim dizer - como no Acórdão da Relação do Porto de 02 de Maio de 2000
(Processo n.º 9920817-Marques de Castilho)
- que o “arrolamento
subsiste e mantém a sua eficácia para além da decisão que julgar a acção de
divórcio até ser efectuada a partilha dos bens” e que, quando esta ocorrer, quando
for proferida a sentença homologatória da partilha[12]
(artigos 1122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), aí sim (e só aí) pode
extinguir-se, por caducidade, a medida cautelar.
Em
conformidade com o acabado de expor, já se vê que assiste total razão ao
Recorrente, uma vez que a decisão do Tribunal a quo (de julgar extinta a instância por deserção), nem em termos
formais (uma vez que a instância se mostra já finda com a decisão de
arrolamento, sem oposição nem recurso), nem em termos materiais (tomando-a como
uma declaração de caducidade da providência) se mostra correcta: o arrolamento
está vigente e está-lo-á até que a partilha dos bens do casal se concretize no
processo de inventário que corre[13]
termos no apenso J.
Nos
presentes autos (que se mostram findos), nada tem a Requerente (ora Recorrente)
de impulsionar, restando apenas fazer o acompanhamento do desenrolar do aludido
processo de inventário, para se verificar o momento em que nele venha a ocorrer
a sentença homologatória da partilha e, com esse conhecimento, possa aqui ser
declarada a extinção, por caducidade, da medida cautelar.
A
decisão sob recurso será, assim, revogada, em conformidade, procedendo a
apelação.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar procedente a apelação
e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando-se que prossigam
os autos, continuando o acompanhamento do Processo n.º 600/18.2T8LSB-J, do qual
é, neste momento, instrumental.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 21 de Junho de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1]
Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do
Processo Civil, IV volume, Procedimentos Cautelares Especificados, 3.ª edição
revista e actualizada, Almedina, 2006, página 289 (acrescentando, na página
293, que este arrolamento “visa, em última instância, garantir a equitativa
partilha dos bens comuns”).
[3]
Marco Carvalho Gonçalves, Providências
Cautelares, 4.ª edição-reimpressão, Almedina, 2021, página 268.
Na mesma linha,
assinala-se no Acórdão da Relação do Porto de 23 de Março de 2006 (Processo n.º
0631466-Saleiro de Abreu) que a
“providência tem como finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação de
bens comuns, ou de bens próprios do requerente mas que estejam sob a
administração do outro cônjuge” e que se pretende “garantir que tais bens
existam no momento em que se efectue a partilha e, assim, garantir uma
equitativa partilha dos bens comuns do dissolvido casal”.
[4] Lopes Cardoso afirma mesmo que o arrolamento subsiste e firma “a
sua eficácia para além da decisão que julgou procedente a causa de que foi
preliminar ou incidente.
Dá-se, por assim
dizer, como que uma «extensão dos seus efeitos». Na certeza de que a «partilha»
é uma das consequências necessárias da causa em que foi decretado” (in Partilhas Judiciais (Teoria e
Prática), Volume III, 4.ª edição, Almedina, 1991, página 356).
[5] Voltando ao já citado
Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2006 (Processo n.º
9483/2006-7), decretado o divórcio, permanece “inteiramente válida a razão de
ser do arrolamento efectuado, pois mantém-se inalterado o direito a uma
partilha justa que o procedimento visa assegurar, e assim, intocada a sua
utilidade bem como afastada a sua caducidade, prevendo-se até, que o auto de
arrolamento sirva de descrição no inventário a que se venha a proceder”.
Também no Acórdão da Relação
do Porto de 23 de Março de 2006 (Processo n.º 0631466-Saleiro de Abreu) se assinala que o arrolamento especial previsto
no art. 427º [actual 409.º] é
preliminar, ou dependência, do tipo de acções aí mencionadas (v.g. divórcio), e
não do inventário. Por isso, não lhe é aplicável o regime geral de caducidade
das providências cautelares fixado na al. a) do nº 1 do art. 389º do CPC” [actual 373.º, n.º 1, alínea a)].
[6]
Artigo 426.º,
n.º 3, no Código de Processo Civil anterior.
[7]
Assim,
expressamente, RP 23/03/2006 (Processo n.º 0631466, cit.).
[8] O arrolamento é
preliminar da acção de divórcio e não do inventário para partilha dos bens matrimoniais,
pelo que só a sua não propositura no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo
373.º, “pode levar à caducidade da providência cautelar; a data de instauração
do inventário nada tem a ver com isso” (assim, STJ 13/12/1997, Processo n.º 96B903-Almeida e Silva, publicado no Boletim do
Ministério da Justiça n.º 464, página 538; e RP 23/03/2006, Processo n.º
0631466-Saleiro de Abreu, cit.; Lopes Cardoso, Partilhas…, cit., página
358).
Inexistindo norma para
o arrolamento similar à que se estipulou para o arresto no artigo 395.º, o
inventário pode, pois, ser intentado sem um prazo que imponha a caducidade do
aludido arrolamento (António Abrantes
Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil
Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 501). Sobre esta questão,
com desenvolvimento, Temas da Reforma…, cit., páginas 291-293.
[9] “não pode deixar de
concluir-se que o facto de ter sido já decretado o divórcio entre as partes não
importa a caducidade, nem tão pouco a inutilidade da providência de
arrolamento” – RL 12/12/2006, cit..
[10]
Sendo certo que
no Acórdão da Relação de Guimarães de 12/01/2010 (Processo n.º
642/07.3TCGMR-H.G1-Isabel Fonseca) se
decidiu que “o arrolamento se esgota, pela sua própria natureza, com a
apresentação da relação de bens no processo de inventário”, uma vez que instaurado
este e aí apresentada aquela, incluindo os “que constam do auto de arrolamento,
aproveitando-se, pois, esse acto processual”.
[11] Numa relação que Abrantes Geraldes apelida de
“instrumentalidade imediata” (Temas da Reforma…, cit., página 291).
[12]
Por todos, Carla Câmara, O Processo de Inventário
Judicial e o Processo de Inventário Notarial-O inventário judicial introduzido
no Código de Processo Civil pela Lei n.º 117/19, de 13 de Setembro; O
inventário notarial antes e depois da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro,
Almedina, 2021, páginas 102-104, 130 e 186-189 (vd., ainda, sobre o regime da
Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, Filipe
César Vilarinho Marques, A Homologação da Partilha, in Julgar, n.º 24, 2014, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/10-Filipe-C%C3%A9sar-Marques-Homologa%C3%A7%C3%A3o-da-partilha.pdf
[consultado em 09/06/2022].
[13] Não resulta claro da
consulta feita no CITIUS, situação exacta respeitante aos processos de
inventário subsequentes ao processo de divórcio (embora esse desenho decorra de
ofícios juntos e despachos proferidos, no sentido de que terão existido dois
processos intentados por cada um dos ex-cônjuges, em situação de litispendência
e que, eventualmente, terá já sido resolvida), bem assim como de um incidente
de suspeição e recursos no apenso J, mas certo é que pelo menos este está ainda
pendente.
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