Processo n.º 10866/19.5T8LSB-A.L1
Tribunal
a quo - Tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa-Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 20
Recorrente
- G…
Recorrida - P…, S.A
Sumário:
I – O
regime da apresentação da prova documental em processo civil mostra-se
estruturado em três patamares temporais:
-
o regime-regra previsto no n.º 1 do artigo 423.º do Código de Processo Civil,
de acordo com o qual “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da
ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os
factos correspondentes”;
-
num segundo nível, de excepção, o n.º 2, permite que “Se não forem juntos com o
articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da
data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa,
exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”;
-
e, num terceiro nível, o n.º 3, acrescenta que “Após o limite temporal previsto
no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha
sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha
tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
II – Este regime perdura até ao encerramento da discussão, nos termos
do artigo 425.º.
III – A ratio deste regime
conjuga economia processual, auto-responsabilidade das partes, com uma cláusula
geral de adequação, visando obstar à ocorrência de surpresas no julgamento,
decorrentes da junção inesperada de documentos, com consequentes arrastamento
ou adiamento de audiências, assim se promovendo uma maior lisura e cooperação
processual na definição das estratégias probatórias”.
IV - ultrapassado o momento inicial da acção (n.º 1) e o dos 20 dias
antes do início da audiência (n.º 2), a junção de documentos, para ser
admitida, pressupõe a presença de dois requisitos cumulativos (que têm de se
alegados e provados pelo/a requerente:
i- o não ter sido possível
fazê-lo até esse momento;
ii- que essa junção/apresentação
se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior.
V – A apreciação dos requisitos referidos deve ser feita considerando
um padrão de comportamento de normal diligência por parte do/a apresentante.
VI – O conceito de “ocorrência posterior” implica sempre uma
apreciação casuística, mas só pode respeitar a factos instrumentais ou
relativos a pressupostos processuais, e não a factos essenciais (porque se
reportados aos principais, isso seria a abertura de uma porta lateral que o
legislador não quis manifestamente abrir, ao lado da principal que fechou).
VII – O objectivo deste regime não é o de permitir produzir uma nova
prova sobre os factos, corrigindo a anteriormente feita (ou não) nos tempos
processualmente adequados.
VIII - A
concreta configuração dos factos dada no decurso das suas declarações faz parte
quer do que é a natureza (única e personalizada) de um depoimento testemunhal,
quer do que é expectável num depoimento sobre o relacionamento comercial entre
empresas.
IX - O depoimento em que a testemunha se refira a factos anteriormente
alegados nos autos não pode constituir ocorrência posterior justificativa de
apresentação de documento fora dos tempos legalmente previstos, uma vez que não
se reporta “a um facto novo de que o juiz pode conhecer”.
X – O uso do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC
nesta matéria deve estar reservado para obstar a situações iníquas, sob pena de
constituir um benefício do infractor às regras razoáveis e compreensíveis que
regem a apresentação da prova documental nos processos.
XI - As declarações de parte não são um meio para a parte pontuar, comentar ou retocar a restante prova produzida, nem – noutro plano – constituem ou podem ter a veleidade de constituir uma segunda oportunidade para complementar probatoriamente as suas insuficiências anteriores, ou a displicência com que pudesse ter encarado a produção da prova, nomeadamente depois de esta já ter ocorrido e originado uma situação factual configurada ou estabelecida (devendo indeferir a realização de novas declarações de parte, a pedido desta, para “responder” a uma testemunha).
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
No decurso do processo
declarativo sob a forma comum que G…
intentou contra P…[1], em sede
de audiência de julgamento veio a ser proferido o seguinte Despacho:
“I –
Requerimento a ref.ª 32336224 [41996886] e resposta a ref.ª 32392716 [42057929]:
A
Autora, a ref.ª 32336224 [41996886], veio requerer a admissão de 12 documentos,
bem como requerer a nova tomada de declarações de parte de MS.
A
ref.ª 32392716 [42057929], a Ré respondeu, opondo-se à junção dos documentos,
bem como à nova tomada de declarações de MS, invocando, em suma, que não se
verificam os pressupostos legais e inexistindo factos novos.
1 –
Da junção dos documentos:
Para
a junção dos documentos, a Autora invoca que na audiência final de 29 de Março,
a testemunha AR aflorou matéria atinente à factura emitida pela Ré à Autora no
valor de € 152.535,10, em Junho de 2017. Refere que a alegada existência de
indicação ou aprovação da Autora, através de AC, para a emissão da factura em
discussão, constitui um facto novo e que a suposta existência de valores de facturação
premeditadamente inflacionadas pela Autora, por decisão de um antigo membro da
sua administração, também constitui um facto novo.
Conclui
que esses factos referidos por essa testemunha são falsos e que os documentos
que ora requer a sua junção são relevantes e essenciais à descoberta da verdade,
na exacta medida em que infirmam factos relatados na audiência final.
Invoca
ainda que a testemunha SM, ouvido na segunda sessão, fez referência a débitos
referentes a campanhas / acções promocionais assinadas por AC, sem nunca
especificar a que débitos se referia, nem concretizou as acções promocionais
subjacentes às notas emitidas, respectivas datas e valores em questão.
Refere
que apesar de a Ré ter junto com a sua contestação documentos atinentes a
supostas acções promocionais, nunca alegou que algum desses documentos houvesse
sido assinado por AC, pelo que se trata de matéria nova e conclui que a junção
dos documentos ora apresentados são pertinentes e relevantes para a descoberta
da verdade.
Cumpre
apreciar e decidir.
Nos
termos dos artigos 423.º e 425.º do Código de Processo Civil, a apresentação de
documentos em primeira instância pode ocorrer em três momentos distintos:
1 -
com o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes.
2 -
até 20 dias antes da audiência final.
3 -
até ao encerramento da discussão quando a apresentação, não tenha sido possível
até àquele momento; ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Os
documentos são apresentados depois de iniciada a audiência final e foi-o com a invocação
de verificação de factos novos provenientes dos depoimentos das testemunhas AR e
SM.
Invoca
a Autora que essas testemunhas fizeram declarações que constituem factos novos
e por isso, requer a junção de documentos para infirmar tais declarações.
A
lei não indica o que possa considerar-se como ocorrência posterior. Mas a ocorrência
posterior não pode decorrer das meras declarações de testemunhas.
Pois,
as declarações das testemunhas não constituem factos mas são meios de prova
para a afirmação ou não de factos.
Ora,
as referidas testemunhas depuseram sobre factos já trazidos ao processo pelos
diversos articulados apresentados pelas partes.
Se
esses factos já foram invocados pelas partes nos respectivos articulados e enunciados
nos temas da prova, os documentos deveriam ter sido juntos com os respectivos
articulados ou, com multa, até 20 dias antes da data da audiência final, como decorre
do artigo 423.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Ora,
se as testemunhas se referiram a factos essenciais (alegadamente novos), os
mesmos deveriam constar dos temas da prova e enquadrarem-se no objecto do
litígio, o que não é o caso.
O
depoimento, ou parte de depoimento, apto a constituir ocorrência posterior justificativa
de apresentação de documento, fora dos tempos legalmente previstos, terá de ser
aquele que afirma um facto novo de que o juiz pode conhecer. Como os factos essenciais
têm de constar necessariamente de articulado ordinário ou extraordinário, poderá
concluir-se que este facto novo será de natureza instrumental, complementar ou concretizador.
Quanto
aos factos (não alegados) que sejam complemento ou concretização dos que as
partes alegaram e resultem da instrução da causa, a sua consideração pelo juiz implica
o contraditório pleno - refutação e prova – nos termos do artigo 5.º, n.º 2,
alínea b), do Código de Processo Civil.
Assim
sendo, a introdução de um facto com tal natureza em sede de depoimento de uma
testemunha, sempre autorizaria, por esta norma, a produção de prova, v.g.
documental, em momento ulterior aos previstos no artigo 523.º, n.º 1 e 2, do Código
de Processo Civil. A excepção da segunda parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC,
é meramente concretizadora daquele princípio no que à prova documental
concerne.
Os
factos instrumentais, indiciários ou probatórios, serão assim o campo natural de
aplicação da norma da segunda parte do artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo
Civil.
Factos
instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito, por
servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem
à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas
para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores
do direito ou da excepção.
Conclui-se
assim que o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior
que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos
no artigo 423.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, desde que no seu depoimento
invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como
factos essenciais.
Ora,
no entender da Autora, a testemunha AR no que concerne à emissão da factura no
valor de € 152.535,10 refere que houve indicação ou aprovação da Autora,
através de AC e que a existência de valores de facturação foram premeditadamente
inflacionados pela Autora. Por outro lado, a testemunha SM não especifica a que
débitos se refere, nem concretiza as acções promocionais, subjacentes às notas
emitidas, respectivas datas e valores em questão.
Isto
não são factos, são afirmações contrárias aos factos que constam dos articulados
ou são afirmações vagas e / ou imprecisas.
Inexiste
por isso ocorrência posterior justificativa da apresentação, pelo que conclui-se
pela intempestividade da apresentação e inadmissibilidade da junção dos documentos.
2 –
Das novas declarações de parte de MS.
A
Autora requer que sejam tomadas novas declarações a MS, aos artigos referidos
no requerimento ora em apreço.
Refere
que MS já foi ouvido, mas estando em causa factualidade nova e relevante e que,
no caso da alegada decisão da Autora de inflacionar facturas, chega a ser
caluniosa e lesiva da sua honra, assistindo-lhe o direito de contraditá-la por via
da prestação de novas declarações.
Ora,
como foi anteriormente referido quanto à questão da junção dos documentos, não
estamos perante factos novos, pelo que não há fundamento para ser ouvido
novamente MS em declarações de parte.
*
Pelo
exposto, indefere-se o requerido pela Autora no que respeita à junção dos documentos,
bem como quanto às novas declarações de parte de MS e, em consequência,
ordena-se o desentranhamento dos documentos apresentados com o requerimento de
ref.ª 32336224 [41996886].
Tendo
em conta que o requerimento em apreço é uma ocorrência estranha ao desenvolvimento
normal da lide, condena-se a Autora nas custas do incidente que se fixa em 2
(duas) UC’s, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 4 e n.º 8,
do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique”.
Destes
despachos veio a Autora apresentar Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
A - Ao indeferir a junção
aos autos dos documentos n.º 1 a n.º 8 apresentados pela Recorrente
(requerimento com a referência Citius 41996886), o Tribunal a quo violou o disposto
no artigo 423.º, n.º 3 do CPC , bem como o princípio do inquisitório, consagrado
no artigo 411.º do mesmo diploma legal.
B. - Nos termos do artigo
423.º, n.º 3 do CPC, após o limite temporal previsto no n.º 2 do mesmo preceito
normativo, são admitidos no processo os documentos cuja apresentação se tenha
tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
C. No caso vertente, no de
curso do depoimento prestado em audiência, a testemunha AR relatou factos novos
atinentes à emissão de um débito pela Recorrida no valor de EUR 152,535.10
D. A testemunha AR afirmou,
designadamente, que a sua intervenção a esse respeito discutindo e validando a
emissão do referido débito com a Recorrida, se deu a pedido de AC, da direcção
comercial da Recorrente, e em estreita coordenação com aquele
E. Cotejando os articulados
das partes, constata-se que as afirmações da testemunha AR vieram introduzir um
elemento novo, nunca até então invocado no processo
F. Com efeito, nunca, nesses
articulados a Recorrida mencionou o nome de AC, muito menos alegou que este
tivesse estado presente, ainda que à distância, em qualquer reunião mantida com
AR para discutir o débito em questão;
G. Em prol da sua pretensão,
a Recorrida limitou se a alegar que as facturas emitidas pela Recorrente foram
«emitidas por valores incorrectos, apenas parcialmente devidos» e que, com
vista a rectificar a situação, acordou a emissão de uma nota de débito com AR,
agente da Recorrente e pessoa que a Recorrida reputa sempre, ao longo dos
referidos articulados, de «representante da Autora»
H. Por se tratar de
factualidade nova, de que o Tribunal a quo pode conhecer, impunha-se que este
tivesse admitido a junção do acervo de e mails apresentado pela Recorrente, ao
abrigo do previsto no artigo 423.º, n.º 3 do CPC
I. Conforme tem vindo a ser
defendido pela jurisprudência, consubstancia ocorrência posterior justificativa
de apresentação de documento, fora dos prazos previstos no n.º 1 e n.º 2 do
artigo 423.º do CPC, o depoimento que afirma um facto novo de que o juiz pode
conhecer (cfr., por todos, o acórdão deste Venerando Tribunal com data de 26 de
Setembro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º
27/18.6T8ALQ27/18.6T8ALQ--A.L1A.L1--66 e disponível em www.dgsi.pt);
J. Configura também
ocorrência posterior, para efeitos da lei, o depoimento prestado em audiência
por testemunha, visando a junção de documentos demonstrar a falsidade dos
factos referidos nesse depoimento (cfr. o acórdão deste Venerando Tribunal com
data de 8 de Fevereiro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º
207/14.3TVLSB.L1 e igualmente disponível em www.dgsi.pt)
K.
Assim acontece no vertente caso;
L. Os documentos ora em
causa, cuja pertinência só se fez sentir na sequência do depoimento de AR,
tornam claro que, ao contrário do que este relatou, a emissão do débito em
discussão não foi antecedida nem acompanhada de qualquer conversa com AC, muito
menos de qualquer indicação sua;
M. Ainda que assim não
fosse, sempre se impunha que os referidos documentos tivessem sido admitidos ao
abrigo do princípio do inquisitório e do poder-dever previsto no artigo 411.º
do CPC, visto que a relevância que assumem para a boa decisão da causa excede largamente
as eventuais desvantagens decorrentes da sua junção;
N. Iguais conclusões podem
ser retiradas relativamente aos documentos n.º 9 a n.º 11, juntos pela
Recorrente;
O. No seu depoimento, AR aludiu
a suposta decisão de Paulo Iacono, antigo administrador da Recorrente, de
falsear valores de facturação, inflacionando-os deliberadamente, tudo com vista
a permitir à Recorrente alcançar determinados resultados financeiros no fecho do
exercício de 2016;
P. Tal explicaria, no dizer
da testemunha, a necessidade da necessidade de rectificar as facturas emitidas
pela Recorrente;
Q. Também aqui foi a
Recorrente totalmente surpreendida pelo relato da testemunha, que para além de
incidir sobre circunstancialismo novo, trazido então pela primeira vez ao
processo, se mostra totalmente falso e assume carácter gravemente calunioso;
R. Por assim ser, nunca o
Tribunal a quo podia ter decidido
pela inadmissibilidade da junção dos documentos n.º 9 e n.º 10, documentos que
comprovam, com toda a clareza, que aquando da emissão de parte muito
significativa das referidas facturas pela Recorrente, já Paulo Iacono havia
abandonado a empresa e a sua administração;
S. Do mesmo passo, deveria o
Tribunal a quo ter admitido a junção
do Doc. n.º 11, também pertinente e relevante, já que dele se retira que,
contrariamente ao afirmado pela testemunha AR, a Recorrente não teve o fecho do
seu ano financeiro em Junho de 2016;
T. Ao decidir como decidiu,
o Tribunal a quo violou mais uma vez o disposto nos artigo 423.º, n.º 3 e 411.º
do CPC;
U. Sendo ainda certo que, ao
coarctar à Recorrente a possibilidade de contraditar as afirmações ligeiras e
caluniosas da testemunha, o Tribunal fez igual mente tábua rasa das exigências
do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do CPC);
V.
Censura idêntica merece a decisão recorrida no que tange ao Doc. n.º 12;
W. No seu depoimento, a
testemunha SM afirmou que alguns dos débitos atinentes às acções promocionais
alegadamente acordadas com a Recorrente foram assinados por AC;
X. Com a contestação, a
Recorrida juntou aos autos documentos respeitantes a supostas acções
promocionais (cfr. documentos 41 a 47 da contestação)
Y. Sucede que a Recorrida
manteve sempre que era com AR, agente da Recorrente, que «em todos os momentos
eram tidas conversações quanto à efectiva relação comercial, sendo este o
contacto junto da R. para a discussão de qualquer assunto, nomeadamente,
acordadas as quantidades a encomendar, as acções promocionais inerentes à
comercialização dos produtos e todas as outras condições específicas» (artigo
33.º da contestação);
Z. Com efeito, nunca a
Recorrida alegou que que algum desses documentos tivesse sido assinado por AC,
a quem de resto, muito sintomaticamente, não é feita qualquer referência na
contestação;
AA. Ao afirmar que AC assinou
débitos promocionais, a testemunha SM introduziu factos novos no processo;
BB. Por essa razão impunha
se que o Tribunal a quo tivesse admitido a junção do referido Doc n.º 12 cujo
teor permite infirmar que AC tenha aposto a sua assinatura em qualquer um dos
débitos invocados pela Recorrida;
CC. Assim não sucedeu,
porém, voltando o Tribunal a quo, com a sua decisão, a violar as normas dos
artigo 423.º, n.º 3 e 411.º do CPC;
DD. Pelas razões invocadas,
isto é, por se estar perante factualidade nova de que o Tribunal a quo pode
conhecer, mal andou este ao indeferir a tomada de novas declarações de parte à
Recorrente;
EE. Com tal decisão, o
Tribunal a quo não apenas coarctou à Recorrente um direito que direito que lhe
assiste nos termos do artigo 466.º, n.º 1 do CPC (direito esse direito esse
cujo exercício não acarreta qualquer prejuízo para a igualdade de armas, visto
que a Recorrida poderá sempre, a qualquer momento até ao início das alegações
orais, a qualquer momento até ao início das alegações orais, requerer igualmente
a prestação de declarações de parte), como voltou a sacrificar as exigências do
contraditório e da descoberta da verdade material;
FF. Deve assim o despacho
proferido ser integralmente revogado e substituído por outro que, aplicando
correctamente as normas previstas nos artigos 423.º, n.º 3 e 411.º 3.º, n. º3 e
466., n.º 1 do CPC , admita os meios de prova requeridos pela Recorrente.
Por seu turno, a
Recorrida apresentou Contra-Alegações,
culminando com as seguintes Conclusões:
1. Não existe qualquer
fundamento para que a Recorrente venha agora proceder à junção
aos autos de diversos documentos, junção essa tardia e intempestiva, não lhe
assistindo qualquer razão na sua pretensão.
2. Os documentos que a
Recorrente pretende juntar foram apresentados depois de se ter dado início à
audiência final, sendo certo que, nos termos dos artigos 423.º e 425.º do CPC,
a junção de documentos apenas pode ocorrer nos três momentos distintos aí
previstos.
3. Das declarações de duas
das testemunhas arroladas pela Recorrida, os Senhores AR e SM, não resulta a
introdução de quaisquer elementos novos nunca relatados nos autos, tal como
invocando pela Recorrente, tais declarações são apenas meios de prova que visam
confirmar, ou não, os factos já trazidos para os autos pelas Partes e que
serviram de base à criação dos temas da prova em discussão.
4. Apesar de indicar várias
vezes que existem factos novos a Recorrente não indica que factos são esses e
que temas da prova daí deveriam resultar.
5. Todos os documentos agora
juntos são prévios à propositura da ação e podiam ter sido juntos com a Petição
Inicial ou com a Réplica, sendo certo que a Recorrente optou por não os juntar,
não existindo qualquer fundamento para admitir uma ocorrência posterior,
justificativa de apresentação dos documentos fora dos tempos previstos no art.º
423.º do CPC.
6. O Tribunal a quo decidiu
bem ao concluir pela intempestividade da apresentação dos documentos em causa
que e pela inadmissibilidade da respectiva junção.
7. Diga-se ainda que, a
propósito de eventuais declarações que poderiam ter sido prestadas pelo Senhor
AC, testemunha arrolada pela Recorrente, as mesmas não ocorreram pelo simples
facto de a Recorrente ter prescindido do seu depoimento.
8. De igual forma não existe
fundamento no pedido apresentado pela Recorrente para a tomada de novas
declarações de parte pelo Senhor MS, invocando que, estando em causa
factualidade nova a discutir, lhe assiste o direito de sobre tais factos novos
se pronunciar.
9. Tal como invocado a
propósito da junção de novos documentos, também quanto à tomada de declarações
de parte não existe qualquer fundamento para ser ouvido novamente o senhor MS.
10. A Recorrida acompanha
integralmente o entendimento do Tribunal ad quo também quanto a este ponto.
*
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição
inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[2]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu,
e na decorrência das Conclusões da Recorrente, há que verificar:
I
– da correcção do despacho recorrido quanto ao indeferimento da junção de
documentos em audiência;
I
– da correcção do despacho recorrido quanto ao indeferimento de novas
declarações de parte pela Autora.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
***
Fundamentação
de Facto
A
factualidade relevante é a constante do Relatório supra.
*
Fundamentação
de Direito
“Os
documentos não são factos, antes meios de prova de factos. Por isso se
justifica que a sua apresentação coincida com a alegação dos factos que a parte
se propõe demonstrar, solução que, em certa medida, foi agora estendida aos
demais meios de prova, os quais devem ser apresentados ou requeridos com os
articulados (artº 552º nº 2, 572º alínea d), 588º n.º 1 e n.º 5), ainda que
seja admitida alteração posterior do requerimento probatório (art. 598º). Na
realidade, a alegação dos factos não deve jamais desligar-se da indicação dos
meios de prova disponíveis para a sua demonstração, fazendo, assim, todo o sentido
a regra que faz coincidir a ocasião em que são alegados os factos com a
constituição do ónus de indicação dos meios de prova, sem prejuízo dos casos de
posterior modificação”: é assim que Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa começam
por enquadrar a matéria da apresentação da prova documental nos processos
judiciais.
Sob
a epígrafe “Momento da apresentação” é o artigo 423.º do Código de Processo
Civil que regula essa oportunidade de junção.
Assim,
no seu n.º 1, começa por se definir o regime-regra, de acordo com o qual
“Os
documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem
ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.
Assente
este primeiro nível, os números 2 e 3 prevêem, de seguida, situações de
excepção:
-
num segundo nível, o n.º 2, permite que “Se não forem juntos com o
articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da
data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa,
exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”;
-
e, num terceiro nível, o n.º 3, acrescenta que “Após o limite
temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja
apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja
apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
O
regime assim definido funciona até ao encerramento da discussão, como decorre
do artigo 425.º[3] (“Apresentação
em momento posterior”), onde se admite que, depois “do
encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos
cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Procurando
explicar e fazer compreender este regime[4],
afirma o Acórdão da Relação do Porto de 02/07/2020 (Processo n.º
285/14.5TVPRT.P1-Paulo Duarte Teixeira)
que o “elemento
sistemático demonstra que o legislador optou por antecipar o momento preclusivo
para a junção de documentos temperando essa exigência de economia, e
auto-responsabilidade das partes, com uma cláusula geral de adequação que
permite a introdução de novos meios de prova, quer no decurso do julgamento
quer até num momento posterior ao da própria decisão em primeira instância.
Visa-se
com estas normas, eliminar incidentes morosos na tramitação processual que a
experiência demonstrava serem usados de forma habitual pelas partes impondo
assim um dever de atuação célere às partes e seus mandatários”.
Na
mesma linha, o Acórdão da Relação do Porto de 07/01/2019 (Processo n.º 3741/17.0T8MTS-A.P1-Carlos Querido) conclui que o “legislador
visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um
qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no
arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior
lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias”[5].
A controvérsia que dá origem
a recurso em apreciação suscita-se a propósito da interpretação do n.º 3 do
artigo 423.º.
Quanto
a este, há que sublinhar que ultrapassado o momento inicial da acção (n.º 1 –
junção sem custos) e o dos 20 dias antes do início da audiência (n.º 2 – junção
com multa[6], se
não fizer a prova da impossibilidade de o fazer com o articulado), a junção de
documentos, para ser admitida, pressupõe a presença de dois requisitos cumulativos:
i-
o não ter sido possível fazê-lo até esse momento;
ii-
que essa junção/apresentação se tenha tornado necessária por virtude de
ocorrência posterior.
Trata-se,
como assinalam - com pertinência - João
de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, de uma situação que é similar à
que se prevê como fundamento do recurso de revisão, na alínea c), do artigo
696.º: “a
impossibilidade de apresentação atempada do documento, pode ser subjectiva – se
o documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele – ou objectiva
– se o documento nem sequer existia, porque só foi elaborado posteriormente”[7].
Com
esta norma fica legitimada a “apresentação
imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo
aguardar pelo derradeiro momento pressuposto
pela norma de dilação – o encerramento da discussão em primeira instância (art.
425.º)”[8]
Por
certo temos – em qualquer caso – que a parte tem de alegar e provar
os requisitos necessários[9] à
pretendida junção de documentos[10], só
devendo ser relevadas, [11]como
se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 24/03/2015, “razões
das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal
diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do
documento” (Processo n.º 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1-Fonte Ramos), tudo apreciado, portanto, “segundo
critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência” (Relação
de Lisboa 11/07/2019, Processo n.º 23712/12.1T2SNT-A.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa).
Para
o que aos presentes autos releva é o conceito de ocorrência posterior que
importa densificar, mas que, indubitavelmente, “tem uma natureza que
deve ser casuisticamente averiguada”[12] e
que:
-
“não
respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da ação ou da defesa
(factos essenciais, na letra do art. 5.º), pois tais factos já hão de ter sido
alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião
da dedução de articulado de aperfeiçoamento (art. 590.º, n.º 4)”[13];
-
não se reportará a “factos supervenientes, pois a alegação
desses factos deve ser acompanhada dos respetivos documentos, sendo esse o meio
da sua entrada nos autos (art. 588.º, n.º 5)”[14];
-
não tem que ver com “um facto principal, pois este só pode ser
introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente ou em
articulado dum incidente, como o da habilitação do sucessor no direito
litigioso (arts. 351 e 356), casos já cobertos pela norma do n.º 1” [15];
-
a “apresentação
do documento não se torna necessária
em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto,
ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de
um facto essencial já alegado – ou de um facto puramente probatório. A ocorrência
que torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação
desta matéria, cabendo a situação no n.º 1 deste artigo” [16].
João de Castro Mendes-Miguel
Teixeira de Sousa apontam que, como “ocorrência
posterior também pode valer uma prova produzida na audiência final. Assim, por
exemplo, é admissível a junção de um documento que se destine a infirmar o
depoimento de uma testemunha produzido nessa audiência”[17].
Lebre de Freitas-Isabel
Alexandre sublinham que estará em causa “um
facto instrumental relevante para a prova dos factos principais ou de um facto
que interesse à verificação dos pressupostos processuais, casos em que o
documento que prova esse facto não pode deixar de se ter formado, também ele,
posteriormente”[18].
Abrantes Geraldes-Paulo
Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa,
“no
plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos
instrumentais ou a factos relativos a
pressupostos processuais”, não podendo “criar-se
artificialmente eventos ou incidentes cujo objectivo substancial seja tão só o
de inserir nos autos documentos que poderiam e deveriam ser apresentados em
momento anterior, sob pena de frustração do objetivo disciplinador fixado pelo
legislador e, assim, de prática que se quis assumidamente abolir”[19].
Esta será já uma das
conclusões que podemos afirmar e que desde já se assume: a ocorrência posterior
só pode respeitar a factos instrumentais[20] ou a pressupostos
processuais, não a factos essenciais, portanto (porque se reportados aos
principais, isso seria a abertura de uma porta lateral que o legislador não
quis manifestamente abrir, ao lado da principal que fechou).
Fazendo
um excurso – com alguma exaustividade – pela jurisprudência publicada
encontramos algumas notas divergentes quanto às situações enquadráveis na
ocorrência posterior prevista no n.º 3 do artigo 423.º:
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/2017 (Processo n.º
3410-12.7TCLRS-A.L1-6-Cristina Neves)
decidiu-se que com fundamento na parte final do nº 3 do artigo 423.º do CPC, o “depoimento
de uma testemunha, arrolada nos autos, não constitui nunca ocorrência posterior
que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir
que, a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos,
fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o
legislador procurou estabelecer com esta norma”;
-
no Acórdão da Relação de Évora de 21/12/2017 (Processo n.º 514/07.1TBGDL-A.E1-Victor Sequinho dos Santos) decidiu-se
que não é ocorrência posterior a prestação de declarações de um perito em sede
de audiência relativamente a uma matéria que constituía “um
dos temas centrais” do processo e que, como tal, “não
podia ser considerada, nesse momento processual, como uma questão nova, nem os
esclarecimentos da perita podiam ser considerados, para o efeito previsto na
parte final do n.º 3 do artigo 423.º do CPC, como uma ocorrência posterior que
tivesse gerado a necessidade da apresentação dos documentos. Muito pelo
contrário, tratava-se de uma questão que vinha de trás, que integrou o objecto
da perícia e que foi respondida no relatório desta, pelo que os documentos em
causa deviam ter sido juntos em momento anterior”;
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 08/02/2018 (Processo n.º 207/14.3TVLSB-B.L1-6-António Santos) decidiu-se que “consubstancia
ocorrência posterior, para efeitos do nº 3, in fine, do artº 423º, do CPC, o
depoimento prestado em audiência por testemunha, e visando a junção de
documentos demonstrar que não são verdadeiros factos referidos no depoimento
pela referida testemunha”;
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Processo n.º 20112/15.5T8SNT.L1-6-Maria de Deus Correia) decidiu-se que o
disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC não se destina às situações em que as
partes não localizaram os documentos em tempo útil, por razões apenas a si
imputáveis e que o “depoimento de testemunhas arroladas nos
autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de
documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do nº3 do artº
423 do C.P.C.”, quando essa junção já seria necessária de
acordo com a defesa apresentada na Contestação;
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 25/09/2018 (Processo n.º
744/11.1TBFUN-D.L1-1-Rijo Ferreira)
decidiu-se que o artigo 423.º apenas regula “o direito que assiste às
partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua
pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório”,
acrescendo que isso “não invalida que a junção dos mesmos
documentos possa ser ordenada pelo juiz ao abrigo dos poderes inquisitoriais
previsto no art.º 411º do CPC”.
Mais
de disse que a “ocorrência posterior deve ser relacionada
com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em
vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no
julgamento da causa (relativamente a alterações factuais exteriores ao processo
a forma adequada de as tornar relevantes é a dedução de articulado
superveniente, não se levantando aí qualquer problemática quanto à
possibilidade de com esse articulado se apresentarem os correspondentes
documentos). E nesse conspecto haverá de ter em conta o regime legal
relativamente ao apuramento dos factos relevantes”.
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2019 (Processo n.º 27/18.6T8ALQ-A.L1-6-Ana Azeredo Coelho) decidiu-se que constitui
“ocorrência
posterior justificativa de apresentação de documento, fora dos tempos
legalmente previstos, o depoimento que afirma um facto novo de que o juiz pode
conhecer, não aquele em que a testemunha se refira a factos anteriormente
alegados nos autos” e ainda que os “factos
instrumentais, indiciários ou probatórios o campo natural de aplicação da norma
da 2ª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC”;
- no Acórdão da Relação de
Évora de 21/11/2019 (Processo n.º 5145/18.8STB.E1-A-Manuel Bargado) decidiu-se que as declarações de parte, bem como o
depoimento de testemunhas, não constituem ocorrências posteriores para efeitos
de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte
final do nº 3 do artigo 423º do CPC, sendo que, todavia, “é
possível relacionar a “ocorrência posterior” com a dinâmica do desenvolvimento
do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialética que se
desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa, o
que consistirá, na generalidade dos casos, na revelação de factos
instrumentais, complementares ou concretizadores”, o
que leva a concluir, aceitando esta ideia, que “as declarações de
parte ou o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior
que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos
no artigo 423º, nº 1 e 2, do CPC, desde que no seu depoimento a parte ou a
testemunha invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser
qualificados como factos essenciais”;
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2020 (Processo n.º 1279/13.3TVLSB-D.L1-1-Gabriela Marques)
-
decidiu-se que a “junção tardia de documentos não pode
assentar na circunstância de se pretender fazer contraprova da “narrativa das
testemunhas” apresentadas, pois mesmo estando em causa a eventual contradita,
esta não se destina à contraprova de um depoimento testemunhal, mas sim a
abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal;
-
e acrescentou-se que, considerando “que os meios de prova se
destinam à instrução da causa, ou seja aos factos necessitados de prova, a
junção de documentos terá sempre como pressuposto a enunciação dos factos a
cuja prova ou contraprova se destinam”, sendo que, se os
documentos a juntar já existiam aquando dos articulados “e as
testemunhas indicadas foram inquiridas sobre os factos que foram alegados em
sede de articulados, inexistindo, ou não tendo o Autor alegado como justificativo
de tal junção, factos instrumentais novos que possam determinar a justificação
da junção extemporânea”, não pode justificar-se “a
junção tardia de documentos a circunstância de se pretender fazer contra prova
da “narrativa das testemunhas”, pois caso pretendesse contraditar tais
depoimentos, ou abalar a credibilidade dos mesmos, teria de justificar a junção
com a eventual contradita nos termos do artº 521º do CPC, mas esta com a
indicação em concreto do pressuposto de tal figura. Por outro lado, tal como se
decidiu no Acórdão desta Relação, datado de 6/12/2017 (in www.dgsi.pt/jtrl) a «contradita
não se destina de todo à contraprova de um depoimento testemunhal, destina-se a
abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal,
podendo por esse meio por em causa o teor do seu depoimento, por se demonstrar
não ser esta isenta ou credível.». Também no Acórdão desta Relação de 8/2/2018
se conclui: não tem a contradita por desiderato por em cheque/causa o
depoimento da testemunha propriamente dito, mas antes a pessoa do depoente,
isto é, não se alega que o depoimento é falso, ou a testemunha mentiu, antes
alega-se que por tais e tais circunstâncias exteriores ao depoimento, a
testemunha não merece crédito. É que, como bem salienta J. Alberto dos Reis, “Só
quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela
testemunha é que as declarações desta são postas em causa; mas, ainda aqui não
se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de
conhecimento que ele aponta” (in Código de Processo Civil, Vol. IV, pág. 459);
-
no Acórdão da Relação do Porto de 02/07/2020 (Processo n.º 285/14.5TVPRT.P1-Paulo Duarte Teixeira) decidiu-se que não
integra o conceito de ocorrência posterior “a necessidade de confrontar
uma testemunha com esses documentos, pois os factos carecidos de prova são
fixados em momento anterior.
Ou
dito de outro modo qual é o facto posterior à data limite, não previsível, que
pela sua relevância implique a necessidade da junção aferida de forma objetiva
e à luz de um litigante normalmente diligente.
In
casu, a autora admite que os documentos são pessoais, estavam na sua posse
desde 2013 ou data da sua emissão e, como é evidente a sua pertinência, se
dúvidas houvesse foi estabelecida com a apresentação da contestação e fixação
dos temas de prova, ou seja, muito antes de maio de 2019.
Ou
seja, parece claro que o motivo invocado (necessidade de demonstração de uma
realidade) não era novo, mas já estava fixada em momento anterior e, qualquer
parte diligente teria analisado os meios de prova de que dispunha, pelo menos,
quando os temas de prova foram fixados.
Veja-se
nesta matéria o recente Ac da RC de 22.10.2019, nº 958/19.1T8VIS.C1: “A
necessidade da junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância
(art.651 nº1 CPC) não abrange a hipótese de a parte pretender, com tal
fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter
apresentado em 1.ª Instância.
Aliás
se assim não for, a justificação apresentada (necessidade de contraditar
testemunha) abre a janela para a completa deturpação do regime fixado na lei
com a dedução de perguntas e incidentes visando já uma junção “fraudulenta”.
Por
causa disso, é que existe uma posição jurisprudencial, pelo menos maioritária
segundo a qual a junção de documentos em julgamento não é justificável para
confrontação de testemunhas ou até através da “falsa” dedução de incidentes
como os de contradita. (cfr. Acs da RL de 6.12.2017 e 8.2.2018, in processos
3410/12 e 207/14, e 25.9.2018, nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1 (Rijo Ferreira(…)”.
Apesar
disto, o Acórdão acabou por concluir que “os documentos devem ser
juntos ao abrigo do principio do inquisitório se o interesse destes para a
decisão da causa for superior às desvantagens provocadas na sua tramitação, e
afectação do direito de defesa da parte contrária”,
sendo que a “utilização desse poder dever não afecta a independência
do tribunal, pois, este desconhece e é alheio aos efeitos concretos da decisão;
exerce um poder dever e visa carrear para os autos todos os elementos para uma
decisão conforme com a realidade”;
-
no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/10/2021 (Processo n.º 5984/18.0T8FNC-B.L1-7-Cristina Maximiano) decidiu-se que a “tempestividade
de um documento apresentado com a audiência final a decorrer implica a alegação
e a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a
apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior”,
a qual se não verifica “quando uma testemunha alude a um facto,
ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante dos documentos,
se se tratar de um facto essencial anteriormente alegado nos autos”;
-
no Acórdão da Relação do Porto de 18/10/2021 (Processo n.º 3221/20.6T8PNF-A.P1-Rita Romeira) decidiu-se que, se “a
parte requereu a junção de documentos, no decurso da audiência de julgamento,
invocando que a sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência
posterior, concretizada no falso depoimento por parte do legal representante da
Recorrida, a que visa retirar credibilidade, estamos perante a ocorrência
posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC”:
“Ou
seja, ocorreu circunstância, de todo imprevisível para a apelante, que
justifica, no caso, o pedido de junção dos ditos documentos”;
-
no Acórdão da Relação de Guimarães de 31/03/2022 (Processo n.º 7080/19.3T8VNF.G1-Antero Veiga) decidiu-se que o “depoimento
de uma testemunha não constitui em si uma ocorrência posterior que possa
justificar a junção de documento com esse fundamento, a menos que tal
depoimento traga factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados
como factos essenciais” e que é “de
admitir a junção de documento relativos à situação do próprio depoente, por
este referida no depoimento, se pela sua similitude com a situação em análise,
for de concluir pela sua utilidade para a formação da convicção do julgador”;
-
no Acórdão da Relação do Porto de 04/05/2022 (Processo n.º 24484/16.6T8PRT.P1-Filipe Caroço) decidiu-se que o “depoimento
de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária,
pela sua utilidade, a apresentação de um documento fora dos momentos previstos
no art.º 423º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil (cf. respetivo nº 3),
contanto que se refira a factos não essenciais e não previamente alegados.
Não
tem sido exatamente este o entendimento que, pelo menos, a jurisprudência mais
recente tem produzido. Segundo esta, um depoimento testemunhal ou um depoimento
de parte, por ex., produzidos em audiência, podem constituiu uma “ocorrência
posterior” justificativa da apresentação e admissão de documentos naquela mesma
sede, contanto que não se trate de factos essenciais da ação ou de exceção, a
seu tempo invocados, já que, com a respetiva alegação, deverão ser entregues
também os documentos destinados a fazer a sua prova.
A
“ocorrência
posterior a que se refere o nº 3 não é um facto principal ou essencial ---
estes entram na causa através da alegação nos articulados normais, em
articulado superveniente ou ainda em articulado de um incidente, como o da
habilitação do sucessor no direito litigioso (art.ºs 351º e 356º); situações
abrangidas pela norma do nº 1 do art.º 423º --- mas factos instrumentais e
complementares ou concretizadores relevantes para a demonstração dos factos
essenciais ou nucleares ou de facto que interesse à verificação dos
pressupostos processuais. Note-se que estes factos nem sequer têm que ser
alegados, bastando que resultem da instrução a causa (art.º 5º, nº 2, al.s a) e
b), do Código de Processo Civil).
Assim,
o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna
necessária, pela sua utilidade, a apresentação de um documento fora dos
momentos previstos no art.º 423º, n.º 1 e 2, desde que no seu depoimento
invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como
factos essenciais ou principais e exista um elemento de novidade, mormente por
se prefigurar, em resultado da instrução, nova factualidade instrumental idónea
a suportar presunções judiciais, complementar ou concretizadora de factos
essenciais (integrantes da causa de pedir ou de exceções oportunamente
deduzidas). Os factos instrumentais, indiciários ou probatórios, serão assim o
campo natural de aplicação da norma da 2ª parte do artigo 423º, n.º 3.
Assim
sendo, e acompanhando aquela jurisprudência, temos para nós que o depoimento de uma testemunha pode
constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um ou
mais documentos fora dos momentos previstos no artigo 423º, n.ºs 1 e 2, desde
que no seu depoimento invoque factos relevantes que sejam novos no processo e
não devam ser qualificados como factos essenciais” (carregado
nosso).
“A
junção dos documentos pode contribuir para o esclarecimento daqueles factos
instrumentais probatórios, eliminação do alegado equívoco e, indiretamente,
para boa decisão da causa. É, assim, uma junção de documentos com a utilidade
necessária a contrariar a afirmação da testemunha. Tal junção não ofende
eventuais interesses processuais das partes e a mesma está ainda abrangida pelo
alcance dos temas da prova e das questões a decidir”;
- no Acórdão da Relação de Évora de 09/06/2022 (Processo
n.º 2284/18.9T8FAR-A.E1-Paula do Paço)
decidiu-se que “não é ocorrência posterior a inquirição de
uma parte em sede de audiência, relativamente a uma questão que estava em
debate desde a fase dos articulados, justificando a formulação de perguntas que
colocassem em causa as afirmações prestadas pela recorrente em declarações de
parte, sobre tal matéria”.
Depois
desta viagem pelas decisões tomadas pelos Tribunais de recurso temos já o
panorama global que respeita a esta matéria no que concerne à Doutrina e
Jurisprudência.
Ora
a situação dos presentes autos não é muito distinta daquelas que deram origem
aos Acórdãos prolatados.
Objectivamente
e em termos processuais situamo-nos no decurso da audiência de julgamento após
inquirição de testemunhas. Logo, a possibilidade de junção de documentos pelas
partes é regida pelo n.º 3 do artigo 423.º.
A
Autora, após a inquirição das testemunhas AR e SM, veio invocar que no seu
depoimento o primeiro tinha aflorado matéria atinente à factura emitida pela Ré
à Autora no valor de € 152.535,10, em Junho de 2017, referindo-se a uma alegada
existência de indicação ou aprovação da Autora, através de AC, para a sua
emissão, considerando que isto constitui um facto novo e que a suposta
existência de valores de facturação premeditadamente inflacionadas pela Autora,
por decisão de um antigo membro da sua administração, também constitui um facto
novo (sendo que quanto à outra testemunha já falaremos).
Assim,
entendendo “que esses factos são falsos, pretendeu juntar documentos
que, em seu entender são relevantes e essenciais à descoberta da verdade, na
exacta medida em que infirmam factos relatados na audiência final.
Invoca
ainda que a testemunha SM, ouvido na segunda sessão, fez referência a débitos
referentes a campanhas/acções promocionais assinadas por AC, sem nunca
especificar a que débitos se referia, nem concretizou as acções promocionais
subjacentes às notas emitidas, respectivas datas e valores em questão.
Refere
que apesar de a Ré ter junto com a sua contestação documentos atinentes a
supostas acções promocionais, nunca alegou que algum desses documentos houvesse
sido assinado por AC, pelo que se trata de matéria nova e conclui que a junção
dos documentos ora apresentados são pertinentes e relevantes para a descoberta
da verdade”.
A
Autora defende:
-
que os documentos em causa não se destinam a fazer prova de factos alegados na
petição inicial ou na réplica, mas que visam infirmar declarações falsas, que incidem
sobre circunstancialismo novo e que foram proferidas pela primeira vez em
audiência (“Se em sede de audiência de julgamento se suscitam novos
factos que possam servir de fundamento à defesa apresentada, assiste à
contraparte o direito de reagir”);
-
que em qualquer caso, sempre se imporia a admissão dos documentos em causa, ao
abrigo do princípio do inquisitório e do poder-dever que dimana do artigo 411.º
do CPC, face ao seu para a boa decisão da causa (que supera as eventuais
desvantagens da sua junção).
A
Recorrente não tem razão!
De
facto, o que a Autora/Recorrente faz é, depois de produzida a prova e
conhecendo-a, pretender fazer nova prova (dir-se-á “correctiva” da que tinha
feito) ao arrepio de todas as regras processuais que regulam a matéria.
O
Tribunal a quo refere com particular
pertinência, “as declarações das testemunhas não constituem factos mas
são meios de prova para a afirmação ou não de factos”.
E
que “as
referidas testemunhas depuseram sobre factos já trazidos ao processo pelos
diversos articulados apresentados pelas partes.
Se
esses factos já foram invocados pelas partes nos respectivos articulados e enunciados
nos temas da prova, os documentos deveriam ter sido juntos com os respectivos
articulados ou, com multa, até 20 dias antes da data da audiência final, como decorre
do artigo 423.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
E
estas considerações são inatacáveis!
Ora,
se as testemunhas se referiram a factos essenciais (alegadamente novos), os
mesmos deveriam constar dos temas da prova e enquadrarem-se no objecto do
litígio, o que não é o caso.
Mesmo
respeitantes a factos instrumentais (os tais que constituem o principal campo
de aplicação do artigo 423.º, n.º 3), por outro lado, o que se constata é que
não se trata de matéria que possa ser considerada nova.
Mais,
convém ter presente, aliás, que a matéria a que as testemunhas se referiram é
tudo menos nova no processo, pois desde a Petição Inicial que dela se fala nos
autos (cfr. artigo 83.º da PI, onde já se refere “Deste modo, encontra-se
em dívida, na presente data, a quantia de EUR 152,535.10, correspondente a
fornecimentos de produtos realizados e faturados pela Autora à Ré e titulados
pelas seguintes faturas: …”), sendo certo ainda que a
intervenção da testemunha AR e o seu âmbito é discutida nos articulados desde o
início.
Sendo
esta última circunstância mais do que inultrapassável, iniludível, no sentido
de que tudo o que com ela se relacionasse haveria de ter sido junto aos autos
em termos de prova, pela parte, no momento legalmente adequado.
O
que as testemunhas vieram dizer aos autos em sede de audiência, tal como se
apresenta e no contexto apresentado é tudo menos novo, sendo mesmo o corolário
da tese apresentada pela outra parte (Ré) desde o início dos autos.
A
concreta configuração dos factos dada no decurso das suas declarações[21] faz
parte do que é a natureza de um depoimento testemunhal e é expectável num
depoimento sobre este tipo de matéria, sendo certo que dar conta das suas
percepções não traz de per se um facto
novo: como assinala – com acerto – a Recorrida, “as afirmações das
testemunhas referidas pela Recorrente nas suas Alegações não são factos, e
muito menos factos novos, trazidos para os autos com os respectivos
depoimentos. São, isso sim, declarações que poderão confirmar ou contrariar os
factos que se discutem e que estão respaldados nos Temas da Prova”.
Dizer,
como faz a ora Recorrente, que “não lhe pode ser exigido que, com vista
a antecipar toda e qualquer declaração que possa vir a ser produzida em audiência,
tivesse carreado para os autos, indiscriminadamente, a totalidade do acervo
documental que tem em sua posse”, só faria sentido e seria
pertinente se não se tratasse da matéria que estava em discussão (e cuja prova
lhe cabia…).
A
prova pretendida juntar pode corresponder principalmente a correspondência
trocada entre colaboradores da Recorrente, mas a Autora sabia desde o início do
conflito com a Ré (e, para o que aqui releva, desde o início do processo)
exactamente o que estava em causa (não se tratando, de forma alguma, de
documentação respeitante a matéria nova ou imprevisível).
Aquilo
sobre o que as testemunhas em causa depuseram (em especial a testemunha AR) foi
precisamente sobre o fulcro da questão, sobre a matéria que está (pelo menos)
desde o início dos autos como controvertido. Como a Autora (e a Ré) bem sabem.
Não
há, deste modo, uma razão plausível ou aceitável, para que os documentos
pretendidos juntar (todos muito anteriores à existência deste processo) não o
tivessem sido nos momentos processuais adequados, sendo que, por opção de
estratégia processual da parte[22], não
o foram…
Ora,
tal como se referiu no já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2019 (Processo n.º 27/18.6T8ALQ-A.L1-6-Ana Azeredo Coelho), o depoimento em que
a testemunha se refira a factos anteriormente alegados nos autos não pode
constituir ocorrência posterior justificativa de apresentação de documento fora
dos tempos legalmente previstos, uma vez que não se reporta “a
um facto novo de que o juiz pode conhecer”.
Foi
isto que o Tribunal a quo assumiu,
disse e decidiu.
Estas
considerações valem quer para os documentos 1 a 8, quer para os documentos 9 a
11 (duas actas e uma nota curricular), sendo que, neste último caso, a matéria
está reportada a partes do depoimento da testemunha António Ramos sobre um
inflaccionamento de valores de facturação que continua a ser facto essencial),
quer para o documento 12 (quatro documentos ou fragmentos de documentos em que
se acha aposta a assinatura de AC, com vista a infirmar o relato da testemunha
SM, qualificado como “genérico e impreciso, como genérica e
imprecisa foi sempre a alegação da Recorrida”, pedindo que se
confronte com os documentos 41, 42, 44, 45, 46 e 47 da contestação, para concluir
que nenhum deles foi assinado por AC). Quanto a este último, é a própria
Recorrente que desqualifica a sua pretensão, pois que, perante um depoimento
que o próprio Tribunal afirma impreciso e vago (com a concordância da
Recorrente…) junta documentos para confrontar com documentos que já tinham sido
juntos com a Contestação e relativamente aos quais, conhecendo o processo, os
seus contornos e origens, podia antes ter-se pronunciado.
***
Por
fim e para que também essa questão não deixe de ser referida e explorada, a
procura da verdade material, com o eventual recurso ao princípio do
inquisitório, através do artigo 411.º do Código de Processo Civil[23], parece-nos
estar completamente fora de cogitação, pois o princípio e o normativo não podem
ser utilizados para introduzir no processo documentos que a parte – podendo –
não apresentou atempadamente nos termos das regras processuais aplicáveis
(nomeadamente do artigo 423.º).
O
Acórdão da Relação de Lisboa de 25/09/2018 (Processo n.º 744/11.1TBFUN-D.L1-1-Rijo Ferreira), pela qualidade da sua
argumentação, tem de nos servir de paradigma, deixando-nos as notas essenciais
de referência: “Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem a garantia de processo equitativo (‘fair trial’) coloca o
tribunal sob o dever de levar a cabo um exame aprofundado dos pedidos,
fundamentos e provas aduzidos pelas partes; e se se reconhece uma larga margem
de apreciação aos legisladores e tribunais nacionais para estabelecerem as
regras de admissibilidade e apreciação das provas, não se deixa de afirmar que
as restrições à apresentação de provas não podem ser arbitrárias ou
desproporcionadas, antes têm de ser consistentes com a exigência de julgamento
equitativo e que sempre se deve exigir que o procedimento na sua globalidade,
incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo.
E nesse sentido haverá de interpretar-se, também, o disposto no art. 20º, nº 4,
da Constituição da República por força do disposto no art.º 16º, nº 2, do mesmo
diploma.
A
regra da não admissão de prova documental após o vigésimo dia anterior à
audiência final, baseada apenas nesse limite temporal, pode, assim, levantar
questões de conformidade com o princípio do processo equitativo (em particular
quando o documento cuja junção se pretende seja relevante para o apuramento dos
factos).
Se
as primeiras apontadas situações se situam no campo das opções legislativas
que, ainda que contraproducentes ou incorrectas, devem os tribunais respeitar,
já o mesmo não acontece no caso da última referida situação, por estarem em
causa direitos fundamentais, devendo os tribunais interpretar os normativos em
causa em conformidade com os direitos fundamentais ou, mesmo, recusar a
aplicação dos mesmos”.
Neste
Acórdão, portanto, a consideração dada à Convenção Europeia dos Direitos
Humanos é também usada para a própria definição do conceito de ocorrência
posterior (patamar que já ultrapassámos), mas, mais à frente, acrescenta-se: “Mas
ainda que tal se não verificasse, ainda assim não estava excluída de todo a
possibilidade de junção de tais documentos, uma vez que para além do
direito/ónus das partes a apresentarem documentos, impende sobre o juiz o
poder/dever de, quantos aos factos que lhe é lícito conhecer – factos notórios,
essenciais alegados, instrumentais, complementares e concretizadores desses -
promover todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa
composição do litígio (art.º 411º do NCPC). Não estaria, pois, descartada a
possibilidade de ser ordenada a junção desses documentos por o juiz da causa
entender que os mesmos se mostravam relevantes para o julgamento da causa
(sendo que essa actividade do juiz corresponde, em nosso modo de ver, ao uso
legal de um poder discricionário, pelo que das correspondentes decisões não
cabe recurso – art.º 630º, nº 1, do CPC)”.
Ora,
como nos parece bom de ver essa relevância começa por não ser devidamente
contextualizada pela Autora-Recorrente, por se tratar assumidamente de matéria
respeitante a factos essenciais e a instrumentais previsíveis, pelo que o poder
inquisitorial do juiz só faria sentido ser utilizado para obstar a iniquidades
(como o poderia ser um inevitável ganho ou perda de uma acção), uma vez que as
limitações da regulação processual civil quanto à produção (junção) da prova
documental (como atrás vimos), não são arbitrárias, são compreensíveis e são proporcionadas.
No
contexto dos autos (com o que estava configurado no litígio e com o que as
testemunhas disseram), usar o artigo 411.º para juntar ao processo os
documentos pretendidos pela Autora seria como que dar um benefício ao
infractor.
O
Tribunal a quo apreciou globalmente a
matéria e decidiu bem, nada havendo a apontar-lhe no que concerne à junção
extemporânea e injustificada dos documentos.
*
**
No
que respeita ao indeferimento das novas declarações de parte pela Autora, em
função do que foram os depoimentos das testemunhas, o Tribunal a quo também esteve bem.
A
Autora entendia que embora tivesse já sido ouvida, “mas
estando em causa factualidade nova e relevante e que, no caso da alegada
decisão da Autora de inflacionar facturas, chega a ser caluniosa e lesiva da
sua honra”, lhe assistia “o direito de contraditá-la
por via da prestação de novas declarações”.
De
forma certeira o Tribunal sublinhou que, como já referira “quanto
à questão da junção dos documentos, não estamos perante factos novos, pelo que
não há fundamento para ser ouvido novamente MS em declarações de parte”.
E
esta sempre teria de ser a decisão, importando apenas acrescentar,
sublinhando-o, que as declarações de parte não são um meio para a parte
pontuar, comentar ou retocar a restante prova produzida, nem – noutro plano –
constituem ou podem ter a veleidade de constituir uma segunda oportunidade para
complementar probatoriamente as suas insuficiências anteriores, ou a
displicência com que pudesse ter encarado a produção da prova, nomeadamente
depois de esta já ter ocorrido e originado uma situação factual configurada ou estabelecida.
Assim
sendo, inexistia qualquer fundamento para novas declarações de parte, pelo que
se impõe a confirmação do despacho recorrido.
*
Em ambas as situações
decidiu bem, fundada e fundamentadamente, o Tribunal recorrido.
*
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação
e, em consequência, confirmar os despachos recorridos.
Custas
a cargo da Recorrente.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 14 de Julho de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1] Em que peticiona a
condenação da Ré no pagamento do montante total de € 1.050.120,93
(correspondendo € 907,677.70 ao capital em dívida e € 142.443,23 a título de
juros de mora vencidos, ao qual devem acrescer os juros vincendos até efetivo e
integral pagamento.
[2]
António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[3]
Conjugado com os
artigos 651.º, n.º 1 (“As partes apenas
podem juntar documentos às alegações
nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção
se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância)
e 662.º, n.º 1 (“A Relação deve alterar a
decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a
prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”).
[4]
Cuja teleologia,
nas palavras de Abrantes Geraldes-Paulo
Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, “visa
evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos”
(Código de Processo Civil Anotado, Volume I Parte Geral e Processo de Declaração,
2.ª edição, 2020, página 519).
[5] Vendo a perspectiva
afirmativa, ou positiva, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de
17/01/2020 (Processo n.º 1227/10.2BEPRT-S1-Luís
Migueis Garcia) constata que o legislador visou “estabilizar os meios de prova com certa antecedência em relação à
realização da audiência final” (cfr., também, o Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 12/09/2019, Processo n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1-Catarina Serra).
[6] Artigo 27.º, n.º 1 e
2, do Regulamento das Custas Processuais.
[7]
João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo
Civil, Volume II, AAFDL, 2022, página 531.
[8] Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo
Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, 2014, página 370.
[9]
No que respeita a
junção de documentos com as alegações de recurso e quanto à superveniência
subjectiva, Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado,
Volume II, Coimbra, Almedina, 2018, página 314) refere que “não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do
documento depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, já que isso
abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a
parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento
e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de
culpa sua. Realmente, a superveniência
subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento”
(carregado nosso).
[10] Assim, expressamente,
vd. o Acórdão da Relação do Porto de 15/02/2016 (Processo n.º 96/14.8TTVFR-A.P1-Domingos Morais), que considera caber ao
“apresentante incumbe um duplo ónus: o da
justificação temporal da apresentação e a indicação discriminada e fundamentada
dos factos a que tal documento se destina”, sendo que, este último, tem “por objectivo, não só o de permitir à parte
contrária exercer o direito do contraditório, estatuído no art. 427.º do CPC,
como ainda o de permitir ao tribunal verificar da impertinência ou
desnecessidade de tal junção (tardia)”.
[11]
José Alberto dos Reis, a propósito do §4 do artigo 550.º do
Código de Processo Civil de 1961 (“Os
documentos destinados a fazer prova dos factos ocorridos posteriormente aos
articulados, ou cuja junção se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, podem ser
oferecidos em qualquer estado do processo”), dá como exemplo desta
ocorrência posterior (por nós sublinhada no inciso), “o caso de o documento se destinar a fazer a prova da inexactidão de
afirmações feitas pelo réu no último articulado ou na alegação final, ou a
demonstrar que não são verdadeiros
factos referidos pelos peritos ou pelas testemunhas”, acrescentando
– e manifestando concordância – que o Acórdão do STJ de 30/03/1937 (RLJ, 70.º, página 118), “entendeu que constitui ocorrência posterior
o facto de uma testemunha afirmar facto que se pretende desmentir com a junção
de documento” (Código de Processo Civil Anotado, Volume IV -reimpressão-, Coimbra Editora, 1987, páginas 19 e 20).
[12]
Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de
Sousa,
Código de Processo…, cit., página 520.
[13] Abrantes
Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo…,
cit., página 520.
[14]
Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de
Sousa,
Código de Processo…, cit., página 520.
[15] Lebre de
Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado - Volume 2.º-Artigos
362.º a 626.º, 4.ª Edição, Almedina, 2019, página 241.
[16] Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo
Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, 2014, página 370.
[17]
João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual…, cit., página 532.
[18] Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo…,
cit., página 241.
[19]
Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de
Sousa,
Código de Processo…, cit., página 520.
[20] “Os
factos instrumentais, indiciários ou probatórios o campo natural de aplicação
da norma da 2ª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC” (Acórdão da Relação de
Lisboa de 26/09/2019 (Processo n.º 27/18.6T8ALQ-A.L1-6-Ana Azeredo Coelho).
[21]
Cada depoimento
testemunhal é, em si, único e personalizado.
[22] Aliás,
não deixa de ser significativo (e de ter de se relevar como elemento adjuvante
de argumentação) que o António Cândido a que a testemunha António Ramos se
refere era mesmo uma das testemunhas que a Autora tinha arrolado como
testemunha.
[23]
“Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente,
todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição
do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
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