domingo, 7 de agosto de 2022

O proprietário (Réu) mudou, mas no processo o tem de se manter se apresentou Reconvenção e foi admitida

 

Processo n.º 9492/21.3T8LSB-A.L1

Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 3

Recorrente - M… (Requerido-Réu)

Recorrido/a(s) - A… (Requerente-Autor) MA… (Requerente-Autora)

Requeridos/as NA… (Requerida) Jn… (Requerido)


Sumário:

I – Tendo ocorrido a venda de um imóvel, por escritura pública, na pendência de uma acção em que se discute se dele faz ou não parte um sótão, o vendedor-transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo, nos termos do artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

II -  Este normativo tem como pressupostos de aplicação:

                   i.- a pendência de uma acção;

                   ii.- a existência de uma coisa ou de um direito litigioso;

                   iii.- a transmissão da coisa/direito litigioso na pendência de uma acção, por acto entre vivos;

                   iv.- o conhecimento da transmissão na acção.

III – O adquirente, mesmo que não haja habilitação fica vinculado ao caso julgado que se forma sobre a sentença proferida na acção.

IV – A transmissão inter vivos não dá origem a qualquer suspensão da instância.

V - O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa única e simplesmente produzir a modificação nos sujeitos da lide – ou seja efeitos de natureza meramente processual - não interferindo nem dando azo a qualquer discussão sobre o direito que constitui o objecto do processo.

V – O habilitado substitui o transmitente aceitando a tramitação no estado em que a encontrar, sem interferir no objecto da causa tal como se encontre já definido.

VI –  A admissibilidade da habilitação de adquirente(s), assim, depende da verificação dos seguintes pressupostos:

                                       1 - a pendência de uma acção;

                                       2 - existência de uma coisa ou de um direito litigioso;

                                       3 - a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção;

                                       4 - a validade da transmissão, quer em relação ao objecto, quer em relação à qualidade das pessoas que nela intervieram, analisando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão;

                                       5 - a verificação pelo Tribunal de que o processo principal segue os seus termos, com o/a(s) habilitado/a(s) em substituição da anterior parte e que esta sai da acção.

VI – O incidente de habilitação de adquirente/cessionário não pode ser decidido enquanto não tiver sido apreciada a admissibilidade da Reconvenção (e o seu âmbito), uma vez que disso depende saber se esta apresenta alguma autonomia que pudesse obrigar a deixar de conhecer o pedido reconvencional ou a manter nos autos transmitente e adquirente, situações que sempre seriam processualmente inadmissíveis.

VII - O incidente de habilitação do adquirente/cessionário tem como objectivo a substituição processual, integral, de um dos sujeitos e não a substituição para um segmento da causa e a sua manutenção para outro.

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 Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

Por apenso à acção declarativa com processo comum, intentada por A… e MA… contra M…, vieram aqueles requerer a presente habilitação de adquirente, de AN… e JN…, alegando – em síntese – que estes celebraram com o Réu (M…), uma Escritura Pública de Compra e Venda através da qual adquiriram, livre de ónus ou encargos (tendo já registado a aquisição), a fracção autónoma individualizada pela letra “D” e correspondente ao Piso 2 (2.º andar ou sótão), destinada a habitação, T2, com duas varandas a tardoz, com duas saídas para a próprio piso, integrada em regime de propriedade horizontal no prédio urbano sito na Rua …… inscrito na respetiva matriz sob o artigo --- da freguesia de ----- e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º --- da freguesia de ---- .

Sucede que esse imóvel é o objecto da acção principal a que a presente habilitação se mostra apensa, pelo que, tendo ocorrido a sua transmissão, a instância se modifica subjectivamente, nos termos do disposto nos artigos 262.º, alínea a), 263.º, n.º 1 e 356.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, devendo os Requeridos ser admitidos a substituir o Réu, na qualidade de proprietários da fracção em causa.

Citados os Requeridos e notificado o Réu da acção principal:

                        - vieram os Requeridos deduzir oposição, requerendo a improcedência do incidente e recusando a substituição do Réu por si, nos termos do n.º 2 e/ou n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil, ou em alternativa, ser o presente incidente de habilitação de adquirente convolado em incidente de intervenção principal provocada, ordenando-se a citação dos ora Requeridos na qualidade de Réus para contestar, nos termos do disposto nos artigos 316.º e seguintes.

Alegam, para isso, ser adquirentes da fracção em causa, como terceiros de boa-fé e que desconheciam em absoluto a existência de qualquer litígio, judicial ou extrajudicial, entre as partes sobre a composição e/ou uso da mesma e que tal desconhecimento foi determinante no negócio. E mais acrescentam que “não estão absolutamente certos” de que o motivo que determinou o Réu M…(transmitente da referida fracção D), a vender o imóvel, não tenha sido o de dificultar a posição dos Autores e que se estes tivessem promovido o competente registo da acção (n.º 3 do artigo 263.º), os Requeridos teriam tido a oportunidade de a conhecer em tempo e não concluir a compra.

                        - veio o Requerido (Réu) M… pugnar pela improcedência do presente incidente, alegando que o mesmo não é compatível com o pedido reconvencional por si deduzido na ação principal, bem como, com o pedido de condenação dos Autores como litigante de má-fé.

Apreciando as Oposições deduzidas, o Tribunal a quo decidiu julgar procedente incidente de habilitação do adquirente, numa decisão datada de 28/03/2022 e fundamentada nos seguintes termos:

“No direito processual civil, a habilitação tem por objetivo colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava.

Tal como vem proposta pelos Requerentes, a habilitação configura-se como incidente de uma causa que corre em juízo, ou seja, segundo a modalidade da habilitação incidental, a que se alude no artigo 351.º e seguintes, do Código de Processo Civil, baseada na transmissão da coisa ou direito em litígio.

Dispõe o artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes”, com isto querendo significar que, em processo civil, a habilitação propõe-se como objetivo certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava.

No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo, podendo a habilitação ser promovida, também, pela parte contrária, para além do transmitente ou do adquirente, nos termos das disposições combinadas dos artigos 263.º, n.º 1, e 356.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Trata-se de uma habilitação «inter vivos» que, ao invés do que acontece nas situações de transmissão «mortis causa», se apresenta com carácter facultativo, não sendo, assim, condição «sine qua non» do prosseguimento da causa, pois que, enquanto tal não ocorrer, o transmitente continua a ter legitimidade para a demanda, até ao final do pleito, sendo certo que, por outro lado, a dedução do incidente não susta o andamento da causa principal e da instância Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 1980, 604.

O adquirente pode ser habilitado como sucessor do alienante, ou deixar de o ser, continuando, neste caso, o transmitente a figurar como parte, ainda que já não tenha interesse na ação, passando, então, à categoria de substituto processual do adquirente ou do cessionário Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, 1946, 74 e ss.

Considerando que estamos perante um incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, previsto no art. 356.º do Código de Processo Civil, a oposição terá de se cingir a dois casos:

               - Invalidade formal ou substancial da cessão;

               - A transmissão ter sido feita para tornar mais difícil a posição do requerido.

Analisados os documentos juntos pelos Requerentes aos presentes autos, designadamente a Escritura de Compra e Venda e a certidão da Conservatória Predial de Lisboa (cfr. fls. 4. a 8.), há que concluir pela inexistência de qualquer invalidade formal.

Por outro lado, os Requeridos, em sede da contestação apresentada, limitaram-se a alegar que “(…) não estão absolutamente certos de que o motivo que determinou o Réu M…, transmitente da fração D aos Requeridos, a promover, como promoveu e fez, a venda do imóvel, não foi o de dificultar a posição dos AA”.

Para que a oposição deduzida seja atendível nos termos e para os efeitos do disposto no art. 356.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, do Código de Processo Civil, deveria traduzir-se numa afirmação perentória, acompanhada da invocação dos factos que lhe servem de suporte para dificultar a sua própria posição e não a dos Requerente.

É que, não obstante os Requeridos estarem em desacordo com a habilitação deduzida, a substituição só deveria ser recusada, em conformidade com o que resulta do artigo 263.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quando se entenda que a transmissão padece de invalidade formal ou substancial da cessão, ou foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária – vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, 1946, 79 e 80.

Tal como referimos, ambas as situações improcedem.

Também não colhe a questão da falta de registo da presente ação, porquanto, o segmento legal previsto no n.º 3 do art. 263.º apenas é aplicável caso não haja lugar à substituição legal.

Ressalve-se que os ora Requeridos, caso assim o entendam, sempre poderão fazer valer os seus direitos contra o Ré vendedor, em ação futura.

Por sua vez, em sede da ação principal o Réu M… alega ter deduzido pedido reconvencional com vista a ser reconhecido que o sótão faz parte da fração autónoma em causa e, na negativa, que é uma parte comum de uso exclusivo da mesma fração.

Acontece que o aludido pedido reconvencional é indissociável da fração autónoma em causa e do direito real de propriedade que lhe está subjacente, o qual, como acima ficou demonstrado passou para a titularidade dos Requeridos.

Acresce que o pedido de condenação dos ora Requerentes, Autores na ação principal, não tem autonomia, pelo que nunca, por si só, poderia pôr em causa a procedência do presente incidente de habilitação.

Assim sendo, atendendo à documentação constante dos autos, é de reconhecer os Requeridos como adquirentes, nos termos e para os efeitos previstos no disposto no art. 356.º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e atento o disposto no artigo 356.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, decide-se julgar os Requeridos AN…, e JN…, habilitados a intervir como adquirentes na ação principal, na qualidade de Réus, em substituição do Réu primitivo.

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Custas pelos Requeridos - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

*

 Notifique e registe”.

 

É desta decisão que vem interposto recurso por parte do Requerido-Réu M…, o qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:

“a) O Recorrente considera que a habilitação do adquirente requerida pelos Autores não é legalmente admissível;

b) O Recorrente peticionou a condenação dos autores como litigantes de má fé e que fosse considerada ilidida a presunção de que o sótão é uma parte comum fazendo parte da fração ou, se assim não se entender, reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração;

c) Considera o Recorrente que os Autores alteraram, dolosamente, a verdade dos factos, imputando-lhe comportamentos ilícios que não praticou;

d) O artigo 542.º, n.º 1, do CPC diz que tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir;

e) Tendo sido formulado pelo Recorrente um pedido de indemnização por litigância de má-fé dos Autores, a correspondente apreciação/julgamento e eventual condenação, constitui objeto de pretensão de que o juiz não pode deixar de conhecer.

f) O Recorrente tem interesse em contrariar a versão dos Autores, fazendo prova da versão alegada na contestação/reconvenção, ilidindo a presunção de que o sótão é uma parte comum fazendo parte da fração ou, se assim não se entender, reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração;

g) Os Autores alegam factos (falsos) que colocam em causa a conduta do Autor, nomeadamente alegando que este procedeu a uma abertura ilegal na sua fracção autónoma para o sótão, o que este não aceita e lhe interessa contrariar para salvaguardar a sua posição perante terceiros.

h) Essa defesa não poderá ser assumida pelos adquirentes, conforme resulta, aliás, do teor da sua contestação ao presente incidente de habilitação;

i) O Recorrente mantém interesse na demanda, nomeadamente na apreciação do pedido reconvencional e condenação dos Autores como litigantes de má-fé, da qual não prescinde.

j) Não é admissível o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário quando tenha sido deduzida reconvenção por não ser possível manter dois Réus na acção;

k) A habilitação inviabilizava a apreciação do pedido reconvencional, isto porque não existe a possibilidade legal de em consequência da procedência do incidente de habilitação o transmitente e adquirente permanecerem na lide ou de se se cindir o objeto da ação excluindo-se a apreciação do pedido reconvencional;

l) O pedido de condenação formulado pelo Recorrente tem por base uma faculdade legal e que o Tribunal a quo não pode deixar de apreciar;

m) O ora recorrente não se limitou a improcedência do pedido dos Autores, mas deduziu contra estes uma pretensão autónoma de condenação

n) Não sendo possível a habilitação processual, nomeadamente por existir pedido reconvencional, o processo prosseguirá os seus legais termos com o transmitente da coisa ou do direito em litígio;

o) A habilitação de adquirente ou cessionário tem natureza meramente facultativa, uma vez que a transmissão da coisa ou do direito em litígio não opera a suspensão da instância da ação em curso e o transmitente continua a ter legitimidade para a causa até ao seu termo;

Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que considere improcedente o pedido de habilitação de AN… e JN… para intervir na acção principal, na qualidade de Réus, em substituição do ora recorrente, com o que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA”.

 

Os Requerentes-Autores apresentaram Contra-Alegações nas quais concluíram que:

“A. Os Recorridos intentaram contra o Recorrente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, tendo sido por este apresentada Contestação – cfr. a Petição Inicial, Ref.ª CITIUS 29000302, de 20.04.2021, e a Contestação, Ref.ª CITIUS 29538744, de 15.06.2021.

B. Os Recorridos, por apenso aos autos principais, deduziram incidente de habilitação de adquirente contra AN… e JN…, no âmbito do qual peticionaram que os Requeridos fossem habilitados na qualidade de Réus, em substituição do Recorrente, tendo sido apresentada Contestação por parte dos Recorridos e do Recorrente – cfr. o Requerimento Inicial, Ref.ª CITIUS 30043954, de 16.08.2021, a Contestação. Ref.ª CITIUS 30425885, de 01.10.2021, e a Contestação, Ref.ª CITIUS 31747092, de 21.02.2022.

C. A Sentença Judicial proferida pelo Tribunal a quo julgou os Requeridos AN… e JN…, habilitados a intervir como adquirentes na ação principal, na qualidade de Réus, em substituição do Recorrente – cfr. a Sentença Judicial, Ref.ª CITIUS 414311801, de 28.03.2022.

D. A douta decisão judicial não merece qualquer censura, inexistindo incorreta aplicação do Direito ao caso em apreço.

E. Existe, e de forma clarividente, inobservância das regras legais aplicáveis à alegação e formulação de conclusões em sede de impugnação da matéria de direito, bem como errónea interpretação do Direito por parte do Recorrente. Com efeito,

F. Em sede de Conclusões – e, aliás, também em sede de Alegações – o Recorrente não indicou as normas jurídicas putativamente violadas, nem, tão pouco, o sentido com que, no seu entender, as normas que constituiriam fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e/ou aplicadas pelo Tribunal a quo.

G. O Recorrente incumpriu os ónus de especificação, que sobre o mesmo recaiam, nos termos do disposto no art. 639.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, devendo, por esse motivo, e sem mais, ser convidado a completar as conclusões contidas nas Alegações de Recurso, sendo o Recurso de Apelação liminarmente rejeitado caso o Recorrente não dê cumprimento a tal convite de aperfeiçoamento – cfr. ainda, o art. 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Sem prescindir,

H. A oposição em sede de incidente de habilitação de adquirente encontra-se, nos termos da Lei, limitada à verificação de um de dois fundamentos, a saber: (i) invalidade formal ou substancial do acto de transmissão; ou (ii) haver a transmissão ter sido feita para tornar mais difícil a posição dos Requeridos nos autos principais – cfr. os arts. 263.º, n.ºs 1 e 2, e 356.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; e, na jurisprudência, o ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.12.2021 (RELATOR: MICAELA SOUSA), e os acs. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.04.2020 (RELATOR: JOSÉ MOREIRA DIAS), de 14.03.2019 (RELATOR: ALCIDES RODRIGUES), e de 21.06.2018 (RELATOR: MARIA CRISTINA CERDEIRA).

I. Não se verifica, in casu, qualquer um dos fundamentos admissíveis para a oposição ao incidente de habilitação de adquirente, porquanto:

                             (i) a Escritura de Compra e Venda e a certidão da Conservatória Predial de Lisboa, que se encontram juntas aos autos, não enfermam de qualquer invalidade formal ou substancial (cfr. os docs. n.ºs 1 e 2, juntos pelos Recorridos no seu Requerimento Inicial, Ref.ª CITIUS 30043954, de 16.08.2021, e a Sentença Judicial, Ref.ª CITIUS 414311801, de 28.03.2022);

                              (ii) os Requeridos não alegaram quaisquer factos que corroborem ter sido a transmissão da fracção subjacente ao presente litigio feita para tornar mais difícil a posição processual dos Requeridos (cfr. a Contestação. Ref.ª CITIUS 30425885, de 01.10.2021 e a Sentença Judicial, Ref.ª CITIUS 414311801, de 28.03.2022);

                             (iii) o Recorrente limitou-se fundamentar a alegada inadmissibilidade do incidente em virtude de haver deduzido Reconvenção aquando da apresentação da sua Contestação nos autos principais, o que, nos termos da Lei, não constitui fundamento de oposição à habilitação dos adquirentes.

J. Não configuram, naturalmente, obstáculos à habilitação

                                            (i) o (putativo) pedido reconvencional apresentado pelo Recorrente, que se mostra absolutamente incognoscível (inexistindo quer a formulação de um pedido, quer a invocação de uma qualquer causa de pedir no mesmo âmbito), bem como

                                            (ii) a (absurda) invocação de má fé no mesmo âmbito – cfr., aliás, a douta Sentença Judicial, Ref.ª CITIUS 414311801, de 28.03.2022.

K. O Recorrente apenas se opõe à habilitação porque visa, afinal, que a decisão judicial a proferir não adquira efeito de caso julgado a respeito dos adquirentes, uma vez que os mesmos adquiriram a fração na convicção de que a mesma possui configuração e áreas que, na realidade, não possui, fazendo tal parte da lamentável estratégia de apropriação de partes comuns do imóvel gizada pelo Recorrente.

L. A decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida nos seus exatos termos atenta a absoluta ausência de fundamento do presente Recurso".


Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

 

In casu, há apenas que verificar se a venda do imóvel a que se refere a acção à qual os presentes autos estão apensos, pelo ali Réu aos aqui Requeridos, faz com que estes possam ser habilitados em sua substituição e se se mostram reunidos todos os pressupostos para a procedência do incidente de habilitação de adquirente.

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

 


Fundamentação de Facto

Releva para a presente decisão a seguinte factualidade:

1 – O processo principal apenso deu entrada em juízo a 20/04/2021.

2 – Os pedidos nele formulados pelos Autores, ora Requerentes, foram os seguintes:

“a) Ser reconhecido que o sótão do edifício sito na Rua …, n.º --, freguesia de ---, concelho de Lisboa é parte-comum do mesmo, edifício sendo compropriedade de todos os condóminos, desde logo dos AA., e que o R. não possui qualquer direito de propriedade ou de uso exclusivo sobre o mesmo;

b) Ser reconhecido o direito dos AA. a aceder ao sótão do edifício sito na Rua ---, n.º --, freguesia de ---, concelho de Lisboa, parte-comum do mesmo, sendo o R. condenado a observar tal direito;

 c) Ser o R. condenado a retirar do sótão do edifício sito na Rua ---, n.º --, freguesia de ---, concelho de Lisboa, o cilindro para aquecimento de água que no mesmo abusivamente colocou, bem como ser o R. condenado a abster-se da prática de qualquer futura conduta sobre a referida área comum do edifício;

d) Ser o R. condenado a retirar de anúncios de alienação da sua fração autónoma a referência ao sótão do edifício sito na Rua ---, n.º --, freguesia de ---, concelho de Lisboa, como sua parte integrante ou de uso exclusivo, bem como a, de futuro, não publicar ou permitir a publicação de anúncios de alienação da sua fração autónoma que possuam a mesma ou análoga referência;

e) Ser o R. condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 500,00 diários por cada dia em que incumpra os deveres a que deve ser condenado nos termos das alíneas b) a d) supra”.

3 – Na Contestação (apresentada a 15/06/2021), o Réu (ora Recorrente), autonomizou um pedido reconvencional (“Da Reconvenção” – artigos 74.º e seguintes) e um incidente de litigância de má fé, terminando o articulado da seguinte forma:

“Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve:

a) a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.

b) Serem os Autores condenados como litigantes de má-fé com as legais consequências;

c) Ser a reconvenção ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências”.

4 – Em sede de Réplica (apresentada a 07/07/2021), os Autores, ora Requerentes pediram o indeferimento liminar da Reconvenção “por se verificar excepção dilatória insuprível, de inexistência/incognoscibilidade do pedido reconvencional” e que seja “julgado totalmente improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos AA. enquanto litigantes de má fé, sendo o R. condenado em custas pelo ilícito incidente causado”.

5 – Ainda não foi apreciada a admissibilidade do pedido reconvencional no processo principal.

6 – Por escritura pública de Compra e Venda celebrada em 05.07.2021, perante o notário A---, os ora Requeridos adquiriram ao Réu, livre de ónus ou encargos, a fracção autónoma subjacente aos autos principais, individualizada pela letra “D” e correspondente ao Piso 2 (segundo andar ou sótão) - destinada a habitação - T dois, com duas varandas a tardoz, com duas saídas para a escada comum do prédio no próprio piso, integrada em regime de propriedade horizontal no prédio urbano sito na Rua ---, n.º --, inscrito na respetiva matriz sob o artigo --- da freguesia de --- e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º --- da freguesia de …;

7 – Os ora Requeridos procederam ao registo da aquisição da referida fracção “D” a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Pombal, nos termos da apresentação ---- de 09.07.2021 – Fls. 4 a 8.

 


Fundamentação de Direito

Antes de mais assinale-se que, de acordo com o n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, versando “o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

               a) As normas jurídicas violadas;

               b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

               c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Referem os Recorridos-Requerentes que o Recorrente-Requerido não diz quais as normas que considera violadas nem o sentido que lhes dá e qual o entendimento que deveria ter ficado reflectido na Sentença.

Todavia verificadas as Alegações e respectivas Conclusões crê-se que – pelos mínimos é certo – este desiderato foi cumprido, uma vez que nelas se reporta sempre expressamente o incidente de habilitação e a interpretação que dele faz o Recorrente no sentido da sua inadmissibilidade em concreto.

*

Para apreciação deste recurso temos de convocar para análise os artigos 351.º a 357.º do Código de Processo Civil (em especial, os 352.º, n.º 1 e 356.º), relevando ainda – em fundo – o artigo 263.º do mesmo diploma.

Assim, o artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, assinala que “no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”.

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito completa o enquadramento assinalando que “a substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária”.

Estamos ainda, há que sublinhá-lo, no âmbito da relação material controvertida e não no plano processual (ao qual, todavia, o n.º 1, já faz referência com o “enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”).

Ou seja, o que aqui está em causa é a previsão legal de uma situação em que, no decurso de um processo judicial (e de forma “a evitarem-se os prejuízos que a parte estranha à transmissão sofreria com uma demora na resolução do litígio”[2]), alguém (o alienante/transmitente) mantém legitimidade processual, num caso em que deixou de ser proprietário do bem ou do direito, sendo que, concomitantemente, “se sujeita o transmissário aos resultados da acção”[3].

Este normativo tem “quatro pressupostos de aplicação, a saber:

1.º A pendência de uma acção.

2.º A existência de uma coisa ou de um direito litigioso.

3.º A transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção por acto entre vivos;

4.º O conhecimento da transmissão na acção.

Verificando-se, cumulativamente, todos os pressupostos, apesar da transmissão, o processo não será suspenso, mantendo-se a legitimidade do transmitente até à eventual habilitação do transmissário. Porém, e mesmo que a habilitação não ocorra, o adquirente ficará vinculado ao caso julgado que se forma sobre a sentença proferida na acção”[4].

 

A presença do transmitente na acção e enquanto nela permanecer (com uma legitimidade ad hoc extraordinária, como sublinha Paula Costa e Silva) não resulta do seu interesse directo ou indirecto em nela permanecer, mas sim no interesse da protecção do transmissário: repare-se que são fundamentalmente os interesses da parte estranha à transmissão que justificam a presença do transmitente enquanto parte legítima na acção”, “a fim de a instância decorrer regularmente até final” [5].

 

Dando corpo processual a esta matéria, o Código de Processo Civil, prevê nos artigos 351.º a 357.º o incidente de habilitação, reservando o artigo 356.º precisamente para a “(Habilitação do adquirente ou cessionário)”, no qual concretiza em que termos ela se faz no decurso de uma acção:

                       - lavrando no processo um termo de cessão – n.º 1, alínea a);

                       - juntando ao requerimento de habilitação - autuado por apenso - o título da aquisição ou da cessão – n.º 1, alínea a);

                       - notificando a parte contrária para contestar e, aí:

                                   - contestando, o notificado apenas pode impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo – n.º 1, alínea a);

                                   - em reacção o/a Requerente pode responder-lhe, seguindo-se a produção de prova e a decisão – n.º 1, alínea b);

                                   - não contestando, o Tribunal verifica se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara habilitado o adquirente ou cessionário – n.º 1, alínea b).

 

Linearmente é assim que sucede e, daqui, começa por decorrer que – ao contrário do que sucede no caso das transmissões mortis causa ou de extinção de pessoa colectiva – a transmissão inter vivos, não gera qualquer suspensão da instância (cfr. artigos 269.º e 270.º), sendo que “o conhecimento destes factos não exerce influência na tramitação processual”[6].

Assim, “por via do incidente de habilitação do cessionário, permite-se que o cedente seja substituído no processo pelo cessionário, o qual adquire a posição processual que o cedente tinha no pleito, não sendo admissível que continuem ambos na lide”[7].

E a simplicidade e celeridade que se pretendem com este incidente está patente, desde logo, na circunstância de a prova do contrato de cessão ser “documental – um título escrito que prove a cessão (seja o contrato escrito de cessão, seja outro título/declaração de aquisição ou cessão, seja termo de cessão lavrado no processo) – não tendo de expressar o exato montante da obrigação ao tempo da transmissão, mas devendo identificar o crédito de molde a permitir saber qual o objeto da cessão (RC 3-10-17, 13/09)”[8].

O incidente visa única e simplesmente produzir a modificação nos sujeitos da lide – ou seja, efeitos de natureza meramente processual - não interferindo nem dando azo a qualquer discussão sobre o direito que constitui o objecto do processo, como expressamente assinalam António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa[9], referindo o Acórdão da Relação do Porto de 26/02/2008 (Processo n.º 0726574-Guerra Banha): “O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa, tão só, produzir modificação nos sujeitos da lide; produz, deste modo, efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objecto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir”.

No mesmo sentido, o mais recente Acórdão da Relação de Lisboa de 07/12/2021 (Processo n.º 134/10.3TBCTX-D.L1-7-Micaela Sousa) escreve que, com “a dedução do incidente de habilitação do cessionário pretende-se apenas a modificação dos sujeitos na lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constituiu o próprio objecto da causa”[10]: “O habilitado sucedendo na posição processual do transmitente tem de aceitar a tramitação no estado em que a encontrar, impulsionando apenas para o futuro e dentro destes limites, sem interferir com o objeto da causa” (Acórdão da Relação de Évora de 07/11/2019, Processo n.º 1898/18.1T8PTM.E1-Mário Silva).

 

E é por isto que os fundamentos para contestar o incidente são tão limitados: não “se compreendendo nas finalidades do incidente a discussão do direito substantivo em litígio na causa principal, justifica-se que a oposição à habilitação pela parte contrária esteja limitada a dois fundamentos referidos na al. a) do n.º 1 do art. 356.º do CPC:

                             i)- a invalidade (formal ou substancial) do acto de cessão ou transmissão, quer quanto ao objeto, quer quanto às pessoas que nele intervieram, ou

                              ii)- que a cessão ou transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição na causa principal” (Acórdão da Relação de Guimarães de 14/03/2019, Processo n.º 4141/16.4T8GMR-A.G1-Alcides Rodrigues);

                        iii)- “que não se encontra feita a prova legal da transmissão pelo requerente do incidente” (Acórdão da Relação de Guimarães de 23/04/2020, Processo n.º 5239/16.4T8GMR-A.G1-José Moreira Dias).

 

A admissibilidade da habilitação de adquirente(s), assim, depende da verificação dos seguintes pressupostos:

                       - a pendência de uma acção;

                       - existência de uma coisa ou de um direito litigioso;

                       - a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção;

                       - a validade da transmissão, quer em relação ao objecto, quer em relação à qualidade das pessoas que nela intervieram, analisando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão (assim, vd., o já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 03/12/2021, Processo n.º 134/10.3TBCTX-D.L1-7-Micaela Sousa).

E, a estes, cremos ser de acrescentar um outro: a verificação pelo Tribunal de que o processo segue os seus termos, com o/a(s) habilitado/a(s) em substituição da anterior parte e que esta sai da acção.

Este acrescento surge, precisamente, por força de situações como a presente nestes autos.

 

O Réu na acção, à data em que esta foi intentada era o proprietário do imóvel em causa e, por isso, contra ele foram deduzidos os pedidos.

Foi também ele, enquanto proprietário e Réu, que Contestou e deduziu pedido reconvencional.

Poucos dias depois de dar entrada em juízo o seu articulado, o Réu – por escritura pública – vendeu o imóvel em causa aos ora Requeridos AN… e JN….

Materialmente são eles que passam a ser os proprietários do prédio, mas, como vimos, por força do artigo 263.º, n.º 1, mantém-se extraordinariamente a legitimidade do Réu, vendedor, transmitente, até à sua eventual habilitação, enquanto compradores/transmissários.

 

Foi essa habilitação que os ora Requerentes e Autores na acção principal promoveram com os presentes autos, tendo os Requeridos (novos proprietários) apresentado oposição.

 

Proferida Sentença habilitando-os a prosseguir no processo principal em substituição do Réu, veio este apresentar o presente recurso e colocando questões que se têm como pertinentes, embora não seja claro que lhe assista razão quanto ao fundo da sua pretensão.

 

No que à Contestação do incidente por parte dos Requeridos respeita, o Tribunal a quo decidiu bem e de forma linear, considerando o tipo de fundamento passível de ser utilizado e a forma tíbia como tais Requeridos afirmaram, não estarem certos que o Réu tivesse feito a venda com o fim de dificultar a posição dos Autores: “Para que a oposição deduzida seja atendível nos termos e para os efeitos do disposto no art. 356.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, do Código de Processo Civil, deveria traduzir-se numa afirmação perentória, acompanhada da invocação dos factos que lhe servem de suporte para dificultar a sua própria posição e não a dos Requerente.

É que, não obstante os Requeridos estarem em desacordo com a habilitação deduzida, a substituição só deveria ser recusada, em conformidade com o que resulta do artigo 263.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quando se entenda que a transmissão padece de invalidade formal ou substancial da cessão, ou foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária”.

 

Já no que respeita à argumentação utilizada pelo Réu e ora Recorrente, a situação muda de figura, embora sem as consequências em concreto por si pretendidas.

Efectivamente, a circunstância de o Réu ter deduzido um pedido reconvencional é susceptível de lhe poder dar razão quando afirma que não pode ser excluído da acção.

Verificados os autos principais não é, todavia, claro o que é que o Réu fez…

Vejamos:

            - no pedido com que termina a Contestação (transcrito na matéria factual sob o n.º 3), apenas referir “Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve:

a) a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.

b) Serem os Autores condenados como litigantes de má-fé com as legais consequências;

c) Ser a reconvenção ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências”;

            - a partir do artigo 75.º do articulado afirma que “Deve, por isso, ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu” (artigo 85.º), que “Se assim não se considerar, sempre deve reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu” (artigo 86.º) e que, como lhe são imputadas condutas “manifestamente ilegais e criminais” (artigo 89.º), tendo ele direito ao seu crédito bom nome, os “Autores incorreram em responsabilidade civil extra-contratual e, consequentemente, constituíram-se na obrigação de indemnizar os danos daí resultantes” (artigo 91.º), “encontram-se cumpridos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos” (artigo 93.º) e  tendo-se sentido “vexado, humilhado e ofendido na sua honra e consideração” (artigo 100.º), lhe foram causados “danos não patrimoniais indemnizáveis, computando-se para seu ressarcimento em quantia nunca inferior a € 5.000,00, mas que poderá ser superior se o comportamento dos Autores se mantiver” (artigo 106.º);

                        - os Autores, em sede de Réplica, vieram defender a não admissão da Reconvenção (aliás, com sólida argumentação).

 

Certo, por outro lado, que o Tribunal a quo, na decisão sob recurso, afirma - quanto a esta matéria - que o Réu “alega ter deduzido pedido reconvencional com vista a ser reconhecido que o sótão faz parte da fração autónoma em causa e, na negativa, que é uma parte comum de uso exclusivo da mesma fração.

Acontece que o aludido pedido reconvencional é indissociável da fração autónoma em causa e do direito real de propriedade que lhe está subjacente, o qual, como acima ficou demonstrado passou para a titularidade dos Requeridos.

Acresce que o pedido de condenação dos ora Requerentes, Autores na ação principal, não tem autonomia, pelo que nunca, por si só, poderia pôr em causa a procedência do presente incidente de habilitação”.

Ora, se este argumento funciona para o que respeita ao reconhecimento de que o sótão faz parte do prédio do Réu, ou é parte comum do prédio em que aquele se insere, tal já não sucede quanto a um eventual pedido de indemnização por responsabilidade civil, por danos que só a si – pessoalmente – respeitam.

O que se passa é que, havendo uma Reconvenção admitida que não seja a mera contraposição do pedido do Autor ou que respeite a alguma situação pessoal do Réu e não de si dissociável, a habilitação de um/a transmissário/a do bem/direito em causa nos autos, levaria a que se não pudesse proceder a uma substituição processual, mas que ficassem no processo mais partes (e, como atrás se disse, não é “admissível que continuem ambos na lide”[11]).

Ora como bem se afirmou no Acórdão da Relação do Porto de 30/01/2012 (Processo n.º 115/09.0TBCHV-A.P1-Maria Adelaide Domingos), “o elemento caracterizador do incidente de habilitação do adquirente/cessionário é precisamente a substituição processual de um dos sujeitos e não a substituição para um segmento da causa e a sua manutenção para outro.

Também nos parece evidente que a apreciação da reconvenção não pode ficar prejudicada por ter havido uma cessão de créditos pelo lado activo durante a pendência da causa na qual já tinha sido deduzido e admitido o pedido reconvencional.

E sempre se dirá que se a habilitação do adquirente/cessionário não é admitida quando a cessão tenha sido feita com vista a tornar mais difícil a posição do cedido no processo, por maioria de razão também não poderá ser admitida quando implica a impossibilidade de apreciação de um pedido reconvencional deduzido pelo cedido contra o cedente”, pelo que, nesses casos, o incidente de habilitação não pode ser atendido, já que o modo como a lei o desenha “permite apenas duas opções: ou a cedente continua na lide, já que a habilitação decorrente da transmissão entre vivos da coisa ou direito litigiosa, é facultativa, ou a cessionário intervém na lide, através da habilitação e, nesse caso, substituiu a cedente adquirindo a posição processual in totum que a mesmo tinha no pleito. Não há a possibilidade de ambas permanecerem na lide, nem a possibilidade de se cindir o objecto da mesma, excluindo a apreciação do pedido reconvencional, por força da substituição do sujeito processual cedente pelo sujeito processual cessionário, quando este não adquiriu, na totalidade, por via do negócio transmissivo, a posição contratual do cedente”.

Na mesma linha, também o Acórdão da Relação do Porto de 26/06/2017 (Processo n.º 1701/15.4T8PVZ-A.P1-Augusto de Carvalho), concluiu que a “habilitação do cessionário apenas é possível se este substituir integralmente o autor primitivo. Não é possível a habilitação do cessionário da qual resulte a manutenção na acção do primitivo autor, ainda que para apreciação de parte do seu objeto”, uma vez que “a substituição da autora pela cessionária, em virtude da habilitação desta, inviabilizaria a apreciação do pedido reconvencional”.

O mesmo entendimento foi seguido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/10/2018 (Processo n.º 02861/14.7BEBRG-B-Frederico Macedo Branco), assumindo-se que a “habilitação do cessionário apenas é possível se este substituir integralmente o autor primitivo”, não sendo possível a habilitação “da qual resulte a manutenção na ação do primitivo autor, ainda que para apreciação de parte do seu objeto”, desde logo porque a “substituição do autor pelo cessionário, em virtude da habilitação deste, inviabilizaria a apreciação do pedido reconvencional”.

 

Reportando-nos ao processo principal ao qual os presentes autos se mostram apensos, sendo admitido o pedido reconvencional e abrangendo este uma indemnização ao Reconvinte, por danos por si sofridos, a habilitação não poderia ser admitida[12] e haveria de funcionar na plenitude o artigo 263.º, nºs 1 a 3, do Código de Processo Civil.

Só que… a Reconvenção mostra-se deduzida, foi contrariada a sua admissibilidade e o Tribunal ainda não teve oportunidade (porque não foi aberta conclusão para o efeito) de sobre a matéria se pronunciar.

Só depois desse momento, só depois de estar assente a existência de um pedido reconvencional e em que termos e com que dimensão, é que será possível decidir o presente incidente de habilitação.

Em conformidade com o exposto, a decisão proferida (aliás, bem fundamentada), foi prematura e não podia ter sido prolatada sem se saber se a Reconvenção estava ou não admitida, pelo que terá de ser revogada, sendo substituída por outra que determinará que o processo aguarde que nos autos principais seja decidida a admissibilidade da Reconvenção.

 

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determina que os autos aguardem a decisão no processo principal, quanto à admissibilidade da Reconvenção.

Custas a cargo dos Recorridos.

 

Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

***

Lisboa, 21 de Junho de 2022

Edgar Taborda Lopes

Luís Filipe Pires de Sousa

José Capacete



[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.

[2] Paula Costa e Silva, Um desafio à Teoria Geral do Processo-Repensando a Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio-Ainda um contributo para o estudo da substituição processual (uma 2.ª edição), Coimbra Editora, 2009, página 84.

[3] Paula Costa e Silva, Um desafio…, cit., página 84.

[4] Paula Costa e Silva, Um desafio…, cit., página 70.

[5] Paula Costa e Silva, Um desafio…, cit., páginas 191 e 192.

[6] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 432.

[7] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código…, ob. loc. cit..

[8] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, cit., páginas 432-433.

[9] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, cit., página 432.

[10] Também concluem no mesmo sentido os Acórdãos da Relação de Guimarães de 23/04/2020 (Processo n.º 5239/16.4T8GMR-A.G1-José Moreira Dias), de 14/03/2019 (Processo n.º 4141/16.4T8GMR-A.G1-Alcides Rodrigues) e de 21/06/2018 (Processo n.º 7153/15.1T8GMR-Maria Cristina Cerdeira), da Relação de Évora de 07/11/2019 (Processo n.º 1898/18.1T8PTM.E1-Mário Silva) e da Relação de Coimbra de 16/03/2021 (Processo n.º 132/12.2TBCNT-E.C1-Carlos Moreira).

[11] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código…, ob. loc. cit..

[12] Sendo que, o que respeita ao incidente de litigância de má fé, esse sim, não teria qualquer autonomia que fizesse perigar a procedência da habilitação.

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