domingo, 7 de agosto de 2022

Reciclagem, Competência Tribunais Comuns e Tribunais Administrativos

Processo n.º 48982/20.8YIPRT.L1

Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1

Recorrente - S, S.A. (Autora)

Recorrida - N., S.A. (Ré)

  Sumário:

 I – É da competência dos Tribunais administrativos a apreciação de uma acção entre duas gestoras de resíduos de embalagens com licença para a gestão do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens, na qual se discute o valor devido por uma a outra derivado de uma decisão da Comissão de Acompanhamento de Resíduos Sólidos, tomada esta ao abrigo da Decisão que aprovou o Mecanismo de Alocação e Compensação (MAC)

II – O valor da acção subsequente à dedução de oposição a um requerimento de injunção é o que resulta da soma do valor peticionado acrescido de juros de mora vencidos na data da apresentação do requerimento de injunção excluindo-se, portanto, o valor da taxa de justiça paga por essa apresentação bem como o valor da indemnização prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que apenas faze sentido e se justifica no processo de injunção enquanto tal.

 Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório

S, S.A. intentou procedimento de injunção contra N, S.A.  pedindo o pagamento de € 3.090.828,27 (capital - € 2.623 899,02; juros de mora - € 466.736,25).

Como causa de pedir invoca a Autora:

                             - ser titular de licença para a gestão de um sistema integrado de resíduos de embalagens (concedida mediante Despacho n.º 14202-E/2016 de 24/11/2016 do Secretário de Estado Adjunto e do Comércio e do Secretário de Estado do Ambiente, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, de 25/11/2016);

                             - ser a Requerida N, S.A. também titular de licença para a gestão de um sistema integrado de resíduos de embalagens (concedida mediante Despacho n.º 14202-D/2016 de 24/11/2016 do Secretário de Estado Adjunto e do Comércio e do Secretário de Estado do Ambiente, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, de 25/11/2016);

                             - nos termos do ponto 1.3.5.2 dos Apêndices de ambas as licenças referidas, sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a outra entidade gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta, de acordo com os mecanismos de alocação e compensação a adotar no âmbito do SIGRE –Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (cfr. artigos 44.º, n.º 5, e 50.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09; artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/02, e Portaria n.º 306/2016, de 07/12);

               - em 09/02/2018, o Presidente da CAGER emitiu a Decisão relativa às regras aplicáveis aos Mecanismos de Alocação e Compensação no âmbito do SIGRE, pela qual definiu as regras consideradas necessárias à operacionalização do mecanismo de alocação e compensação do SIGRE (decisão que sofreu pequenas alterações em 15/04/2018 e se mantém inalterada desde então);

               - ao abrigo da Decisão MAC, o Presidente da CAGER, por email de 01/03/2018, comunicou às entidades gestoras do SIGRE o apuramento do saldo de compensação financeira relativo ao exercício de 2017, traduzindo-se no montante de € 2.540.863 (valor sem IVA), devido pela Requerida à Requerente (valor que corresponde à soma dos valores das rúbricas STM-subsídio de transporte marítimo e VC-valores de contrapartida financeira, subtraído o valor da rúbrica VR-valor de retoma, ou seja, STM €35.515,14 + VC €3.019.219,60 – VR €513.871,67);

               - em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as indicações constantes do mencionado email do Presidente da CAGER, recebido em 01/03/2018, a Requerente emitiu a Fatura n.º 11000050092, de 12/03/2018, no valor de €3.235.887,92 (valor com IVA), e remeteu-a à Requerida, por correio eletrónico (em formato PDF), para geral@-----.pt, bem como por carta, a 12/03/2018, tendo sido solicitada a sua liquidação;

               - no mesmo mês de março de 2018, procurando facilitar a regularização de saldos entre as duas entidades gestoras, a Requerente tomou a liberdade de emitir a Nota de Crédito n.º 21000004882, de 20/03/2018, a favor da Requerida, no valor de € 632.062,15 (valor com IVA), referente à compensação do Valor de Retoma (VR), a pagar pela Requerente à Requerida;

               - por carta datada de 20/03/2018, com a ref.ª S./2018/169, a Requerente enviou à Requerida a referida nota de crédito, cujo valor deveria ser deduzido ao da Fatura n.º 11000050092, de 12/03/2018, informando que, da conjugação dos dois documentos contabilísticos, resultava o valor de €2.603.825,77 (valor com IVA), em dívida pela Requerida à Requerente;

               - por carta datada de 21/05/2018, com a ref.ª S./2018/244, a Requerente declarou à Requerida a sua não aceitação dos documentos contabilísticos emitidos por esta (a saber: fatura n.º 158, de 16/03/2018, fatura n.º 189, fatura n.º 190, nota de crédito n.º 7 e nota de crédito n.º 8, todas datadas de 11/04/2018), mais comunicando que assumia o pagamento efetuado pela Requerida, no valor de €105.889,12 (valor com IVA), como pagamento parcial da referida Fatura n.º 11000050092 de 12/03/2018, tendo enviado em anexo o respetivo recibo de quitação parcial da mesma;

               - em 01/11/2019, ao abrigo da Decisão MAC, o Presidente da CAGER comunicou às entidades gestoras do SIGRE o cálculo do novo saldo de compensação financeira relativo ao exercício de 2017, que considera as quotas de mercado finais relativas ao exercício de 2017, no que resulta um novo saldo de € 2.665.972,00 (valor sem IVA) devido pela Requerida à Requerente (correspondente à soma dos valores das rúbricas STM €38.739,03 + VC €3.179.102,72 + Caracterizações €15.832,23 – VR €567.701,97, a que acrescem os valores de IVA com as seguintes taxas: STM – 0%, VC – 6%, Caracterizações 23% e VR – 23%);

               - no apuramento final do saldo de compensação financeira relativo ao exercício de 2017, às rubricas STM, VC e VR indicadas acresceram os montantes €3.223,89, €159.883,12 e €53.830,30, respetivamente (pelo que o montante final do saldo apurado em 01/11/ 2019 é superior, no valor global de €125.108,94, ao montante preliminar do saldo apurado em 01/03/2018 - valores sem IVA);

               - em 18/11/2019, em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as indicações constantes do mencionado email do Presidente da CAGER, recebido em 01/11/2019, a Requerente enviou à Requerida, por carta com a ref.ª S./2019/379, a Fatura n.º 11000078910, no valor (com IVA) de €192.173,64, referente ao acréscimo no valor de compensação de STM e VC, e a Nota de Crédito n.º 21000008248, no valor (com IVA) de €66.211,27, referente ao acréscimo no valor de compensação de VR;

               - assim, de acordo com a decisão da CAGER recebida a 01/11/2019 e considerando os documentos contabilísticos supra descritos, a Requerida deve pagar à Requerente, a título de compensação financeira relativa ao exercício de 2017, o valor de €2.729.788,13, permanecendo em dívida, à data de hoje, o montante de €2.623.899,02, que corresponde àquele valor subtraído do valor de €105.889,12 pago pela Requerida (valores com IVA ao que acrescem os juros de mora calculados sobre o valor de capital à taxa legal anual de 8% desde as datas de vencimento dos documentos contabilísticos em dívida até à data da apresentação do requerimento de injunção (dia 30/06/2020) e cujo valor ascende a €466.736,25 (quatrocentos e sessenta e seis mil setecentos e trinta e seis euros e vinte cinco cêntimos) e ainda o montante de €40,00 (quarenta euros), nos temos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05, e o valor da taxa de justiça liquidada pela Requerente, no montante de €153 (cento e cinquenta e três euros).

 

Citada a Requerida veio esta apresentar Oposição defendendo, em suma, que:

            - Requerente e Requerida são entidades gestoras de resíduos de embalagens, cuja atividade se traduz na organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de resíduos de embalagens não reutilizáveis, no quadro do sistema integrado, previsto no Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro (“UNILEX”);

               - a Requerida não pode ser responsabilizada pela gestão dos resíduos gerados nos primeiros 73 dias de 2017 (efeito de cut-off) e esta fração de resíduos deverá ser deduzida à quantidade total de resíduos sobre a qual há aparente concorrência de responsabilidade das entidades gestoras (Requerida e Requerente);

               - a Requerida não pode ser responsabilizada pela gestão:

                             a) Dos resíduos em stock, entendido como a quantidade de resíduos de embalagem existentes nos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), disponíveis para retoma, a 31 de dezembro de um determinado ano e que apenas serão entregues às entidades gestoras no ano seguinte, situação que foi acautelada no acerto da compensação; nem

                             b) Dos resíduos correspondentes às embalagens que existem nos armazéns e prateleiras das lojas, nas casas do consumidor, bem como dos resíduos que se encontram nos ecopontos e instalações dos SGRU, ainda não preparados para serem retomados, à data de 31 de dezembro de um determinado ano (efeito de cut-off);

               - a Decisão MAC, ao definir as regras de alocação e compensação no âmbito do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens, não acautelou na parte relativa às disposições transitórias referentes a 2017 e em especial o que diz respeito ao efeito de cut off;

               - o valor que a Requerida tem a compensar não ascende a 2.623.899,02 €, como resulta dos cálculos da CAGER, pois, considerando o efeito de cut-off, a Requerida reconhece apenas dever compensar a Requerente no valor (tentativo) de 394.857 € (valor com IVA), porquanto os valores referentes ao cut-off são deduzidos ao montante reclamado pela Requerente, por dizerem respeito a resíduos cuja gestão era apenas da responsabilidade desta;

               - a Requerida, como consequência da Decisão MAC, oportunamente impugnada, está a ser obrigada a remunerar os SGRU pela gestão de resíduos de embalagens relativamente às quais não recebera prestação financeira dos produtores;

               - dispõe o artigo 44.º, n.º 5, do RGGR que “sempre que em determinado fluxo

específico de resíduos atue mais do que uma entidade gestora, há lugar à aplicação de mecanismos de alocação e compensação com vista a compensar a entidade gestora que assume a responsabilidade pela gestão de resíduos e cuja responsabilidade pela gestão não se lhe encontra atribuída, garantindo o cumprimento das responsabilidades ambientais, de forma a promover a concorrência entre estas entidades, bem como a eficiência do sistema”;

               - dispõe o artigo 18.º, n.º 1, do UNILEX que sempre que em determinado fluxo específico de resíduos atue mais do que uma entidade gestora, há lugar à aplicação de mecanismos de alocação e compensação a definir pelo presidente da CAGER, com vista a compensar a entidade gestora que assume a responsabilidade pela gestão de resíduos;

               - o apêndice das licenças para a atividade de gestão de um SIGRE atribuídas à Requerida e Requerente, cuja redação está uniformizada, dispõe, semelhantemente, do seguinte modo no seu § 1.3.5.2 (Mecanismos de alocação e compensação entre entidades gestoras): “1 — Sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a outra entidade gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta. 2 — Para efeitos do número anterior, os mecanismos de alocação e compensação a adotar no âmbito do SIGRE serão determinados nos termos previstos no artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação atual. (…) 4 — O mecanismo de alocação deverá assegurar a alocação dos pedidos de recolha dos SGRU a cada entidade gestora, com base nas embalagens declaradas pelas quais recebam a prestação financeira. 5 — O mecanismo de compensação terá por objetivo estabelecer um processo de compensação entre a entidade gestora que assume a responsabilidade pela gestão de resíduos e a entidade gestora a quem foi atribuída a responsabilidade pela gestão de resíduos, garantindo o cumprimento das responsabilidades ambientais de forma a promover a concorrência entre estas entidades bem como a eficiência do sistema”;

               - o cut-off corresponde ao cálculo do impacto do tempo médio de vida dos produtos até que se tornem resíduo na aferição das responsabilidades pela gestão de cada entidade gestora;

               - após competente estudo, apurou-se que o efeito cut-off no SIGRE corresponde a um período de 73 dias – cfr. Doc. n.º 14;

               - atendendo à data da publicação do Despacho que concede a licença – 25 de novembro de 2016 – tornou-se inviável concluir os contratos com todos os intervenientes no SIGRE até ao início do ano seguinte, pelo que o Despacho n.º 154-A/2017, de 3 de janeiro, veio estender o prazo de celebração dos ditos contratos até 31 de março de 2017, sem prejuízo de os mesmos vigorarem retroativamente desde 1 de janeiro do mesmo ano;

               - enquanto não fossem celebrados os ditos contratos, e até que a Requerida pudesse entrar efetivamente em atividade, a Requerente garantiria o funcionamento do SIGRE, o que sucedeu durante a primeira metade do ano de 2017;

               - correspetivamente, para reposição do equilíbrio financeiro no SIGRE entre as várias concorrentes, a Requerente tem direito à compensação pela efetiva gestão que, tendo feito no primeiro semestre, seria da responsabilidade da Requerida, em função das quantidades de embalagens que lhe foram declaradas a partir de 1 de janeiro de 2017;

               - já não assim relativamente a resíduos de embalagens cuja gestão foi paga pelos produtores/importadores à Requerente, antes de 1 de janeiro de 2017;

               - é o caso das embalagens que já se tivessem transformado em resíduos a 1 de janeiro de 2017, constituindo stocks na armazenagem dos SGRU, bem como daquelas que se viessem a transformar em resíduos no período de cut-off;

               - relativamente a estas duas classes de embalagens e resultantes resíduos, em especial, a que diz respeito ao cut-off, a Decisão MAC obriga a ora Requerida a assumir responsabilidades financeiras como entidade gestora, o que é ilegal à luz dos artigos 44.º, n.º 5, do RGGR e 18.º do UNILEX, bem como do § 1.3.5.2 da Licença, na medida em que a Requerida só está obrigada a assegurar por si ou pelos SGRU a gestão de resíduos de embalagens pelas quais tenha recebido antecipadamente a competente prestação financeira remuneratória da parte dos produtores e comercializadores – cfr. § 1.1 n.º 6, al. d) do Apêndice da Licença;

               - portanto, o mecanismo de compensação não foi concebido tendo em conta o efeito de cut-off na sua secção de regras transitórias ou específicas ao exercício económico de 2017 (§12 da Decisão);

               - mas nada foi dito relativamente às regras especiais a ter em conta quando se fala do cut-off: não ter uma adequada disciplina neste aspeto implica que a visada reposição do equilíbrio financeiro do SIGRE afinal desse azo a mais desequilíbrio;

               - para reposição do equilíbrio financeiro do SIGRE, está a ser pedido à Requerida que compense a Requerente pelo esforço de gestão que esta fez, mas que, em parte, sempre lhe competiria, na medida em que a Requerida só entrou no mercado a 1 de janeiro de 2017;

               - em tal conformidade, colocando em cima da mesa o cut-off verifica-se que não era, afinal, devido qualquer esforço de gestão durante os primeiros 73 dias de 2017: as prestações financeiras recebidas pela Requerida dizem respeito a produtos colocados no mercado em 2017, mas que só se transformaram em resíduos 73 dias depois, ergo, a gestão das quantidades de resíduos recolhidos naquele período não é imputável à esta;

               - os resíduos gerados, recolhidos e triados nos primeiros 73 dias de 2017 são resíduos relativos a produtos cujas prestações financeiras foram pagas – nos termos do mecanismo de cut-off – no exercício de 2016;

               - em 2016 a Requerida ainda não se encontrava em exercício, não tendo recebido quaisquer prestações financeiras, pelo que os resíduos nos SGRU durante os primeiros 73 dias de 2017 não são da sua responsabilidade;

               - noutros termos: o mecanismo de compensação, visando nos termos do artigo 18.º do UNILEX e do artigo 44.º, n.º 5, do RGGR, eliminar situações de enriquecimento sem causa no seio do SIGRE, acaba por, no que diz respeito ao período transitório da abertura do mercado à concorrência, ter o efeito oposto, fazendo enriquecer sem causa a S., i.e., fazendo com que a Requerida tenha de pagar pela gestão de resíduos de embalagem que eram da responsabilidade daquela;

               - por força dessa ilegalidade, a Requerida não deve à Requerente o valor por esta peticionado nos presentes autos.

 

Entretanto, nos autos de apenso A a aí Requerente N., S.A. (aqui Requerida) veio, na esteira do alegado em sede de Oposição aos presentes autos, dizer que:

            - efectuado um estudo independente, pela empresa 3Drivers, que concluiu que o tempo médio de vida de uma embalagem desde a sua colocação no mercado (momento em que paga valor de prestação financeira que vai custear o seu tratamento) até se transformar o resíduo é de 73 dias;

               - logo, a aí Requerente, no ano de início da sua atividade, apenas é responsável pela gestão dos resíduos a partir do 73.º dia, o que significa que, nesse período, a responsabilidade recaía totalmente sobre a aí Requerida;

               - sucede que, em 2017, foi atribuída à aí Requerente a responsabilidade pela gestão de embalagens que, nos termos da licença e da lei, deviam ser geridas pela aí Requerida;

               - tratam-se daquelas embalagens que pagaram valor de prestação financeira à aí Requerida em 2016, mas que só se tornaram resíduo em 2017;

               - em consequência, e para se ver ressarcida desse custo, a aí Requerente emitiu, em 11.04.2018, a fatura F A n.º 189, no valor de 1.677.879,48 € (1.582.905,17 € + IVA), com vencimento a 11.05.2018, e a nota de crédito A n.º 7, no valor de 327.522,53 €, ambas enviadas à aí Requerida para pagamento;

               - por força do acerto das quotas de mercado referentes a 2017 e das contas da compensação entre entidades gestoras, a aí Requerente emitiu a fatura FT AA/870, de 26.11.2020, com pagamento imediato, no valor de 61.077,45 € (57.620,24 € + IVA) e a nota de crédito NAA/60, no valor de 28.472,38 € (23.148,28 € + IVA);

               - por outro lado, nos termos do Despacho n.º 154-A/2017, de 30.12.2016, foi “concedida à N. (…), e à S. (…), a possibilidade de celebrar contratos, ao abrigo do n.º 3 dos Despachos n.os 14202 -D/2016 e 14202 -E/2016, até ao dia 31 de março de 2017” e “Os contratos existentes à data de 31 de dezembro de 2016 celebrados com a S. (…), consideram -se em vigor até à data da celebração de contratos outorgados pelas Titulares com os diversos intervenientes do SIGRE, no âmbito das licenças concedidas pelos Despachos n.os 14202-D/2016 e 14202 -E/2016, de 25 de novembro”;

               - ao abrigo deste Despacho, a aí Requerida cobrou valores de prestação financeira a empresas que vieram entretanto a celebrar contrato com a aí Requerente;

               - aquele valor deveria ter sido devolvido à aí Requerente, conforme resulta do ponto 12.2 da Decisão que aprova o Mecanismo de Alocação e Compensação, do Senhor Presidente da CAGER;

               - a aí Requerente emitiu, então, a Fatura A n.º 158, de 16.03.2018, com vencimento a 15.04.2018, no valor de 932.495,71 € (758.126,59 € + IVA);

               - a aí Requerida deve, por isso, à aí Requerente, o valor global de 2.315.457,73 €, resultante do somatório das faturas F A n.º 189 e FT AA/870 (1.382.962,02 €), deduzido dos valores das notas de crédito A n.º 7 e NC AA/60 (355.994,91 €), acrescido do valor da fatura A n.º 158, a que acrescem os juros de mora vencidos desde as respetivas datas de vencimento até à apresentação do presente requerimento, à taxa de 8%, que ascendem a 483 328,07 €, bem como o valor de indemnização pelos custos de cobrança da dívida (40,00 €), bem como o valor devido pela taxa de justiça (153,00 €), o total de 2.798.978,80 € € (dois milhões setecentos e noventa e oito mil novecentos e setenta e oito euros e oitenta cêntimos), a que acrescem juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

 

A aqui Requerente e Requerida no apenso A veio deduzir oposição ao pretendido no apenso alegando que não invoca a Requerida o fundamento de onde emerge o seu crédito referente ao efeito de cut-off – porque não existe e que:

               - as compensações entre entidades gestoras do SIGRE devem ocorrer nos termos e ao abrigo dos mecanismos de alocação e compensação definidos pelo Presidente da CAGER;

               - ou seja, os valores das compensações entre entidades gestoras do SIGRE são apurados pelo Presidente da CAGER de acordo com o disposto na Decisão MAC;

               - porém, a Requerente não invoca a Decisão MAC, nem qualquer apuramento levado a cabo pelo Presidente da CAGER para justificar o crédito que reclama. A Requerente invoca, apenas, “um estudo independente”;

               - pelo que, não tendo o crédito reclamado como fundamento a Decisão MAC, nem resultando do apuramento do cálculo de compensação relativo ao exercício de 2017, o crédito não existe e, por isso, é inexigível (e, consequentemente, são inexigíveis quaisquer juros de mora a ele referentes);

               - só assim não seria, se fosse parcialmente anulada e subsequentemente alterada a Decisão MAC no sentido de prever o efeito de cut-off, como pretendido pela Requerente;

               - a aqui Requerente propôs uma ação administrativa de impugnação da Decisão MAC, que corre os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º de processo 401/18.8BESNT - cf. Documento n.º 4 que se junta e dá por integralmente reproduzido;

               - no âmbito dessa ação administrativa, a Requerente peticiona a anulação parcial da Decisão MAC com o fundamento, entre o mais, de que essa decisão devia ter previsto o efeito de cut-off;

               - até ao momento, estando essa ação administrativa pendente, a Decisão MAC não foi anulada, nem a sua produção de efeitos se encontra suspensa – da conjugação do disposto nos artigos 155.º, 160.º e 163.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo, e nos artigos 50.º, n.º 2, e 112.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, decorre que os atos administrativos produzem todos os seus efeitos desde o momento em que são notificados aos seus destinatários até que sejam anulados;

               - pelo contrário, enquanto o ato não é anulado pelo Tribunal, o mesmo mantém-se na ordem jurídica e produz todos os seus efeitos, só assim não sucedendo se, na sequência do requerimento de uma providência cautelar, tivesse sido decretada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal a suspensão da eficácia do ato administrativo, o que, no caso, não aconteceu;

               - pelo que, o efeito de cut-off, nos termos pretendidos pela Requerente, não se encontra reconhecido no âmbito do SIGRE, carecendo de fundamento e de base jurídica a reclamação de qualquer crédito que do mesmo resulte;

               - assim sendo, enquanto o efeito cut-off não for integrado na Decisão MAC, inexiste e é inexigível o crédito de €1.382.962,02 que a Requerente reclama;

               - o que significa, em termos práticos, que a existência do crédito reclamado pela Requerente decorrente do efeito de cut-off apenas se poderá equacionar como existente e exigível – no que se concede por mera cautela de patrocínio e sem conceder – se e quando, por decisão transitada em julgado proferida no âmbito do processo n.º 401/18.8BESNT, for reconhecido como válido o dito efeito cut-off;

               - em sentido inverso, caso essa ação seja declarada improcedente, como a S. não tem dúvidas que será, extinguir-se-ão os presentes autos, que deixarão de ter qualquer razão de ser face à declaração da inexistência do crédito que a Requerente aqui reclama;

               - de acordo com o disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CPC, se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie;

               - ao abrigo da Decisão MAC já enunciada, o Presidente da CAGER, por email de 1 de março de 2018, comunicou às entidades gestoras do SIGRE o apuramento do saldo de compensação financeira relativo ao exercício de 2017, traduzindo-se no montante de € 2.540.863,00 (dois milhões quinhentos e quarenta mil oitocentos e sessenta e três euros), valor sem IVA, devido pela aqui Requerente à aqui Requerida – cf. Documento n.º 5 que se junta e dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos;

               - esse montante corresponde à soma dos valores das rubricas STM (subsídio de transporte marítimo) e VC (valores de contrapartida financeira), subtraindo o valor da rubrica VR (valor de retoma);

               - a Decisão MAC não integra como pressuposto ou critério o efeito de cut-off, nem se lhe refere em qualquer outro sentido – aliás, a inclusão do efeito de cut-off na Decisão MAC foi sugerida pela Requerente ao Presidente da CAGER que, tendo feito a devida ponderação, decidiu não o introduzir na Decisão MAC;

               - pelo que, não estando previsto na lei, não estando previsto nas licenças e não estando reconhecido na Decisão MAC, o efeito de cut-off não pode ser considerado para efeitos de apuramento da compensação relativa ao exercício de 2017;

               - e, efetivamente, o efeito de cut-off não foi considerado no apuramento da compensação relativa ao exercício de 2017, não tendo sido aplicado pelo Presidente da CAGER em qualquer dos seus cálculos e decisões;

               - donde decorre, portanto, que o crédito de €1.382.962,02 aqui reclamado, é uma invenção da Requerente, sem qualquer fundamento jurídico;

               - ademais, o crédito no valor de € 932.495,71 reclamado pela Requerente não lhe pertence, não integra a sua esfera jurídica, pelo que a Requerente N. falece de legitimidade substantiva para reclamar este crédito;

               - não faz, portanto, qualquer sentido, por maioria de razão, que a Requerente pretenda que lhe seja devolvido um montante que ela nunca desembolsou e que não lhe pertence;

               - se foram os embaladores que entregaram à S. os valores de prestação financeira, é só a eles – e somente a eles – que é devida devolução desses valores – e não a qualquer pessoa estranha a essa relação, como o é a Requerente;

               - em face do exposto, considera que deve o pedido de condenação no pagamento do valor de € 932.495,71, resultante da Fatura A n.º 158, de 16.03.2018, ser declarado totalmente improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

A 03 de Março de 2022, o Tribunal a quo proferiu decisão final, terminando com seguinte dispositivo:

“Por todo o exposto, e sem necessidade de realização de audiência prévia, julga-se procedente por provada a excepção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste para conhecer dos litígios em causa nestes autos e no apenso e, em consequência, absolvem-se as respectivas RR. da instância nestes autos e no apenso.

Custas pela requerente em cada uma das acções”.

 

É desta decisão que Autora-Requerente apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:

1.ª O presente recurso de apelação tem por objeto a Sentença proferida em 02.03.2022 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 1 (ref.ª CITIUS 135356103), na parte em que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta e se declarou incompetente para conhecer do pedido da S. nos autos principais (i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT).

2.ª O presente Recurso tem ainda como objeto (i) a decisão quanto ao valor da causa e (ii) a decisão de condenação em custas, formulando a Recorrente, nesse sentido, um pedido de reforma da sentença quanto a custas ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.os 1 e 3, do CPC.

3.ª O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro na aplicação do Direito, uma vez que as quatro alíneas do ETAF em que baseou a sua decisão já não estão em vigor (i.e., têm atualmente outra redação e conteúdo), razão pela qual são de desconsiderar essas alíneas referidas pelo Tribunal a quo na sentença, estando a decisão de incompetência absoluta do Tribunal a quo para conhecer o pedido da S., inevitavelmente, inquinada, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue o Tribunal a quo competente em razão da matéria para conhecer do pedido da S. nos autos principais (i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT).

4.ª Sem conceder, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, se se entendesse que o Tribunal a quo se estava a referir à versão atual do artigo 4.º do ETAF, quando se referiu às alíneas d), e), f) e j), a conclusão não seria diferente: o Tribunal a quo também teria incorrido em erro de julgamento, uma vez que a previsão dessas alíneas não está preenchida no caso concreto. Efetivamente,

               (i) a S. e a N. são pessoas coletivas de direito privado que não exercem poderes públicos,

(ii) não está em causa nos presentes autos qualquer contrato ou qualquer situação de responsabilidade civil extracontratual e

(iii) também não está em causa qualquer relação entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos.

5.ª Na sentença recorrida são invocados dois acórdãos, um do Tribunal da Relação de Lisboa e outro do Tribunal dos Conflitos, ambos proferidos em 2016, que não têm qualquer relevância no presente caso, não podendo servir de “precedente”. É que, nesses casos, estavam em causa questões relativas a contratos, o que aqui não se verifica, e os factos subsumiam-se a uma alínea do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que foi revogada pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de outubro, deixando de existir qualquer norma com semelhante teor.

6.ª Concluindo-se pelo não preenchimento das previsões das alíneas do ETAF referidas pelo Tribunal a quo e ficando, consequentemente, afastada a competência dos tribunais administrativos para conhecerem do pedido principal, isto é, do pedido de condenação da N. no pagamento da quantia de € 3.090.635,27 à S., deve ser reconhecida e declarada a competência dos tribunais judiciais para o conhecimento do pedido principal, ao abrigo do disposto nos artigos 211.º da CRP e 66.º do CPC, e revogada a sentença na parte em que o Tribunal a quo se declarou incompetente para conhecer do pedido dos autos principais.

7.ª O Tribunal a quo fixou o valor da causa dos autos principais em €3.090.828,27. No entanto, o valor da causa deve incluir apenas o valor correspondente à compensação financeira relativa ao exercício de 2017 e o valor correspondente aos juros de mora contabilizados até 30 de junho de 2020, excluindo-se os valores de €40,00 (a título de ressarcimento de despesa com a injunção) e €153,00 (a título de taxa de justiça), razão pela qual a sentença recorrida deve ser revogada na parte referente à fixação do valor da causa dos autos principais (i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT) e substituída por outra que fixe o valor da causa em €3.090.635,27.

8.ª O Tribunal a quo condenou em “Custas pela requerente em cada uma das acções”. O uso da palavra “requerente”, no singular, poderá induzir em erro quanto ao sentido da condenação das partes em custas, razão pela qual, na hipótese de o presente recurso não ser procedente – no que não se concede – se requer a reforma da sentença quanto a custas, de forma a que fique claro que as custas da ação principal são suportadas pela S. e as custas da ação apensada são suportadas pela N..

Termos em que se requer a V. Ex.as se dignem admitir o presente recurso jurisdicional, julgando-o procedente e, em consequência:

                              a) Revogar a sentença recorrida, na parte em que julga procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria relativamente ao pedido da S. nos autos principais, substituindo-a por decisão que declare a competência do Tribunal a quo para julgar o litígio em causa nos autos principais (i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT);

                              b) Revogar a decisão sobre o valor da causa, substituindo-a por decisão que fixe o valor da causa nos autos principais em €3.090.635,27;

E, na hipótese de o presente recurso não ser procedente, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio,

                              c) Reformar a sentença na condenação quanto a custas, de forma que fique claro que as custas da ação principal são suportadas pela S. e que as custas da ação apensada são suportadas pela N..

 

A Ré-Requerida apresentou Contra-Alegações, nas quais formulou as seguintes Conclusões:

A. Nas palavras da Recorrente, “o presente recurso incide, unicamente, sobre a primeira decisão referida. Ou seja, o presente recurso tem por objeto, entre outras, a decisão que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta para conhecer do pedido da S. nos autos principais (i.e., no Processo n.º 48982/20.8YIPRT), i.e., quanto à parte em que o Tribunal a quo se declarou o incompetente para condenar a N. no pagamento do montante de €3.090.635,27 acrescido de juros vincendos e demais encargos até efetivo e integral pagamento”.

B. Alega a Recorrente que a decisão do Tribunal a quo incorre em manifesto erro na aplicação do Direito, por fazer referência a uma versão desatualizada do ETAF – o que é verdade, adiante-se – e em erro de julgamento por entender que o litígio não se subsume a qualquer alínea da versão vigente do artigo 4.º do ETAF, o que é falso.

C. Na verdade, a decisão recorrida deve manter-se, por não padecer de qualquer erro de julgamento.

D. Como resulta dos pontos 5, 6, 8, 11 e 14 do requerimento inicial e bem identificado na sentença do Tribunal a quo, o pedido da Recorrente funda-se na Decisão relativa às regras aplicáveis aos Mecanismos de Alocação e Compensação (“MAC”), de 9 de fevereiro de 2018, revista em 15 de abril do mesmo ano.

E. A Decisão MAC regula os termos em que deve operar a compensação entre entidades gestoras licenciadas para a gestão de embalagens e resíduos de embalagens (a Recorrente e a Recorrida, in casu).

F. Ou seja, a Recorrente procura dar execução aos efeitos jurídicos decorrentes de um ato administrativo que existe para regular a atividade pública de duas ou mais entidades gestoras, isto é, a Recorrente pretende cobrar à Recorrida valores que resultam de uma decisão administrativa, cuja ilegalidade, de resto, se requereu junto do Tribunal Administrativo competente (Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º 401/18.8BESNT).

G. Trata-se, assim, de uma decorrência de uma atuação puramente administrativa.

H. Portanto, o Tribunal, para decidir do pedido da Recorrente, terá que avaliar se o ato no qual esse pedido se funda é legal, competência que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea b) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos.

I. Mas ainda que assim não se entendesse, certo é que o presente litígio sempre caberia no âmbito residual da alínea o) do mesmo preceito que dispõe que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a (…) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”. Norma que recupera o já analisado conceito de “relação jurídico-administrativa”.

J. Sem prejuízo do concurso de outras normas, afigura-se, pois, inequívoco que o regime substantivo jus-publicístico próprio desta relação jurídica a integra no âmbito do artigo 4.º do ETAF e, por isso, a competência para conhecer do presente litígio está atribuída à jurisdição administrativa, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, conjugado com o artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e com o artigo 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

K. No mais, sempre se diz que nenhuma razão existe para que o conhecimento dos pedidos em análise nos presentes autos – ação (injunção apresentada pela Recorrente contra a Recorrida) e apenso (injunção apresentada pela Recorrida contra a Recorrente) - seja atribuído a jurisdições diferentes, como pretende a Recorrente, já que ambos têm subjacente a mesma questão: saber qual a responsabilidade de cada uma das partes na gestão de embalagens e resíduos de embalagem em 2017, o que aliás motivou a respetiva apensação.

L. Portanto, se o pedido da ação que corre por apenso (isto é, o pedido formulado pela Recorrida contra a Recorrente) e que pode configurar um pedido reconvencional do pedido da aqui Recorrente deve tramitar na jurisdição administrativa, como a Recorrente reconhece expressamente ao limitar o seu recurso à parte relativa ao seu pedido inicial, também o pedido da primeira ação – formulado através do requerimento de injunção apresentado pela Recorrente – deve ser apreciado por essa jurisdição.

M. Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe como mero dever de patrocínio, certo é que ambas as ações devem manter-se apensadas e tramitar na mesma jurisdição.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a Vossas Excelências que neguem provimento ao presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica a decisão do Tribunal a quo, julgando-se competente para conhecer dos pedidos formulados pelas partes os tribunais administrativos


Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

Verificadas as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente e as suas divergências com o decidido, importará apreciar:

                       - se foi bem decidida a questão da incompetência em razão da matéria, pelo Tribunal a quo;

                       - se o valor da acção se mostra bem fixado;

                       - se da decisão de custas resulta claro que as da acção principal são suportadas pela S. e que as custas da acção apensada são suportadas pela N.

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.



Fundamentação de Facto

A Decisão sob recurso assentou na consideração factualidade descriminada no Relatório antecedente.

 


Fundamentação de Direito

A decisão do Tribunal a quo, vem solidificada com o seguinte processo de raciocínio:

               - tem sido entendido, de forma pacífica, que a competência material de um tribunal se afere pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e causa de pedir (cfr., v.g., Acórdãos do Tribunal de Conflitos, disponíveis em www.dgsi.pt: de 10.02.1998 – processo 000319, de 18.06.2002 – processo 02/02, de 23.09.2004 – processo 05/04, e de 29.11.2006 – processo 016/03);

               II - o interesse público na boa administração da justiça exige que se proceda a uma divisão do trabalho entre os vários órgãos e entidades que integram o sistema da justiça, de que resultam diferentes âmbitos ou áreas de intervenção de cada um;

               III - no âmbito da competência interna, esta é sectorizada, no essencial, em razão da matéria, do valor da causa, da hierarquia judiciária e da competência territorial – artigo 60.º, n.º 2, do CPC;

               IV - resulta do artigo 101.º do CPC que a incompetência absoluta provém da infracção das regras de competência internacional e da competência interna material e hierárquica;

               V - a incompetência material decorre da propositura no tribunal comum de uma acção da competência dos tribunais especiais ou da instauração de uma acção num tribunal de competência especializada incompetente (Miguel Teixeira de Sousa);

               VI - a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada  oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa – artigo 97.º, n.º 1, do CPC;

               VII - a incompetência absoluta resultante da infracção da competência material decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num tribunal judicial quando o deveria ter sido perante um outro tribunal judicial só pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo tribunal até ser proferido despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência de discussão e julgamento – artigo 97.º, n.º 2, do CPC;

               VIII - como nas várias hipóteses de incompetência absoluta por violação da competência material a menos grave é a da propositura num tribunal judicial de uma acção que deveria ter sido instaurada num outro tribunal judicial (por exemplo: a acção é instaurada num tribunal cível, quando deveria ter sido proposta num tribunal de família), a lei restringe o prazo de arguição e de conhecimento dessa incompetência;

               IX - diferentemente, a incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num tribunal judicial quando o deveria ser num tribunal não judicial (por exemplo: a acção foi instaurada num tribunal comum, mas deveria ter sido proposta num tribunal administrativo) pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de mérito – artigo 97.º, n.º 1, do CPC;

               X - como esta incompetência absoluta é mais grave do que a prevista no artigo 102.º, n.º 2, alarga-se o prazo da sua arguição pelas partes e do seu conhecimento pelo tribunal;

               XI - a competência dos tribunais em geral é a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais;

               XII - a competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção: é ponto a decidir de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor – compreendidos aí os respectivos fundamentos (causa de pedir), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão;

               XIII - na definição da competência em razão da matéria, a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo o da natureza da relação substancial pleiteada (competência ratione materiae), pelo que a instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes;

               XIV - A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de:

                               - atribuição positiva (pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial, sendo que, na qualificação do objecto da acção para este efeito, o tribunal não se encontra sujeito às qualificações fornecidas pelas partes - artigo 664.º do CPC) e de

                              - competência residual (incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial: isto é, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os comuns aqueles que possuem essa competência residual);

               XV - os critérios materiais distribuem os casos concretos pelas diferentes ordens de tribunais, recorrendo à qualificação jurídica desses mesmos casos segundo os grandes ramos de direito (Teixeira de Sousa);

               XVI - face ao artigo 211.º, n.º 1, da CRP (“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”), ao artigo 66.º do CPC (“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”), ao artigo 26.º, n.º 1, da LOFTJ (“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”), ao artigo 212.º, n.º 3, da CRP (a Constituição comete aos tribunais administrativos a resolução das controvérsias nascidas de relações jurídicas administrativas, dos litígios emergentes de relações jurídicas que sejam de direito administrativo, ou seja relações jurídicas administrativas públicas ou em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido);

               XVII - os tribunais administrativos constituem uma categoria com estatuto constitucionalmente autónomo e com competência específica sendo os tribunais ordinários da justiça administrativa;

               XVIII - pode actualmente afirmar-se que os tribunais administrativos e fiscais são os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, tendo reserva de jurisdição nessas matérias, excepto nos casos que, pontualmente, venham a ser atribuídos por lei especial a outra jurisdição;

               XIX - em concretização da norma constitucional referida, dispõem os art.s 1º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, na parte que ora releva:

Artigo 1º

Jurisdição administrativa e fiscal

1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

2 - Nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados (…).

Artigo 4.º

Âmbito da jurisdição

1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;

c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;

e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;

g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;

i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;

j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir”;

               XX - por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido;

               XXI - à luz dos princípios e normativos citados, o caso concreto insere-se na esfera de competência dos tribunais administrativos;

               XXII - considerando a causa de pedir, a pretensão da Autora sustenta-se no incumprimento da Ré ao não proceder ao pagamento das quantias peticionadas que foram liquidadas pela Requerente em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as indicações constantes do email do Presidente da CAGER, recebido em 01/03/2018;

               XXIII - a Requerente exige da Requerida o pagamento de € 3.090.828,27 correspondentes a:

(i) 2.623.899,02 €, a título de compensação financeira relativa ao   exercício de 2017;

(ii) 466.736,25 €, a título de juros de mora contabilizados até 30 de  junho de 2020;

(iii) 40 €, como despesa nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º  62/2013; e

                             (iv) 153 €, a título de taxa de justiça devida pela injunção.

               XXIV - como resulta dos pontos 5, 6, 8, 11 e 14 do requerimento inicial, o pedido da Requerente funda-se na Decisão relativa às regras aplicáveis aos Mecanismos de Alocação e Compensação (“MAC”), de 9 de fevereiro de 2018, revista em 15 de abril do mesmo ano proferida pelo Presidente da CAGER Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos, pela qual definiu as regras consideradas necessárias à operacionalização do mecanismo de alocação e compensação do SIGRE;

               XXV - de acordo com o alegado pela aqui Requerida e Requerente no apenso nos pontos 3 a 10 do requerimento de injunção, o crédito no valor de € 1.382.962,02 que a Requerente reclama refere-se ao custo que a Requerente assumiu nos 73 (setenta e três) primeiros dias do ano de 2017 pela gestão de embalagens que, no seu entender, deviam ter sido geridas pela Requerida;

               XXVI - a N. entende que não pode ser responsabilizada pela gestão dos resíduos gerados nos primeiros 73 dias de vigência da sua licença, uma vez que entende que as embalagens que assumiu tratar na data de entrada em vigor da sua licença demoraram 73 dias a transformar-se em resíduos e que, assim, durante esse período, não pode ser responsabilizada por qualquer custo de gestão de resíduos de embalagens, uma vez que tais resíduos resultarão de embalagens que foram produzidas e declaradas antes do início de vigência da licença da N. (efeito de cut-off);

               XXVII - a Requerente pretende, portanto, ser compensada pela Requerida por, no seu entender, ter ficado encarregue da gestão de determinada quantidade de resíduos de embalagens que, de acordo com a atribuição de responsabilidades que decorreria do efeito de cut-off, deveria ter sido gerida pela Requerida;

               XXVIII – a Requerida propôs mesmo uma ação administrativa de impugnação da Decisão MAC, que corre os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º de processo 401/18.8BESNT em que são partes a Requerida, a Agência Portuguesa do Ambiente, IP e a Requerente, na qualidade de Contra-interessada (cf. doc. n.º 5, que se junta para todos os efeitos legais);

               XXIX - no âmbito dessa ação administrativa, a Requerente peticiona a anulação parcial da Decisão MAC com o fundamento, entre o mais, de que essa decisão devia ter previsto o efeito de cut-off, que funda o pedido na acção apensa;

               XXX – Autora e Ré são gestoras de resíduos de embalagens, a quem foi atribuída uma licença para a gestão do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens;

               XXXI - a referida licença (atribuída pelo Despacho n.º 14202-D/2016, publicado em Diário da República, 2.ª série — N.º 227 — 25 de Novembro de 2016) autoriza ambas as partes a efectuar a gestão de resíduos de embalagens, cujos princípios e normas aplicáveis constam do Decreto-Lei n.º 366-A/97, com as sucessivas alterações, o qual, por seu turno, transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 94/62/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, a qual também sofreu sucessivas alterações, relativa a embalagens e resíduos de embalagens, tendo em vista a prevenção de resíduos de embalagens, priorizando a reutilização das embalagens, a reciclagem e outras formas de valorização dos resíduos de embalagens e, bem assim, metas de valorização e reciclagem a cumprir pelos Estados Membros;

               XXXII - nos termos do ponto 1.3.5.2 dos Apêndices de ambas as licenças referidas, sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a outra entidade gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta, de acordo com os mecanismos de alocação e compensação a adotar no âmbito do SIGRE –Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (cfr. artigos 44.º, n.º 5, e 50.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09; artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/02, e Portaria n.º 306/2016, de 07/12);

               XXXIII - não se acompanha a argumentação da Autora no sentido de que se trata de uma relação de direito puramente privada, na medida em que ambas as partes actuam com vista à satisfação de necessidades de interesse público, sendo actividade de ambas regulada por normas de direito público, enquanto entidades gestoras de resíduos de embalagens, como sejam;

               XXXIV - o Regime Geral de Gestão de Resíduos estabelecido no Decreto-Lei n.º 102-D/2020, o UNILEX (Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/12) que unifica o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor, o SIGRE –Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09), artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/02, e Portaria n.º 306/2016, de 07/12), entre outros;

               XXXV - o pedido da Autora sustenta-se em decisão de entidade pública (Presidente da CAGER), enquanto acto administrativo, sendo certo que o pedido da aqui requerida e requerente no apenso se sustenta, além do mais, na ilegalidade da decisão que fundou a liquidação do pedido pela aqui requerente, sendo que se encontram a correr termos acção no tribunal administrativo para o efeito;

               XXXVI - a coberto de tais licenças, Autora e Ré são as únicas entidades em território nacional com competências para actuar na prossecução do interesse público traduzido na prevenção de resíduos de embalagens, reutilização das embalagens, reciclagem e, bem assim, na prossecução das metas de valorização e reciclagem a cumprir pelos Estados Membros;

               XXXVII - foi no âmbito da referida qualidade de prossecução de tais interesses públicos e com base na licença que atribuiu competências exclusivas nessa área às partes;

               XXXVIII - todas as actividades de gestão do SIGRE têm em vista o cumprimento das metas de valorização e reciclagem a que se encontram obrigadas, nos termos das licenças que detêm, e que decorrem quer da legislação nacional, quer das directivas da União Europeia sobre a matéria;

               XXXIX - tendo presente que ambas as partes têm por missão a satisfação das referidas necessidades de interesse público, encontrando-se licenciadas para exercer a actividade de gestão de resíduos de embalagens enquanto gestoras do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens (SIGRE), há que concluir que está preenchida a previsão das al. d), f) e j) do nº 1 do art.º 4º do ETAF;

               XL - do exposto se conclui que para apreciar e decidir a presente acção e a acção apensa é materialmente competente a ordem dos tribunais administrativos, e não este Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, inserido na ordem dos tribunais comuns;

               XLI - a jurisprudência vem também adoptando tal entendimento, ao afirmar que os tribunais administrativos são, actualmente, os verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa (RL de 30-06-2016, Tribunal de Conflitos de 18-02-2016, proc. 043/15);

               XLII - “Os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes para conhecer de pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de embalador/importador celebrado no âmbito do SIGRE [Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens]”;

               XLII – se assim é no que respeita aos contratos embalador/importador, por maioria de razão será na relação entre ambas as partes destes autos enquanto prossecutoras de interesse público com vestes de poder público regido por normas de direito público;

               XLIII - a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, devendo ser suscitada oficiosamente a todo o tempo e conduzindo à absolvição do réu da instância (artigos 96.º, 97.º e 99.º, n.º 1, do CPC), configurando uma excepção dilatória insanável, justificando assim que se lhe aplique a regra da prioridade e, por conseguinte, que, logo que constatada, deva o juiz declará-la com a consequente extinção da instância;

               XLIV - face ao disposto no artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do CPC não há lugar à realização de audiência prévia, havendo que decidir de imediato da verificação desta excepção dilatória.

 

A decisão, tal como se apresenta, é clara e compreensível, mas dela discorda a Recorrente.

A discordância começa por se basear na circunstância de o Tribunal a quo ter incorrido no que considera ser um “manifesto erro na aplicação do Direito”, uma vez que as quatro alíneas do ETAF em que se baseou – d), e), f) e j) - já não estão em vigor, tendo actualmente outra redação e conteúdo, pelo que devem ser desconsideradas.

 

A Recorrida, por seu turno, entende que, apesar da redacção do ETAF utilizada não ter sido a actualmente vigente, a solução jurídica é a que o Tribunal adoptou em face do objecto da acção, na qual se pretende dar execução ao decidido num acto administrativo, o que implica que, para decidir do pedido se tenha de avaliar se o acto no qual se funda é legal (competência que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, pertence à Jurisdição Administrativa), acrescendo que sempre estaríamos no âmbito residual da alínea o) desse normativo, ao estarem em causa  Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.

 

É pois a matéria da competência em razão da matéria dos Tribunais comuns relativamente aos Tribunais Administrativos que aqui se mostra em causa.

No Acórdão de 06/07/2021, desta Secção (Processo n.º 1297/20.5T8PDL-A.L1-7-Micaela Sousa), fez-se o seu enquadramento, em termos que merecem a nossa total concordância:  

“Face ao estatuído no art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, no art. 64º do CPC e no art. 40º, n.º 1 da LOSJ, à jurisdição comum compete apreciar as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional.

A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Em função do primeiro, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial; por força do segundo - o critério da competência residual -, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.

À luz de tal critério residual, haverá que apurar se alguma lei estabelece jurisdição especial para a acção que vai propor-se. Se assim a suceder, a acção deverá ser intentada perante essa jurisdição; no caso contrário, deverá a causa ser proposta perante o tribunal comum.

O pedido formulado na acção estriba-se na invalidade de um contrato de compra e venda em que é parte o Município de Ponta Delgada, aqui demandado/recorrente, que, como autarquia local, é uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (cf. art. 235º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), que se rege pelo Regime Jurídico das Autarquias Locais aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, pelo que importa determinar se para a preparação e julgamento da presente acção serão ou não competentes os tribunais administrativos.

Nos termos do art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

Na senda deste normativo constitucional o art. 1º, n.º 1 do ETAF estipula que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”

Decorre desta norma uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos Tribunais administrativos para os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, ou seja, constitui esta a regra básica sobre a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos no confronto com os demais tribunais, sem prejuízo dos casos em que, pontualmente, o legislador atribua competência a outra jurisdição (como sucede, desde logo, com os casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 4º do ETAF).

No entanto, o critério substantivo assente no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais” não deve ser entendido como absoluto, pois, como tem entendido o Tribunal Constitucional, “o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode sem ofensa à lei constitucional, alterar o perímetro natural da jurisdição, quer atribuindo-lhe algumas competências em matérias de direito comum, quer atribuindo aos tribunais comuns algumas competências em matérias administrativas”[8], daí que não constitua impedimento à atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa (como é o caso, por exemplo, das expropriações), ou, em sentido contrário, de atribuição à jurisdição administrativa de competências em matérias de direito comum.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, 1993, pág. 815, referem a propósito do art. 212º, n.º 3 da Constituição:

“Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n.º 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”

Poder-se-á também afirmar que este tipo de relação jurídica pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público.

Relação jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público.

O conceito de relação jurídica administrativa assume-se como decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, conceito que a doutrina tem procurado densificar e que maioritariamente tem reconduzido ao sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, regulada por normas de Direito Administrativo, e que serão aquelas em que “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-10-2015, relator Miguel Baldaia Morais, processo n.º 77842/14.0YIPRT.G1.[9]

Relação jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público.

Um dos modos mais frequentes de se estabelecerem relações jurídicas é através de contrato, que será administrativo quando se possa afirmar que através dele é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo, isto é, aquela que “confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” – cf. Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo (vol. III), Lisboa, 1989, pp. 439-440.

Como se discorre no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-02-2019, relator António Santos, processo n.º 13312/17.5T8LSB.L1-6:

“[…] como bem se chama à atenção em Acórdão do Tribunal de Conflitos, é “tendo sempre presente o conceito de relação jurídica administrativa que devem ser lidas e interpretadas as várias alíneas do art.º 4.º do ETAF”, sendo hoje pacífico que a “lei passou, agora, a incluir na competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública.

Isto dito, recorda-se que, por relação jurídico-administrativa deve considerar-se, no entender de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, toda “a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, inter-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.”

Já Marcello Caetano, e no pressuposto de que as relações jurídicas-administrativas não são geradas apenas por actos unilaterais, mas também por contrato [o acordo celebrado entre duas ou mas pessoas com interesses individualizados, a cujas vontades a lei reconheça o poder de, por essa forma, livremente criarem modificarem ou extinguirem uma relação jurídica], o qual não é de todo incompatível com o Direito Público e não são também essencialmente diferentes dos que brotam da tradição civilista, o que o caracteriza e distingue é o facto de ser ele fonte de relações de direito público e nas quais predomina a disciplina imposta pelo interesse público.

Ou seja, segundo Marcello Caetano, o que na verdade caracteriza o contrato administrativo, é a especial sujeição, nele, do particular ao interesse público, traduzido no dever de acatamento das leis, regulamentos e actos administrativos que se refiram as condições jurídicas e técnicas de carácter circunstancial (não essencial) estipuladas quanto à execução das obrigações contraídas.

Também para Mário Esteves de Oliveira, “sempre que por força de um encontro de vontades entre a administração e particulares, ou entre pessoas colectivas públicas se gere (modifique ou extingue) uma relação jurídica regulada por normas de direito público, aí temos um contrato administrativo”.

Ou seja, e como também o defende Mário Aroso de Almeida, “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”, e, consequentemente, “serão relações jurídicas administrativas as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados”.

Face à convocação da impugnação da validade contratual haverá que aferir, antes de mais, se se está perante uma relação contratual estabelecida entre duas ou mais partes e se o litígio dela emergente constitui uma relação jurídica administrativa”.

 

Ora, o que se passa nos presentes autos é que a Recorrente-Requerente apresentou (para exigir o pagamento) uma série de facturas e notas de crédito emitidas na sequência de uma decisão do Presidente da Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (CAGER)[2] tomada esta ao abrigo da Decisão que aprovou o Mecanismo de Alocação e Compensação (MAC[3]), de modo que o pedido formulado se alicerça nesta última.

Daqui resulta, sem que haja lugar a dúvida razoável, que é a execução (no sentido de dar corpo) de uma decisão administrativa que está em causa e que sempre implicaria – por parte do Tribunal a quo­ – a necessidade de avaliar a sua correcção e legalidade.

Ora o artigo 4.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão vigente e que decorre da reforma produzida com a Lei n.º 114/2019, de 12/09, para o que ao caso importa, não altera substancialmente as regras aplicáveis:

“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;

e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;

f) (…)

g) (…)

h) (…)

i) (…)

j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;

k) (…)

l) (…)

m) (…)

n) (…)

o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.

 

Bem pode a Recorrente sublinhar que o Tribunal a quo recorreu a uma versão anterior do ETAF, desconsiderando a vigente desde 13/11/2019, mas isso não altera o acerto da decisão, uma vez que numa ou noutra versão, sempre a decisão seria a mesma (as alíneas d) e j) têm alteração de pormenor e a f) consegue, sem dificuldade integrar-se na nova amplitude dada pela alínea o)).

Repare-se que não está em causa uma simples cobrança de dívida numa relação de direito privado. Longe disso.

Trata-se de apreciar se a dívida que se pretende cobrar tem fundamento.

E esse fundamento, a sua legalidade, implica a apreciação da relação administrativa que lhe subjaz, sendo certo que ambas as partes actuam com vista à satisfação de necessidades de interesse público, no âmbito de uma actividade regulada por normas de direito público, enquanto entidades gestoras de resíduos de embalagens (cfr. o Regime Geral de Gestão de Resíduos e o UNILEX - Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/12 - que unifica o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor) e o valor apurado tem que ver com as suas actividades (na prossecução do referido  interesse público e com base nas suas licenças).

Requerente e Requerida não são pessoas colectivas de direito público, nem exercem poderes públicos, mas toda a sua actividade está regida pelo direito público, desde logo por força do interesse público da função exercida, sendo certo que a ora Recorrente escamoteia por completo o papel da CAGER e da sua Decisão, estando ela na base do procedimento de injunção que intentou.

Podemos assim concluir que é da competência dos Tribunais administrativos a apreciação de uma acção entre duas gestoras de resíduos de embalagens com licença para a gestão do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens, na qual se discute o valor devido por uma a outra derivado de uma decisão da Comissão de Acompanhamento de Resíduos Sólidos, tomada esta ao abrigo da Decisão que aprovou o Mecanismo de Alocação e Compensação (MAC).

Essa apreciação não cabe aos Tribunais comuns, mas sim - pela via das alíneas b) e o) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais vigente - aos Tribunais administrativos, que para isso têm competência própria e constitucional.

 

Mostra-se, portanto, bem decidida a incompetência material dos tribunais judiciais (e, em concreto, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1) para o litígio dos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 64.º, 96.º, a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, a), do Código de Processo Civil, com a consequente absolvição da instância.

**

Quanto ao valor da acção, o Tribunal a quo escreveu o seguinte na decisão sob recurso: “Do valor da causa

O artigo 306.º do Código de Processo Civil, prescreve que

1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 3 do artigo 308.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.(…)

Por seu turno, o artigo 297.º, n.º 1 do referido diploma legal estabelece que “Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.

Assim sendo, atendendo aos pedidos das AA em cada um dos processos principal e apenso fixo como valor da causa no indicado pelas A. em cada um deles”.

 

Em sede de recurso, a Recorrente vem dizer que desta decisão resulta que o valor da acção ficou fixado em € 3.090.828,27 (€ 2.623.899,02-capital + € 466.736,25-juros até 30 de junho de 2020 + € 40-indemnização pela cobrança + € 153-taxa de justiça da injunção), sendo que, tendo a injunção inicialmente proposta sido convolada numa acção declarativa de processo comum, o valor da causa deve incluir apenas o valor correspondente ao capital e juros (excluindo os € 40,  como ressarcimento da despesa com a injunção e os € 153 de taxa de justiça).

Sobre a matéria, a Requerida nada disse.

 

Neste ponto, assiste razão à Recorrente.

Embora a decisão do Tribunal a quo não o refira, nem diga o contrário, de facto, o resultado linear do que decidiu faz incluir aqueles € 193 (40 + 153) no valor da acção, sendo que, como bem decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2006 (Processo n.º 06A3919-João Camilo), numa “acção subsequente à dedução de oposição a um requerimento de injunção, o valor da causa é o que resulta da soma da importância pedida a título de preço do contrato de prestação de serviço ajuizado, acrescida de juros de mora vencidos na data da apresentação do requerimento de injunção. O valor da taxa de justiça paga pela mesma apresentação não entra na determinação do valor processual da causa”.

Nesta mesma linha, e mais recentemente, se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 08/10/2020 (Processo n.º 99770/19.2YIPRT-A.E1-Ana Margarida Leite) que o valor da taxa de justiça paga aquando da apresentação do requerimento de injunção, se encontra incluído nas custas de parte, mas não integra o âmbito do pedido para efeitos de determinação da forma de processo aplicável.

O mesmo raciocínio vale, aliás, para o valor da indemnização prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, uma vez que ambas as situações apenas fazem sentido e se justificam no processo de injunção enquanto tal.

 

Assim, sendo correctas as normas chamadas à colação (artigos 306.º e 297.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), em vez de € 3.090.828,27 o valor do presente processo deve ser de € 3.090.635,27 (três milhões, noventa mil, seiscentos e trinta e cinco euros e vinte sete cêntimos), assim se dando razão à Recorrente.

 

***

Por fim, pretende a Recorrente a reforma da decisão de 1.ª Instância quanto a custas (“Custas pela requerente em cada uma das acções”), por não ser uma formulação clara, ao dizer Requerente e não Requerentes, podendo entender-se – ainda que erradamente – que as custas nas duas acções ficariam a cargo da aqui Requerente aqui Recorrente.

Esta pretensão não faz sentido (e é a própria Requerente que o assume!) uma vez que a decisão recorrida é de uma clareza cristalina: as custas em cada uma das acções ficam a cargo de cada Requerente (se outro entendimento se pretendesse ter-se ia dito apenas “Custas pela ora requerente” e aí sim haveria fundamento para o surgimento de dúvidas).

A Recorrente levanta, portanto, um problema inexistente, nada havendo a reformar.

 

***

 

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

            - por serem competentes os Tribunais administrativos, confirmar decisão de incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1, para o litígio dos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 64.º, 96.º, a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, a), do Código de Processo Civil, com a consequente absolvição da instância;

            - fixa-se o valor da acção em € 3.090.635,27 (três milhões, noventa mil, seiscentos e trinta e cinco euros e vinte sete cêntimos);

            - considera-se inexistir qualquer fundamento para a reforma da decisão sob recurso em matéria de custas.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente, na proporção de 85% das devidas, considerando o valor irrisório da alteração do valor da acção.

**

Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

Lisboa, 07 de Julho de 2022

 

 

Edgar Taborda Lopes

 

 

 

Luís Filipe Sousa

 

 

 

José Capacete

 

 

 

 



[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.

[2] A CAGER, prevista pelo artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09 (Regime Geral de Gestão de Resíduos, agora substituído pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10/12) e regulada pela Portaria n.º 306/2016, de 7/12 (que fixa a sua estrutura, composição e funcionamento) é uma entidade de apoio técnico à formulação, acompanhamento e avaliação de políticas de gestão de resíduos (em particular dos fluxos específicos de resíduos), com vista a uma gestão mais eficiente dos recursos, para promover uma efectiva transição de uma economia linear para uma economia circular, sendo ela que define, regulamenta e supervisiona o mecanismo de alocação e compensação (MAC) entre entidades gestoras dos fluxos específicos de resíduos.

[3] De 9 de Fevereiro de 2018, revista em 15 de Abril, disponível em https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/CAGER/CAGER_DecisaoMACSIGRE_20180415.pdf .

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