Processo n.º 48982/20.8YIPRT.L1
Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1
Recorrente - S, S.A. (Autora)
Recorrida - N., S.A. (Ré)
Sumário:
II – O valor da acção subsequente à dedução de
oposição a um requerimento de injunção é o que resulta da soma do valor
peticionado acrescido de juros de mora vencidos na data da apresentação do
requerimento de injunção excluindo-se, portanto, o valor da taxa de justiça
paga por essa apresentação bem como o valor da indemnização prevista no artigo
7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que apenas faze sentido e se
justifica no processo de injunção enquanto tal.
Relatório
S, S.A. intentou procedimento de injunção contra
N, S.A. pedindo o pagamento de € 3.090.828,27 (capital
- € 2.623 899,02; juros de mora - € 466.736,25).
Como causa de
pedir invoca a Autora:
-
ser titular de licença para a gestão de um sistema integrado de resíduos de
embalagens (concedida mediante Despacho n.º 14202-E/2016 de 24/11/2016 do
Secretário de Estado Adjunto e do Comércio e do Secretário de Estado do
Ambiente, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, de 25/11/2016);
-
ser a Requerida N, S.A. também titular de licença para a gestão de um sistema
integrado de resíduos de embalagens (concedida mediante Despacho n.º
14202-D/2016 de 24/11/2016 do Secretário de Estado Adjunto e do Comércio e do
Secretário de Estado do Ambiente, publicado no Diário da República, 2.ª série,
n.º 227, de 25/11/2016);
-
nos termos do ponto 1.3.5.2 dos Apêndices de ambas as licenças referidas,
sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade pela gestão de
resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a outra entidade
gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta, de acordo com os
mecanismos de alocação e compensação a adotar no âmbito do SIGRE –Sistema
Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão
de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (cfr. artigos 44.º, n.º 5, e 50.º do
Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09; artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017,
de 11/02, e Portaria n.º 306/2016, de 07/12);
-
em 09/02/2018, o Presidente da CAGER emitiu a Decisão relativa às regras aplicáveis
aos Mecanismos de Alocação e Compensação no âmbito do SIGRE, pela qual definiu
as regras consideradas necessárias à operacionalização do mecanismo de alocação
e compensação do SIGRE (decisão que sofreu pequenas alterações em 15/04/2018 e
se mantém inalterada desde então);
-
ao abrigo da Decisão MAC, o Presidente da CAGER, por email de 01/03/2018, comunicou
às entidades gestoras do SIGRE o apuramento do saldo de compensação financeira relativo
ao exercício de 2017, traduzindo-se no montante de € 2.540.863 (valor sem IVA),
devido pela Requerida à Requerente (valor que corresponde à soma dos valores
das rúbricas STM-subsídio de transporte marítimo e VC-valores de contrapartida
financeira, subtraído o valor da rúbrica VR-valor de retoma, ou seja, STM
€35.515,14 + VC €3.019.219,60 – VR €513.871,67);
-
em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as indicações constantes do mencionado
email do Presidente da CAGER, recebido em 01/03/2018, a Requerente emitiu a Fatura
n.º 11000050092, de 12/03/2018, no valor de €3.235.887,92 (valor com IVA), e remeteu-a
à Requerida, por correio eletrónico (em formato PDF), para geral@-----.pt, bem
como por carta, a 12/03/2018, tendo sido solicitada a sua liquidação;
-
no mesmo mês de março de 2018, procurando facilitar a regularização de saldos entre
as duas entidades gestoras, a Requerente tomou a liberdade de emitir a Nota de
Crédito n.º 21000004882, de 20/03/2018, a favor da Requerida, no valor de € 632.062,15
(valor com IVA), referente à compensação do Valor de Retoma (VR), a pagar pela
Requerente à Requerida;
-
por carta datada de 20/03/2018, com a ref.ª S./2018/169, a Requerente enviou à
Requerida a referida nota de crédito, cujo valor deveria ser deduzido ao da
Fatura n.º 11000050092, de 12/03/2018, informando que, da conjugação dos dois
documentos contabilísticos, resultava o valor de €2.603.825,77 (valor com IVA),
em dívida pela Requerida à Requerente;
-
por carta datada de 21/05/2018, com a ref.ª S./2018/244, a Requerente declarou à
Requerida a sua não aceitação dos documentos contabilísticos emitidos por esta
(a saber: fatura n.º 158, de 16/03/2018, fatura n.º 189, fatura n.º 190, nota
de crédito n.º 7 e nota de crédito n.º 8, todas datadas de 11/04/2018), mais comunicando
que assumia o pagamento efetuado pela Requerida, no valor de €105.889,12 (valor
com IVA), como pagamento parcial da referida Fatura n.º 11000050092 de 12/03/2018,
tendo enviado em anexo o respetivo recibo de quitação parcial da mesma;
-
em 01/11/2019, ao abrigo da Decisão MAC, o Presidente da CAGER comunicou às entidades
gestoras do SIGRE o cálculo do novo saldo de compensação financeira relativo ao
exercício de 2017, que considera as quotas de mercado finais relativas ao
exercício de 2017, no que resulta um novo saldo de € 2.665.972,00 (valor sem
IVA) devido pela Requerida à Requerente (correspondente à soma dos valores das
rúbricas STM €38.739,03 + VC €3.179.102,72 + Caracterizações €15.832,23 – VR
€567.701,97, a que acrescem os valores de IVA com as seguintes taxas: STM – 0%,
VC – 6%, Caracterizações 23% e VR – 23%);
-
no apuramento final do saldo de compensação financeira relativo ao exercício de
2017, às rubricas STM, VC e VR indicadas acresceram os montantes €3.223,89, €159.883,12
e €53.830,30, respetivamente (pelo que o montante final do saldo apurado em
01/11/ 2019 é superior, no valor global de €125.108,94, ao montante preliminar
do saldo apurado em 01/03/2018 - valores sem IVA);
-
em 18/11/2019, em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as indicações constantes
do mencionado email do Presidente da CAGER, recebido em 01/11/2019, a Requerente
enviou à Requerida, por carta com a ref.ª S./2019/379, a Fatura n.º
11000078910, no valor (com IVA) de €192.173,64, referente ao acréscimo no valor
de compensação de STM e VC, e a Nota de Crédito n.º 21000008248, no valor (com
IVA) de €66.211,27, referente ao acréscimo no valor de compensação de VR;
-
assim, de acordo com a decisão da CAGER recebida a 01/11/2019 e considerando os
documentos contabilísticos supra descritos, a Requerida deve pagar à Requerente,
a título de compensação financeira relativa ao exercício de 2017, o valor de €2.729.788,13,
permanecendo em dívida, à data de hoje, o montante de €2.623.899,02, que
corresponde àquele valor subtraído do valor de €105.889,12 pago pela Requerida (valores
com IVA ao que acrescem os juros de mora calculados sobre o valor de capital à
taxa legal anual de 8% desde as datas de vencimento dos documentos
contabilísticos em dívida até à data da apresentação do requerimento de injunção
(dia 30/06/2020) e cujo valor ascende a €466.736,25 (quatrocentos e sessenta e
seis mil setecentos e trinta e seis euros e vinte cinco cêntimos) e ainda o
montante de €40,00 (quarenta euros), nos temos do disposto no artigo 7.º do
Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05, e o valor da taxa de justiça liquidada pela
Requerente, no montante de €153 (cento e cinquenta e três euros).
Citada a Requerida veio esta
apresentar Oposição
defendendo, em suma, que:
- Requerente e
Requerida são entidades gestoras de resíduos de embalagens, cuja atividade se
traduz na organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de
resíduos de embalagens não reutilizáveis, no quadro do sistema integrado,
previsto no Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro (“UNILEX”);
-
a Requerida não pode ser responsabilizada pela gestão dos resíduos gerados nos primeiros
73 dias de 2017 (efeito de cut-off) e esta fração de resíduos deverá ser
deduzida à quantidade total de resíduos sobre a qual há aparente concorrência
de responsabilidade das entidades gestoras (Requerida e Requerente);
-
a Requerida não pode ser responsabilizada pela gestão:
a)
Dos resíduos em stock, entendido como a quantidade de resíduos de embalagem existentes
nos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), disponíveis para retoma, a
31 de dezembro de um determinado ano e que apenas serão entregues às entidades
gestoras no ano seguinte, situação que foi acautelada no acerto da compensação;
nem
b)
Dos resíduos correspondentes às embalagens que existem nos armazéns e prateleiras
das lojas, nas casas do consumidor, bem como dos resíduos que se encontram nos ecopontos
e instalações dos SGRU, ainda não preparados para serem retomados, à data de 31
de dezembro de um determinado ano (efeito de cut-off);
-
a Decisão MAC, ao definir as regras de alocação e compensação no âmbito do sistema
integrado de gestão de resíduos de embalagens, não acautelou na parte relativa às
disposições transitórias referentes a 2017 e em especial o que diz respeito ao
efeito de cut off;
-
o valor que a Requerida tem a compensar não ascende a 2.623.899,02 €, como
resulta dos cálculos da CAGER, pois, considerando o efeito de cut-off, a
Requerida reconhece apenas dever compensar a Requerente no valor (tentativo) de
394.857 € (valor com IVA), porquanto os valores referentes ao cut-off são
deduzidos ao montante reclamado pela Requerente, por dizerem respeito a
resíduos cuja gestão era apenas da responsabilidade desta;
-
a Requerida, como consequência da Decisão MAC, oportunamente impugnada, está a
ser obrigada a remunerar os SGRU pela gestão de resíduos de embalagens relativamente
às quais não recebera prestação financeira dos produtores;
-
dispõe o artigo 44.º, n.º 5, do RGGR que “sempre que em determinado fluxo
específico
de resíduos atue mais do que uma entidade gestora, há lugar à aplicação de mecanismos
de alocação e compensação com vista a compensar a entidade gestora que assume a
responsabilidade pela gestão de resíduos e cuja responsabilidade pela gestão
não se lhe encontra atribuída, garantindo o cumprimento das responsabilidades
ambientais, de forma a promover a concorrência entre estas entidades, bem como
a eficiência do sistema”;
-
dispõe o artigo 18.º, n.º 1, do UNILEX que sempre que em determinado fluxo específico
de resíduos atue mais do que uma entidade gestora, há lugar à aplicação de mecanismos
de alocação e compensação a definir pelo presidente da CAGER, com vista a
compensar a entidade gestora que assume a responsabilidade pela gestão de
resíduos;
-
o apêndice das licenças para a atividade de gestão de um SIGRE atribuídas à Requerida
e Requerente, cuja redação está uniformizada, dispõe, semelhantemente, do
seguinte modo no seu § 1.3.5.2 (Mecanismos de alocação e compensação entre
entidades gestoras): “1 — Sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade
pela gestão de resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a
outra entidade gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta. 2 — Para
efeitos do número anterior, os mecanismos de alocação e compensação a adotar no
âmbito do SIGRE serão determinados nos termos previstos no artigo 50.º do
Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação atual. (…) 4 — O
mecanismo de alocação deverá assegurar a alocação dos pedidos de recolha dos SGRU
a cada entidade gestora, com base nas embalagens declaradas pelas quais recebam
a prestação financeira. 5 — O mecanismo de compensação terá por objetivo
estabelecer um processo de compensação entre a entidade gestora que assume a
responsabilidade pela gestão de resíduos e a entidade gestora a quem foi
atribuída a responsabilidade pela gestão de resíduos, garantindo o cumprimento
das responsabilidades ambientais de forma a promover a concorrência entre estas
entidades bem como a eficiência do sistema”;
-
o cut-off corresponde ao cálculo do impacto do tempo médio de vida dos produtos
até que se tornem resíduo na aferição das responsabilidades pela gestão de cada
entidade gestora;
-
após competente estudo, apurou-se que o efeito cut-off no SIGRE corresponde a
um período de 73 dias – cfr. Doc. n.º 14;
-
atendendo à data da publicação do Despacho que concede a licença – 25 de novembro
de 2016 – tornou-se inviável concluir os contratos com todos os intervenientes
no SIGRE até ao início do ano seguinte, pelo que o Despacho n.º 154-A/2017, de 3
de janeiro, veio estender o prazo de celebração dos ditos contratos até 31 de
março de 2017, sem prejuízo de os mesmos vigorarem retroativamente desde 1 de
janeiro do mesmo ano;
-
enquanto não fossem celebrados os ditos contratos, e até que a Requerida
pudesse entrar efetivamente em atividade, a Requerente garantiria o
funcionamento do SIGRE, o que sucedeu durante a primeira metade do ano de 2017;
-
correspetivamente, para reposição do equilíbrio financeiro no SIGRE entre as
várias concorrentes, a Requerente tem direito à compensação pela efetiva gestão
que, tendo feito no primeiro semestre, seria da responsabilidade da Requerida,
em função das quantidades de embalagens que lhe foram declaradas a partir de 1
de janeiro de 2017;
-
já não assim relativamente a resíduos de embalagens cuja gestão foi paga pelos produtores/importadores
à Requerente, antes de 1 de janeiro de 2017;
-
é o caso das embalagens que já se tivessem transformado em resíduos a 1 de
janeiro de 2017, constituindo stocks na armazenagem dos SGRU, bem como daquelas
que se viessem a transformar em resíduos no período de cut-off;
-
relativamente a estas duas classes de embalagens e resultantes resíduos, em especial,
a que diz respeito ao cut-off, a Decisão MAC obriga a ora Requerida a assumir responsabilidades
financeiras como entidade gestora, o que é ilegal à luz dos artigos 44.º, n.º
5, do RGGR e 18.º do UNILEX, bem como do § 1.3.5.2 da Licença, na medida em que
a Requerida só está obrigada a assegurar por si ou pelos SGRU a gestão de
resíduos de embalagens pelas quais tenha recebido antecipadamente a competente
prestação financeira remuneratória da parte dos produtores e comercializadores
– cfr. § 1.1 n.º 6, al. d) do Apêndice da Licença;
-
portanto, o mecanismo de compensação não foi concebido tendo em conta o efeito de
cut-off na sua secção de regras transitórias ou específicas ao exercício
económico de 2017 (§12 da Decisão);
-
mas nada foi dito relativamente às regras especiais a ter em conta quando se
fala do cut-off: não ter uma adequada disciplina neste aspeto implica que a
visada reposição do equilíbrio financeiro do SIGRE afinal desse azo a mais
desequilíbrio;
-
para reposição do equilíbrio financeiro do SIGRE, está a ser pedido à Requerida
que compense a Requerente pelo esforço de gestão que esta fez, mas que, em
parte, sempre lhe competiria, na medida em que a Requerida só entrou no mercado
a 1 de janeiro de 2017;
-
em tal conformidade, colocando em cima da mesa o cut-off verifica-se que não
era, afinal, devido qualquer esforço de gestão durante os primeiros 73 dias de
2017: as prestações financeiras recebidas pela Requerida dizem respeito a
produtos colocados no mercado em 2017, mas que só se transformaram em resíduos
73 dias depois, ergo, a gestão das quantidades de resíduos recolhidos naquele
período não é imputável à esta;
-
os resíduos gerados, recolhidos e triados nos primeiros 73 dias de 2017 são resíduos
relativos a produtos cujas prestações financeiras foram pagas – nos termos do mecanismo
de cut-off – no exercício de 2016;
-
em 2016 a Requerida ainda não se encontrava em exercício, não tendo recebido quaisquer
prestações financeiras, pelo que os resíduos nos SGRU durante os primeiros 73
dias de 2017 não são da sua responsabilidade;
-
noutros termos: o mecanismo de compensação, visando nos termos do artigo 18.º do
UNILEX e do artigo 44.º, n.º 5, do RGGR, eliminar situações de enriquecimento
sem causa no seio do SIGRE, acaba por, no que diz respeito ao período
transitório da abertura do mercado à concorrência, ter o efeito oposto, fazendo
enriquecer sem causa a S., i.e., fazendo com que a Requerida tenha de pagar
pela gestão de resíduos de embalagem que eram da responsabilidade daquela;
-
por força dessa ilegalidade, a Requerida não deve à Requerente o valor por esta
peticionado nos presentes autos.
Entretanto, nos autos de apenso A a aí
Requerente N., S.A. (aqui Requerida) veio, na esteira do alegado em sede de
Oposição aos presentes autos, dizer que:
- efectuado um estudo
independente, pela empresa 3Drivers, que concluiu que o tempo médio de vida de
uma embalagem desde a sua colocação no mercado (momento em que paga valor de
prestação financeira que vai custear o seu tratamento) até se transformar o
resíduo é de 73 dias;
-
logo, a aí Requerente, no ano de início da sua atividade, apenas é responsável
pela gestão dos resíduos a partir do 73.º dia, o que significa que, nesse
período, a responsabilidade recaía totalmente sobre a aí Requerida;
-
sucede que, em 2017, foi atribuída à aí Requerente a responsabilidade pela
gestão de embalagens que, nos termos da licença e da lei, deviam ser geridas
pela aí Requerida;
-
tratam-se daquelas embalagens que pagaram valor de prestação financeira à aí
Requerida em 2016, mas que só se tornaram resíduo em 2017;
-
em consequência, e para se ver ressarcida desse custo, a aí Requerente emitiu,
em 11.04.2018, a fatura F A n.º 189, no valor de 1.677.879,48 € (1.582.905,17 €
+ IVA), com vencimento a 11.05.2018, e a nota de crédito A n.º 7, no valor de
327.522,53 €, ambas enviadas à aí Requerida para pagamento;
-
por força do acerto das quotas de mercado referentes a 2017 e das contas da
compensação entre entidades gestoras, a aí Requerente emitiu a fatura FT
AA/870, de 26.11.2020, com pagamento imediato, no valor de 61.077,45 €
(57.620,24 € + IVA) e a nota de crédito NAA/60, no valor de 28.472,38 € (23.148,28
€ + IVA);
-
por outro lado, nos termos do Despacho n.º 154-A/2017, de 30.12.2016, foi
“concedida à N. (…), e à S. (…), a possibilidade de celebrar contratos, ao
abrigo do n.º 3 dos Despachos n.os 14202 -D/2016 e 14202 -E/2016, até ao dia 31
de março de 2017” e “Os contratos existentes à data de 31 de dezembro de 2016
celebrados com a S. (…), consideram -se em vigor até à data da celebração de
contratos outorgados pelas Titulares com os diversos intervenientes do SIGRE,
no âmbito das licenças concedidas pelos Despachos n.os 14202-D/2016 e 14202
-E/2016, de 25 de novembro”;
-
ao abrigo deste Despacho, a aí Requerida cobrou valores de prestação financeira
a empresas que vieram entretanto a celebrar contrato com a aí Requerente;
-
aquele valor deveria ter sido devolvido à aí Requerente, conforme resulta do
ponto 12.2 da Decisão que aprova o Mecanismo de Alocação e Compensação, do
Senhor Presidente da CAGER;
-
a aí Requerente emitiu, então, a Fatura A n.º 158, de 16.03.2018, com
vencimento a 15.04.2018, no valor de 932.495,71 € (758.126,59 € + IVA);
-
a aí Requerida deve, por isso, à aí Requerente, o valor global de 2.315.457,73
€, resultante do somatório das faturas F A n.º 189 e FT AA/870 (1.382.962,02
€), deduzido dos valores das notas de crédito A n.º 7 e NC AA/60 (355.994,91
€), acrescido do valor da fatura A n.º 158, a que acrescem os juros de mora
vencidos desde as respetivas datas de vencimento até à apresentação do presente
requerimento, à taxa de 8%, que ascendem a 483 328,07 €, bem como o valor de
indemnização pelos custos de cobrança da dívida (40,00 €), bem como o valor
devido pela taxa de justiça (153,00 €), o total de 2.798.978,80 € € (dois
milhões setecentos e noventa e oito mil novecentos e setenta e oito euros e
oitenta cêntimos), a que acrescem juros de mora vincendos até efetivo e
integral pagamento.
A
aqui Requerente e Requerida no apenso A veio deduzir oposição ao pretendido no
apenso alegando que não invoca a Requerida o fundamento de onde emerge o seu
crédito referente ao efeito de cut-off – porque não existe e que:
-
as compensações entre entidades gestoras do SIGRE devem ocorrer nos termos e ao
abrigo dos mecanismos de alocação e compensação definidos pelo Presidente da
CAGER;
-
ou seja, os valores das compensações entre entidades gestoras do SIGRE são
apurados pelo Presidente da CAGER de acordo com o disposto na Decisão MAC;
-
porém, a Requerente não invoca a Decisão MAC, nem qualquer apuramento levado a
cabo pelo Presidente da CAGER para justificar o crédito que reclama. A
Requerente invoca, apenas, “um estudo independente”;
-
pelo que, não tendo o crédito reclamado como fundamento a Decisão MAC, nem
resultando do apuramento do cálculo de compensação relativo ao exercício de
2017, o crédito não existe e, por isso, é inexigível (e, consequentemente, são
inexigíveis quaisquer juros de mora a ele referentes);
-
só assim não seria, se fosse parcialmente anulada e subsequentemente alterada a
Decisão MAC no sentido de prever o efeito de cut-off, como pretendido pela
Requerente;
-
a aqui Requerente propôs uma ação administrativa de impugnação da Decisão MAC,
que corre os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra,
sob o n.º de processo 401/18.8BESNT - cf. Documento n.º 4 que se junta e dá por
integralmente reproduzido;
-
no âmbito dessa ação administrativa, a Requerente peticiona a anulação parcial
da Decisão MAC com o fundamento, entre o mais, de que essa decisão devia ter
previsto o efeito de cut-off;
-
até ao momento, estando essa ação administrativa pendente, a Decisão MAC não
foi anulada, nem a sua produção de efeitos se encontra suspensa – da conjugação
do disposto nos artigos 155.º, 160.º e 163.º, n.º 3, do Código do Procedimento
Administrativo, e nos artigos 50.º, n.º 2, e 112.º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, decorre que os atos administrativos produzem todos
os seus efeitos desde o momento em que são notificados aos seus destinatários
até que sejam anulados;
-
pelo contrário, enquanto o ato não é anulado pelo Tribunal, o mesmo mantém-se
na ordem jurídica e produz todos os seus efeitos, só assim não sucedendo se, na
sequência do requerimento de uma providência cautelar, tivesse sido decretada
pelo Tribunal Administrativo e Fiscal a suspensão da eficácia do ato
administrativo, o que, no caso, não aconteceu;
-
pelo que, o efeito de cut-off, nos termos pretendidos pela Requerente, não se
encontra reconhecido no âmbito do SIGRE, carecendo de fundamento e de base
jurídica a reclamação de qualquer crédito que do mesmo resulte;
-
assim sendo, enquanto o efeito cut-off não for integrado na Decisão MAC,
inexiste e é inexigível o crédito de €1.382.962,02 que a Requerente reclama;
-
o que significa, em termos práticos, que a existência do crédito reclamado pela
Requerente decorrente do efeito de cut-off apenas se poderá equacionar como
existente e exigível – no que se concede por mera cautela de patrocínio e sem
conceder – se e quando, por decisão transitada em julgado proferida no âmbito
do processo n.º 401/18.8BESNT, for reconhecido como válido o dito efeito
cut-off;
-
em sentido inverso, caso essa ação seja declarada improcedente, como a S. não
tem dúvidas que será, extinguir-se-ão os presentes autos, que deixarão de ter
qualquer razão de ser face à declaração da inexistência do crédito que a
Requerente aqui reclama;
-
de acordo com o disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CPC, se o conhecimento do
objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do
tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal
competente se pronuncie;
-
ao abrigo da Decisão MAC já enunciada, o Presidente da CAGER, por email de 1 de
março de 2018, comunicou às entidades gestoras do SIGRE o apuramento do saldo
de compensação financeira relativo ao exercício de 2017, traduzindo-se no
montante de € 2.540.863,00 (dois milhões quinhentos e quarenta mil oitocentos e
sessenta e três euros), valor sem IVA, devido pela aqui Requerente à aqui
Requerida – cf. Documento n.º 5 que se junta e dá por reproduzido para todos os
devidos e legais efeitos;
-
esse montante corresponde à soma dos valores das rubricas STM (subsídio de
transporte marítimo) e VC (valores de contrapartida financeira), subtraindo o
valor da rubrica VR (valor de retoma);
-
a Decisão MAC não integra como pressuposto ou critério o efeito de cut-off, nem
se lhe refere em qualquer outro sentido – aliás, a inclusão do efeito de
cut-off na Decisão MAC foi sugerida pela Requerente ao Presidente da CAGER que,
tendo feito a devida ponderação, decidiu não o introduzir na Decisão MAC;
-
pelo que, não estando previsto na lei, não estando previsto nas licenças e não
estando reconhecido na Decisão MAC, o efeito de cut-off não pode ser
considerado para efeitos de apuramento da compensação relativa ao exercício de
2017;
-
e, efetivamente, o efeito de cut-off não foi considerado no apuramento da
compensação relativa ao exercício de 2017, não tendo sido aplicado pelo
Presidente da CAGER em qualquer dos seus cálculos e decisões;
-
donde decorre, portanto, que o crédito de €1.382.962,02 aqui reclamado, é uma
invenção da Requerente, sem qualquer fundamento jurídico;
-
ademais, o crédito no valor de € 932.495,71 reclamado pela Requerente não lhe
pertence, não integra a sua esfera jurídica, pelo que a Requerente N. falece de
legitimidade substantiva para reclamar este crédito;
-
não faz, portanto, qualquer sentido, por maioria de razão, que a Requerente
pretenda que lhe seja devolvido um montante que ela nunca desembolsou e que não
lhe pertence;
-
se foram os embaladores que entregaram à S. os valores de prestação financeira,
é só a eles – e somente a eles – que é devida devolução desses valores – e não
a qualquer pessoa estranha a essa relação, como o é a Requerente;
-
em face do exposto, considera que deve o pedido de condenação no pagamento do
valor de € 932.495,71, resultante da Fatura A n.º 158, de 16.03.2018, ser
declarado totalmente improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido.
A 03 de Março de 2022, o Tribunal a quo proferiu decisão final, terminando
com seguinte dispositivo:
“Por
todo o exposto, e sem necessidade de realização de audiência prévia, julga-se
procedente por provada a excepção dilatória da incompetência absoluta deste
Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste para conhecer dos litígios em causa nestes
autos e no apenso e, em consequência, absolvem-se as respectivas RR. da
instância nestes autos e no apenso.
Custas
pela requerente em cada uma das acções”.
É desta decisão que Autora-Requerente apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
1.ª
O presente recurso de apelação tem por objeto a Sentença proferida em
02.03.2022 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central
Cível de Cascais – Juiz 1 (ref.ª CITIUS 135356103), na parte em que julgou
procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta e se declarou incompetente
para conhecer do pedido da S. nos autos principais (i.e., Processo n.º
48982/20.8YIPRT).
2.ª
O presente Recurso tem ainda como objeto (i) a decisão quanto ao valor da causa
e (ii) a decisão de condenação em custas, formulando a Recorrente, nesse
sentido, um pedido de reforma da sentença quanto a custas ao abrigo do disposto
no artigo 616.º, n.os 1 e 3, do CPC.
3.ª
O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro na aplicação do Direito, uma vez
que as quatro alíneas do ETAF em que baseou a sua decisão já não estão em vigor
(i.e., têm atualmente outra redação e conteúdo), razão pela qual são de
desconsiderar essas alíneas referidas pelo Tribunal a quo na sentença, estando
a decisão de incompetência absoluta do Tribunal a quo para conhecer o pedido da
S., inevitavelmente, inquinada, devendo a mesma ser revogada e substituída por
outra que julgue o Tribunal a quo competente em razão da matéria para conhecer
do pedido da S. nos autos principais (i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT).
4.ª
Sem conceder, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, se se
entendesse que o Tribunal a quo se estava a referir à versão atual do artigo
4.º do ETAF, quando se referiu às alíneas d), e), f) e j), a conclusão não
seria diferente: o Tribunal a quo também teria incorrido em erro de julgamento,
uma vez que a previsão dessas alíneas não está preenchida no caso concreto.
Efetivamente,
(i)
a S. e a N. são pessoas coletivas de direito privado que não exercem poderes
públicos,
(ii)
não está em causa nos presentes autos qualquer contrato ou qualquer situação de
responsabilidade civil extracontratual e
(iii)
também não está em causa qualquer relação entre pessoas coletivas de direito público
ou entre órgãos públicos.
5.ª
Na sentença recorrida são invocados dois acórdãos, um do Tribunal da Relação de
Lisboa e outro do Tribunal dos Conflitos, ambos proferidos em 2016, que não têm
qualquer relevância no presente caso, não podendo servir de “precedente”. É
que, nesses casos, estavam em causa questões relativas a contratos, o que aqui
não se verifica, e os factos subsumiam-se a uma alínea do n.º 1 do artigo 4.º
do ETAF que foi revogada pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de outubro, deixando
de existir qualquer norma com semelhante teor.
6.ª
Concluindo-se pelo não preenchimento das previsões das alíneas do ETAF
referidas pelo Tribunal a quo e ficando, consequentemente, afastada a
competência dos tribunais administrativos para conhecerem do pedido principal,
isto é, do pedido de condenação da N. no pagamento da quantia de € 3.090.635,27
à S., deve ser reconhecida e declarada a competência dos tribunais judiciais
para o conhecimento do pedido principal, ao abrigo do disposto nos artigos
211.º da CRP e 66.º do CPC, e revogada a sentença na parte em que o Tribunal a
quo se declarou incompetente para conhecer do pedido dos autos principais.
7.ª
O Tribunal a quo fixou o valor da causa dos autos principais em €3.090.828,27.
No entanto, o valor da causa deve incluir apenas o valor correspondente à
compensação financeira relativa ao exercício de 2017 e o valor correspondente
aos juros de mora contabilizados até 30 de junho de 2020, excluindo-se os valores
de €40,00 (a título de ressarcimento de despesa com a injunção) e €153,00 (a
título de taxa de justiça), razão pela qual a sentença recorrida deve ser
revogada na parte referente à fixação do valor da causa dos autos principais
(i.e., Processo n.º 48982/20.8YIPRT) e substituída por outra que fixe o valor
da causa em €3.090.635,27.
8.ª
O Tribunal a quo condenou em “Custas pela requerente em cada uma das acções”. O
uso da palavra “requerente”, no singular, poderá induzir em erro quanto ao
sentido da condenação das partes em custas, razão pela qual, na hipótese de o
presente recurso não ser procedente – no que não se concede – se requer a
reforma da sentença quanto a custas, de forma a que fique claro que as custas
da ação principal são suportadas pela S. e as custas da ação apensada são
suportadas pela N..
Termos
em que se requer a V. Ex.as se dignem admitir o presente recurso jurisdicional,
julgando-o procedente e, em consequência:
a)
Revogar a sentença recorrida, na parte em que julga procedente a exceção
dilatória de incompetência em razão da matéria relativamente ao pedido da S.
nos autos principais, substituindo-a por decisão que declare a competência do
Tribunal a quo para julgar o litígio em causa nos autos principais (i.e.,
Processo n.º 48982/20.8YIPRT);
b)
Revogar a decisão sobre o valor da causa, substituindo-a por decisão que fixe o
valor da causa nos autos principais em €3.090.635,27;
E,
na hipótese de o presente recurso não ser procedente, o que apenas se equaciona
por dever de patrocínio,
c)
Reformar a sentença na condenação quanto a custas, de forma que fique claro que
as custas da ação principal são suportadas pela S. e que as custas da ação
apensada são suportadas pela N..
A
Ré-Requerida apresentou Contra-Alegações,
nas quais formulou as seguintes Conclusões:
A.
Nas palavras da Recorrente, “o presente recurso incide, unicamente, sobre a
primeira decisão referida. Ou seja, o presente recurso tem por objeto, entre
outras, a decisão que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência
absoluta para conhecer do pedido da S. nos autos principais (i.e., no Processo
n.º 48982/20.8YIPRT), i.e., quanto à parte em que o Tribunal a quo se declarou
o incompetente para condenar a N. no pagamento do montante de €3.090.635,27
acrescido de juros vincendos e demais encargos até efetivo e integral
pagamento”.
B.
Alega a Recorrente que a decisão do Tribunal a quo incorre em manifesto erro na
aplicação do Direito, por fazer referência a uma versão desatualizada do ETAF –
o que é verdade, adiante-se – e em erro de julgamento por entender que o
litígio não se subsume a qualquer alínea da versão vigente do artigo 4.º do
ETAF, o que é falso.
C.
Na verdade, a decisão recorrida deve manter-se, por não padecer de qualquer
erro de julgamento.
D.
Como resulta dos pontos 5, 6, 8, 11 e 14 do requerimento inicial e bem
identificado na sentença do Tribunal a quo, o pedido da Recorrente funda-se na
Decisão relativa às regras aplicáveis aos Mecanismos de Alocação e Compensação
(“MAC”), de 9 de fevereiro de 2018, revista em 15 de abril do mesmo ano.
E. A
Decisão MAC regula os termos em que deve operar a compensação entre entidades
gestoras licenciadas para a gestão de embalagens e resíduos de embalagens (a
Recorrente e a Recorrida, in casu).
F.
Ou seja, a Recorrente procura dar execução aos efeitos jurídicos decorrentes de
um ato administrativo que existe para regular a atividade pública de duas ou
mais entidades gestoras, isto é, a Recorrente pretende cobrar à Recorrida
valores que resultam de uma decisão administrativa, cuja ilegalidade, de resto,
se requereu junto do Tribunal Administrativo competente (Tribunal Administrativo
e Fiscal de Sintra, sob o n.º 401/18.8BESNT).
G.
Trata-se, assim, de uma decorrência de uma atuação puramente administrativa.
H.
Portanto, o Tribunal, para decidir do pedido da Recorrente, terá que avaliar se
o ato no qual esse pedido se funda é legal, competência que, nos termos do
artigo 4.º, n.º 1 alínea b) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos.
I.
Mas ainda que assim não se entendesse, certo é que o presente litígio sempre
caberia no âmbito residual da alínea o) do mesmo preceito que dispõe que
“Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de
litígios que tenham por objeto questões relativas a (…) Relações jurídicas
administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas
alíneas anteriores”. Norma que recupera o já analisado conceito de “relação
jurídico-administrativa”.
J.
Sem prejuízo do concurso de outras normas, afigura-se, pois, inequívoco que o
regime substantivo jus-publicístico próprio desta relação jurídica a integra no
âmbito do artigo 4.º do ETAF e, por isso, a competência para conhecer do
presente litígio está atribuída à jurisdição administrativa, nos termos do
artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, conjugado com o artigo 212.º, n.º 3 da Constituição
da República Portuguesa e com o artigo 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do
Sistema Judiciário.
K.
No mais, sempre se diz que nenhuma razão existe para que o conhecimento dos
pedidos em análise nos presentes autos – ação (injunção apresentada pela
Recorrente contra a Recorrida) e apenso (injunção apresentada pela Recorrida
contra a Recorrente) - seja atribuído a jurisdições diferentes, como pretende a
Recorrente, já que ambos têm subjacente a mesma questão: saber qual a
responsabilidade de cada uma das partes na gestão de embalagens e resíduos de embalagem
em 2017, o que aliás motivou a respetiva apensação.
L.
Portanto, se o pedido da ação que corre por apenso (isto é, o pedido formulado
pela Recorrida contra a Recorrente) e que pode configurar um pedido
reconvencional do pedido da aqui Recorrente deve tramitar na jurisdição
administrativa, como a Recorrente reconhece expressamente ao limitar o seu
recurso à parte relativa ao seu pedido inicial, também o pedido da primeira
ação – formulado através do requerimento de injunção apresentado pela Recorrente
– deve ser apreciado por essa jurisdição.
M.
Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe como mero dever de
patrocínio, certo é que ambas as ações devem manter-se apensadas e tramitar na
mesma jurisdição.
Nestes
termos e nos melhores de Direito, requer-se a Vossas Excelências que neguem
provimento ao presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica a decisão do
Tribunal a quo, julgando-se competente para conhecer dos pedidos formulados
pelas partes os tribunais administrativos
Questões a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação
do tribunal ad quem (exercendo uma
função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Verificadas
as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente e as suas divergências com o
decidido, importará apreciar:
-
se foi bem decidida a questão da incompetência em razão da matéria, pelo
Tribunal a quo;
-
se o valor da acção se mostra bem fixado;
-
se da decisão de custas resulta claro que as da acção principal são suportadas
pela S. e que as custas da acção apensada são suportadas pela N.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre
decidir.
Fundamentação
de Facto
A
Decisão sob recurso assentou na consideração factualidade descriminada no
Relatório antecedente.
Fundamentação de Direito
A decisão do
Tribunal a quo, vem solidificada com
o seguinte processo de raciocínio:
-
tem sido entendido, de forma pacífica, que a competência material de um
tribunal se afere pela forma como o autor configura a acção, definida pelo
pedido e causa de pedir (cfr., v.g., Acórdãos do Tribunal de Conflitos,
disponíveis em www.dgsi.pt: de 10.02.1998 – processo 000319, de 18.06.2002 –
processo 02/02, de 23.09.2004 – processo 05/04, e de 29.11.2006 – processo
016/03);
II
- o interesse público na boa administração da justiça exige que se proceda a
uma divisão do trabalho entre os vários órgãos e entidades que integram o
sistema da justiça, de que resultam diferentes âmbitos ou áreas de intervenção
de cada um;
III
- no âmbito da competência interna, esta é sectorizada, no essencial, em razão
da matéria, do valor da causa, da hierarquia judiciária e da competência
territorial – artigo 60.º, n.º 2, do CPC;
IV
- resulta do artigo 101.º do CPC que a incompetência absoluta provém da
infracção das regras de competência internacional e da competência interna
material e hierárquica;
V
- a incompetência material decorre da propositura no tribunal comum de uma
acção da competência dos tribunais especiais ou da instauração de uma acção num
tribunal de competência especializada incompetente (Miguel Teixeira de Sousa);
VI
- a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser
suscitada oficiosamente pelo tribunal em
qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em
julgado proferida sobre o fundo da causa – artigo 97.º, n.º 1, do CPC;
VII
- a incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num tribunal
judicial quando o deveria ter sido perante um outro tribunal judicial só pode
ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo tribunal até ser
proferido despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da
audiência de discussão e julgamento – artigo 97.º, n.º 2, do CPC;
VIII
- como nas várias hipóteses de incompetência absoluta por violação da
competência material a menos grave é a da propositura num tribunal judicial de
uma acção que deveria ter sido instaurada num outro tribunal judicial (por
exemplo: a acção é instaurada num tribunal cível, quando deveria ter sido
proposta num tribunal de família), a lei restringe o prazo de arguição e de
conhecimento dessa incompetência;
IX
- diferentemente, a incompetência material que resulta do facto de a acção ter
sido proposta num tribunal judicial quando o deveria ser num tribunal não
judicial (por exemplo: a acção foi instaurada num tribunal comum, mas deveria
ter sido proposta num tribunal administrativo) pode ser arguida pelas partes e
conhecida oficiosamente pelo tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de
mérito – artigo 97.º, n.º 1, do CPC;
X
- como esta incompetência absoluta é mais grave do que a prevista no artigo
102.º, n.º 2, alarga-se o prazo da sua arguição pelas partes e do seu
conhecimento pelo tribunal;
XI
- a competência dos tribunais em geral é a medida de jurisdição dos diversos
tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional
que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais;
XII
- a competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da
procedência da acção: é ponto a decidir de acordo com a identidade das partes e
com os termos da pretensão do autor – compreendidos aí os respectivos
fundamentos (causa de pedir), não importando averiguar quais deviam ser as
partes e os termos dessa pretensão;
XIII
- na definição da competência em razão da matéria, a lei atende à matéria da
causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo o
da natureza da relação substancial pleiteada (competência ratione materiae), pelo que a instituição de diversas espécies de
tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de
especialização, com as vantagens que lhe são inerentes;
XIV
- A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de:
- atribuição positiva (pertencem à competência
do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada
pelo direito privado, civil ou comercial, sendo que, na qualificação do objecto
da acção para este efeito, o tribunal não se encontra sujeito às qualificações
fornecidas pelas partes - artigo 664.º do CPC) e de
-
competência residual (incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as
causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada
no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial
não comum ou a nenhum tribunal especial: isto é, os tribunais judiciais são os
tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais
judiciais, são os comuns aqueles que possuem essa competência residual);
XV
- os critérios materiais distribuem os casos concretos pelas diferentes ordens
de tribunais, recorrendo à qualificação jurídica desses mesmos casos segundo os
grandes ramos de direito (Teixeira de Sousa);
XVI
- face ao artigo 211.º, n.º 1, da CRP (“Os tribunais judiciais são os tribunais
comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não
atribuídas a outras ordens judiciais”), ao artigo 66.º do CPC (“São da
competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem
jurisdicional”), ao artigo 26.º, n.º 1, da LOFTJ (“São da competência dos
tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem
jurisdicional”), ao artigo 212.º, n.º 3, da CRP (a Constituição comete aos
tribunais administrativos a resolução das controvérsias nascidas de relações
jurídicas administrativas, dos litígios emergentes de relações jurídicas que
sejam de direito administrativo, ou seja relações jurídicas administrativas
públicas ou em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade
pública, munido de um poder de imperium,
com vista à realização do interesse público legalmente definido);
XVII
- os tribunais administrativos constituem uma categoria com estatuto
constitucionalmente autónomo e com competência específica sendo os tribunais
ordinários da justiça administrativa;
XVIII
- pode actualmente afirmar-se que os tribunais administrativos e fiscais são os
tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, tendo reserva de
jurisdição nessas matérias, excepto nos casos que, pontualmente, venham a ser atribuídos
por lei especial a outra jurisdição;
XIX
- em concretização da norma constitucional referida, dispõem os art.s 1º e 4.º
do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº
13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº
59/2008, de 11 de Setembro, na parte que ora releva:
Artigo 1º
Jurisdição
administrativa e fiscal
1 - Os tribunais da
jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para
administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais.
2 - Nos feitos
submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não
podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios
nela consagrados (…).
Artigo 4.º
Âmbito da jurisdição
1 - Compete aos
tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que
tenham nomeadamente por objecto:
a) Tutela de direitos
fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares
directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou
decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito
administrativo ou fiscal;
b) Fiscalização da
legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de
direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal,
bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente
resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva
celebração;
c) Fiscalização da
legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer órgãos
do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração
Pública;
d) Fiscalização da
legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos
privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes
administrativos;
e) Questões relativas
à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos
a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que
sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de
direito público;
f) Questões relativas
à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo,
de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público
que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de
contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um
concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham
expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
g) Questões em que,
nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas
colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função
jurisdicional e da função legislativa;
h) Responsabilidade
civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores
públicos;
i) Responsabilidade
civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico
da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
j) Relações jurídicas
entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito
dos interesses que lhes cumpre prosseguir”;
XX
- por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um
dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular
no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse
público legalmente definido;
XXI
- à luz dos princípios e normativos citados, o caso concreto insere-se na
esfera de competência dos tribunais administrativos;
XXII
- considerando a causa de pedir, a pretensão da Autora sustenta-se no
incumprimento da Ré ao não proceder ao pagamento das quantias peticionadas que
foram liquidadas pela Requerente em cumprimento da Decisão MAC e seguindo as
indicações constantes do email do Presidente da CAGER, recebido em 01/03/2018;
XXIII
- a Requerente exige da Requerida o pagamento de € 3.090.828,27 correspondentes
a:
(i) 2.623.899,02 €, a título de compensação
financeira relativa ao exercício de
2017;
(ii) 466.736,25 €, a título de juros de mora
contabilizados até 30 de junho de 2020;
(iii) 40 €, como despesa nos termos do artigo
7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013; e
(iv)
153 €, a título de taxa de justiça devida pela injunção.
XXIV
- como resulta dos pontos 5, 6, 8, 11 e 14 do requerimento inicial, o pedido da
Requerente funda-se na Decisão relativa às regras aplicáveis aos Mecanismos de
Alocação e Compensação (“MAC”), de 9 de fevereiro de 2018, revista em 15 de
abril do mesmo ano proferida pelo Presidente da CAGER Comissão de
Acompanhamento da Gestão de Resíduos, pela qual definiu as regras consideradas
necessárias à operacionalização do mecanismo de alocação e compensação do
SIGRE;
XXV
- de acordo com o alegado pela aqui Requerida e Requerente no apenso nos pontos
3 a 10 do requerimento de injunção, o crédito no valor de € 1.382.962,02 que a
Requerente reclama refere-se ao custo que a Requerente assumiu nos 73 (setenta
e três) primeiros dias do ano de 2017 pela gestão de embalagens que, no seu
entender, deviam ter sido geridas pela Requerida;
XXVI
- a N. entende que não pode ser responsabilizada pela gestão dos resíduos
gerados nos primeiros 73 dias de vigência da sua licença, uma vez que entende
que as embalagens que assumiu tratar na data de entrada em vigor da sua licença
demoraram 73 dias a transformar-se em resíduos e que, assim, durante esse
período, não pode ser responsabilizada por qualquer custo de gestão de resíduos
de embalagens, uma vez que tais resíduos resultarão de embalagens que foram
produzidas e declaradas antes do início de vigência da licença da N. (efeito de
cut-off);
XXVII
- a Requerente pretende, portanto, ser compensada pela Requerida por, no seu entender,
ter ficado encarregue da gestão de determinada quantidade de resíduos de embalagens
que, de acordo com a atribuição de responsabilidades que decorreria do efeito
de cut-off, deveria ter sido gerida pela Requerida;
XXVIII
– a Requerida propôs mesmo uma ação administrativa de impugnação da Decisão
MAC, que corre os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Sintra, sob o n.º de processo 401/18.8BESNT em que são partes a Requerida, a
Agência Portuguesa do Ambiente, IP e a Requerente, na qualidade de Contra-interessada
(cf. doc. n.º 5, que se junta para todos os efeitos legais);
XXIX
- no âmbito dessa ação administrativa, a Requerente peticiona a anulação
parcial da Decisão MAC com o fundamento, entre o mais, de que essa decisão
devia ter previsto o efeito de cut-off, que funda o pedido na acção apensa;
XXX
– Autora e Ré são gestoras de resíduos de embalagens, a quem foi atribuída uma
licença para a gestão do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens;
XXXI
- a referida licença (atribuída pelo Despacho n.º 14202-D/2016, publicado em
Diário da República, 2.ª série — N.º 227 — 25 de Novembro de 2016) autoriza
ambas as partes a efectuar a gestão de resíduos de embalagens, cujos princípios
e normas aplicáveis constam do Decreto-Lei n.º 366-A/97, com as sucessivas
alterações, o qual, por seu turno, transpôs para a ordem jurídica nacional a
Directiva n.º 94/62/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro,
a qual também sofreu sucessivas alterações, relativa a embalagens e resíduos de
embalagens, tendo em vista a prevenção de resíduos de embalagens, priorizando a
reutilização das embalagens, a reciclagem e outras formas de valorização dos
resíduos de embalagens e, bem assim, metas de valorização e reciclagem a
cumprir pelos Estados Membros;
XXXII
- nos termos do ponto 1.3.5.2 dos Apêndices de ambas as licenças referidas,
sempre que uma entidade gestora assume a responsabilidade pela gestão de
resíduos de embalagens em função das embalagens declaradas a outra entidade
gestora, aquela tem direito a ser compensada por esta, de acordo com os
mecanismos de alocação e compensação a adotar no âmbito do SIGRE –Sistema
Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão
de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (cfr. artigos 44.º, n.º 5, e 50.º do Decreto-Lei
n.º 178/2006, de 05/09; artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/02, e Portaria
n.º 306/2016, de 07/12);
XXXIII
- não se acompanha a argumentação da Autora no sentido de que se trata de uma relação
de direito puramente privada, na medida em que ambas as partes actuam com vista
à satisfação de necessidades de interesse público, sendo actividade de ambas
regulada por normas de direito público, enquanto entidades gestoras de resíduos
de embalagens, como sejam;
XXXIV
- o Regime Geral de Gestão de Resíduos estabelecido no Decreto-Lei n.º
102-D/2020, o UNILEX (Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/12) que unifica o
regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da
responsabilidade alargada do produtor, o SIGRE –Sistema Integrado de Gestão de
Resíduos de Embalagem e definidos pela CAGER – Comissão de Acompanhamento da
Gestão de Resíduos (Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09), artigo 18.º do
Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11/02, e Portaria n.º 306/2016, de 07/12), entre
outros;
XXXV
- o pedido da Autora sustenta-se em decisão de entidade pública (Presidente da CAGER),
enquanto acto administrativo, sendo certo que o pedido da aqui requerida e
requerente no apenso se sustenta, além do mais, na ilegalidade da decisão que
fundou a liquidação do pedido pela aqui requerente, sendo que se encontram a correr
termos acção no tribunal administrativo para o efeito;
XXXVI
- a coberto de tais licenças, Autora e Ré são as únicas entidades em território
nacional com competências para actuar na prossecução do interesse público
traduzido na prevenção de resíduos de embalagens, reutilização das embalagens,
reciclagem e, bem assim, na prossecução das metas de valorização e reciclagem a
cumprir pelos Estados Membros;
XXXVII
- foi no âmbito da referida qualidade de prossecução de tais interesses
públicos e com base na licença que atribuiu competências exclusivas nessa área
às partes;
XXXVIII
- todas as actividades de gestão do SIGRE têm em vista o cumprimento das metas
de valorização e reciclagem a que se encontram obrigadas, nos termos das
licenças que detêm, e que decorrem quer da legislação nacional, quer das
directivas da União Europeia sobre a matéria;
XXXIX
- tendo presente que ambas as partes têm por missão a satisfação das referidas necessidades
de interesse público, encontrando-se licenciadas para exercer a actividade de
gestão de resíduos de embalagens enquanto gestoras do sistema integrado de gestão
de resíduos de embalagens (SIGRE), há que concluir que está preenchida a
previsão das al. d), f) e j) do nº 1 do art.º 4º do ETAF;
XL
- do exposto se conclui que para apreciar e decidir a presente acção e a acção
apensa é materialmente competente a ordem dos tribunais administrativos, e não
este Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, inserido na ordem dos tribunais
comuns;
XLI
- a jurisprudência vem também adoptando tal entendimento, ao afirmar que os
tribunais administrativos são, actualmente, os verdadeiros tribunais comuns em
matéria administrativa (RL de 30-06-2016, Tribunal de Conflitos de 18-02-2016,
proc. 043/15);
XLII
- “Os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes para conhecer
de pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de
embalador/importador celebrado no âmbito do SIGRE [Sistema Integrado de Gestão
de Resíduos de Embalagens]”;
XLII
– se assim é no que respeita aos contratos embalador/importador, por maioria de
razão será na relação entre ambas as partes destes autos enquanto prossecutoras
de interesse público com vestes de poder público regido por normas de direito
público;
XLIII
- a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência
absoluta do tribunal, devendo ser suscitada oficiosamente a todo o tempo e conduzindo
à absolvição do réu da instância (artigos 96.º, 97.º e 99.º, n.º 1, do CPC), configurando
uma excepção dilatória insanável, justificando assim que se lhe aplique a regra
da prioridade e, por conseguinte, que, logo que constatada, deva o juiz
declará-la com a consequente extinção da instância;
XLIV
- face ao disposto no artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do CPC não há lugar à realização
de audiência prévia, havendo que decidir de imediato da verificação desta
excepção dilatória.
A
decisão, tal como se apresenta, é clara e compreensível, mas dela discorda a
Recorrente.
A
discordância começa por se basear na circunstância de o Tribunal a quo ter incorrido no que considera ser
um “manifesto
erro na aplicação do Direito”, uma vez que as quatro alíneas do ETAF em
que se baseou – d), e), f) e j) - já não estão em vigor, tendo actualmente
outra redação e conteúdo, pelo que devem ser desconsideradas.
A
Recorrida, por seu turno, entende que, apesar da redacção do ETAF utilizada não
ter sido a actualmente vigente, a solução jurídica é a que o Tribunal adoptou
em face do objecto da acção, na qual se pretende dar execução ao decidido num
acto administrativo, o que implica que,
para decidir do pedido se tenha de avaliar se o acto no qual se funda é legal
(competência que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, pertence
à Jurisdição Administrativa), acrescendo que sempre estaríamos no âmbito
residual da alínea o) desse normativo, ao estarem em causa “Relações jurídicas administrativas e fiscais
que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.
É pois a
matéria da competência em razão da matéria dos Tribunais comuns relativamente
aos Tribunais Administrativos que aqui se mostra em causa.
No
Acórdão de 06/07/2021, desta Secção (Processo n.º 1297/20.5T8PDL-A.L1-7-Micaela Sousa), fez-se o seu
enquadramento, em termos que merecem a nossa total concordância:
“Face
ao estatuído no art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, no
art. 64º do CPC e no art. 40º, n.º 1 da LOSJ, à jurisdição comum compete
apreciar as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional.
A
competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição
positiva e de competência residual. Em função do primeiro, pertencem à
competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação
jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial; por força do
segundo - o critério da competência residual -, incluem-se na competência dos
tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma
situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas
a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.
À
luz de tal critério residual, haverá que apurar se alguma lei estabelece
jurisdição especial para a acção que vai propor-se. Se assim a suceder, a acção
deverá ser intentada perante essa jurisdição; no caso contrário, deverá a causa
ser proposta perante o tribunal comum.
O
pedido formulado na acção estriba-se na invalidade de um contrato de compra e
venda em que é parte o Município de Ponta Delgada, aqui demandado/recorrente,
que, como autarquia local, é uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos
representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações
respectivas (cf. art. 235º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), que
se rege pelo Regime Jurídico das Autarquias Locais aprovado pela Lei n.º
75/2013, de 12 de Setembro, pelo que importa determinar se para a preparação e
julgamento da presente acção serão ou não competentes os tribunais
administrativos.
Nos
termos do art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos
tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções que tenham por
objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e
fiscais.
Na
senda deste normativo constitucional o art. 1º, n.º 1 do ETAF estipula que “Os
tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes
das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo
âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”
Decorre
desta norma uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos
Tribunais administrativos para os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas, ou seja, constitui esta a regra básica sobre a delimitação da
competência jurisdicional dos tribunais administrativos no confronto com os
demais tribunais, sem prejuízo dos casos em que, pontualmente, o legislador
atribua competência a outra jurisdição (como sucede, desde logo, com os casos
previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 4º do ETAF).
No
entanto, o critério substantivo assente no conceito de “relações jurídicas
administrativas e fiscais” não deve ser entendido como absoluto, pois, como tem
entendido o Tribunal Constitucional, “o legislador ordinário, desde que não
descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da
jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido
material, pode sem ofensa à lei constitucional, alterar o perímetro natural da
jurisdição, quer atribuindo-lhe algumas competências em matérias de direito
comum, quer atribuindo aos tribunais comuns algumas competências em matérias
administrativas”[8], daí que não constitua impedimento à atribuição aos
tribunais comuns de competências em matéria administrativa (como é o caso, por
exemplo, das expropriações), ou, em sentido contrário, de atribuição à
jurisdição administrativa de competências em matérias de direito comum.
Gomes
Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição revista, 1993, pág. 815, referem a propósito do art. 212º, n.º 3 da
Constituição:
“Estão
em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou
fiscais) (n.º 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões
caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas
em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um
órgão do poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas
controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito
administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão
aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos
positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais
será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de
direito administrativo e/ou fiscal.”
Poder-se-á
também afirmar que este tipo de relação jurídica pressupõe sempre a intervenção
da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium),
isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito
público.
Relação
jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou impõe
restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que
atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a
administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as
vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização
do interesse público.
O
conceito de relação jurídica administrativa assume-se como decisivo para
determinar a competência material dos tribunais administrativos, conceito que a
doutrina tem procurado densificar e que maioritariamente tem reconduzido ao
sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, regulada por
normas de Direito Administrativo, e que serão aquelas em que “pelo menos um dos
sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de
um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público
legalmente definido” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de
8-10-2015, relator Miguel Baldaia Morais, processo n.º 77842/14.0YIPRT.G1.[9]
Relação
jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou
impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares
ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a
administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as
vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização
do interesse público.
Um
dos modos mais frequentes de se estabelecerem relações jurídicas é através de contrato,
que será administrativo quando se possa afirmar que através dele é constituída,
modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo, isto é,
aquela que “confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse
público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou
impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” – cf. Diogo
Freitas do Amaral, Direito Administrativo (vol. III), Lisboa, 1989, pp.
439-440.
Como
se discorre no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-02-2019, relator
António Santos, processo n.º 13312/17.5T8LSB.L1-6:
“[…]
como bem se chama à atenção em Acórdão do Tribunal de Conflitos, é “tendo
sempre presente o conceito de relação jurídica administrativa que devem ser lidas
e interpretadas as várias alíneas do art.º 4.º do ETAF”, sendo hoje pacífico
que a “lei passou, agora, a incluir na competência dos tribunais da jurisdição
administrativa e fiscal apenas a matéria derivada de contratos administrativos
ou dos contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública.
Isto
dito, recorda-se que, por relação jurídico-administrativa deve considerar-se,
no entender de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, toda “a relação social
estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que
seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições
jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva,
como a que ocorre entre a Administração e os particulares, inter-administrativa,
quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de
prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou
inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma
pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que
lhes correspondem.”
Já
Marcello Caetano, e no pressuposto de que as relações jurídicas-administrativas
não são geradas apenas por actos unilaterais, mas também por contrato [o acordo
celebrado entre duas ou mas pessoas com interesses individualizados, a cujas
vontades a lei reconheça o poder de, por essa forma, livremente criarem
modificarem ou extinguirem uma relação jurídica], o qual não é de todo
incompatível com o Direito Público e não são também essencialmente diferentes
dos que brotam da tradição civilista, o que o caracteriza e distingue é o facto
de ser ele fonte de relações de direito público e nas quais predomina a
disciplina imposta pelo interesse público.
Ou
seja, segundo Marcello Caetano, o que na verdade caracteriza o contrato
administrativo, é a especial sujeição, nele, do particular ao interesse
público, traduzido no dever de acatamento das leis, regulamentos e actos
administrativos que se refiram as condições jurídicas e técnicas de carácter
circunstancial (não essencial) estipuladas quanto à execução das obrigações
contraídas.
Também
para Mário Esteves de Oliveira, “sempre que por força de um encontro de
vontades entre a administração e particulares, ou entre pessoas colectivas públicas
se gere (modifique ou extingue) uma relação jurídica regulada por normas de
direito público, aí temos um contrato administrativo”.
Ou
seja, e como também o defende Mário Aroso de Almeida, “as relações
jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério
estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério
teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”, e,
consequentemente, “serão relações jurídicas administrativas as derivadas de
actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração
Pública ou equiparados”.
Face
à convocação da impugnação da validade contratual haverá que aferir, antes de
mais, se se está perante uma relação contratual estabelecida entre duas ou mais
partes e se o litígio dela emergente constitui uma relação jurídica
administrativa”.
Ora, o que se
passa nos presentes autos é que a Recorrente-Requerente apresentou (para exigir
o pagamento) uma série de facturas e notas de crédito emitidas na sequência de
uma decisão do Presidente da Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos
(CAGER)[2]
tomada esta ao abrigo da Decisão que aprovou o Mecanismo de Alocação e
Compensação (MAC[3]), de
modo que o pedido formulado se alicerça nesta última.
Daqui
resulta, sem que haja lugar a dúvida razoável, que é a execução (no sentido de
dar corpo) de uma decisão administrativa que está em causa e que sempre
implicaria – por parte do Tribunal a quo
– a necessidade de avaliar a sua correcção e legalidade.
Ora o artigo
4.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão
vigente e que decorre da reforma produzida com a Lei n.º 114/2019, de 12/09,
para o que ao caso importa, não altera substancialmente as regras aplicáveis:
“1
- Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de
litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a)
Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente
protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da
legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da
Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou
fiscal;
c)
Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer
órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração
Pública;
d)
Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por
quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes
públicos;
e)
Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de
contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos
termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de
direito público ou outras entidades adjudicantes;
f)
(…)
g)
(…)
h)
(…)
i)
(…)
j)
Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos
públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k)
(…)
l)
(…)
m)
(…)
n)
(…)
o) Relações jurídicas
administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas
alíneas anteriores”.
Bem pode a
Recorrente sublinhar que o Tribunal a quo
recorreu a uma versão anterior do ETAF, desconsiderando a vigente desde
13/11/2019, mas isso não altera o acerto da decisão, uma vez que numa ou noutra
versão, sempre a decisão seria a mesma (as alíneas d) e j)
têm alteração de pormenor e a f)
consegue, sem dificuldade integrar-se na nova amplitude dada pela alínea o)).
Repare-se que
não está em causa uma simples cobrança de dívida numa relação de direito
privado. Longe disso.
Trata-se de
apreciar se a dívida que se pretende cobrar tem fundamento.
E esse
fundamento, a sua legalidade, implica a apreciação da relação administrativa
que lhe subjaz, sendo certo que ambas as partes actuam com vista à satisfação
de necessidades de interesse público, no âmbito de uma actividade regulada por
normas de direito público, enquanto entidades gestoras de resíduos de
embalagens (cfr. o Regime Geral de Gestão de Resíduos e o UNILEX - Decreto-Lei
n.º 152-D/2017, de 11/12 - que unifica o regime da gestão de fluxos específicos
de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor) e o
valor apurado tem que ver com as suas actividades (na prossecução do
referido interesse público e com base
nas suas licenças).
Requerente e
Requerida não são pessoas colectivas de direito público, nem exercem poderes
públicos, mas toda a sua actividade está regida pelo direito público, desde
logo por força do interesse público da função exercida, sendo certo que a ora
Recorrente escamoteia por completo o papel da CAGER e da sua Decisão, estando
ela na base do
procedimento de injunção que intentou.
Podemos
assim concluir que é da competência dos Tribunais administrativos a apreciação
de uma acção entre duas gestoras de resíduos de embalagens com licença para a
gestão do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens, na qual se
discute o valor devido por uma a outra derivado de uma decisão da Comissão de
Acompanhamento de Resíduos Sólidos, tomada esta ao abrigo da Decisão que
aprovou o Mecanismo de Alocação e Compensação (MAC).
Essa
apreciação não cabe aos Tribunais comuns, mas sim - pela via das alíneas b) e
o) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
vigente - aos Tribunais
administrativos, que para isso têm competência própria e constitucional.
Mostra-se,
portanto, bem decidida a incompetência material dos tribunais judiciais (e, em
concreto, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível
de Cascais - Juiz 1) para o litígio dos autos, ao abrigo do disposto nos artigos
64.º, 96.º, a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, a), do
Código de Processo Civil, com a consequente absolvição da instância.
**
Quanto
ao valor da acção, o Tribunal a quo
escreveu o seguinte na decisão sob recurso: “Do valor
da causa
O
artigo 306.º do Código de Processo Civil, prescreve que
1
- Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação
que impende sobre as partes.
2
- O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se
refere o n.º 3 do artigo 308.º e naqueles em que não haja lugar a despacho
saneador, sendo então fixado na sentença.(…)
Por
seu turno, o artigo 297.º, n.º 1 do referido diploma legal estabelece que “Se
pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor
da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação
se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro
equivalente a esse benefício”.
Assim
sendo, atendendo aos pedidos das AA em cada um dos processos principal e apenso
fixo como valor da causa no indicado pelas A. em cada um deles”.
Em
sede de recurso, a Recorrente vem dizer que desta decisão resulta que o valor
da acção ficou fixado em € 3.090.828,27 (€ 2.623.899,02-capital + € 466.736,25-juros
até 30 de junho de 2020 + € 40-indemnização pela cobrança + € 153-taxa de
justiça da injunção), sendo que, tendo a injunção inicialmente proposta sido
convolada numa acção declarativa de processo comum, o valor da causa deve
incluir apenas o valor correspondente ao capital e juros (excluindo os € 40, como ressarcimento da despesa com a injunção e
os € 153 de taxa de justiça).
Sobre
a matéria, a Requerida nada disse.
Neste
ponto, assiste razão à Recorrente.
Embora
a decisão do Tribunal a quo não o
refira, nem diga o contrário, de facto, o resultado linear do que decidiu faz
incluir aqueles € 193 (40 + 153) no valor da acção, sendo que, como bem decidiu
o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2006 (Processo
n.º 06A3919-João Camilo), numa “acção subsequente à
dedução de oposição a um requerimento de injunção, o valor da causa é o que
resulta da soma da importância pedida a título de preço do contrato de
prestação de serviço ajuizado, acrescida de juros de mora vencidos na data da
apresentação do requerimento de injunção. O valor da taxa de justiça paga pela
mesma apresentação não entra na determinação do valor processual da causa”.
Nesta
mesma linha, e mais recentemente, se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de
08/10/2020 (Processo n.º 99770/19.2YIPRT-A.E1-Ana Margarida Leite) que o valor da taxa de justiça paga aquando da
apresentação do requerimento de injunção, se encontra incluído nas custas de
parte, mas não integra o âmbito do pedido para efeitos de determinação da forma
de processo aplicável.
O
mesmo raciocínio vale, aliás, para o valor da indemnização prevista no artigo
7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, uma vez que ambas as situações apenas
fazem sentido e se justificam no processo de injunção enquanto tal.
Assim,
sendo correctas as normas chamadas à colação (artigos 306.º e 297.º, n.º 1, do
Código de Processo Civil), em vez de € 3.090.828,27 o valor do presente
processo deve ser de € 3.090.635,27 (três milhões, noventa mil, seiscentos e
trinta e cinco euros e vinte sete cêntimos), assim se dando razão à Recorrente.
***
Por
fim, pretende a Recorrente a reforma da decisão de 1.ª Instância quanto a
custas (“Custas
pela requerente em cada uma das acções”), por não ser uma formulação clara,
ao dizer Requerente e não Requerentes, podendo entender-se – ainda que
erradamente – que as custas nas duas acções ficariam a cargo da aqui Requerente
aqui Recorrente.
Esta
pretensão não faz sentido (e é a própria Requerente que o assume!) uma vez que
a decisão recorrida é de uma clareza cristalina: as custas em cada uma das
acções ficam a cargo de cada Requerente (se outro entendimento se pretendesse
ter-se ia dito apenas “Custas pela ora requerente” e aí sim haveria fundamento
para o surgimento de dúvidas).
A
Recorrente levanta, portanto, um problema inexistente, nada havendo a reformar.
***
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar parcialmente procedente a
apelação e, em consequência:
-
por serem competentes os Tribunais administrativos, confirmar decisão de incompetência
em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo
Central Cível de Cascais - Juiz 1, para o litígio dos autos, ao abrigo do
disposto nos artigos 64.º, 96.º, a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, a), 576.º, n.ºs
1 e 2 e 577.º, a), do Código de Processo Civil, com a consequente absolvição da
instância;
-
fixa-se o valor da acção em € 3.090.635,27 (três milhões, noventa mil,
seiscentos e trinta e cinco euros e vinte sete cêntimos);
-
considera-se inexistir qualquer fundamento para a reforma da decisão sob
recurso em matéria de custas.
As
custas do recurso ficam a cargo da Recorrente, na proporção de 85% das devidas,
considerando o valor irrisório da alteração do valor da acção.
**
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 07 de Julho de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa
José Capacete
[1]
António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
A CAGER,
prevista pelo artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09 (Regime Geral
de Gestão de Resíduos, agora substituído pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de
10/12) e regulada pela Portaria n.º 306/2016, de 7/12 (que fixa a sua
estrutura, composição e funcionamento) é uma entidade de apoio técnico à
formulação, acompanhamento e avaliação de políticas de gestão de resíduos (em
particular dos fluxos específicos de resíduos), com vista a uma gestão mais
eficiente dos recursos, para promover uma efectiva transição de uma economia
linear para uma economia circular, sendo ela que define, regulamenta e
supervisiona o mecanismo de alocação e compensação (MAC) entre entidades
gestoras dos fluxos específicos de resíduos.
[3]
De 9 de
Fevereiro de 2018, revista em 15 de Abril, disponível em https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/CAGER/CAGER_DecisaoMACSIGRE_20180415.pdf
.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.