Processo n.º 2312/18.8T8CSC
Tribunal a quo-Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais-Juiz 4
Sumário:
I – No
âmbito da apreciação dos danos não patrimoniais, os juízos de equidade
referidos no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil implicam uma certa
dificuldade de cálculo, que se constitui um risco assumido pelo sistema
judicial (necessariamente temperado por padrões de indemnização adoptados pela
jurisprudência, para evitar arbitrariedades).
II – Na
fixação deste tipo de danos os Tribunais não se devem guiar por critérios
miserabilistas, devendo atribuir compensações significativas e não meramente
simbólicas.
III – Mesmo
procurando lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os
valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca
possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e
irrepetíveis em cada concreto processo, sendo o Tribunal de 1.ª Instância que
tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi
produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).
IV – Na
situação de uma mulher muito activa que sofre um hematoma subdural, com
traumatismo na cabeça face e pescoço, tem perda de consciência, dores físicas
(grau 3, em 7) e, tonturas e sonolência prolongada, tem de fazer quatro
deslocações a instituições de saúde, tem um défice funcional temporário total
de 2 dias e um parcial de 18 dias (ficando com um défice funcional permanente
da integridade físico-psíquica de 2, em 10), está durante cerca de dois meses
acamada, só se levantando e cuidando com ajuda da filha, sem conseguir executar
trabalhos domésticos, sofrendo ainda ansiedade e amargura, bem como o receio de
entrar em automóveis é adequada a
fixação de uma indemnização de € 12.500:
-
€ 5.000 (respeitantes às dores sofridas);
-
€ 5.000 (respeitantes ao défice funcional de 2 em 100 que ficou a padecer, bem
como aos incómodos, angústias, ansiedades, amarguras sentidas e à incapacidade,
impotência e sensação de inutilidade associadas ao período de dependência de
terceiros para a execução das suas necessidades e tarefas básicas); e
-
€ 2.500 (respeitantes a internamentos e intervenções médicas a que esteve
sujeita).
III – Mesmo
procurando lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os
valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca
possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e
irrepetíveis em cada concreto processo, sendo o Tribunal de 1.ª Instância que
tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi
produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).
Acordam
na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
M… intentou a presente ação declarativa
contra a Ré
-
Companhia de Seguros …,
SA. peticionando
a sua condenação a pagar-lhe €76.245, acrescidos de juros de mora à taxa legal,
desde a citação até efectivo pagamento.
Em síntese, defende
a Autora ter sido vítima de um acidente de viação (ocorrido por culpa da
segurada da Ré), na sequência do qual sofreu lesões corporais e danos
patrimoniais e morais.
A Ré apresentou
Contestação entendendo não
haver culpa da sua segurada na ocorrência do acidente, bem como a extensão e o cômputo
dos danos peticionados.
Saneada
a acção e realizada Audiência Prévia identificou-se o objecto do litígio e fixaram-se
os temas da prova.
Realizou-se
a Audiência Final e a Autora requereu a ampliação do valor do pedido nos termos
do artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “pela privação do uso a
título de danos patrimoniais deverá a Ré ser condenada a pagar Autora a quantia
de 50,00€ diários desde a data do acidente até à data a que a Autora adquiriu
uma nova viatura no total de 8.500,00€; e a título de danos não patrimoniais a
quantia de 30,00€ diários desde a data do acidente até à data a que a Autora
adquiriu uma nova viatura no total de 5.100,00€”, o que foi admitido pelo
Tribunal.
Proferida Sentença que decretou os factos provados e não provados e, a
final, julgou a acção parcialmente procedente,
em consequência do que:
1
- condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 1000 €, a título de danos
patrimoniais, a que acrescem necessariamente juros vencidos e vincendos
(actualmente, à taxa de 4%, desde 1 de Maio de 2003, cfr. Portaria n.º
291/2003, de 8-4), calculados desde a citação e, até efectivo pagamento;
2
- condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.500 € a título de danos
morais, a que acrescem juros vencidos e vincendos (actualmente, à taxa de 4%,
desde 1 de Maio de 2003, cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8-4), calculados a
partir da data da prolação da sentença, até efectivo pagamento;
3
- absolveu a Ré do restante peticionado;
4
- condenar Autora e Ré no pagamento das custas na proporção do decaimento, sem prejuízo
do benefício de apoio judiciário concedido.
Autora
e Ré recorreram da Sentença.
A
Ré apresentou as suas Alegações,
onde lavrou as seguintes Conclusões:
1) A Recorrente
discorda, não se podendo conformar com os mesmos, com os montantes indemnizatórios
arbitrados pela douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, quer a título
de danos não patrimoniais bem assim, com os montantes alcançados a título de
danos patrimoniais.
2) Resultou provado
que a ora Recorrida, em consequência do acidente de viação originador dos
presentes autos, ficou a padecer de:
-
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos;
-
Quantum Doloris fixável no grau de 3/7;
-
período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 2 dias;
- período de Défice
Funcional Temporário Parcial fixável num período de 18 dias;
-
inexistência de dano estético;
-
inexistência de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer;
-
Inexistência de repercussão na atividade sexual;
-
sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 30.09.2017.
3) A indemnização
devida a título de violação da integridade física e psíquica, no caso dos
presentes autos, pode apenas ser ponderada e quantificada na sua vertente não patrimonial,
na justa medida em que, não foi sequer alegado, muito menos provado, qualquer
rebate profissional ou afetação da capacidade de ganho da lesada.
4) Do que antecede e,
tendo presente que, no caso sub judice, foi individualmente considerada a indemnização
pelos danos não patrimoniais da Apelada, a consideração do dano biológico e ponderação
do valor a arbitrar terá de se ater nas consequências que as mazelas
representam para o dia a dia da lesada.
5) Tendo presente as
mazelas de que a ora Recorrida ficou a padecer e, considerando ainda o facto de
a mesma não ter sido submetida a qualquer intervenção cirúrgica, internamento,
bem como o facto de a mesma ter tido alta hospitalar no dia do acidente, bem
como os valores fixados mediante exames periciais, quer a título de Défice
Funcional Permanente, de Quantum Doloris, entende a ora Recorrente que, quando
contraposta com outras decisões jurisprudenciais arbitradas a propósito de
situações similares, a quantia arbitrada pelo Mmº Juiz do Douto Tribunal a quo peca por manifestamente excessiva.
6) Quer se trate de
uma indemnização devida a título de dano biológico na sua vertente não
patrimonial, quer se trate de uma indemnização a título de danos não
patrimoniais, é impreterível conjugar o critério da equidade, com o princípio
da igualdade e da uniformização jurisprudencial, que visa evitar a discrepância
entre os montantes indemnizatórios atribuídos a tais títulos pelos Tribunais
Superiores.
7) No que ao
arbitramento de uma indemnização no montante de €10.000,00 à Apelada, em ordem
à compensação do dano biológico na sua vertente não patrimonial, resulta
evidente a inequívoca desproporcionalidade de tal montante, quando comparado
com montantes arbitrados noutras decisões, servindo de exemplo disso mesmo,
designadamente, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datada
de 22.01.2020, no âmbito do processo n.º 5370/17.9T8VIS.C1, onde, apesar da
superior gravidade das mazelas sofridas pela aí lesada, bem como da idade da
mesma [menos 29 anos que a Apelada], foi arbitrado precisamente o mesmo valor
que o alcançado pelo Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”.
8) O arbitramento de
uma indemnização de uma indemnização de € 5.000,00 pelo quanto doloris também
se afigura excessiva face ao grau de 3/7 apurado e provado nos autos;
9) O arbitramento de
uma indemnização de € 2.500,00 pela duração de internamentos e intervenções a
que a Apelada esteve sujeita, mostra-se excessiva considerando que a Apelada não
sofreu qualquer internamento, teve alta no dia do acidente e apenas lhe foi
atribuída uma incapacidade parcial total de dois dias.
10) Assim, o
arbitramento do valor de € 17.500,00 a título de indemnização pelos danos não
patrimoniais afigura-se manifestamente excessiva.
11) Nas situações em
que os danos dados como provados não têm qualquer repercussão na capacidade de
ganho do lesado, o critério fundamental a utilizar pelo Julgador terá de ser,
incontornavelmente, a equidade.
12) A Douta Sentença
em crise peca pelo montante excessivo arbitrado a este título, especialmente
se, em nome do princípio da igualdade, forem tidas em conta outras decisões
proferidas por Tribunais Superiores, designadamente, o já aludido Acórdão
prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
13) Do que antecede
resulta, salvo melhor opinião que, o montante indemnizatório deverá ser
alterado para montante nunca superior a €4.000,00, consentâneo com as mazelas
de que a Apelada ficou a padecer e, igualmente, de forma harmoniosa com os
valores comummente arbitrados pelos Tribunais Superiores, considerando a ofensa
à integridade física e quanto doloris.
14) Por sua sorte, no
que tange ao valor arbitrado a título de danos não patrimoniais, afigura-se à
ora Apelante manifestamente excessivo o montante de € 17.500,00, não honrando
os princípios da equidade, razoabilidade e igualdade.
15) Mais se refira
que, se o principio da igualdade significa “tratar de forma igual o que é igual
e de forma diferente o que é diferente, na justa medida da diferença”, é pois
gritante a violação de tal principio quando comparada a indemnização arbitrada
pelo Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” com a indemnização arbitrada numa situação
muito similar à presente, no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação
de Guimarães, a 19/06/2019, no âmbito do processo 249/14.9TBMNC.G2, disponível
em www.dgsi.pt, que atribuiu uma indemnização
de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, verificando-se assim uma
injustificada diferença de € 14.500,00 entre ambas as decisões.
16) O montante de €
17.500,00, arbitrado a propósito dos danos não patrimoniais pela Douta Sentença
proferida pelo Tribunal “a quo” não se apresenta como adequado à luz dos
princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça,
não se encontrando em sintonia com outras indemnizações que os Tribunais
Superiores têm aplicado, devendo assim o valor arbitrado ser alterado, por
montante nunca superior a € 4.000,00.
17) Por fim, com o
devido respeito por mais douto entendimento, atenta a factualidade que resultou
provada no âmbito do processo sub judice, afigura-se igualmente merecedor de
censura o arbitramento dos valores a título de dano patrimonial, atento o facto
de, não se afigurar conforme às regras processuais em vigor, o recurso à
equidade em ordem a alcançar valores sem alicerce na factualidade provada.
18) Com efeito,
concretizando o que antecede, a Apelante perfilha o entendimento de que, não é
conforme ao Direito, com recurso ao preceituado no n.º 3 do artigo 566.º do CC,
o arbitramento de valores, quer a título de ajuda de terceira pessoa, quer a
título de despesas de tratamentos e de transportes, quando inexista nos autos
e, mais concretamente, da factualidade provada, qualquer elemento que permita um
ponto de partida, com as mínimas garantias, em ordem a alcançar um determinado
valor.
19) Por seu turno, no
que concerne ao valor de € 1.000,00 arbitrado a título de compensação da Apelada
a título de danos patrimoniais, pelo auxilio de terceiro durante os meses de
setembro e outubro de 2017 deverá ser revogada e absolvida a Apelante quanto a
esse pedido, considerando que não resultou provado que a Apelada tenha tido
esse prejuízo, ónus que sobre si impendia.
20) E além do mais
sempre se deverá considerar a sentença ora em crise ser considerada nula por
falta de fundamento quanto à forma de calculo de tal indemnização, nos termos
do disposto na al c) do n.º 1 do artigo 615 do CPC.
21) Assim,
ressalvando o devido respeito por melhor opinião, a da ora Apelante é a de que,
no âmbito dos presentes autos, não foi produzida prova suficiente e necessária
em ordem ao arbitramento de qualquer valor a título de danos patrimoniais,
termos em que, o valor arbitrado, deverá ser revogado farão V. Exas. a
costumada e sempre sã Justiça.
No âmbito
deste recurso, a Autora não apresentou Contra-Alegações.
Quanto
ao seu recurso, a Autora apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
A- O presente Recurso vem interposto da douta
sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que decidiu julgar a acção
parcialmente procedente por provada, decidindo:
“1 - Condenar a Ré a pagar à autora a quantia
de 1000 € (mil euros), a título de danos patrimoniais, a que acrescem
necessariamente juros vencidos e vincendos (actualmente, à taxa de 4%, desde 1
de Maio de 2003, cfr. Portª nº 291/2003, de 8-4) calculados desde a citação e,
até efectivo pagamento.
2 - Condenar a Ré a pagar à autora a quantia
de € 17.500 € (dezassete mil e quinhentos euros) a título de danos morais, a
que acrescem juros vencidos e vincendos (actualmente, à taxa de 4%, desde 1 de
Maio de 2003, cfr. Portª nº 291/2003, de 8-4) calculados a partir da data da
prolação da sentença, até efectivo pagamento.
3 - Absolver a Ré do restante peticionado.
4 - Condenar autora e ré no pagamento das
custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio
judiciário concedido.”
B- Entendemos que errou o Tribunal na
apreciação do ponto 1 da matéria de facto não provada, ou seja, ao dar como não
provado que:
“1) À data do acidente (10.09.2017), à autora
pertencia o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, Modelo --, com a
matrícula ..-..-.., seguro na ……, SA, sob a apólice nº xxxxxxxxxxx”.
C- Isto porque, não concordamos com o
entendimento do Tribunal que considerou que o facto de a autora não ter junto o
certificado de matrícula importava dar como não provada tal propriedade.
D- Ora, a autora nunca poderia juntar o
certificado de matrícula, por o mesmo ter sido apreendido, conforme resulta da
Participação de Acidente de Viação elaborada pela GNR e junto com a petição
inicial como Doc. 1, não mais tendo voltado à posse da autora, uma vez que o
veículo foi para abate conforme resulta da douta sentença.
E- E, apesar de tal documento não ter sido
junto aos autos, por motivos não imputáveis à autora, a verdade é que existem
documentos nos autos que provam a propriedade do veículo.
F- Uma vez que resulta da mencionada
Participação de Acidente de Viação que foi elaborada pela GNR, que a
proprietária do veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, Modelo --, com a
matrícula ..-..-.., é autora.
G- E, tendo a propriedade sido confirmada
pelo participante, Agente da Autoridade, por exibição do documento de
identificação do veículo, o qual foi por si apreendido, a Participação do
Acidente de Viação, elaborada por um Agente da Autoridade, faz fé e prova dos
factos nele constantes e por aquele relatados e confirmados.
H- Tal Participação é um documento autêntico
e faz prova dos factos constantes do mesmo.
I- Sendo que tal propriedade também resulta
do documento emitido pela ….. e que a autora juntou com a petição inicial (Pág.
25).
J- Aliás, deste documento resulta provada não
só a propriedade, mas também quem é o condutor habitual e o n.º da apólice de
seguro.
K- Razão pela qual deverá alterar-se a
matéria de facto, passando a constar na matéria de facto provada que: À data do
acidente (10.09.2017), à autora pertencia o veículo ligeiro de passageiros,
marca Citroen, Modelo --, com a matrícula ..-..-..., seguro na ……, SA, sob a
apólice nº xxxxxxxxx.
L- Sendo que, em face das provas produzidas e
das constantes dos autos, deveria também o Tribunal ter dado como provado que o
veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, Modelo --, com a matrícula
..-..-.., era detido e utilizado habitualmente pela autora.
M- Em face do erro na apreciação da matéria
de facto, errou também o Tribunal na aplicação do direito, uma vez que
resultando provado que a autora era a proprietária do veículo, tem esta direito
a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes dos danos causados à viatura.
N- Prejuízos, que conforme mencionado vem na
sentença, importam a quantia de 4.500,00 €.
O- Tal como errou ao não condenar a ré a
pagar à autora os danos pela privação do uso do veículo, os quais foram
peticionados e sobre os quais a douta sentença é omissa.
P- Omissão que importa a nulidade da
sentença.
Q- Assim, deveria o Tribunal ter condenado a
ré a pagar à autora, pela privação do uso da viatura, a título de danos
patrimoniais a quantia de 50,00€ diários desde a data do acidente até à data em
que a Autora adquiriu uma nova viatura no total de 8.500,00€ e, a título de
danos não patrimoniais a quantia de 30,00€ diários desde a data do acidente até
à data em que a Autora adquiriu uma nova viatura no total de 5.100,00€.
R- E, tal indemnização, não dependente sequer
da prova da propriedade, uma vez que pode ser atribuída ao detentor, ao
utilizador habitual da viatura.
S- E tal detenção, tal utilização, pela
autora resulta provada nos autos, pelo que, independentemente da prova da
propriedade, o Tribunal deveria ter condenado a ré a indemnizar a autora pela
privação do uso do veículo.
T- Não decidindo assim, violou o Tribunal o
disposto nos artigos 483.º e 562.º a 564.º do Código Civil.
No
âmbito deste recurso (da Autora) a Ré apresentou Contra-Alegações, onde conclui que:
1.
O Recorrente afirma que se insurge contra a douta Sentença proferida pelo Mm.º Juiz
do Tribunal a quo, por discordar profundamente da apreciação da matéria de facto
e de direito.
2.
Entende a aqui Recorrida que a mui douta Sentença prolatada pelo Tribunal a quo
não se revela merecedora de qualquer tipo de reparo, ou pelo menos, não o merece
seguramente no sentido que a Recorrente pretende.
3.
Nada há nos autos que permita afirmar que o veículo de matrícula ..-..-.. era
da propriedade da Recorrida à data do acidente em apreço nos autos.
4.
Não foi feita prova dos danos e dos seus valores perda do veículo de matrícula
..-..-.., o período durante o qual ficou eventualmente privada do seu uso e que
prejuízos a aludida privação lhe causaram.
5.
Motivos pelos quais não poderá ser atribuída qualquer indemnização a esse título
à Recorrente.
6.
Por tudo quanto antecede, resulta inquestionável a absolvição da Recorrida dos aludidos
pedidos, mantendo-se a mui douta Sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal
a quo.
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição
inicial, como refere, ABRANTES GERALDES ), sendo certo que tal limitação já não
abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código
de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação
de questões de conhecimento oficioso.
Assim,
em causa nestes autos estará a decisão quanto às seguintes questões:
I
– DO
PAGAMENTO DE € 1.000 A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS RELATIVOS A DOIS MESES EM
QUE A AUTORA TERÁ NECESSITADO DE AUXÍLIO DE TERCEIRO PARA REALIZAÇÃO DE TAREFAS
DOMÉSTICAS (e sua nulidade por falta de fundamentação) – Recurso da Ré;
II
– DO
VALOR EXCESSIVO ATRIBUÍDO A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS (€10.000-DANO
BIOLÓGICO; DORES-€5.000; INTERNAMENTOS E INTERVENÇÕES-€2.500) – Recurso da Ré;
III
- DA APRECIAÇÃO ERRADA
DOS FACTOS
-
a propriedade do veículo ..-..-.. (ponto 1 da matéria de facto não provada) –
Recurso da Autora;
IV
-
DA FALTA DE ATRIBUIÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NA VIATURA E PELA PRIVAÇÃO
DO USO DO VEÍCULO – Recurso da Autora.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
de Facto
A
sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1-
No dia 10.09.2017, pelas 15h39m, a autora conduzia o veículo ligeiro de
passageiros, marca Citroen, Modelo --, com a matrícula ..-..-.., pela faixa
central da auto estrada 5, em direcção a Lisboa, transportando, no seu interior
como passageiro, M….
b)
Quando, ao Km 7.300, numa curva suave, com inclinação descendente, o veículo,
com a matrícula ..-..-.., conduzido por H…, que circulava, na faixa/via
direita, repentinamente e, sem nada o prever, invadiu a faixa central, pondo-se
à frente do veículo conduzido pela autora.
c)
Para evitar o embate na traseira do referido veículo, a autora, foi obrigada a
travar bruscamente e a realizar uma manobra brusca de mudança de direcção.
d)
Em resultado da travagem e manobra de mudança de direcção, a autora perdeu o
controlo do veículo, entrou em despiste e foi embater nos sistemas de retenção
de auto estrada.
e)
A autora foi transportada para o Hospital de São Francisco Xavier, onde foi
assistida.
f)
O troço da via, com separador central e grelhas de protecção laterais, com três
faixas de rodagem, em cada sentido, no local do acidente, por onde circulava a
viatura ..-..-.., é constituído por uma curva ligeira à esquerda, com
inclinação descendente, tendo a faixa de rodagem por onde o veículo --
circulava a largura de 3, 50 m. E é uma via com boa visibilidade e com o piso
em bom estado de conservação.
g)
Na ocasião do acidente, estava bom tempo e o piso encontrava-se seco.
h)
Em consequência do despiste e embate, o veículo --, sofreu danos na parte da
frente do lado direito, na parte traseira direita e no tejadilho, no sistema de
direcção, nos órgãos de travagem e outros não inspecionados, cuja reparação
ascenderia a € 9.701,19.
i)
O veículo -- foi adquirido pelo preço de € 5000, pelo que o veículo foi
destinado a abate, tendo sido pago à autora o valor de € 500.
j)
A autora entregou ao passageiro M…. € 600.
k)
Em virtude do acidente, a autora sofreu perda de consciência, perda da memória do
acidente, hematoma subdural e dores físicas.
l)
No dia 10.09.2017, na sequencia do acidente, a autora foi transportada de
ambulância, imobilizada e em plano duro, pelos BV da Cruz Vermelha de Oeiras, para
o Hospital São Francisco Xavier, onde deu entrada, pelas 16h21m, na especialidade
de neurologia, com perda de conhecimento com recuperação espontânea e amnésia para
o sucedido e, com traumatismo na cabeça, face e pescoço.
m)
Foi examinada e tratada ao traumatismo da cabeça, face e pescoço, foi-lhe aplicado
o colar cervical, tendo ainda sido submetida a vários exames, nomeadamente,
TC-TE e RX cervical, dorsal lombar, tórax e bacia.
n)
Apresentava-se muito queixosa à mobilização da coluna cervical e apresentava incontinência
dos esfíncteres, Glasgow 15, pupila direita maior que a esquerda, embora
ligeiramente lentificada, com hemiplagia direita, mantendo a amnésia.
o)
Não apresentava defeitos de campo visual ou paresia dos músculos oculomotores, sem
défices neurológicos locais, sem dor à apalpação das apólfises espinhosas e TC-CE
sem evidência de lesões traumáticas agudas.
p)
Foi-lhe retirado o colar cervical e foi dada alta à autora pelas 23h32m do dia 10.09.2017,
com recomendações, pedidos de análises 3 T e doseamentos e obs por ortopedia,
TAC com reavaliação de ortopedia e pedido de obs por VC por anisocoria mantida.
q)
Em 12.09.2017 e, porque a autora, desde o dia do acidente, continuava a manter cefaleia,
tonturas, cervicalgia e sonolência, foi examinada no Serviço de Imagiologia do
Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, tendo-lhe sido realizado um TC cerebral, na
sequência do qual se concluiu que “comparativamente ao observado em estudo
prévio, não se identificam grosseiras colecções hemáticas anómalas
agudas/subagudas intracranianas; foi identificado um possível higroma infra
centimétrico ao nível da convexidade cerebral frontoparietal direita; restantes
aspectos sobreponíveis”.
r)
Em virtude de a autora continuar a manter cefaleias e tonturas com sonolência persistente,
em 17.09.2017, foi admitida, às 10h41m e atendida na Urgência Polivalente do
Centro Hospitalar de Lisboa, na especialidade de neurocirurgia e na
especialidade de cirurgia geral.
s)
A autora teve alta da neurocirurgia por se entender que não carecia de cuidados
de urgência.
t)
Em virtude de continuar a apresentar queixas, em 22.09.2017, a autora foi atendida
na UCSP de Sete Rios, tendo sido pedida uma Tomografia Axial Computorizada ao
Crânio, para controle do pequeno hematoma subdural provocado pelo acidente, o
qual foi autorizado, mas que não chegou a ser feito, por falta de
disponibilidade financeira da autora para pagar € 200 pelo TAC.
u)
Durante os meses de Setembro e Outubro de 2017, a autora esteve acamada, dormia
muito, não se levantava nem executava tarefas domésticas, como cozinhar, limpar
a casa, fazer compras, nem se levantava sem ajuda, nem cuidava sozinha da sua
higiene pessoal, tendo recebido auxílio da sua filha C….
v)
A autora devido aos factos supra descritos sofreu dores, ansiedade, amargura e angústia.
w)
A autora era uma pessoa muito activa antes do acidente.
x)
A autora ainda tem receio de entrar num veículo automóvel.
y)
Como consequência do acidente, foi fixado à autora 2 dias de défice funcional temporário
total e 18 dias de défice funcional temporário parcial.
z)
E um “quantum doloris” três, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
aa)
E um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de dois numa escala
de cem pontos de gravidade crescente.
bb)
A data da consolidação médico legal das lesões foi fixada 30.09.2017.
cc)
Foi considerado que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente
na actividade profissional, compatíveis com a actividade habitual sem esforços
acrescidos e, que:
dd)
Não existe dano estético permanente;
ee)
Não existe repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer;
ff)
Não existe repercussão permanente na actividade sexual.
gg)
A ré confirmou a existência de um contrato de seguro do ramo automóvel titulado
pela apólice nº 0045.20.711670 relativo ao veículo ligeiro de passageiros da
Marca Citroen, Modelo --, de matrícula ..-..-.., contrato esse celebrado com C…
*
Factos
não provados:
1)
À data do acidente (10.09.2017), à autora pertencia o veículo ligeiro de passageiros,
marca Citroen, Modelo --, com a matrícula ..-..-.., seguro na …, SA, sob a
apólice nº xxxxxxxxxxx.
2)
A autora teve despesas de alimentação no valor de € 877,68 entre a data do acidente
e o dia 12.12.2017;
3)
Perdeu € 1997,32 de salários entre Setembro e 12.12.2017;
4)
Despendeu € 500 em deslocações para hospitais e centros de tratamento;
5)
Pagou pelo seguro da viatura acidentada, seis meses após a ocorrência do acidente,
€ 270.
6)
Um mês antes do acidente, a autora havia despendido a quantia de € 1.500 numa reparação
ao veículo automóvel Citroen, Modelo --, com a matrícula ..-..-...
Apreciação
da Matéria de Facto
O
artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia
livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção
que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para
a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em
que esta não pode ser dispensada.
Quando
uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto impõe-se-lhe
o ónus de:
- indicar (motivando) os concretos
pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda
nas conclusões);
- especificar os concretos meios
probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que
impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão
alternativa quanto a cada um deles.
Verificados os autos, no que à prova produzida
nos autos respeita, comecemos então pela apreciação da
factualidade que a Autora-Recorrente considera mal decidida.
Entende a Autora que o Tribunal errou
ao considerar não provado o facto que respeita à propriedade do veículo
..-..-...
Sobre esta matéria, o Tribunal a quo
referiu o seguinte na Sentença:
- “Não se provaram os factos descritos nos
nºs 1, 2, 4 a 6, porquanto não foi apresentada qualquer suporte documental para
estas afirmações e as testemunhas inquiridas não revelaram conhecimentos
precisos sobre as matérias respectivas”;
- “Efectivamente, sendo tal bem sujeito a
registo, bastava juntar aos autos o respectivo certificado de matrícula, o que
não ocorreu. Assim sendo, não é possível afirmar com toda a certeza que o dano
do valor veículo foi sofrido pela autora”.
O que a Autora entende é que nunca
poderia juntar o certificado de matrícula, por razões que não lhe são
imputáveis, por ele ter sido apreendido pela GNR, aquando do acidente e depois
o veículo ter ido para abate, sendo certo que existem documentos nos autos que
provam a propriedade do veículo: a Participação de Acidente de Viação e o
documento emitido pela Fidelidade e que a autora juntou com a petição inicial
(fls. 25).
Por seu turno, a Ré, sobre esta matéria
veio dizer que não assiste razão à Autora, para além de afirmar que a prova da
propriedade do veículo é feita através de certidão extraída pela Conservatória
do Registo Automóvel (que não foi junta aos autos porque a Autora o não fez,
podendo fazê-lo), sendo certo que os documentos por esta invocados não permitem
fazer a referida prova.
Entrando
a decidir.
Não assiste razão à Autora.
De facto, se havia prova simples de
fazer era a da propriedade do veículo em causa.
Bastaria juntar a certidão do Registo
Automóvel ou mesmo o print da página
da AT relativa ao seu NIF, onde consta o seu património e de onde resulta o
pagamento do IUC.
Dispõe o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º
54/75, de 24 de Fevereiro, que o registo de veículos (automóveis – artigo 5.º,
alínea a)) tem essencialmente por fim
dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos
reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.
Ou seja, o registo dos veículos
automóveis não é constitutivo de direitos, mas apenas presuntivo[1],
pelo que a sua inscrição confere ao seu titular a presunção da existência desse
direito, nos termos do registo (artigo 29.º do citado diploma e artigo 7.º do
Código de Registo Predial).
Isto dito, não se compreende a putativa
dificuldade da Autora em comprovar a sua propriedade sobre o veículo em causa,
escudando-se numa versão inverosímil de apreensão de um documento pela GNR,
como se não lhe fosse possível obtê-lo de outra forma[2].
E essa facilidade na prova joga contra a Autora.
Certo que seria possível fazer a prova
da propriedade de outra forma, mas a Autora não fez qualquer – mínimo – esforço
probatório nesse sentido, sendo que, os dois documentos a que agora pretende
recorrer para alterar a decisão do Tribunal a
quo são absolutamente insuficientes para o fim pretendido.
Sem mais, a participação do acidente de
viação nunca poderia servir para o efeito porque é um elemento indirecto e
representa apenas dados ou informações recolhidas por quem a elabora, mas não
as substitui, muito menos quando podem ser obtidas de outra forma, como é o
caso.
E o mesmo vale para o documento da
seguradora.
Do mesmo modo, não obstante a
informação plasmada pela autoridade policial presente no local no acidente, a
propriedade sobre o referido veículo não foi objeto de confirmação pelo
participante do sinistro em sede de audiência de julgamento.
A Autora pretende fazer prova indirecta
da propriedade do veículo quando nada a impedia de fazer prova directa, nem
apresentou uma versão plausível, aceitável, ou razoável para o não fazer.
Concluímos assim que não só não assiste
razão à Autora recorrente, como o Tribunal a
quo decidiu bem e melhor fundamentou, nada havendo a alterar à factualidade
apurada e não apurada.
**
Fundamentação
de Direito
Em matéria de Direito restam
assim por abordar:
I
- O
PAGAMENTO DE € 1.000 A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS RELATIVOS A DOIS MESES EM
QUE A AUTORA TERÁ NECESSITADO DE AUXÍLIO DE TERCEIRO PARA REALIZAÇÃO DE TAREFAS
DOMÉSTICAS (e sua nulidade por falta de fundamentação) – Recurso da Ré;
II
– O
VALOR EXCESSIVO ATRIBUÍDO A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS (€10.000-DANO
BIOLÓGICO; DORES-€5.000; INTERNAMENTOS E INTERVENÇÕES-€2.500) – Recurso da Ré; e
IV
-
A FALTA DE ATRIBUIÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NA VIATURA E PELA PRIVAÇÃO DO
USO DO VEÍCULO – Recurso da Autora.
Começando
pelo último (IV), em face da não
alteração da factualidade apurada, nada há a alterar ao decidido pelo Tribunal a quo: não se provando ser a
proprietária do veículo, nunca poderia ser-lhe atribuída uma indemnização pelos
danos nela ocorridos ou pela sua privação.
Quantos
aos restantes, vejamos ponto a ponto.
No
que ao primeiro respeita (I), a
recorrente refere que, atenta a factualidade que resultou provada, o valor
arbitrado a título de danos patrimoniais (€ 1.000 pelo auxílio de terceiro
durante os meses de Setembro e Outubro de 2017) é merecedor de censura, uma vez
que foi feito um recurso à equidade sem qualquer alicerce que permitisse um
ponto de partida, com as mínimas garantias, em ordem a alcançar um determinado
valor (sendo certo que não resultaram provados esses prejuízos – cujo ónus
pertencia à Autora), sendo certo ainda que a sentença é nula por falta de
fundamento quanto à forma de cálculo de tal indemnização, nos termos do
disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
O
Tribunal a quo, na Sentença sob
recurso, quanto a esta matéria e relevando os factos u) (Durante
os meses de Setembro e Outubro de 2017, a autora esteve acamada, dormia muito,
não se levantava nem executava tarefas domésticas, como cozinhar, limpar a
casa, fazer compras, nem se levantava sem ajuda, nem cuidava sozinha da sua
higiene pessoal, tendo recebido auxílio da sua filha C…) e
y) (Como
consequência do acidente, foi fixado à autora 2 dias de défice funcional temporário
total e 18 dias de défice funcional temporário parcial), referiu o
seguinte: “Apurou-se
que entre Setembro e Outubro de 2017, a A. precisou de acompanhamento de
terceira pessoa (a filha) para as tarefas que impliquem a utilização de dois
braços, paras as lides comuns, seja nas lides domésticas seja em outras tarefas
que deixara de desempenhar face às suas limitações físicas, a que ficou
limitada devido o acidente.
A
quantia peticionada pela A. - € 500 mensais não é de forma alguma exagerada,
nem excede o necessário para contratar terceiro para a prestação de tal
auxílio.
Assim
sendo, fixa-se tal indemnização num total de € 1000”.
Entrando
a decidir.
Perante
os factos apurados e sem necessidade de grandes considerandos, constata-se que
assiste razão à Ré-Recorrente.
De
facto, por um lado, não há quaisquer mínimos elementos ou indícios que permitam
apontar para valores da ordem dos € 500/mensais para o efeito (nem foi feito
esforço probatório nesse sentido e, como é evidente, ele não resulta espelhado
nos factos apurados).
Mas,
por outro e mais importante ainda, trata-se de um dano patrimonial putativo,
inexistente, na esfera da Autora, uma vez que não corresponde a qualquer seu
prejuízo directo ou despesa real (em momento algum se alega ou prova que esta
tenha despendido aquele valor, ou próximo disso) e muito menos um prejuízo
indirecto.
Bem
pelo contrário, o que resulta apurado é que foi “auxiliada pela sua filha C…”.
Assim
sendo, o valor de € 1.000 atribuído a título de danos patrimoniais terá de ser
eliminado e – neste concreto ponto – ser dada razão à Ré-Recorrente.
**
Resta
por fim a apreciação do valor dos danos
não patrimoniais.
Neste
ponto, defende a Ré-Recorrente que os valores atribuídos (€ 10.000 – dano
biológico; € 5.000 – dores; € 2.500 – internamentos e intervenções) são
exagerados.
Vejamos
em concreto.
Quanto
a estes valores, depois de referir que estão em causa danos de natureza não
patrimonial que merecem tutela jurídica, refere o Tribunal a quo que:
-
devem ser tidas em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código
Civil (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do
sinistrado, lesões sofridas e sofrimentos delas resultantes);
-
este tipo de indemnização já se não cifra em quantias diminutas como sucedia há
alguns anos;
-
devem ser relevados o quantum doloris, o dano estético e o prejuízo de
afirmação social, o prejuízo da saúde e da longevidade;
-
atendendo, “ao sofrimento e dores suportados pela autora, ao tempo em que
permaneceu com diversos incómodos inerentes aos tratamentos médicos a que foi
sujeita, o facto de ter ficado dependente de terceiros para a execução de
necessidades e tarefas básicas, e ao facto de a culpa no acidente ser da inteira
responsabilidade da segurada da ré, parece-nos justo a indemnização devida
nesta sede, do seguinte modo:
Pela
violação da sua integridade física e psíquica, com repercussão significativa na
vida pessoal e familiar – € 10.000 (dez mil euros);
Pela
duração dos internamentos e intervenções a que esteve sujeita - €2.500 (dois mil e quinhentos euros);
Pelo
Quantum Doloris de grau 3 – € 5.000 (cinco mil euros);
Perfazendo
o total de € 17.500 (dezassete mil e quinhentos euros)”.
São
estes valores que a Ré-Recorrente coloca em causa, considerando-os
exageradamente atribuídos e em dissonância com os critérios jurisprudenciais
dos Tribunais portugueses.
*
Estabilizado
que está o que se reporta aos pressupostos da responsabilidade civil, a única
matéria que se mostra sob discordância é mesmo a dos valores concretos
atribuídos pelo Tribunal a quo aos danos não patrimoniais
considerados provados.
Nos termos do artigo
496.º, n.º 1, do Código Civil, na fixação da indemnização correspondente a este
tipo de danos deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do
direito, sendo o seu montante fixado equitativamente, tendo em atenção (nos
termos do artigo 494.º, ex vi do
artigo 496.º, n.º 4, ambos do Código Civil), grau de culpabilidade do agente,
situação económica deste e do lesado, natureza e intensidade do dano e demais
circunstâncias do caso.
Diferentemente
da avaliação dos danos patrimoniais, cabe aqui ao Tribunal o papel de verificar
não "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas
satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles[3]): o prejuízo, na
sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo
menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas
pode este ser contrabalançado,
"mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima,
que de algum modo atenuem ou, em todo
o caso, compensem esse dano"[4].
É
por isso que - de há muito - o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que o
artigo 496.º do Código Civil fixa "não uma concepção materialista da vida,
mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro
considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum
modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que
o ofensor tenha provocado"[5].
Tudo
isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no artigo 496.º, n.º
4, do Código Civil[6], o que, evidentemente
"importará uma certa dificuldade de cálculo"[7], mas
que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão : é um risco
assumido pelo sistema judicial (necessariamente temperado por padrões de
indemnização adoptados pela jurisprudência[8], ou
seja, deverão sempre ser ponderados os
valores fixados noutras decisões jurisprudenciais[9]).
Como pano de
fundo, acresce, importa sempre ter em consideração que na fixação da
indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por
critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa que não
meramente simbólica: como se refere lapidarmente no Acórdão do STJ de
10/10/2012 (Processo n.º 6628/04.2TVLSB.L1.S1-Gregório de Jesus, disponível em www.dgsi.pt),
na “esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da
indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por
critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e
não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais
acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações
simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também
não deve nem pode representar negócio”, vincando-se, em todo o caso, que
“indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária”.
Por outro
lado, “os aumentos dos seguros obrigatórios estradais e seus valores actuais de
cobertura, e aumento dos respectivos prémios, justificantes do aumento das
indemnizações”[10],
constitui ainda um factor que não pode ser subestimado.
Como
referenciais, podemos partir das decisões do STJ e dos Tribunais de Relação
recolhidas na Sentença da Comarca de Faro (Vila Real de Santo António),
parcialmente reproduzida no já citado Acórdão da Relação de Évora de 15/04/2021:
“«Ac.
do STJ de 18-09-2012, em que é relator Azevedo Ramos entendeu-se adequado o
montante indemnizatório de € 8.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos,
referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP
equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando
algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor
no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência
hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7,
teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a
sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto;
«Ac.
do STJ de 28-06-2012, em que é relator Sérgio Poças, entendeu-se adequado o
montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos,
referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a
internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades
de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º,
esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional,
sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer
caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os
familiares;
«Ac.
TRG, de 10-07-2018, em que é relatora Eugénia Cunha, entendeu-se adequado o
montante indemnizatório de € 8.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos,
referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente. Após o embate foi
transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de
Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo
Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e
onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi
transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC
CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias. Regressou
novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve
internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao
domicílio. E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas
semanas. Viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e
anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de
internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de
se sujeitar. No momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um
enorme susto. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu
em 28-08-2013.Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta
agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo). As
lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional
temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional
temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária
na atividade profissional total fixável em 103 dias. Ainda em consequência do
embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente
da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o
exercício da actividade habitual. E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa
escala de 1/7;
«Ac.
TRE, de 17-11-2016, em que é relatora Florbela Moreira Lança, entendeu-se
adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais
sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda
de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita;
luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica;
traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações
neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo;
discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações;
torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu
assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de
30 dias, por dificuldade na marcha e por dores. Na recuperação das lesões
efetuou 30 sessões de fisioterapia. Sofreu: i) um período de défice funcional
temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário
parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade
profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7.
Passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade
físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada
com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira
limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e
rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas
atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo
e futebol. Terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia. Na
sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do
sofrimento causado pelas dores sentidas;
«Ac.
TRG, de 11-05-2010, em que é relator Henrique Andrade, entendeu-se adequado o
montante indemnizatório de € 7.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos,
referente a lesado com 61 anos à data do acidente, que sofreu, em consequência
do acidente, vários ferimentos na cabeça, fratura da bacia, traumatismo da anca
direita e fratura dos ramos isqui-ileopúbicos direitos; por via dessas lesões,
passou a sofrer dores, passando a tomar medicamentos para lhe atenuar essas
dores; esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital de Braga entre
22-11-2006 e 30-11-2006; regressou então a casa onde ficou acamado,
praticamente imóvel, por causa das dores intensas na bacia; viu-se obrigado a
andar de muletas durante dois meses; desde a data do acidente que jamais deixou
de ter dores na bacia, que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar
essas dores; tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar
posição para dormir; o que lhe afeta negativamente o sono, o descanso e o
lazer; no momento do acidente o Autor passou por enorme pânico e teve medo de morrer
e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e
medos, a que acrescem dores por que passa e só consegue atenuar com medicação;
foi-lhe atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de
0 a 7»”.
Recolhidos
no Acórdão da Relação de Coimbra de 20/01/2020 (Processo n.º 5370/17.9T8VIS.C1-Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt e também referido pela Recorrente)
estão referidos estes Acórdãos:
“STJ
de 19 de setembro de 2019, no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (Maria do
Rosário Morgado), considerou-se que «…IV - Resultando dos factos provados que:
(i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia,
bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional
permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de
7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7
pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de
lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um
rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes,
designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou
outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de
€50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos»
(sumário).
No
acórdão do STJ de 19-2-2015 no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira
Vasconcelos), foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma
incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da
atividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia
de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que
(i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do
acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero,
fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide,
traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames
radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido
pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao
escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de
osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii)
ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve
dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de
que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e
mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do
tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7».
No
acórdão do STJ de 26-1-2017, processo n.º 1862/13.7TBGDM (Oliveira
Vasconcelos), ponderou-se que «…VII - Resultando da matéria fáctica provada que
a autora: (…) (vi) o quantum doloris foi
fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii)
antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo
agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma
atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva,
expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou,
queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não
brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou
de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e
desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de €30 000 fixado
pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial
(arts. 494.º e 496.º do CC).
No
acórdão do STJ de 13-7-2017 no processo n.º 3214/11.4TBVIS (Tomé Gomes)
atribuiu-se uma indemnização €60.000,00 a título de danos não patrimoniais,
relevando um quantum doloris de 7 pontos numa escala crescente de 1 a 7; dano
estético de 4 pontos em igual escala; repercussão na atividade sexual de 4
pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de 4 pontos numa
escala de 1 a 5.
(…)Por
exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-2016 no processo
1043/12.7TBPTL, «Ponderadas a idade do autor (35 anos), as circunstâncias em
que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), a extrema gravidade das lesões
sofridas por este, os dolorosos tratamentos a que foi sujeito, a incomodidade
daí resultante, o longo período dos tratamentos e as deslocações que teve que
realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Viana do Castelo, as
sequelas anátomo-funcionais, que se traduzem num deficit funcional de razoável
grau (07 pontos) e de menor grau (01), em termos estéticos, as dores sofridas e
o desgosto de, na força da vida, se ver fisicamente limitado, considera-se
ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de € 20 000,00, a título de
dano não patrimonial»
(…)
Vejamos
agora algumas decisões da Relação de Coimbra.
Assim,
no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, no processo n.º
107/17.5T8MMV.C1 (Emídio Santos), considerou-se «I – É equitativo compensar com
o montante de € 10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade
física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do
Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com
a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades
desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior
esforço do membro superior direito. II - É equitativa a indemnização de vinte
mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores
físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade
crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de
temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da
abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado
por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de
gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na
omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto
de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu
bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos
actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à
consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.
No
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, no processo n.º
1209/16.0T8CBR (Vitor Amaral), foi atribuída uma indemnização de €22.000.00
numa situação em que o quantum doloris era de grau 5, mas foram consideradas
outras circunstâncias como o facto da «… autora, sexagenária mas pessoa
extremamente activa, e profissional muito competente e trabalhadora, que
adorava a sua profissão, ter deixado de trabalhar e “antecipado” a sua reforma
relativamente às suas expectativas - que seriam de laborar até aos seus 70
anos- por força do acidente, tendo ainda repercussão substancial na sua vida
social, familiar e lúdica, sendo certo ainda que o mesmo obrigou à sua saída de
casa e a deixar de acompanhar e apoiar a sua mãe; ainda a sua perda de
autonomia e deslocalização, sendo que a 31 de Dezembro de 2013 foi transferida
para ( ...) , onde mora a sua filha, porquanto se tornou absolutamente
dependente de terceiros para poder satisfazer as mais básicas necessidades do
dia-a-dia, porquanto em ( ...) não tinha o apoio e suporte necessários; o facto
de logo após o acidente, ter sido necessário acompanhamento permanente de dia e
de noite, uma vez que o seu estado físico e psicológico posteriormente ao
acidente não permitia que a mesma ficasse sozinha; esteve totalmente dependente
da ajuda de terceiros para as tarefas mais elementares e diárias, como por
exemplo, precisava que a levassem à casa de banho, lhe dessem banho, a
auxiliassem nas tarefas mais básicas, como vestir, despir, pentear, entre
outras, motivo pelo qual foi necessário contratar apoio domiciliário para tais
tarefas e bem ainda acompanhamento à fisioterapia e consultas na CRIA -
situação esta que perdurou até meados de Junho de 2014, altura em que a autora
foi transferida para a sua residência sita em ( ...); ainda deve, nesse
particular, relevar-se um dano sexual diminuto (parâmetro autónomo) - numa
escala de 1 em 7, devido ao joelho doloroso e em particular ao quadro
ango-depressivo, determinante de uma diminuição de libido- podendo interferir
no quadro psicológico; mas também a desfiguração decorrente da amiotrofia e da
cicatriz mencionada e geradora de dano estético permanente afectando a sua
imagem, quer em relação a si próprio, quer perante os outros, e que se fixou em
grau 2- [ cicatriz cirúrgica nacarada na perna direita, com cerca de 15 cm e
amiotrofia da coxa e perna de 0,5 e 1,5 cm, respectivamente]».
No
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2019, no processo n.º
342/17.6T8CBR[11] (Moreira do Carmo),
ponderou-se que «…3. No que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou
com sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, que implicam
esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a
incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e
sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do
acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as
mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 € (…) 6. No que
respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias,
sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma
sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo
de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica
fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer
de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº
4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que
aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de
obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e
équo a indemnização no valor de 20.000 €».
No
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, no processo n.º
762/15.0T8LRA. (Emídio Santos) considerou-se que «… III – É equitativa a
indemnização de dez mil euros [€ 10.000,00] pelos seguintes danos não
patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau
4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1
ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários
meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado
dela».
Dada
a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes,
desde logo porque os casos são diferentes uns dos outros, sendo ainda certo que
os lesados, em regra, ficam insatisfeitos, ao que não será estranho o facto de
não conseguirem passar para as palavras e transmitir para os processos todo o dano
que padeceram, apesar disso afigura-se que tendo em conta que o quantum doloris
correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela Autora durante o
período de incapacidade temporária foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus
de gravidade crescente, e aos casos
relativos às decisões que antecedem, é ajustado ao caso subir a indemnização
para €20.000,00”.
A
estes e a título exemplificativo podemos acrescentar outras duas referências:
- STJ 15/02/2018
(Processo n.º 866/11.9TBABT.E1.S1-Roque Nogueira, sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf):
(i) autora com 56 anos; (ii) lesões consequência do embate sobretudo na cabeça
e rosto; (iii) dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) dores
persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na vida quotidiana -
valor indemnizatório € 35.000;
- STJ 23/09/2021
(Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina
Serra, disponível em www.dgsi.pt): um dia
na urgência do hospital; 2 meses de limitação de tarefas diárias e actividades
desportivas (andar de bicicleta, nadar, jogar futebol), dores, com restrições
de movimento do ombro e dificuldades em levantar e carregar pesos; encurtamento
de 3 cm do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento
de pseudoartrose; no futuro, dificuldade em levantar pesos e, ocasionalmente,
dores e sensibilidade na zona da lesão).
**
No caso dos
autos, temos como danos não patrimoniais da Autora os referidos na factualidade
descrita de
k a ff, donde decorre que:
i)
- A Autora, que era uma pessoa muito activa (w) e que sofreu a 10/09/2017 um
acidente de viação que lhe originou perda de consciência, perda da memória do
acidente, hematoma subdural e dores físicas (k).
ii)
- Por força desse acidente a Autora viu-se obrigada a três deslocações a
serviços de urgência hospitalar (Hospital de São Francisco Xavier) e uma à
Unidade de Cuidados de Serviço Primários de Sete Rios:
-
a primeira, no dia do acidente (10/09), onde esteve das 16h 21m às 23h 32m, com
perda de conhecimento com recuperação espontânea e amnésia para o sucedido e,
com traumatismo na cabeça, face e pescoço (l e p);
-
a segunda, a 12/09, com dores, tonturas, cervicalgia e sonolência (r);
-
a terceira, a 17/09 (entrada às 1h 41m), com dores, tonturas e sonolência (s);
-
e, por fim, a ida à UCSP de Sete Rios a 22/09, com queixas (não tendo feito TAC
para controlo do pequeno hematoma subdural por dificuldades financeiras) (t).
iii)
- Durante este período (meses de Setembro e Outubro), a Autora esteve acamada,
a dormir muito, sem se levantar, só o fazendo com ajuda, sem cuidar sozinha da
sua higiene pessoal, e sem executar trabalhos domésticos (cozinhar, limpar a
casa, fazer compras) (u).
iv) - Devido ao acidente e suas
consequências, a Autora sofreu dores, ansiedade, amargura e angústia e ainda
tem receio de entrar num veículo automóvel (v e x).
v
- Como consequência do acidente, foi fixado à Autora:
-
um défice funcional temporário total de 2 dias;
-
um défice funcional temporário parcial de 18 dias (y);
-
um “quantum doloris” três (numa escala de sete graus de gravidade crescente)
(z);
-
um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de dois (numa
escala de cem pontos de gravidade crescente) (aa).
vi) - Para a sua vida corrente em
nada a Autora ficou com sequelas (cc, dd, ee, ff).
Na
prática temos um acidente em que a vítima (Autora na acção) é uma mulher muito
activa, que sofre um hematoma subdural, com traumatismo na cabeça face e
pescoço, tem perda de consciência, dores físicas (grau 3, em 7) e, tonturas e
sonolência prolongada, tem de fazer quatro deslocações a instituições de saúde,
tem um défice funcional temporário total de 2 dias e um parcial de 18 dias
(ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2
em 10), está durante cerca de dois meses acamada, só se levantando e cuidando
com ajuda da filha, sem conseguir executar trabalhos domésticos, sofrendo ainda
ansiedade e amargura, bem como o receio de entrar em automóveis.
Importa
referir que, pese embora se procure lograr a maior uniformidade,
previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a
título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de
situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo: e é
o Tribunal de 1.ª Instância que tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar
perante a prova que foi produzida (que depois é reverificado pelas instâncias
superiores).
Essencial
será evitar distorções ostensivas, critérios manifestamente arbitrários,
atribuição de valores indemnizatórios que se mostrem claramente insensatos.
**
Verificando
os valores atribuídos pelo Tribunal a quo
comecemos pelo referente aos € 2.500
respeitantes a internamentos e intervenções a que esteve sujeita.
A
Ré-Recorrente entende que nenhum valor pode ser atribuído a este título, uma
vez que a Autora-Recorrida nunca foi submetida a qualquer internamento.
A
Ré-Recorrente joga com as palavras.
“Internar”
é - usando a simples definição do dicionário on line Priberam – “Colocar alguém ou colocar-se por algum espaço
de tempo numa instituição de saúde, de correcção ou de assistência”[12].
Ora,
embora não tenha ficado dias inteiros ou sucessivos em nenhuma instituição de
saúde por força do acidente ocorrido, o certo é que a elas se deslocou e nelas
permaneceu em quatro situações (como já se descreveu) e onde esteve várias
horas, sujeita a esperas, consultas e exames, sendo esse(s) tempo, incómodos,
angústias e sofrimentos inerentes que foram atendidos, ponderados e avaliados
na Sentença recorrida nos aludidos € 2.500, valor que se tem como totalmente
adequado à situação.
Neste
aspecto, nada há a apontar ao valor fixado, que se tem como adequado e
dimensionado ao tipo de dano em causa, em nada se mostrando desajustado aos
valores normalmente atribuídos pelos Tribunais portugueses.
Improcede,
em consequência, a pretensão da recorrente quanto a este aspecto.
*
No
que às dores se reporta, o Tribunal a quo,
fixou a indemnização em € 5.000.
Esta desagradável experiência sensorial é tão difícil de
quantificar como é de descrever e isto mesmo para quem usa a palavra como
instrumento para criação literária.
O Professor e Neurocirurgião João Lobo Antunes escreveu mesmo que "Virgínia Woolf lamentava
a pobreza da língua quando se tratava de descrever a dor física, e John Updike,
(...) dizia que «a doença e a dor (...] interessam muito a quem as sofre, mas a
sua descrição cansa-nos ao fim de poucos parágrafos»"[13].
E acrescentou -
noutro texto[14] -
que a dor (tal como a doença), "é quase sempre uma experiência individual,
intransmissível, profundamente solitária", sendo o modo como é sofrida e a
angústia que a envolve, fenómenos idiossincráticos, com um acentuado componente
cultural[15].
Daí que na
avaliação da dor intervenham factores como o sexo, a idade, a profissão, o meio
social e cultural, sempre considerando tratar-se de uma
"experiência subjectiva resultante da actividade cerebral como resposta a
traumatismos físicos e/ou psíquicos"[16] (ou
seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte
do corpo ou da mente), definição esta que pode ser tomada como "pedra de
toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja a dor física e a
dor psicológica"[17].
Deve, assim, ter-se em consideração que
"o dano-dor abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira
resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores
intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da
integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão,
pois, idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal
deixe sequelas permanentes - integrando a segunda um trauma psíquico
consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura
reacção emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um
reflexo desta"[18].
Em termos médico-legais o concreto quantum
doloris da Autora, na escala valorativa de sete graus (muito ligeiro,
ligeiro, moderado, médio, considerável, importante, muito importante[19]), foi considerado
como moderado (grau 3), sendo que a indemnização atribuída foi de € 5.000.
Considerando a forma como decorreu o acidente, o tipo de dores que a
Autora teve de suportar, os seus vários picos (que a obrigaram a deslocar às
instituições de saúde), o tempo que duraram (cerca de dois meses), a zona
afectada, e o grau técnico que atingiram (3), € 5.000 é um valor que não temos
como excessivo ou insensato, para compensar o seu sofrimento: os valores
atribuídos que vêm sendo sancionados pelos Tribunais superiores, quando
reportados apenas ao quantum doloris, com este grau[20], não
andam muito longe desta ordem de valores, pelo que temos como irrepreensível e totalmente
adequado o montante fixado, assim improcedendo a pretensão da Ré-Recorrente.
***
Resta,
por fim, a verificação da correcção do valor fixado pelo Tribunal a quo para compensar a violação da
integridade física e psíquica da Autora, com repercussão significativa na sua
vida pessoal e familiar (€ 10.000).
Neste
montante, a decisão inclui o sofrimento suportado pela Autora, no decurso do tempo
em que permaneceu com diversos incómodos inerentes aos tratamentos médicos a
que foi sujeita, o facto de ter ficado dependente de terceiros para a execução de
necessidades e tarefas básicas, e ao facto de a culpa no acidente ser da
inteira responsabilidade da segurada da ré.
Ora,
uma vez que o valor do quantum doloris foi autonomizado em termos de
indemnização (e, portanto, não pode aqui voltar a ser incluído), o valor que
importa ressarcir à Autora, só pode respeitar aos incómodos, às angústias, às
ansiedades, amarguras e incapacidade sofrida nos períodos indicados (e mesmo ao
receio com que ficou de entrar em automóveis)[21], bem
como ao seu sofrimento decorrente dos incómodos inerentes aos tratamentos
médicos de que foi alvo e da sua dependência de terceiros para a execução das
suas necessidades e tarefas básicas (que originam uma natural e angustiante sensação
de impotência e inutilidade), tudo no contexto de um acidente cuja total responsabilidade
coube à segurada da Ré.
Ora,
reduzidos a isto, estando os danos concentrados num período curto (cerca de
dois meses), praticamente não deixando reflexos para o futuro (um défice
funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2, numa escala de cem),
o montante fixado tem-se como claramente excessivo e inflaccionado (e, como
tal, afastado dos valores normalmente atribuídos pela Justiça portuguesa), pelo
que, a este título, a indemnização se considera reduzida a € 5.000 (cinco mil
euros), assim se dando parcial razão à Ré-Recorrente.
****
Em
resumo, no âmbito destes autos e relativamente à Sentença sob recurso, a
Autora:
-
deixará de receber os € 1.000 atribuídos a título de danos patrimoniais;
-
continuará a receber € 2.500 (internamentos) e € 5.000 (quantum doloris);
- passará a receber € 5.000 (pelos
restantes danos não patrimoniais).
Globalmente,
a Ré será condenada a pagar à Autora o montante de € 12.500.
**
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em:
A
– julgar improcedente a apelação da
Autora e, em consequência, confirmar a Sentença recorrida quanto
a esta matéria, ficando as custas do recurso a seu cargo (sem prejuízo do apoio
judiciário de que beneficie);
B
– julgar parcialmente procedente a
apelação da Ré e, em consequência, revogar parcialmente a Sentença
recorrida:
I
– eliminando a condenação da Ré no pagamento de mil euros, a título de danos
patrimoniais;
II
– condenando a Ré no pagamento de doze mil e quinhentos euros, a título de
danos não patrimoniais, a que acrescem juros vencidos e vincendos à taxa de 4%,
calculados a partir da data da prolação da sentença, até efectivo pagamento;
III
– absolver a Ré do restante peticionado.
IV
– condenar Autora-Recorrida e Ré-Recorrente no pagamento das custas na
proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário
concedido.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa, 11 de Janeiro de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1]
RL 04/12/2014
(Processo n.º 4213/13.7TBFUN.L1-2-Jorge
Leitão Leal), disponível em www.dgsi.pt.
[2]
Aliás, desde
2019, que os actos relativos a veículos a motor e respetivos reboques podem ser
efectuados e os respectivos meios de prova obtidos em qualquer conservatória
com competência para a prática de actos relativos a veículos, independentemente
da sua localização geográfica (artigo 2.ºA do DL n.º 54/75, aditado pelo
Decreto Lei n.º 111/2019, de 16 de Agosto).
[3]
Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra
Editora, 1989, página 377.
[4]
Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista
Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, página 20.
[5]
Acórdão do STJ
de 16/04/1991 (Cura Mariano, publicado no Boletim do
Ministério da Justiça n.º 406, página 618).
[6]
RL 18/09/2014
(Processo n.º 3765/03.4PCAD .L1-2-Ezaguy
Martins, disponível em www.dgsi.pt)
“Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha
de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras de boa prudência, de
bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das
realidades da vida”.
[7]
Acórdão citado,
página 621.
[8]
Como se refere
no Acórdão do STJ de 20/05/2021 (Processo n.º 826/18.9T8CTB.C1.S1-Ilídio Sacarrão Martins, disponível em www.dgsi.pt), o montante dos danos não
patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as
circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil),
designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para
evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de
indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Importa,
essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para
responder actualísticamente ao comando do artigo 496º, do Código Civil e
constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar
um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar” (sublinhado
e carregado nossos).
[9]
STJ 08/03/2007
(Processo n.º 06B3988-Pereira da Silva,
disponível em www.dgsi.pt).
Sendo
certo ainda que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de RE
15/04/2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1-Paulo
Amaral, disponível em www.dgsi.pt) –
confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2021 (Processo
n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina Serra, disponível no mesmo site), as “orientações jurisprudenciais
sobre determinadas matérias não impedem que outros tribunais (ou até o mesmo
tribunal) tomem decisão diferente em casos análogos (cfr. Oliveira Ascensão, O
Direito Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed, Almedina, Coimbra, 1997, pp.
311-313) nem impede que um juiz, nem que seja só um, também tome uma decisão
discordante da orientação jurisprudencial dominante, sob pena de a sua
independência decisória ser gravemente coartada (veja-se o exemplo descrito por
Castro Mendes em «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição Independência dos
juízes», in Estudos Sobre a Constituição, vol. III, Liv. Petrony, Lisboa, 1979,
p. 658).
[10]
RC 27/09/2016
(Processo n.º 2206/11.8TBPBL.C1-Moreira
do Carmo, disponível em www.dgsi.pt).
[11]
De assinalar
que, em defesa da sua posição, a Ré-Recorrente faz referência a este Acórdão,
mas fá-lo de forma incompleta, pois nele são atribuídas duas indemnizações e
apenas uma é por si assinalada…
Assim,
o que ali se atribui é:
-
uma indemnização de € 30.000: Autora com sequelas compatíveis com o exercício
da actividade habitual, que implicam esforços suplementares; incapacidade geral
permanente de 7 pontos; mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com
perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente;
-
uma indemnização de € 20.000 - curada em cerca de 400 dias (35 dias o período
de défice funcional temporário total); que a mesma sofreu um quantum doloris
grau 4 (em 7); dano estético grau 2 (em 7); défice funcional permanente da
integridade físico-psíquica fixável de 7 (em 100); repercussão permanente nas
actividades de lazer grau 4 (7).
[12]
Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/internamento
[consultado em 05-01-2022].
[13]
João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, página 97.
[14]
João Lobo Antunes, Aluno-médico-doente, in Um Modo de Ser, cit., página 107.
[15]
João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser…, cit. página 102.
[16]
J. Coelho dos Santos, A reparação civil do dano corporal:
reflexão jurídica sobre a perícia médico legal e o dano dor, Revista Portuguesa
do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, n.º 4, APADAC, IML-Coimbra, página 77.
[17]
J. Coelho dos Santos, ob. loc. cit..
[18] J. Coelho dos Santos, ob. cit., página 78;
cfr., ainda, Mamede de
Albuquerque-Taborda Seiça-Paula Briosa, Dor e dano osteoarticular, Revista
Portuguesa do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, n.º 5, APADAC, IML-Coimbra,
páginas 73-86.
[19]
Vd. com
interesse, Eugénio Laborda Calvo,
Quantum Doloris, in Aspectos práticos
da avaliação do dano corporal em Direito Civil (Coordenação de Duarte Nuno Vieira e José Alvarez Quintero), Caixa
Seguros/Imprensa da Universidade de Coimbra, Julho de 2008, páginas 97-104; Fernando Oliveira Sá, Clínica
Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, APADAC/
IML-Coimbra, 1992, páginas 125 a 136.
[20] Com o mesmo grau (3
em 7) e apenas reportado ao quantum doloris, o Acórdão da Relação de Coimbra
de 08/11/2016 (Processo n.º 319/12.8TBMGL.C1-Arlindo Oliveira-
disponível em www.dgsi.pt), atribuiu a uma
mulher de 75 anos uma indemnização de € 7.500, enquadrados como danos não
patrimoniais.
[21]
Sendo que
incómodos, angústias e sofrimentos inerentes aos dias de internamento e
deslocação às instituições de saúde também foram autonomizados em termos
indemnizatórios (€ 2.500).
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