Processo n.º 1389/18.0T8TVD.L1
Tribunal
a quo
Tribunal
Judicial da Comarca de Lisboa Norte-Juízo Local Cível de Torres Vedras - Juiz 1
Recorrente
L…,
SA. (Autora)
Recorrida
S…, SA. (Ré)
I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam um decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II – A matéria factual constante de uma Sentença deve estar expurgada de referências aos meios de prova.
III - A simples circunstância de estar provado no processo a existência de um incêndio num veículo, não autoriza a conclusão de que tal veículo não apresentava qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor possa razoavelmente esperar: um incêndio é a consequência de um processo causal que o precede e não um “defeito”, uma “falta de qualidade” ou um “deficiente funcionamento” (até porque pode ocorrer sem estes).
IV - O conceito de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas, mas mesmo que se admitisse a sua inclusão nesse manto protector, sempre teria de estar provado que ao bem adquirido em causa não era dado um uso profissional.
V - A quem intenta a acção cabe o ónus de provar que o incêndio ocorrido estava relacionado e tinha tido origem num qualquer defeito do veículo em causa.
Relatório
L…, SA., intentou a presente acção
declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra S…, SA.
pedindo a condenação da
Ré no pagamento de € 22.385,28, acrescidos de juros de mora vencidos, bem como
de juros vincendos até integral e efectivo pagamento.
A Autora funda a sua pretensão na circunstância de, no exercício da sua actividade seguradora ter segurado a responsabilidade civil obrigatória do veículo ..-..-.. (….), o qual tinha como credor hipotecário a L… -…, S.A, a qual o vendeu à P…, S.A. com quem a Autora celebrou o referido contrato de seguro (que incluía a cobertura facultativa/condição especial 004 referente a danos decorrentes de incêndio, raio ou explosão).
Mais acrescenta que a 28 de Setembro de 2015 o referido veículo ardeu na auto-estrada entre Caldas da Rainha e Bombarral, ficando completamente destruído, sendo que a Ré declinou toda e qualquer responsabilidade quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem não se verificou qualquer componente defeituoso.
A
Autora peritou também o veículo, detectando uma série de componentes
defeituosos no motor do veículo (moto-ventilador em curto-circuito; casquilho
da turbina do compressor fundido ao veio; capas superiores do 2 e 4 cilindros,
com sinais de escamação; camisa do 1º cilindro estalada ausência de
lubrificação; lamas negras localizadas no cárter e subcarter misturadas com água),
que a levam a não ter dúvidas de que o incêndio teve origem numa avaria
mecânica proveniente de falha do motor.
A
título de indemnização pela perda total do veículo de matrícula ..-..-.. e pela
regularização do sinistro, a Autora liquidou ao segurado o montante global de €
22.385,28, sendo que a Ré recusou assumir o pagamento desse valor, entendendo
não ser por ele responsável.
Citada
a Ré, veio esta apresentar Contestação:
-
impugnando a factualidade alegada;
-
pedindo que seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da
Autora, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo
278.º do C.P. C., sendo a Ré absolvida da instância;
-
caso assim não se entenda, seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade
da Ré, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo
278.º d C. P C., sendo a Ré absolvida da instância;
-
caso assim não se entenda, seja julgada totalmente improcedente a presente
acção, por não provada, sendo a Ré absolvida da instância.
A
Autora veio responder as excepções arguidas pela Ré, pugnando pela sua
improcedência.
Realizou-se
Audiência Prévia onde se saneou
a acção, se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade de Autora e
Ré, se identificou o litígio, se fixaram os factos assentes, se identificaram
os temas de prova e, se admitiram os meios de prova requeridos pelas partes.
Realizado
o Julgamento foi proferida Sentença
na qual se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência,
se absolveu a Ré do pedido deduzido pela Autora.
É desta
decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual pediu a
rectificação do que considerou serem três lapsos materiais (Facto 22.º, Facto
20.º, Facto 13.º)
O Tribunal a quo considerou apenas a existência de
dois desses lapsos materiais (quanto aos Factos 22.º e 13.º), assim os
rectificando na Sentença.
A
Autora apresentou as suas Alegações,
onde lavrou as seguintes Conclusões:
1ª
Entendeu o douto tribunal a quo em julgar o pedido de indemnização civil
deduzido pela A. como não provado, na medida em que não foi feita prova (…) “de
que o veículo segurado padecia de defeito de fabrico e, que foi este que a
causa do incêndio verificado, terá de improceder a sua pretensão, pelo que, sem
mais considerações por despiciendas, a presente acção terá de improceder “in
totum”.”
2.
Ora, não pode a Recorrente concordar, uma vez que entende que houve, por parte do
douto tribunal a quo, uma incorreta apreciação da matéria de facto e interpretação
do Direito, razão pela qual vem colocar à sindicância de V. Exas. O presente
RECURSO.
3.
Houve também uma incorreta apreciação da matéria de facto, impugnando-se a matéria
de facto dada como PROVADA nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 20.º e como NÃO PROVADA
nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, pois que se encontram em contradição com o depoimento
da testemunha A…. M…, condutor do veículo seguro à data do evento.
4.
A referida testemunha conduzia normalmente o veículo na A8, sem que este
tivesse alertado para qualquer avaria, quando, foi alertado por outro condutor
que algo se passava com o seu veículo.
5.
Na sequência, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de instrumentos,
o qual não acusava qualquer anomalia, olhou para trás e não viu nada, apenas
algum nevoeiro.
6.
De seguida, sentiu perda de direção e surgiu no painel de instrumentos do
veículo, a mensagem “falha na direção” e “falha de motor”.
7.
E de seguida observou fumo e labareda provenientes do capô do veículo.
8.
De imediato encostou o veículo à berma e já com dificuldade em virtude da perda
de direção e falha no motor, pegou no seu computador, saiu e ligou para o 112.
9.
E em menos de 10 minutos o incêndio já tinha terminado e o veículo já tinha
sido completamente consumido.
10.
Atendendo ao depoimento do condutor do veículo seguro acima transcrito requer-se
a V. Exas. a correção dos FACTOS PROVADOS nos artigos 6.º, 7.º e 8.º e
integração do art. 2.º dos FACTOS NÃO PROVADOS nos FACTOS PROVADOS, passando a
constar dos FACTOS PROVADOS o seguinte:
7. Após ter disso alertado por outro condutor
que circulava na A8, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de
instrumentos, o qual não indicava qualquer anomalia, não detetou algum indício
de fumo, apenas algum nevoeiro.
8. Momentos depois sentiu perda de direção e
surgiu no painel de instrumentos do veículo os símbolos e mensagem de alerta
“falha na direção” e “falha de motor”.
9.Logo de seguida viu fumo e labareda
proveniente da frente do veículo (capô).
De imediato encostou o veículo à berma, saiu do carro e retirou o seu
computador.
10. Em menos de 10 minutos, o veículo ficou
completamente destruído pelo incêndio.
11. Desde o início do trajeto até ao local do
sinistro, o veículo referido em 1) dos
factos provados não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do
veículo detectou algum indício de fumo.
11.
O facto provado no art. 13.º padece de lapso de escrita quanto ao ano, devendo
ser corrigido, passando a constar 2016, já que aquela data é anterior ao
acidente, o que se requer.
12.
O facto provado no art. 20.º padece de lapso de escrita quanto ao ano e
encontra-se em contradição com os factos provados nos artigos 21.º, 22.º e 23.º
dos FACTOS PROVADOS, devendo ser eliminado, o que se requer.
13.
Pois, resultou da prova produzida em julgamento, que a Recorrente apenas
realizou a peritagem ao veículo após peritagem realizada pela Recorrida, sob
pena de o referido veículo perder a garantia.
14.
A Recorrida realizou peritagem ao veículo seguro no dia 17 de Fevereiro de
2016.
15.
A Recorrida apenas veio se pronunciar sobre o resultado da peritagem que
realizou em 18 de Março de 2016.
16.
Posteriormente, foi dada à Recorrente a autorização para a desmontagem do
veículo pelo proprietário, tendo este sido iniciado em 21 de Março de 2016, cf.
Doc. 16.º a) junto com a PI.
17.
Acresce que a Recorrida não invoca que o veículo não se encontra abrangido pela
garantia em virtude, mas tão-só que o evento não está coberto pela mesma na medida
em que não se verificou qualquer componente defeituoso, cf. Doc nº 15 a) e ss
não impugnados e juntos com a PI.
18.
Face ao exposto, deverá o art. 20º ser eliminado, mantendo-se o art. 22.º, o
que se requer.
19.
Na perícia efetuada pela Recorrente, foram detetadas diversas anomalias, que a
Recorrente não detetou na sua “peritagem”.
20.
Foram detetadas as seguintes anomalias
1.
motoventilador em curto-circuito,
2.
casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas,
3.
meias capas superiores do 3 e 4 cilindros denotavam escamação,
4. a camisa do 1.º cilindro
encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo encontrava- -se com o segmento de
óleo colado.
5.
No subcárter verificou-se resquícios de lamas.
21.
O veículo seguro foi adquirido pelo Tomador através de renting, pelo que efetuava todas as revisões e manutenções na
marca, isto é, em concessionários autorizados ----, mormente a STA e AJ, que
fizeram as revisões da viatura e pela quilometragem o condutor cumpriu os
prazos definidos pelo fabricante, cf. Documento 17 junto com a Petição Inicial.
22.
Foi também apurado que o veículo tinha um problema de consumo de óleo em excesso,
que nunca foi diagnosticado pelas oficinas da ----, que propositadamente negligenciaram.
23.
Não é normal um veículo novo necessitar de atestos de óleo fora das manutenções
preventivas/programadas.
24.
Não é normal um veículo novo, necessitar de óleo de 8000 km em 8000km, cf. Documento
n.º 17 junto com a Petição Inicial. Conforme resulta do facto provado no art.
31.º, “Os senhores peritos concluíram que “Dos danos analisados somos da
opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o incêndio terá tido origem num
de dois cenários a) Curtocircuito no motor do ventilador, sendo que neste
cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. 2)
Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso
quer por via de falha em injector. Uma vez que o veículo foi levantado
anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos é assim possível
concluir perentoriamente relativamente à origem do incêndio pelo que somos da
opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador da marca com vista
ao esclarecimento cabal da ocorrência”.
25.
Do exposto resulta, efetivamente que o veículo não se encontrava em
conformidade, tanto que se incendiou quando estava em movimento.
26.
E andou mal o tribunal a quo ao afirmar que a Recorrente não cumpriu com o ónus
da prova quanto à origem do incêndio, tendo-se limitado a hipotéticos cenários plasmados
no relatório de peritagem de incêndio, o qual não se encontra concluído na
medida em que o veículo foi vendido antes da conclusão do mesmo e sustenta esta
posição no Ac. do STJ de 2014, proc. 783/11.2TBMGR.C1.S1 “O incêndio não é, seguramente,
um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a
consequência de um processo causal anterior.”
27.
Todavia, no caso do acórdão citado, as circunstâncias do incêndio são completamente
distintas.
28.
Acresce que, conforme douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito
do processo 391/09.8YXLSB.L1-1 de 12/04/2011, o ónus da prova está a cargo da
Recorrida e não da Recorrente.
29.
Tendo andado mal o Tribunal a quo a operar a inversão do ónus da prova.
30.
A Recorrente procedeu como lhe competia, alegar e provou a existência de um defeito,
no caso as anomalias detetadas no relatório de peritagem (Cf. Factos provados
n.º 28) e a existência do incêndio que se encontra aceite pela Recorrida.
31.
A Recorrente não tem o ónus de demonstrar a origem do incêndio, cabendo à Recorrida
alegar e provar, o que não conseguiu, que o defeito que se manifestou teve
causa alheia ao normal funcionamento do bem.
32.
Em razão do supra exposto, houve por parte do douto Tribunal a quo uma
incorreta interpretação e aplicação do disposto no art.º 27º nº 1 al. h) do
Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto, art.º 593 do Código Civil, art.º 136 da Lei
do Contrato de Seguro e art. 2.º e 3.º do DL 67/2003, de 8 de Abril.
33.
Tendo ficado provado que o veículo se incendiou devido a avaria no motor e
direção, provocando a sua destruição, deve a Recorrida repor o comprador na
situação em que este se encontraria se não tivesse tido lugar a venda da coisa
defeituosa.
34.
Não fosse o defeito, o incêndio não ocorreria e, por conseguinte, não teriam
ocorrido os danos no veículo seguro.
35.
Tendo ficado provado (arts. 32, 33, 34 e 35 dos factos provados) que por via do
contrato de seguro a ora Recorrente indemnizou o proprietário do veículo seguro
e teve despesas no valor de no montante de 22.385,28 €, ao abrigo do disposto
nos artigos 27º nº1 al. h) do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade
Civil Automóvel, art.º 136 da Lei do Contrato de Seguro, art.º 593 do Código
Civil, nos termos das Condições Gerais, artigos 2.º, 3.º, 4.º, do DL 67/2003, de
8 de abril, o qual regula a Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas,
do art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, Lei de defesa do consumidor, deveria
o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrida a pagar à ora Recorrente o
valor de 22.385,28 €.
Deve
assim a decisão proferida pelo douto tribunal a quo ser revogada e substituída
por outra que condene a Recorrida a pagar à ora Recorrente o valor de 22.385,28
€.
A
Recorrida-Autora apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu
que:
1. A convicção do Tribunal para proferir a
decisão aqui recorrida baseia-se, e bem, como resulta da motivação, na
consideração do teor da prova documental junta, bem como da prova testemunhal
produzida, conforme se analisará adiante, pelo que a Recorrida não pode senão
discordar da posição adotada pela Recorrente, nomeadamente no que se reporta à
matéria de facto dada como provada nos artigos 6º, 7º e 8º e como não provada
nos artigos 3º e 4º da sentença proferida.
2.
Não obstante a impugnação e tentativa de alteração dos factos dados como provados
por parte da Recorrente, a verdade é que os mesmos refletem cabalmente o
depoimento prestado pela testemunha António Asseiceiro da Silva Maltez, bem
como do doc. 4 junto com a Petição Inicial (Auto de Notícia levantado pela
GNR).
3.
A testemunha atesta que no dia 28 de setembro de 2015, pelas 08h45 horas, circulava
na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras, aparentemente
sem que nada de estranho se passasse, quando foi alertado por outro condutor que
algo se passava o com o seu veículo, apontando para a retaguarda do mesmo.
4.
Quando a testemunha olhou para o retrovisor viu uma espécie de nevoeiro, olhou novamente
para a frente, não aparecia nenhum aviso no painel, mas instantes depois viu
fumo, tendo abrandado de imediato. No momento em que estava a encostar,
apareceu no painel do veículo o símbolo do motor e perda de direção assistida
e, logo de seguida falha de motor.
5.
Portanto, conforme se pode verificar, existe uma correspondência evidente entre
o depoimento supra transcrito e os factos dados como provados nos artigos 5º,
6º e 7º da sentença do doutro Tribunal a quo.
6.
Já no que respeita ao artigo 2º dos factos não provados, a Recorrida concorda
com a sua integração nos factos dados como provados, já que o mesmo está em
linha com a prova aqui reproduzida.
7.
Mais, a Recorrida não se opõe ao pedido de eliminação do artigo 20º dos factos provados
formulado pela Recorrente, uma vez que não se terá produzido prova no sentido
da existência de um relatório levado a cabo pela Recorrente em janeiro de 2016,
e aceita o pedido de correção do lapso de escrita constante do artigo 22º dos
factos provados, substituindo-se a data “fevereiro de 2015” por “fevereiro de 2016”,
assim como a correção do lapso de escrita previsto no art. 13.º dos factos provados,
no qual deverá ler-se “setembro de 2015” e não “setembro de 2016”.
8.
Já no que se reporta à questão da garantia invocada pela Recorrente, a mesma não
se compreende, por se tratar de um facto dado como provado no artigo 15º dos
factos provados que à data do incidente a viatura ainda se encontrava dentro do
prazo de garantia (o que não significa, tal como refere a Recorrente, que o incidente
em análise estivesse coberto por tal garantia).
9.
Prossegue a Recorrente, impugnando a matéria de facto dada como não provada nos
artigos 3º e 4º da sentença, na medida em que o Tribunal a quo considerou que
não resultou provado no julgamento de primeira instância que o incêndio tenha
tido origem numa avaria mecânica proveniente de uma falha de motor do veículo,
nem que o incêndio tenha tido origem no cofre do motor, em consequência de
curto-circuito provocado por componentes defeituosos, conforme havia sido alegado
pela Recorrente.
10.
Considera a Recorrida que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova documental
e testemunhal produzida nos autos ao considerar os pontos 3º e 4º como matéria
de facto não provada.
11.
Desde logo porque da perícia efetuada pela Dekra, a mando da Recorrida, levada a
cabo no dia 17 de fevereiro de 2016, ficou concluído que o incêndio terá tido início
na parte frontal do veículo e ter-se-á alastrado para a parte traseira, sendo que
o motor não apresentava sinais de anomalia interna, apenas danos decorrentes da
exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio do veículo.
12.
Mais conclui o relatório (junto como doc. 3 com a Contestação da Recorrida) no sentido
de que o estado avançado de degradação do veículo não permitia determinar a
origem nem a causa do incêndio.
13.
Não conformada com este desfecho, a Recorrente terá diligenciado pela
elaboração de um segundo Relatório Técnico junto da entidade SGS.
14.
No seguimento do Relatório Técnico elaborado pela SGS (junto como doc. 18 anexo
à PI) procedeu a Recorrente ao envio de uma missiva à Recorrida, datada de 21
de abril de 2017 (junta aos autos como doc. 23 a) da PI), no âmbito da qual imputava
a esta última a responsabilidade na produção do acidente.
15.
Esta convicção fundava-se no apuramento pela SGS dos seguintes componentes alegadamente
defeituosos no veículo:
“-
Moto-ventilador em curto-circuito (elevado potencial de incêndio);
- Casquilho da
turbina do compressor estava fundido (gripado) ao respetivo veio (ausência de lubrificação);
- Capas superiores
dos 3 e 4 cilindros, com sinais de “escamação” (algo estava mal com a lubrificação desta
viatura, claramente, existia contaminação do fluido lubrificante);
-
Camisa do primeiro cilindro estalada (um incêndio não “estala” camisas);
- Segmento do êmbolo
do primeiro cilindro colado (produz consumo de óleo e combustão incorreta na câmara);
-
Lamas negras localizadas no cárter e subcárter misturados com água.”
16.
Depois de analisar o Relatório Técnico elaborado pela SGS, a Recorrida
verificou que as ilações retiradas pela mesma não poderiam ser tidas como
corretas e causadoras do incêndio, uma vez que nada mais eram do que
consequências do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada da viatura,
por um período prolongado.
17.
Naturalmente que o incêndio de uma viatura causa numerosos danos e fenómenos nos
seus componentes, nomeadamente o curto-circuito do moto-ventilador e a fusão do
casquilho da turbina do compressor ao respetivo veio.
18.
No que se reporta aos restantes fenómenos/desconformidades identificados no Relatório
da SGS, todos parecem estar relacionados com a má lubrificação das peças /
falta de óleo, o que revela, à partida, indícios de uma manutenção descuidada
da viatura no que toca às mudanças e reposição de óleo necessárias ao bom
funcionamento da mesma.
19.
Com efeito, no próprio Relatório Técnico elaborado pela SGS é feita referência
aos registos de manutenção periódica da viatura, sendo relevado que a mesma manifestava
um padrão de consumo de óleo de cerca de um litro a cada 10.000 quilómetros
percorridos, aproximadamente.
20.
Ora, entre as manutenções de 10 de novembro de 2014 e 21 de maio de 2015, a viatura
terá percorrido 23.187 quilómetros sem qualquer registo de atesto de óleo, e
entre 21 de maio de 2015 e a data da ocorrência do sinistro, em 28 de setembro de
2015, o veículo terá percorrido cerca de 14.000 quilómetros, novamente sem que
tenha havido atesto do óleo.
21.
Apesar de o Relatório concluir que terão ocorrido atestos de óleo no motor efetuados
fora da rede de reparadores autorizados da ----, tal deve-se às lamas encontradas
no motor que, tal como refere a testemunha A…. V…., perito da SGS, são um
sintoma de mistura de óleos, que não se misturam (minutos 00:25:56 a 00:26:49).
22.Portanto,
das manutenções alegadamente efetuadas, apenas a manutenção de 21 de maio de
2015 foi efetuada num membro da rede da Recorrida, a Auto Industrial, S.A.,
conforme informação constante da sua base de dados (doc. 4 junto com a Contestação),
motivo pelo qual a Recorrida impugnou, desde logo, por desconhecimento, a veracidade
da lista de manutenções apresentada como documento 17 da Petição Inicial e
alegadas intervenções resultantes dessas manutenções, não tendo a Recorrente
sido capaz de demonstrar a sua veracidade.
23.Já
no que se refere à questão da pertinência da desmontagem de peças para o rigor
das perícias levadas a cabo, foram os depoimentos prestados pelas testemunhas A…
C… e M… B… particularmente esclarecedoras, na medida em que afirmam que o
incêndio terá ocorrido fora do motor, no seu habitáculo, e não no seu interior,
já que este não apresentava indícios de ser a origem do incêndio, nem de mau
funcionamento prévio (conforme depoimento de A… C…. minutos 00:16:15 a 00:17:30
e depoimento de M… B… minutos 00:11:09 a 00:11:34)
24.
Também a testemunha A… V… refere expressamente que o incêndio não terá começado
no motor, mas sim no seu habitáculo (minutos 00:03:54 a 00:04:33), o que
corrobora os entendimentos expressos nos depoimentos anteriormente referidos.
25.
O Relatório da SGS prossegue, então, para a conclusão de que “o incêndio terá tido
origem num de dois cenários:
• Curto-circuito no motor do ventilador,
sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação
de fusíveis.
• Motor ter entrado em autoalimentação, quer
por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injetor.”
26.
No que se reporta ao primeiro cenário, o mesmo não se afigura possível, na
ótica da Recorrida, pelos motivos já expostos supra, bem como pelo facto de o
cabo do motor do ventilador estar protegido por um fusível que funde logo que o
cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente, o
que torna mais provável que o curto-circuito seja uma consequência do incêndio
do que a sua causa.
27.
De qualquer modo, tampouco é concretizado pela SGS no seu relatório, nem no depoimento
prestado pelo perito A… V… que tal curto-circuito tenha ocorrido devido a um
defeito da viatura, mas antes devido a manipulação de fusíveis, algo a que a
Recorrida é totalmente alheia, não sendo um procedimento por si preconizado.
28.
No que se reporta ao segundo cenário, em que o motor terá entrado em autoalimentação,
o mesmo tampouco se afigura provável na opinião da Recorrida, pelos motivos que
se apresentarão em seguida, visto que a autoalimentação do motor se verifica
quando o motor começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não
obstante o veículo ser, entretanto, desligado.
29.
Este fenómeno, quando ocorre, provoca uma aceleração desmesurada no veículo, situação
essa que é bastante evidente, verificando-se um aumento exponencial das
rotações do veículo, um ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo de
escape, situação esta que não foi mencionada pelo condutor, nem no auto levantado
pela GNR aquando do incidente, nem durante o seu testemunho na fase de
julgamento dos presentes autos.
30.
Não obstante, qualquer que seja a causa de uma eventual autoalimentação do motor,
excesso de óleo ou falta do mesmo, este fenómeno nunca pode dar origem a um
incêndio. Nesse sentido conclui também a testemunha A… C… (minuto 00:11:37).
31.
Acresce que o próprio Relatório apresentado pela SGS é inconclusivo, na medida em
que no mesmo se afirma que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter
sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências,
não sendo assim possível concluir perentoriamente relativamente à origem do
incêndio.
32.
Esta posição é confirmada pelo depoimento das testemunhas A… C… (minuto
00:06:31) e A… V… (minutos 00:30:17 a 00:30:53).
33.
Uma coisa em que todas as testemunhas suprarreferidas concordaram foi que quanto
à possibilidade de o incêndio poder ter sido despoletado por fatores externos,
nomeadamente, um objeto ter ficado preso ao catalisador do filtro de partículas
no momento que este está a fazer a regeneração, atingindo temperaturas de
centenas de graus centígrados (neste sentido o depoimento de A… C… minutos
00:07:31 a 00:08:43, o depoimento de A… V... minutos 00:27:21 a 00:27:49, o
depoimento de M… B… minutos 00:12:18 a 00:12:24).
34.
Resulta, assim, dos depoimentos transcritos - depoimentos das testemunhas A…, A…
V… e M… B…, que:
•
O incêndio não começou dentro do motor;
• O motor não apresentava indícios
de mau funcionamento ou defeito de fabrico
prévio ao incêndio;
•
O incêndio pode ter sido despoletado por fatores externos,
nomeadamente, quando
relacionados com o período em que a viatura
efetua a regeneração do filtro de partículas:
• A viatura apresentava indícios de uma
manutenção descuidada e de utilização de
óleo não preconizado pela marca;
• A frequência da necessidade de atesto de
óleo varia consoante o tipo de condução
a que a viatura está sujeita.
35.
Como tal, constata-se que, efetivamente, da prova documental e testemunhal produzida
não resultou provado que:
• O incêndio tenha tido origem numa avaria
mecânica proveniente da falha do motor
do veículo.
• O incêndio tenha tido origem no cofre do
motor, em consequência de curto-circuito
provocado por componentes defeituosos.
36.
Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar estes dois factos como não
provados.
37.
Conforme descrito na apreciação do direito feita na sentença proferida, o que
está em causa nos presentes autos é a responsabilidade civil contratual da
Recorrente, seguradora, perante o seu segurado, face à obrigação por si
assumida de indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no
veículo, em contraposição à questão da responsabilidade por venda de coisa
defeituosa.
38.
Não obstante ter o Tribunal a quo considerado que a Recorrente estaria
sub-rogada nos direitos que ao tomador do seguro assistiriam, por via do
Decreto-Lei n.º 72/2008, de 06 de abril, diferente é a resposta à questão se a
Recorrida estaria obrigada a esse pagamento.
39.
Dispõe o artigo 913.º do C. Civil que “Se a coisa sofrer de vício que a
desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as
qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele
fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção
precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos
seguintes”.
40.
Por seu turno, estabelece o artigo 921.º n.º 1 do mesmo diploma legal que “Se o
vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir
o bom funcionamento da coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando
a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente
de culpa sua ou de erro do comprador”.
41.
Ora, a Recorrente alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria
mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado, mais concretamente
no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes
defeituosos.
42.
Porém, a mesma não logrou efetuar a prova dessa factualidade e, era sobre a mesma
que impedia esse ónus – cfr. artigo 342.º n.º 1 do C. Civil – uma vez que fora
do prazo de garantia legal durante o qual opera a inversão do ónus da prova, é
a quem alega o defeito que compete fazer a respetiva prova do facto gerador da obrigação
de indemnizar.
43.
Contrariamente ao que invoca a Recorrente nas suas alegações, não caberia à Recorrida
provar que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento
do bem. Em primeiro lugar porque não se manifestou qualquer defeito, ocorreu um
sinistro, neste caso um incêndio.
44.
Os sinistros, bem como os incêndios, não têm necessariamente origem num defeito
e era precisamente esta a prova que assistiria à Recorrente: provar que este
sinistro, este incêndio, teve origem num defeito de fabrico da viatura.
45.
Se coubesse à Recorrida provar a inexistência de um defeito, ou por outra, que
o sinistro se deveu a uma causa alheia ao funcionamento do veículo,
significaria que estava a operar uma inversão do ónus da prova, o que não se
verifica neste caso.
46.
Tal prova incumbiria, como tal, à Recorrente, sendo que a mesma não foi capaz de
comprovar aquilo que alegou, conforme se demonstrou pela análise da matéria de
facto feita na douta sentença, bem como nas presentes contra-alegações.
47.
Mais alega a Recorrente que “Importa ainda salientar o DL 67/2003, de 8 de
Abril, uma vez que o comprador é considerado consumidor à luz das disposições
legais”.
48.
Não se compreende de onde é que a Recorrente retira tal entendimento, já que referido
DL n.º 67/2003, de 08 de abril, define como consumidor aquele a quem sejam
fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados
a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma
actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do
artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
49.
Nesta definição não se encaixa, portanto, a proprietária da viatura, L…., uma empresa
que adquiriu a viatura no âmbito da sua atividade profissional, para a celebração
de um contrato de locação com a empresa P…. Pelo que deverá, simplesmente,
desconsiderar-se toda a argumentação incluída pela Recorrente com recurso às
previsões do DL n.º 67/2003, bem como da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, por não
se aplicarem ao negócio de compra e venda desta viatura.
Questões a Decidir
São
as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4
e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera
de atuação do tribunal ad quem (exercendo
uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Nas
suas Conclusões a Recorrente refere-se aos “artigos” 5.º, 6.º, 7.º e 20.º.
Todavia,
no decurso das alegações, nos considerandos iniciais, é sobre os artigos 6.º,
7.º e 8.º e 20.º que se pronuncia.
Considerando o papel das Conclusões
mas também o teor da verão sugerida para os Factos provados, é sobre os Factos
5., 6., 7., 8. e 20. que o Tribunal se pronunciará.
In
casu,
e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
-
verificar a matéria dada como provada nos Factos 5., 6., 7., 8. e 20. e da
eventual alteração para a redacção sugerida ;
-
verificar a matéria dada como não provada nos Factos Não Provados n.º 2, 3 e 4
e sua eventual inclusão nos Factos provados;
-
verificar a quem pertence o ónus da prova da presente acção e se o Direito se
mostra correctamente aplicado.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
Releva para a presente decisão a
seguinte factualidade:
1
- Os riscos de circulação do veículo
automóvel, ligeiro de passageiros, marca ----, com a matrícula ..-..-..
encontram-se transferidos para a Autora, nos termos da apólice n.º 8238672.
2. A Autora
exerce a indústria de seguros e resseguros em todo o território português e no
estrangeiro, nos ramos e modalidades em que estiver autorizada, podendo ainda
interessar-se, directa ou indirectamente, em quaisquer negócios ou operações
que se relacionem com a exploração da mesma indústria.
3.
O veículo referido em 1. tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que vendeu
o mesmo à P…-…, S.A, com quem a Autora celebrou o acordo
de seguro referido em 1..
4.
Da apólice referida em 1. consta como cobertura facultativa/condição especial
004 “Incêndio, raio ou explosão” com “capital seguro de 420,26 €”.
5. No dia 28 de
Setembro de 2015, pelas 08h45 horas, o condutor do veículo referido em 1. A…M…
circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras,
quando foi alertado por outro condutor que algo se passava com o seu veículo,
apontando para a rectaguarda do mesmo.
6. O condutor do
veículo seguro olhou para o retrovisor e viu fumo, tendo abrandado de imediato,
olhou para o painel e não verificou qualquer anomalia ou aviso, nem temperatura
alterada.
7. No momento em que
estava a arranjar sítio para parar, apareceu no painel do veículo referido em 1.,
o símbolo do motor e perda de direcção assistida e, logo de seguida, falha de motor.
8. Nessa altura, já o
veículo estava parado e de imediato surgiu fumo preto a sair do capô.
9.
Quando saiu do veículo, verificou que a zona do motor estava em chamas e saía fumo
debaixo do veículo referido em 1..
10.
Afastou-se e ligou para o Centro e Controlo das Autoestradas do Atlântico,
tendo acorrido ao incêndio os Bombeiros Voluntários do Bombarral e de Torres
Vedras que elaborou o relatório de ocorrência.
11.
Estiveram no local do incêndio a Autoestradas do Atlântico e a Brigada de Trânsito
de Torres Vedras.
12.
Em resultado do incêndio, o veículo referido em 1. ficou destruído, resultando
na sua perda total.
13. No dia referido
em 5. foi o incêndio participado à Autora que abriu o processo de sinistro n.º
31.00.00/40983/2015, com marcação e peritagem para o dia 30 de Setembro de 2015[2].
14.
No decurso do processo de sinistro referido em 13., verificou-se que o veículo referido
em 1., com data de matrícula Dezembro de 2013, não tinha dois anos à data
referida em 5..
15.
Tratando-se de um veículo que se encontrava ainda ao abrigo da garantia, a peritagem
levada a cabo pela Autora entendeu
útil que o fabricante ou concessionário do veículo referido em 1. realizasse um
parecer quanto às causas do incêndio no veículo seguro.
16.
A Autora contactou a Ré no dia 01 de Outubro de 2015, a fim de que a mesma
viesse esclarecer se o veículo referido em 1. se encontrava garantido, se
tencionavam emitir parecer acerca das causas do incêndio no motor do veículo.
17.
A Autora enviou missiva à P… e mail à dona do veículo L…, no sentido de tomar
conhecimento se foi accionada a garantia junto da Ré.
18.
Soube a Autora, através da dona do veículo, que estaria a accionar a garantia
junto da Ré, que esta abriu processo interno com o n.º 1064112814.
19.
Às interpelações da dona do veículo sobre as conclusões do processo, a Ré respondia
que o processo se encontrava em análise e solicitava mais elementos acerca do
sinistro, pretensão sempre atendida.
20. Face à morosidade
da Ré em concluir o processo e emitir parecer, a Autora em 2 de Janeiro de 2016
avançou com a realização de uma peritagem técnica de incêndios.
21.
No dia 14 de Janeiro de 2016, a Ré pronunciou-se acerca do evento, informando que
havia sido aprovada a inspecção ao veículo referido em 1., para além disso informou
que, apesar de ainda não haver uma data para a peritagem, o veículo referido em
1. não deveria ser peritado antes da averiguação da Ré, por outra entidade.
22. A Ré procedeu à
peritagem à viatura referida em 1. em 17 de Fevereiro de 2016, tendo sido elaborado
relatório de peritagem pela empresa Dekra[3].
23.
Após a peritagem da Ré, a Autora
providenciou por uma peritagem técnica de incêndio, requerendo a autorização do
dono do veículo para desmontagem de linha de escape, depósito de combustível e
cabeça do motor.
24.
A L…, antes de autorizar a peritagem referida em 23. contactou a Ré a fim de perceber
se a sua autorização poderia interferir no processo de conclusão do relatório
de peritagem da Ré, ao que esta veio indicar que o veículo não poderia ser objecto
de qualquer intervenção até à conclusão do processo.
25.
A Ré veio pronunciar-se em 18 de Março de 2016 declinando qualquer responsabilidade
quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem, não se
verificou qualquer componente defeituoso.
26.
Foi dada à Autora a
autorização para a desmontagem do veículo referido em 1. pelo dono.
27.
A responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…, S.A.,
que teve como última intervenção em oficina autorizada pela marca no dia 30.07.2015,
não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor.
28.
No seguimento de perícia técnica de incêndio efectuada ao veículo a
requerimento da Autora, foi
detectado:
-
motoventilador em curto-circuito;
-
casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas;
- meias capas superiores do 3 e 4 cilindros
denotavam escamação;
-
a camisa do 1.º cilindro encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo
encontrava-se com o segmento de óleo colado e
-
no subcárter verificava-se resquícios de lamas.
29.
O foco do incêndio e a maior concentração de calor localizaram-se na zona do compartimento
do motor, deslocando-se para a zona do habitáculo e parte traseira do veículo
referido em 1..
30.
Antes de ser concluída a peritagem requerida pela Autora, os peritos foram confrontados
com a informação de que o salvado havia sido vendido.
31.
Os peritos concluíram que “Dos
danos analisados somos da opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o
incêndio terá tido origem num de dois cenários a) Curto-circuito no motor do
ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido
manipulação de fusíveis. 2) Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via
de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injector. Uma vez que o
veículo foi levantado anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos
é assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio
pelo que somos da opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador
da marca com vista ao esclarecimento cabal da ocorrência”[4].
32.
A título de despesas com desmontagens para proceder a peritagem e averiguações,
a Autora liquidou o montante de € 561,65.
33.
A título de indemnização pela perda total do veículo referido em 1., a Autora liquidou
o montante de € 20.625,10.
34.
A título de indemnização pelos prejuízos provocados no pavimento da
autoestrada, a Autora liquidou o montante de € 1.060.
35.
Suportou a Autora o montante de € 700,18 referente ao aluguer de viatura que
foi colocado à disposição da sua segurada.
36.
A Autora tentou obter da Ré o pagamento das quantias referidas em 32. a 35.,
tendo-se a tentativa revelado infrutífera.
**
Como Não Provados o
Tribunal a quo considerou os
seguintes factos:
1. A desmontagem referida em 26.
iniciou-se em 21 de Março de 2016.
2. Desde o início do
trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. dos Factos Provados
não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou
algum indício de fumo.
3. O incêndio
referido em 9. teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor
do veículo referido em 1..
4. O incêndio
referido em 9. dos Factos Provados teve origem no cofre do motor, em
consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos.
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo
607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia
livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção
que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para
a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em
que esta não pode ser dispensada.
Quando uma
parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5],
nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1)
indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente
julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2)
especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo
ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º
2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos,
propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em
causa, como sublinha com pertinência Abrantes
Geraldes, o “princípio
da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da
matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente
inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária
proporcionalidade e razoabilidade[7],
sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do
objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos
pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios
de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado
pretendido)”[8].
Corrigidos
que foram já os lapsos de escrita que existiam nos Factos 13. e 22., e verificadas
as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente vejamos em que consiste a
divergência desta e se lhe assiste razão.
i
- Quanto aos Factos 5. a 8.
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou com base “no
depoimento da testemunha A…M…, que não conhece nem a A., nem a Ré, mas que era
o condutor do veículo melhor identificado nos autos, quando se verificou o
incêndio relatado nos autos, aliado aos documentos de fls. 14 verso e 17 verso
dos autos que apesar de impugnados, mereceram credibilidade face ao depoimento
desta testemunha, quanto aos factos provados nos n.ºs 5 a 12 e 14.
Na
verdade, esta testemunha relatou que nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como
provadas, conduzia o veículo em apreço que se veio a incendiar.
Esclareceu
cabalmente todos os momentos e circunstâncias que antecederam o despoletar do
incêndio no veículo que conduzia e, o que fez após esse mesmo incêndio, nos termos
consignados como provados.
Igualmente
confirmou as declarações por si prestadas, constantes do auto lavrado pelas autoridades
policiais junto aos autos.
Acresce,
ainda, que esta testemunha referiu expressamente que telefonou para o 112 e,
veio o pronto socorro, os bombeiros e a G. N. R..
Este
depoimento foi credível, porque esta limitou-se a relatar os factos que
presenciou e, em que foi directamente interveniente, sendo certo que não tinha
qualquer ligação a qualquer uma das partes”.
A
Recorrente entende que do depoimento do condutor do veículo seguro, resulta o
inverso do estabelecido na matéria de facto dada como PROVADA nos artigos 6.º,
7.º e 8.º.
Ouvido
o depoimento em causa, constata-se que a factualidade dada como apurada nos
Factos impugnados é, com rigor a que resulta do depoimento claro e imparcial do
condutor do veículo no momento do incidente.
O
que consta dos Factos 5. a 8. é – com exactidão – o que esta testemunha descreveu
em todos os seus passos, nada havendo a alterar, uma vez que o Tribunal
fundamentou bem e não se vislumbram razões válidas para alterar o que quer que
seja.
ii - Quanto
ao Facto Não Provado 2..
Neste
aspecto, o Tribunal a quo referiu
apenas que “Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal
sedimentou-se na circunstância de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”.
A
Recorrente entende que o facto deveria ser dado como provado.
A
Recorrida aceita que este facto possa transitar para os factos provados.
Neste
ponto, assiste razão à Recorrente.
De
facto, ouvido o depoimento da testemunha que conduzia o veículo, dela decorre
sem lugar a dúvida razoável que até ao momento em que foi avisado por outro
condutor, o referido veículo não deu quaisquer sinais de avaria, anomalia ou
fumo.
Assim
sendo, determina-se que seja eliminado o Facto 2.º dos Factos Não Provados, o
qual passará a constar do elenco de Factos Provados, como Facto 8A., com a
seguinte redacção:
“8A. Desde o início
do trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. não registou
qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou indício de fumo”.
iii - Quanto
ao Facto 20.
No
que a este ponto respeita, a Recorrente entende que contém um lapso de escrita,
que se encontra em contradição com os Factos 21., 22. e 23., motivo pelo qual
devia ser eliminado (e mantido o 22.)
O
Tribunal a quo, sobre a matéria, na Sentença afirmou
que para a prova deste Facto se baseou “no documento de fls. 30 verso dos autos, quanto
ao facto provado no n.º 20. Na realidade, apesar de impugnado, este documento
mereceu credibilidade, pela simples circunstância que no plano da lógica, faz
todo o sentido que a comunicação em apreço se tenha verificado naqueles
precisos termos”.
Quanto à
existência do lapso, entretanto, referiu que “não resulta qualquer erro material,
tanto mais que corresponde, em parte, ao alegado pela A. (cfr. art. 22.º, da
petição inicial), pelo que se indefere o requerido”.
Por
outro lado, a Recorrida veio dizer que “não se opõe ao pedido de eliminação do
artigo 20º dos factos provados formulado pela Recorrente, uma vez que não se
terá produzido prova no sentido da existência de um relatório levado a cabo
pela Recorrente em janeiro de 2016”.
Mas
o Tribunal a quo tem razão: o Facto
está bem fundamentado, não há contradição alguma, nem se diz que foi produzido
qualquer Relatório em Janeiro (avançar com uma peritagem, não é apresentar um
relatório), pelo que não há que eliminar o que quer que seja (nomeadamente
depois de ser corrigido o lapso na data constante no Facto 22.).
Por
aqui, portanto, nada há a alterar ao
Facto 20..
iv - Quanto
aos Factos Não Provados 3.º e 4.º.
Já
se disse que, quanto a eles, o Tribunal a
quo referiu “Quanto
aos factos não provados, a convicção do tribunal sedimentou-se na circunstância
de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”.
E
acrescentou: “Importa
referir, neste âmbito considerado, pese embora os elementos probatórios
apresentados, resulta que a causa do incêndio verificado no veículo não se
apurou, tudo se limitando a hipotéticos cenários apresentados no caso da
peritagem da A., a qual nem sequer pode ser validamente concluída, porque a
viatura em causa já tinha ido para abate”.
A
Recorrente entende que, a sua Peritagem conclui que pela existência de vários
componentes do veículo defeituosos e que seriam eles a ter originado o incêndio.
E
para isso fundamenta-se na circunstância de a manutenção ter sido feita toda em
oficinas da marca e no facto de o veículo apresentar um consumo excessivo de
óleo (conjugando em termos probatórios, o Relatório Pericial, o depoimento do
condutor habitual do veículo e o documento de fls. 17).
A
Recorrida, por seu turno, refere que a Perícia por si efectuada (pela Dekra)
concluiu que o motor não apresentava sinais de anomalia interna, mas apenas
danos decorrentes da exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio
do veículo, sendo que o estado avançado de degradação deste não permitia determinar
a origem nem a causa daquele.
Certo
que a Recorrente, perante estes
resultados, diligenciou por outra Peritagem (SGS), para a qual foi autorizada a
desmontagem da linha de escape, depósito de combustível entre outros, sendo que
esta considerou a existência de vários componentes alegadamente defeituosos no
veículo.
Só
que as ilacções da SGS não são correctas, pois o que é apontado como causa,
mais não é que consequência do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada
da viatura, por um período prolongado (nomeadamente relacionada com a má
lubrificação das peças/falta de óleo), o que se retira do teor dos depoimentos
das testemunhas A…C…, A…V…e M…B….
Acresce,
quanto aos dois cenários de conclusões da SGS, que o primeiro (Curto-circuito
no motor do ventilador - terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis), não
poderia ter ocorrido, desde logo porque:
-
o cabo do motor do ventilador está protegido por um fusível que funde logo que
o cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente
(pelo que o curto-circuito não poderia ter ocorrido espontaneamente, mas antes
como uma consequência do derretimento da peça, resultante do incêndio já
deflagrado);
-
no que respeita às cablagens e fusíveis no cofre do motor, as evidências
encontradas não apontam para a ocorrência de um curto-circuito, mas sim, e
conforme inclusivamente referido no Relatório da SGS, para uma manipulação dos
fusíveis (um procedimento que só poderia ter ocorrido no âmbito de uma
intervenção na rede da marca).
O
mesmo sucede quanto ao segundo (motor ter entrado em autoalimentação, quer por
via de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor): quando há autoalimentação
do motor este começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não
obstante o veículo ser, entretanto, desligado (isso provoca uma aceleração
desmesurada no veículo, um ruido ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo
de escape, o que, em momento algum foi descrito pelo condutor), sendo certo que
se trata de um fenómeno que não origina incêndio.
Por
fim, este Relatório é inconclusivo, na medida em que é ele próprio que afirma
que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para
salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não sendo
assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio.
Assim,
no entender da Recorrida, não é possível concluir que o incêndio tenha tido
origem no cofre do motor, nem que este apresentasse indícios de mau
funcionamento ou defeito de fabrico prévio ao incêndio (o qual pode ter sido espoletado
por factores externos), sendo certo que a viatura apresentava indícios de uma
manutenção descuidada e de utilização de óleo não preconizado pela marca.
Entrando
a decidir.
Este
é um dos pontos fulcrais desta acção: saber se o incêndio referido no Facto 9.
teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo
referido no Facto 1. e, em concreto, origem no cofre do motor, em consequência
de curto-circuito provocado por componentes defeituosos.
Verificada
a totalidade da prova produzida nestes autos (dos Relatórios Periciais e
restante documentação escrita[9], aos
depoimentos testemunhais prestados em Audiência) cremos que o Tribunal a quo decidiu bem, uma vez que uma
resposta positiva, só poderia considerar-se especulativa.
De
facto, ambos os Relatórios não são conclusivos quanto à origem do incêndio,
sendo de assinalar os diferentes momentos em que ocorreram.
As
conclusões do Relatório da última Perícia (da SGS) - que é aquela que a
Recorrente usa para fundamentar o seu Recurso - apontam para a existência de
vários defeitos, mas duma forma que tem de se ter como especulativa, pois nem
explica como é que as consegue tirar, destrinçando se tais defeitos decorrem do
incêndio ou se o provocaram.
E
com um problema acrescido: é que essas mesmas conclusões são colocadas em causa
por esse mesmo Relatório
apresentado pela SGS, quando assinala que não foi possível concluir a perícia
por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem
terminadas as diligências, não permitindo conclusões peremptórias quanto à
origem do incêndio (o que foi reafirmado em audiência, no depoimento da testemunha
A… V… - um dos seus Autores).
De
facto, da prova efectivamente produzida nada resulta no sentido de que até ao
momento do incêndio o motor da viatura que se incendiou tivesse algum problema
de funcionamento (que a existir sempre teria sido detectado, informado,
descrito e contado pela testemunha A… M… que o conduzia habitualmente).
Certo
que do registo de intervenções de assistência ao veículo incendiado decorre um
anormal consumo de óleo, mas isso não autoriza qualquer conclusão quanto à
origem do incêndio.
Certo
ainda que as cinco anomalias detectadas na segunda Perícia (1. motoventilador
em curto-circuito; 2. casquilho da turbina do compressor fundido no veio das
turbinas; 3. meias capas superiores do 3 e 4 cilindros com escamação; 4. camisa
do 1.º cilindro estalada e o respectivo êmbolo com o segmento de óleo colado; 5.
resquícios de lamas no subcárter), não permitem nem saber quais as que são
consequência do incêndio e quais lhe são anteriores, e muito menos permitem
dizer que foi por sua causa que ele ocorreu.
E
é este salto que não é
possível dar, com a seriedade que a apreciação da prova exige.
Repare-se,
aliás, que esta Perícia aponta depois dois cenários possíveis para a ocorrência
do acidente (1 - curto-circuito no motor do ventilador, que implicaria uma
manipulação de fusíveis; 2 - motor ter entrado em autoalimentação, quer por via
de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor).
Qualquer
deles é puramente especulativo e exigiria prova de outros factos que permitisse
tirar conclusões sérias (ninguém falou em manipulação de fusíveis e, quanto ao
óleo só sabemos que o veículo tinha um consumo acima do normal, sendo certo que
se o problema fosse a autoalimentação, o condutor teria sentido uma aceleração
desmesurada no veículo, com um aumento expressivo das rotações do motor, com um
ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tubo de escape, o que não
ocorreu).
A
isto acresce que ficou em aberto a possibilidade de ter havido uma manutenção
deficiente do veículo, com intervenções feitas fora da rede da ora Recorrida,
mas que também não permite tirar conclusões no sentido da origem do incêndio
(como referiu a testemunha A… C…, períodos longos com muito óleo dentro do
motor, não incendeiam o carro, “pode
queimar o motor todo por dentro, pode derreter o motor por dentro, mas o carro
não incendeia”).
Sublinhe-se,
por outro lado, que nem sequer a fonte de ignição do incêndio foi apurada e que
a primeira Perícia realizada desde logo apurou que não seria possível chegar a conclusões
úteis em face do estado de danificação em que o carro ficou com o incêndio (que
impedia encontrar uma causa que “levasse
a afirmar que o incêndio ocorreu na sequência de um problema do produto”,
como assinalou a mesma testemunha A… C…).
E
se com esta prova documental, já a Recorrente não podia pretender considerar
como provados os dois factos em causa, quando ela é concatenada com a
apreciação dos depoimentos das testemunhas A… C…, A… V… e M… B… (todos eles
imparciais e conhecedores dos factos sobre os quais falaram), essa pretensão
ainda fica mais enfraquecida.
Repetindo
a síntese perfeita constante da fundamentação apresentada na motivação de facto
da Sentença em análise “resulta
que a causa do incêndio verificado no veículo não se apurou, tudo se limitando
a hipotéticos cenários apresentados no caso da peritagem da A., a qual nem
sequer pode ser validamente concluída, porque a viatura em causa já tinha ido
para abate”.
Não há pois
nada a alterar ao decidido quanto aos Factos 3. e 4. dos Factos Não Provados.
*****
Fundamentação de Direito
A
pretensão da Autora é a de que a Ré lhe pague os valores que teve de despender
em função do incêndio ocorrido a 28/09/2015, com o veículo matrícula ..-..-..,
que estava por si segurado.
Esse
veículo tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que o vendeu à P…-…, SA.,
com quem a Autora celebrou o referido acordo de seguro (que cobria danos decorrentes de incêndio, raio ou
explosão).
Em
face da factualidade apurada, o Tribunal a
quo, decidiu pela improcedência da acção, orientado pelo seguinte processo
de raciocínio:
I
- na
sequência do incêndio ocorrido com o veículo em causa, verificou-se que este
ainda se encontrava ao abrigo da garantia por parte da Ré, pelo que a peritagem
feita pela Autora entendeu útil que o fabricante ou concessionário do veículo
em apreço, realizasse um parecer quanto às causas do incêndio;
II
- a Ré declinou qualquer responsabilidade quanto ao sinistro por entender –
depois de realizar peritagem – inexistir qualquer componente defeituoso no
veículo;
III
- a responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…-C…, SA.,
sendo que a última intervenção em oficina autorizada pela marca ocorreu a dia
30/07/2015, não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor;
IV
- a segunda perícia de que o veículo foi alvo afirmou não ser possível concluir
peremptoriamente relativamente à origem do incêndio;
V
- a Autora tentou ressarcir-se junto da Ré dos valores que pagou pelas despesas
com peritagens, perda do veículo e prejuízos na auto-estrada;
VI
- o que está em causa nos autos é a responsabilidade civil contratual da
seguradora (Autora) perante a sua segurada, face à obrigação por si assumida de
indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no veículo, associado
à questão da responsabilidade por venda de coisa defeituosa;
VII
- o incêndio em causa conduziu à perda total do veículo segurado e aos danos
dados como provados, encontrando-se abrangido pelo contrato de seguro titulado
pela apólice n.º 8238672, tendo a Autora satisfeito o seu pagamento;
VIII
- uma vez que a Autora ficou sub-rogada nos direitos da proprietária do veículo
perante quem fosse responsável pelo incêndio (nos termos do artigo 136.º do
Decreto-Lei n.º 72/2008, de 6 de Abril), haveria de ter resultado provado que
este se ficou a dever a defeito no próprio no veículo segurado;
IX
- a Autora alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica
proveniente da falha do motor do veículo segurado (mais concretamente no cofre
do motor), em consequência de curto-circuito provocado por componentes
defeituosos, mas não logrou provar essa factualidade (prova essa que lhe cabia,
por constituir a prova do facto gerador da obrigação de indemnizar), sendo que,
não o tendo feito, a acção tem de improceder.
Perante
este entendimento a Autora-Recorrente recorreu e começou por colocar em causa a
factualidade apurada, o que foi já decidido, nada se alterando de relevante
(uma vez que o acrescento do Facto 8A. acaba por ser inócuo quanto à pretensão
recursória).
Mas
o Recurso vai mais além e implica também (como atrás se disse), matéria de
Direito.
Começa,
a este nível, por estar em causa o ónus da prova de que o incêndio no veículo segurado
teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo (no
cofre do motor, em consequência de curto-circuito), provocado por componentes
defeituosos.
É
entendimento da Autora que procedeu como lhe competia, alegar e provar ou a
existência de um defeito (no caso, as anomalias detectadas que constam do Facto
28.) e a existência do incêndio (que consta dos Factos 9. a 12.), não tendo de demonstrar
a origem do incêndio, cabendo sim à Recorrida alegar e provar (o que não
conseguiu), que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento
do bem.
Assim,
estando - nos termos das Condições Gerais da Apólice, do artigo 136.º da Lei do
Contrato de Seguro, e do artigo 593.º do Código Civil - sub-rogada nos direitos
da sua segurada[10],e porque nos termos do
artigo 27.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 291/2007[11], de
21 de Agosto, tem direito de regresso contra “o responsável civil por danos
causados a terceiros em virtude da utilização ou condução de veículos que não
cumpram as obrigações legais e caracter técnico relativamente ao estado e
condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido
provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo”, a Recorrente
entende-se com direito a receber da Ré (produtora do veículo) as quantias que despendeu
por conta do incidente.
A
esta argumentação a Recorrente ainda acresce que, nos termos do artigo 913.º do
Código Civil, ao comprador basta provar o não funcionamento do veículo no
período de garantia, sendo que, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
67/2003, de 8 de Abril, o comprador é considerado consumidor e, nos termos do
artigo 4.º, na falta de conformidade do bem com o contrato, tem direito a que esta
seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada
do preço ou à resolução do contrato.
Entrando a
decidir.
A
acção está configurada pela Autora como uma acção de responsabilidade civil
contratual por venda de coisa defeituosa, por força de um incêndio ocorrido
numa viatura fornecida pela Ré (e ainda dentro do prazo de garantia), surgindo
a Autora como tal, por ter sido ela enquanto seguradora a ressarcir a L…
(beneficiária do seguro).
Em
face dos factos apurados tem-se como assente que o sinistro que levou à
intervenção da Autora originou a perda total do veículo segurado e a uma série
de despesas que, face ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8238672, levaram
a que a esta última, neste âmbito, assumisse o seu pagamento e ressarcimento,
cabendo agora verificar se, nos termos do artigo 136.º do Decreto-Lei n.º
72/2008, de 6 de Abril, tem direito ao reembolso do que despendeu.
Para
isso, o incêndio haveria de se ter ficado a dever a defeito no próprio veículo segurado.
São
os artigos 913.º[12] e 921.º[13] do
Código Civil, em ligação ao regime resultante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08
de Abril, que começam por estar
convocados para análise, sendo certo que, o que era alegado, era que o referido
incêndio tivera origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do
veículo segurado (no cofre do motor, em consequência de curto-circuito
provocado por componentes defeituosos).
Perguntar-se-á
a quem cabia a prova dessa factualidade.
E
quanto a isso, a posição assumida pelo Tribunal a quo está correcta: nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código
Civil, à Autora impunha-se o esforço probatório quanto à circunstância de o
veículo em causa apresentar defeito. E não um defeito qualquer, mas um defeito
que fosse susceptível de originar o incêndio.
Esse
seria o facto gerador da obrigação de indemnizar.
A
simples circunstância de estar provado no processo a existência de um incêndio
num veículo, não autoriza a conclusão de que tal veículo não apresentava
qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor
possa razoavelmente esperar.
Numa
situação similar (veículo dentro do prazo de garantia que se incendeia e em que
se não provam defeitos ou falta de qualidade das suas peças), o Supremo
Tribunal de Justiça, em Acórdão de 20 de Março de 2014[14] (Processo
n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1-Moreira Alves),
considerou que a Ré (produtora do veículo) não poderia ser responsabilizada.
E,
para chegar a essa conclusão, afirmou que a existência de um “incêndio não é, seguramente,
um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a
consequência de um processo causal anterior”.
E
se o sumário ora transcrito (e que também foi referido na Sentença sob recurso)
é expressivo, o texto que nele se contém é-o ainda mais: “Ora, se é certo que
não tinha de demonstrar a causa do defeito, competia-lhe, no entanto, provar o
defeito.
Acontece
que o incêndio não é um defeito, uma falta de qualidade, um deficiente
funcionamento, é, antes, a consequência de um processo causal anterior e é no
interior desse processo causal que há-de encontrar-se o defeito, isto é, o
facto concreto (curto-circuito, ligação mal efectuada, instalação eléctrica com
comportamento anormal, etc., etc..), a partir do qual se deduz a falta de
qualidade e a inexistência do desempenho que seria, nas circunstâncias,
expectável, o que, por sua vez, faz presumir a desconformidade da coisa
(automóvel, no caso) com o contrato.
Diz
ainda o A. que, de um veículo automóvel se espera que não arda, mesmo que
imobilizado.
É
certo que não é suposto que os automóveis se incendeiem, sobretudo quando estão
estacionados, com o sistema de ignição desligado, mas a verdade é que tal
aconteceu, sem que o A. impute a ocorrência (e prove a imputação) a um
específico defeito ou deficiência de funcionamento que, independentemente da
prova da sua causa (causa do defeito), e de acordo com as regras da experiência
comum e do bom senso, indicie uma falta de qualidade e desempenho anormal, em
função do que razoavelmente seria de esperar de uma coisa daquela natureza.
Ora,
as mesmas regras da experiência comum e o bom senso, revelam que um veículo
automóvel, dotado de todas qualidades normais que lhe são características, com
desempenho também perfeitamente normal, pode, não obstante, incendiar-se por
motivos absolutamente alheios e exteriores ao próprio veículo, designadamente,
por acção de terceiro ou caso fortuito. Quer dizer que a ocorrência do incêndio
pode ocorrer e ocorre, de facto, na vida real, mesmo na ausência de qualquer
defeito ou deficiência de funcionamento.
Por
isso, do incêndio do veículo, só por si, desacompanhado da prova da existência
de defeito (repete-se, o incêndio não consubstancia qualquer defeito) não pode
deduzir-se a falta de qualidades e de desempenho habituais a que se refere o nº
2, d) do Artº 2 do D.L. 67/2003, ou a falta de conformidade ou adequação
prevista nas alíneas a) b) e c) do preceito.
Assim,
salvo melhor opinião, entendemos que, provado, pura e simplesmente, o facto
incêndio (que, como se disse repetidamente, é uma consequência de um facto
anterior, e não um defeito visto que nenhum foi alegado), não ficam
densificados quaisquer dos conceitos abertos do Artº 2º do D.L. 67/2003, o
mesmo é dizer, não ficam provados os factos índices, ou os factos base da presunção
legal, pelo que não pode presumir-se a falta de conformidade do veículo vendido
pela Ré ao A., com o respectivo contrato de compra e venda”.
Assim,
um consumidor, para beneficiar das presunções de não conformidade que o Decreto-Lei
n.º 67/2003 consagra, tem de alegar e provar os factos em que presunção assenta,
e ainda que tudo ocorreu dentro do prazo de garantia de 2 anos: se se prova apenas
que o incêndio consumiu o veículo, apenas se prova a consequência do processo
causal, mas não a sua origem e muito menos o putativo defeito que o possa ter
originado[15].
A
Recorrente entende que a situação em causa neste Acórdão é diferente da dos
presentes autos (“as circunstâncias do incêndio são completamente distintas”).
É uma conclusão manifestamente exagerada, pois a única diferença relevante tem
que ver com o facto de o veículo naquele caso estar estacionado e no presente
estar em andamento…
Sobre
este Acórdão, Pedro Falcão veio
entender que se trata de uma decisão acertada do ponto de vista técnico-formal,
“ainda
que talvez não fique imune a alguma
discussão”,
uma vez que, na linha do Acórdão do Tribunal
de Justiça da União Europeia de 04/06/2015 (Processo n.º C-497/13-Froukje Faber
contra Autobedrijf Hazet Ochten BV[16]) “e no espírito do
«regime avançado na proteção dos consumidores» que o Decreto-Lei n.º 67/2003
institui, deve entender-se que «o consumidor está obrigado a provar a
existência da falta [de
conformidade, mas] não está
obrigado a provar
a causa da mesma nem que a sua origem
é imputável ao
vendedor» (§ 70 — itálico
nosso)”,
não podendo “exigir-se a um
consumidor, cuja especial
proteção pressupõe uma
vulnerabilidade negocial fundada em
boa parte no
seu défice de
informação e impreparação
técnica face ao profissional, que faça
tal prova”[17].
A
discussão será interessante em termos teóricos, mas, não só a Autora não logrou
provar um qualquer defeito que pudesse ter (e não necessariamente que tivesse
sido esse o seu elemento efectivamente desencadeador) espoletado o incêndio[18],
como - e mais relevante e decisivo - nem sequer pode ser considerada como
consumidora para efeitos de poder beneficiar deste regime do Decreto-Lei n.º
67/2003, de 08 de Abril, que define como consumidor aquele a quem sejam
fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos,
destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter
profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos
termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: nessa definição
não é possível encaixar, nem a proprietária da viatura, L… (que faz da sua
actividade a locação dos veículos), nem a empresa que com esta celebrou o
contrato, P… (que o utilizava na sua actividade).
O
conceito de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas, como se
refere expressamente no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2020 (Processo
n.º 491/11.4 TVLSB.L1-1-Pedro Brighton[19]), sendo que,
mesmo usando um critério mais aberto, o próprio Supremo Tribunal de Justiça[20], no
Acórdão de 13/07/2017 (Processo n.º 1594/14.9TJVNF.2.G1.S2-Pinto de Almeida), sublinhou que relevante “é que não seja dado ao bem adquirido um uso
profissional” [21].
Neste
contexto, só podemos concluir que não assiste razão à Autora-Recorrente e que,
portanto, lhe cabia o ónus de provar no processo que o incêndio ocorrido estava
relacionado e tinha tido origem num qualquer defeito do veículo em causa.
Dizia Álvaro de Campos, "Continua o
Fernando Pessoa com aquela mania, que tantas vezes lhe censurei, de julgar que
as coisas se provam"[22],
referência esta que vem a propósito do que sucedeu nos presentes autos, em que
a Autora apresentou uma versão dos factos que, a comprovar-se, lhe daria razão,
mas que não resultou provada no que respeita à origem do sinistro que a levou a
ter de assumir a ocorrência do risco segurado: colocada na posição de Fernando Pessoa, a Autora, julgava
conseguir provar o que alegava, mas – efectivamente – não o conseguiu.
Assim,
e em conformidade com o exposto, porque o Tribunal a quo decidiu bem, fundada e fundamentadamente, a Sentença será
confirmada in totum.
·
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação,
confirmando a Sentença recorrida.
Custas
a cargo da Recorrente.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa, 08 de Março de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
[1]
António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
Data rectificada
por despacho de 02 de Fevereiro de 2022.
[3]
Data rectificada
por despacho de 02 de Fevereiro de 2022.
[4]
Mantém-se
inalterada esta redacção embora a peritagem em causa não constitua um facto propriamente
dito, mas apenas um meio de prova.
Conforme bem salienta Tomé Gomes o “teor dos enunciados de
facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências
aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir
dizeres como provado apenas que ‘a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor’
ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que ‘os
bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio’.
Estas referências aos meios de prova,
quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação,
para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto
em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o
julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que
deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a
origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal
alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não
existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse
sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real,
expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido
é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar
como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de
julgar aquela questão” (Da Sentença Cível, in
O novo processo civil, Caderno V, [em linha], e-book CEJ, 2014, páginas 350-351, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Z3GENdMOBV8%3d&portalid=30
[consultado a 24/02/2022]).
[5]
Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em
Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[6] António Abrantes
Geraldes,
Recursos…, página 200.
[7] António Abrantes
Geraldes,
Recursos…, páginas 201 a 205.
[8] António Abrantes
Geraldes,
Recursos…, páginas 206-207.
[9]
Contrato de
seguro – fls. 11; Proposta de Aluguer Operacional – fls. 12-13; Informação da
propriedade do ..-..-.. – fls. 14; Relatório de Ocorrência Bombeiros – fls. 14
verso-15; Auto GNR – fls. 15 verso; Depoimento acidente – fls. 16 verso-17;
Relatório SGS – 17 verso-29 e 48-61; Mails Extranet-Autora – fls. 30-31; Mails
Autora-Ré – fls. 31-32; Correspondência Ré-P… – fls. 33; Correspondência L…-Autora
– fls. 33 verso-46; Histórico Manutenção e Pneus – 47; Pagamento Autora-L… –
fls. 62; Pagamento Auto estradas do Atlântico – fls. 63-67; Correspondência
Autora-Ré – fls. 68-69; Manual de Assistência e Garantia ---- – fls. 89-116 e
202-229; Histórico de serviços – fls. 121 e 230; Carta Ré-Autora - fls. 230
verso; Relatório Dekra – fls. 117 -120 e 233-236; Apólice – fls. 128-183.
[10]
O “sub-rogado
adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a
este competia”.
[11]
Que se reporta
ao regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
[12] Artigo 913.º
Se a coisa sofrer de vício que a desvalorize
ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades
asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim,
observar-se- com as devidas adaptações o prescrito na secção precedente, em tudo
quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
[13] Artigo 921.º
1 - Se o vendedor estiver obrigado, por
convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da
coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for
necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou
de erro do comprador.
2- (…).
[14]
O qual confirmou
um Acórdão da Relação de Coimbra.
[15] Como bem refere a
Recorrida nas suas Contra-Alegações, “não se manifestou qualquer defeito,
ocorreu um sinistro, neste caso um incêndio. Ora, os sinistros, bem como os
incêndios, não têm necessariamente origem num defeito e era precisamente esta a
prova que assistiria à Recorrente: provar que este sinistro, este incêndio, teve
origem num defeito de fabrico da viatura”.
[16] Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62013CJ0497&from=PT.
[17]
Pedro Falcão, O Regime da Venda de Bens de Consumo na
Jurisprudência Portuguesa Recente, [em linha], Revista Jurídica
Luso-Brasileira, Ano 5 (2019), n.º 2, páginas 1649-1670 (1663-1664), disponível
em https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/2/2019_02_1649_1670.pdf
[consultado em 23/02/2022].
[18]
Sendo o que
consta do Facto 28. manifestamente insuficiente, quer porque não decorre que
deles se pudesse originar o incêndio, quer porque não se sabe se decorrem do
incêndio ou o antecederam, quer – como remate final – porque esses mesmos
peritos desvalorizam estas circunstâncias por não terem podido completar o seu
trabalho (Facto.31).
[19]
No mesmo
sentido, RL 12/10/2017 (Processo n.º 6776-15.3T8ALM.L1-8-Isoleta Almeida Costa).
[20]
Que no Acórdão
de Uniformização de Jurisprudência 4/2019, de 12/02/2019 (Processo n.º
2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A-Olinda Garcia,
publicado no DR I-A, de 25/09/2019), a propósito de outra matéria
(insolvência), claramente deixou expresso que “apenas tem a qualidade de
consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo
Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não
o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”.
[21]
Sobre esta
matéria, Pedro Cláudio Oliveira Rodrigues
dos Santos escreve que a “primeira questão reconduz-se a saber se uma
pessoa jurídica pode ser considerada um consumidor.
A defesa da noção estrita de consumidor
significa que apenas a pessoa singular pode ser consumidor.
Os principais motivos para esta
orientação são três: As pessoas jurídicas atuam em cumprimento do seu escopo
social e, por isso, está afastado um uso privado, ou seja, a função económica
das pessoas coletivas abrange apenas os direitos e obrigações necessários ou
convenientes para a prossecução dos seus fins, só podendo praticar os atos que
visam esta função, pelo que todos esses atos visam a realização de um fim comum
e nunca um fim privado – arts. 160.º n.º 1 do CC e 6.º n.º 1 e 4 do CSC;
Esta é a conclusão resultante de uma
interpretação conforme com a diretiva que exclui as pessoas coletivas como
sucede com a generalidade das Diretivas relativas a contratos; e
O ato de consumo é um ato de natureza pessoal
insusceptível de ser realizado por pessoas jurídicas.
Outros autores defendem a posição inversa com
os seguintes argumentos:
- O elemento literal de
interpretação [todo aquele] deixa ampla abertura para permitir a extensão do
conceito às pessoas coletivas;
- Só se justifica a exclusão
caso o fim social da pessoa coletiva for exclusivamente uma atividade
económica;
- A violação do princípio da
especialidade do fim só tem efeitos na validade dos atos praticados;
- A razão de ser do conceito
de consumidor é proteger quem está numa situação de fragilidade contratual com
a contraparte, sendo que este argumento tanto pode ser aplicado a pessoas
singulares como coletivas; e
- O legislador, ciente da
discussão, preferiu não afastar a possibilidade de aplicação do conceito a
pessoas coletivas [como esteve previsto no projeto da LDC] como fez a propósito
de outros regimes jurídicos.
Daqui pode resultar que o art. 2.º n.º
1 da LDC permite a inserção no conceito de consumidor das pessoas, físicas ou
jurídicas, que demonstrem “que não dispõem nem devem dispor de competência
específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo
com a equidade” em termos semelhantes aos que constam do Anteprojeto do Código
do Consumidor. Contudo, entendemos que existe um argumento, em sentido inverso,
que deve ser ponderado e que pode inverter o curso da argumentação narrada. A
Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25/10/2011 relativa
aos direitos dos consumidores, que altera a Directiva 93/13/CEE do Conselho e a
Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a
Directiva 85/577/CEE do Conselho e a Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho, ainda não totalmente transposta, visa estabelecer uma harmonização
mais efectiva da regulação dos direitos dos consumidores, mais concretamente
uma harmonização máxima – art. 4.º – e estabelece uma noção de consumidor no
seu art. 2.º n.º 1 que abrange apenas as pessoas singulares. Parece que,
existindo um propósito de harmonização total, deve entender-se como assumida a
noção estrita numa lógica de interpretação conforme ao direito comunitário” (A
garantia legal do consumidor na aquisição de bens, [em linha], Dissertação em
Ciências Jurídico-Forense na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
2015, páginas 7 a 9, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28706/1/A%20garantia%20legal%20do%20consumidor%20na%20aquisicao%20de%20bens.pdf
[consultado a 24/02/2022]).
Vd., também, Antonio Augusto de Toledo Gaspar, Venda de
Bens Defeituosos–Comparação entre o Direito Português e o Direito
Brasileiro–A Posição do Consumidor, [em linha], Dissertação de Mestrado
apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa/Escola do
Porto, 2018, páginas 22 a 25, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/30197/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Antonio%20Augusto%20de%20Toledo%20Gaspar.pdf
[consultado a 24/02/2022]).
[22]
Citado por Teresa Sobral Cunha, na introdução de O
Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa,
Relógio d'Água, 1997, página ix.
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