Processo n.º 83/19.0TNLSB.L1
Tribunal a quo
Lisboa
- Tribunal Marítimo - Juízo Marítimo - Juiz 2
Recorrente
E.,
Lda. (Autora)
Recorrida
M.
(Ré)
Em
síntese, alega:
-
ter adquirido, no âmbito da sua actividade de exploração náutica e marítimo- turística,
uma embarcação de recreio CATAMARAN, Modelo LIPARI 41 QUATUOR EVOLUTION e
respectivo equipamento, celebrando com a Ré um contrato de seguro que a teve
como objecto seguro;
- que essa embarcação naufragou durante
uma viagem de Lisboa para Ponta Delgada;
- que a Ré se recusa a indemnizar
os danos, por ter insinuado que o naufrágio se deveu a actos praticados pelo
skipper da embarcação;
- que o Skipper tudo fez para
evitar o naufrágio, pelo que a insinuação não corresponde à verdade e deve a Ré
ser condenada a pagar o valor da embarcação e respectivos equipamentos,
deduzida a franquia de € 2.400.
Citada
a Ré veio esta Contestar, defendendo a ineptidão da Petição Inicial, aceitando
a existência do contrato de seguro, e impugnando os factos alegados no que
respeita ao naufrágio (entendendo que a embarcação não afundou tendo sido
encontrada à deriva em Marrocos).
Mais
defende a Ré que:
- o alagamento da
embarcação, tal como relatado pelo skipper, impunha que houvesse uma entrada de
água muito acentuada na embarcação, o que apenas seria possível com um rombo de
dimensão razoável, pelo que o skipper deveria ter sentido um forte embate, o
que este nega;
- o alagamento da embarcação teve
por causa intervenção humana intencional com tal fim, nomeadamente, a abertura
das válvulas do circuito de água do casco de estibordo e o desenroscar do bujão
do canhão do fundo do casco de bombordo, pelo que tal exclui a possibilidade de
indemnização pela seguradora;
- a actuação do skipper sempre
deveria ser considerada como barataria, pois permaneceu na embarcação durante
cerca de três horas, sem nada fazer para impedir o alagamento (nomeadamente,
accionando a bomba manual para escoamento da água ou tapando o rombo existente,
ou fechando as válvulas);
- o contrato de seguro se encontra
endossado a favor do Banco…, SA., pelo que apenas com autorização deste,
poderia a indemnização ser paga.
Realizada
Audiência Prévia, nela:
-
a Autora desistiu do pedido de estorno;
-
foi proferido Despacho Saneador, fixando-se o objecto do litígio e os temas de
prova.
Realizada
a Audiência de Julgamento foi prolatada Sentença, que concluiu por julgar a acção improcedente e,
consequentemente, absolver a Ré M.
do pedido formulado pela Autora, E., Lda..
É desta
decisão que vem interposto recurso por parte da Requerida, a qual apresentou
as suas Alegações, onde lavrou
as seguintes Conclusões:
I-
Não deve ser dado como provado o facto 57 da forma como está redigido:
“A
embarcação segura foi avistada pela aeronave da FAP P-3C Orion, na posição
geográfica 38º08’N-011º33W e permanecia à tona da água, com derrabamento, sem
adornamento, estável, à deriva, navegando ao sabor do vento e das correntes”.
II-
Do documento n.º 16, junto com a P.I. o que resulta é que a embarcação foi
avistada no dia 22 de Outubro de 2018, ou seja um dia depois do acidente.
III-
Pelo que o que deveria ter ficado provado neste facto era o seguinte:
“A
embarcação segura foi avistada no dia 22 de Outubro de 2018, pela aeronave da
FAP P-3C Orion, na posição geográfica 38º08’N-011º33W e permanecia à tona da
água, com derrabamento, sem adornamento, estável, à deriva, navegando ao sabor
do vento e das correntes.”
IV-
O facto n.º 58 não deve, igualmente, ser dado como provado da forma que o foi:
“A
Autora não comunicou à Ré os factos referidos em 57, nunca remeteu ou deu
conhecimento à Ré dos relatórios da FAP que lhe foram notificados, nem encetou
qualquer iniciativa junto das autoridades oficiais”.
V-
O que resulta do depoimento da testemunha JM é, apenas, que a A. nunca remeteu
ou deu conhecimento à Ré dos relatórios da FAP que lhe foram notificados.
VI-
O e-mail que o douto Tribunal refere na sua motivação, apenas se refere ao
aparecimento da embarcação em Marrocos, nada referindo sobre os documentos
emitidos pela Força Aérea Portuguesa.
VII-
Pelo que, apenas se deverá dar como provado o seguinte: “A Autora não comunicou
à Ré os factos referidos em 57, nunca remeteu ou deu conhecimento à Ré dos
relatórios da FAP que lhe foram notificados.”
VIII-
Resulta provado no facto n.º 63: “No relatório referido em 62., os peritos da N…Portugal
concluíram que o alagamento teve necessariamente de se iniciar a partir de
ambos os flutuadores abaixo da linha de água e tal situação apenas poderia ter
ocorrido, na opinião dos peritos, através de rombo em ambos os flutuadores ou
através dos sistemas de válvulas de fundo”.
IX-
Ora tal facto jamais pode ser dado como provado.
X-
Nem do Relatório da Navaltik, de fls. 165 a 278 nem do depoimento da testemunha
JM resulta que tinha de existir um rombo em ambos os flutuadores.
XI-
Do Relatório da N… consta o seguinte: “Para
o alagamento observado, em nossa opinião, apenas existem duas hipóteses de
causa: Ou por via de rombo nos flutuadores ou através do sistema de válvulas de
fundo.
XI-
Jamais resultando daquele relatório que o alagamento apenas se pudesse iniciar
a partir de ambos os flutuadores.
XII-
No parágrafo imediatamente anterior daquela conclusão pode-se ler: “Os detalhes
construtivos da embarcação fornecidos pelo fabricante Fountaine Pajot, em
termos de compartimentação e anteparas estanques, não são muito elucidativos em
termos de estanquicidade dos vários espaços que a embarcação possuiu, pelo que
uma condição de alagamento quase total de um dos flutuadores depende das
anteparas estanques existentes no flutuador e apenas se poderá propagar ao
outro flutuador caso não exista estanquicidade no raft (estrutura central que
liga os dois flutuadores)”.
XIII-
O que a testemunha JM refere no seu depoimento, aliás coincidente com o seu
relatório, ao minuto 01:00:07 é que: “Algures não…teria que ser no casco de
bombordo a meio que era onde o Skipper dizia que estava a entrar água”.
XIV-
Em momento algum, resulta do citado Relatório ou do depoimento da testemunha JM,
que o alagamento teve necessariamente de se iniciar a partir de ambos os
flutuadores através de rombo também em ambos os flutuadores.
XV-
Pelo que este facto tem, necessariamente, de ser dado como não provado.
XVI-
Resulta provado do facto 64: “Os paneiros existentes na zona das escadas do
salão para o casco de bombordo assentam por volta de 50 cm acima do fundo”.
XVII-
Tal facto deverá ser dado como não provado.
XVIII-
Já que, o que ficou provado pelos depoimentos do Senhor Perito da Capitania do
Porto de Lisboa, JS, foi a de que a distância dos paneiros era de 20 a 30 cm.
XIX-
É manifestamente incompreensível, a não ser para a conclusão que o Douto
Tribunal “a quo”, de uma forma parcial, chegou, que este Douto Tribunal
fundamente um facto que entendeu provado com base num depoimento que não
confirma tal facto e num depoimento que nem se refere a esta matéria.
XX-
Encontra-se provado no facto 68 o seguinte: “Considerando o excessivo caudal de
alagamento, que nem a utilização pelo skipper das bombas submersíveis
eléctricas conseguiu conter, o rombo teria de ter uma superfície igual ou
superior à área de um círculo de 3 cm de diâmetro.”
XXI-
Tal facto deveria ter sido dado como não provado.
XXII-
Na verdade o documento mencionado na fundamentação não constitui qualquer
método reconhecido para cálculo de predição de alagamento de embarcações.
XXIII-
Trata-se de uma comunicação à comunidade científica, que tem como base dois
navios de características diferentes que nada têm a ver com a embarcação
objecto dos presentes autos.
XXIV-
Tal comunicação destinou-se a navios de maior porte do que a embarcação dos
autos, calculadas em toneladas por segundo e grandes rombos em que se admitem
aproximações com erros percentuais aceitáveis em cálculos de previsão e em
assuntos em investigação.
XXV-
Em rombos de 3,5 ou 4,5 de diâmetro de forma qualquer pequeno erro introduzido
pelo cálculo tem influência catastrófica no resultado. Não serve, por isso,
para fundamentar um processo de alagamento como é o caso dos autos.
XXVI-
Daqui decorre que o método apresentado na aludida Comunicação não constitui,
como se refere na motivação do douto Tribunal “a quo” “um dos métodos
reconhecidos para o cálculo de predição de alagamento das embarcações”
constituindo, isso sim, e como acima se referiu, uma comunicação efectuada por
três investigadores à “11ª Conferência Internacional sobre a estabilidade dos
navios e veículos oceânicos de Setembro de 2012”.
XXVII-
No facto 73 é dado como provado o seguinte: “Na sequência do pedido de
informação que a Ré dirigiu ao Capitão do Porto de Lisboa, veio este, em 14 de
Janeiro de 2019, remeter à mandatária da Ré cópia do ofício n.º 1480, de
18.12.2018, e documentação ao mesmo anexa, que a DGAM tinha enviado à Autora.
XXVIII-
Todavia, o que deverá ser dado como provado como resulta do documento n.º 1,
junto com a contestação é o seguinte: “Na sequência do pedido de informação que
a Ré dirigiu ao Capitão do Porto de Lisboa, por email datado de 11 de Janeiro
de 2019 pelas 7H39M39S veio este, em 14 de Janeiro de 2019, remeter à
mandatária da Ré cópia do ofício n.º 1480, de 18.12.2018, e documentação ao
mesmo anexa, que a DGAM tinha enviado à Autora.”
XXIX-
Resulta provado no facto 76: “No dia 07 de Fevereiro de 2019, pelas 08:30 horas
(hora local), no porto militar de Casablanca, sob a supervisão do Coronel M…,
da Brigada Marítima (Gendarmerie Royale), foi realizada a peritagem à
embarcação em seco por parte do perito nomeado pelo Capitão do Porto de Lisboa,
na presença do agente instrutor do processo de inquérito, e pelo perito nomeado
pela Ré.”
XXX-
Tal facto não deveria ter sido provado da forma que o foi.
XXXI-
Ora não se percebe como pode o douto Tribunal dar como provado da forma como o
deu, concretamente no que se refere à supervisão do coronel M… da Brigada
(Gendarmerie Royale).
XXXII-
Na realidade o douto Tribunal limita-se a reproduzir o artigo 84º da Contestação
da Ré, o qual, aliás, nem se faz acompanhar por qualquer documento que comprove
o ali alegado.
XXXIII-
Todavia em nenhum dos depoimentos quer das testemunhas AMM, quer de JP e JM
resulta quer a vistoria tenha sido supervisionada e, muito menos por um coronel
M, da Brigada Marítima, (Gendarmerie Royale).
XXXIV-
Deste modo o que deveria ter ficado provado era o seguinte facto:
“No
dia 07 de Fevereiro de 2019, pelas 08:30 horas (hora local), no porto militar
de Casablanca, foi realizada a peritagem à embarcação em seco por parte do
perito nomeado pelo Capitão do Porto de Lisboa, na presença do agente instrutor
do processo de inquérito, e pelo perito nomeado pela Ré.”
XXXV-
No ponto 77 está provado o seguinte: “A embarcação mantinha a estrutura dos
cascos e do túnel que os liga”.
XXXVI-
Todavia e como resulta quer do Relatório elaborado pela testemunha AMM e do seu
depoimento o que deveria ter sido provado era o seguinte: “A embarcação
mantinha a estrutura dos cascos e do túnel que os liga, com excepção das popas
dos dois cascos, desaparecidas a partir das anteparas de vante dos compartimentos
dos motores.”
XXXVII-
Do ponto 79 resulta provado que: “No interior do casco de bombordo, por ante-a-ré
da antepara dos piques, o perito constatou que o canhão de fundo para aspiração
de água do mar estava aberto para o mar, proporcionando uma entrada livre e
franca de água do mar para o interior daquele casco”.
XXXVIII-
Mais uma vez, o douto Tribunal faz, a reprodução do artigo 91º da Contestação
apresentada pela R e que, na sua parte final, mais não é, do que uma conclusão
tirada por aquela mesma Ré.
XXXIX-
Conforme decorre do relatório pericial elaborado pela Testemunha AM, junto de
fls. 122 a 292, mormente na sua página 24, e transcreve-se: “A peritagem foi
efectuada pelo signatário na manhã do dia 7 p.p. na Base Naval de Casablanca,
com a embarcação em seco”.
XL-
Pelas próprias fotografias que se encontram a fls. 25 a 39 do aludido relatório
pericial, constata-se que a embarcação estava a seco e não em água.
XLI-
Não pode a aludida testemunha ter constatado qualquer entrada livre e franca de
água do mar para o interior daquele casco, constituindo, como acima se referiu
de uma conclusão tirada por esta testemunha.
XLII-
Deste modo o que deveria ter sido dado como provado era apenas o seguinte: “No
interior do casco de bombordo, por ante-a-ré da antepara dos piques, o perito
constatou que o canhão de fundo para aspiração de água do mar estava aberto”.
XLIII-
Encontra-se provado no facto 86: “Os piques das proas encontravam-se estanques
e os espaços suprajacentes tinham os seus pavimentos incólumes, garantindo a
estanquicidade dos piques”.
XLIV-
Pese embora o ora Recorrente nada tenha a apontar ao facto provado, entende,
todavia, que a motivação do douto Tribunal “quo” dá origem a interpretações
incorrectas e inverdadeiras, que serviram o propósito da Sentença ora em crise,
dado que a motivação nada tem a ver com o facto provado.
XLV-
Por outro lado a motivação extravasa o próprio facto e até está incorrecta,
quando refere que a ligação dos cascos à popa, que nunca foi vista na vistoria
realizadas pelas testemunhas AMM e JM, era apenas de passagem de fios e tubos,
sendo de pequena dimensão, o que é contrariado pela testemunha PF, conforme decorre
do seu depoimento acima transcrito.
XLVI-
Do facto 89 resulta provado o seguinte: “A maioria da reserva de flutuabilidade,
no valor de 7,6 m3, encontra-se no túnel de união os dois cascos a que acresce
o somatório dos pequenos piques estanques das proas de ambos os cascos.”
XLVII-
Tal facto não deveria ter sido provado da forma como o foi.
XLVIII-
Na verdade, e tendo em conta a própria motivação do douto Tribunal o que
deveria ter ficado provado era o seguinte: “A maioria da reserva de
flutuabilidade, no valor de 7,6 m3, encontra-se no túnel de união os dois
cascos à proa da embarcação a que acresce o somatório dos pequenos piques
estanques das proas de ambos os cascos.”
XLVIX-
Isto porque como resulta da própria fundamentação este não era a única ligação
entre cascos.
L-
Na sua motivação, o douto Tribunal “a quo” volta a invocar que o túnel de
ligação entre cascos existente à popa da embarcação era de pequena dimensão,
quando, na verdade, tal túnel nunca foi visto pelas testemunhas AMM e JM. E no que
respeita à testemunha PS, como acima se demonstrou, a mesma, afirmou
exactamente o contrário.
LI-
Resulta provado do facto 90 o seguinte: “O túnel de união dos dois cascos não
alagou”.
LII-
Também este facto não deveria ter sido dado como provado como o foi.
LIII-
Como resulta da própria fundamentação este não era a única ligação entre
cascos.
LIV-
Deste modo e pelas razões expostas em XLVIX e L, o que deveria ter ficado
provado era o seguinte: “O túnel de união dos dois cascos à proa da embarcação
não alagou”.
LV-
Do facto 91 resulta provado que: “A embarcação não adornou concluindo o perito
que tal aconteceu porque o alagamento e ambos os cascos se produziu de forma
independente e quase simultânea em cada um deles”.
LVI-
Não se trata de qualquer facto mas de uma conclusão do perito e testemunha AMM.
LVII-
Todavia tal conclusão não pode proceder.
LVIII-
No seu relatório do 2019.02.28, elaborado pela testemunha AMM, no Capitulo VIII
que denomina do “Análise situação factual de a embarcação não se ter afundado”
procede a cálculos que claramente indica que “Tiveram estes cálculos
aproximados apenas como objetivo a do facilitar a compreensão do fenómeno da
manutenção da flutuação”.
LVIX-
Nestes cálculos “aproximados” e efetuados “apenas como objetivo o de facilitar
a compreensão do fenómeno da manutenção da flutuação” o que nos é mostrado é o
Principio de Arquimedes.
LX-Demonstrando
única e simplesmente” que a embarcação, após alagamento, se manteve com
flutuação, ou seja, não submergiu completamente e não foi para o fundo do mar,
conforme nos comprovam os 8,3 m3 encontrados para a chamada “Reserva de
Flutuabilidade”, ou seja para o volume de água deslocado ou flutuação e os 7,85
m3 do peso da embarcação denominado aqui por “Deslocamento’.
LXI-
De acordo com o Princípio citado, a embarcação permanece sem se afundar porque
a impulsão é comprovadamente maior que o peso, como aliás já se sabia mesmo sem
que tivesse sido facilitada a nossa “compreensão do fenómeno da manutenção da flutuação”.
LXII-
Este cálculo é um simples cálculo de flutuação, que nos indica que a embarcação
se manteve a flutuar, nada mais permitindo concluir.
LXIII-
Nada indica sobre a posição que a embarcação adquiriu água, porque não é um
cálculo de estabilidade em avaria de maior complexidade sempre de relevante
complexidade com os dados disponíveis e que aqui não foram sequer nomeados.
LXIV-
A embarcação estava semi submersa, com as proas dos flutuadores e parte do raft
emersos, o que se sabe pelas fotos da Força Aérea.
LXV-
Nada permite afirmar, portanto, o que é declarado de seguida no relatório em
análise (Fis. 10), que é manifestamente abusivo e que passamos a transcrever
“Ficamos assim capazes de afirmar que o Túnel não sofreu alagamento pois, a ter
sofrido, a embarcação teria naufragado”
Ou
(...)
o alagamento dos cascos se produziu de forma independente em cada um deles”.
LXVI-
A embarcação mantém-se direita porque a água embarcada se distribui pelos dois
flutuadores através dos chamados túneis que são espaços vazios de comunicação a
vante e a ré do raft.
LXVII-
Com um flutuador cheio de água e o outro vazio a embarcação virava-se por ação
do peso do flutuador cheio continuando semi submersa, mas com uma área de
permanência dos ocupantes de acesso e estadia problemáticos.
LXVIII-
Tal comportamento está patente em inúmeros sinistros semelhantes de remarcações
desta marca que se podem encontrar em notícias divulgadas na internet sem
qualquer indicação de serem falsas, tais como dois que escolhemos entre vários
disponíveis:
https://www.cruisersforum.com/forums/f48/44-helia-sunk-in-the-atlantic-207264.html
https://www.cruisersforum.com/forums/f48//sinking-cats-17160
LXIX-
O depoimento da testemunha RM corrobora o que acima se referiu.
LXX-
Deste modo, apenas deveria ter ficado provado o seguinte: “A embarcação não
adornou”.
LXXI-Relativamente
ao facto provado 93, o que o douto Tribunal deveria ter dado como provadas eram
todas as conclusões do Relatório elaborado pelo perito da Capitania do Porto JM
a fls. 69 verso a 78, e não apenas parte das mesmas.
LXXII-
O que deverá resultar provado e que, aliás, foi corroborado pelo próprio
Perito, conforme decorre do seu depoimento supra transcrito, são todas as
conclusões constantes do ponto 5 daquele Relatório.
LXXIII-
Deste modo deveria ter sido dado como provado neste ponto 93 era o seguinte:
“Da Peritagem realizada pelo perito da Capitania do Porto de Lisboa consta,
que:
“Decorrente
da análise do estado da embarcação durante e após o acidente, dos eventos
apresentados no relatório de mar e dos cenários que poderão estar na sua
origem, conclui-se o seguinte:
-
Existe a possibilidade de terem sido realizados danos na embarcação posteriormente
ao acidente, durante o reboque e transporte para seco.
-
Na altura do abandono, a embarcação manteve-se a flutuar, com acentuado
caimento a ré, não apresentando adornamento significativo a qualquer dos
bordos, mostrando que se encontrava alagada de forma proporcional nos dois
cascos”;
-
A embarcação não afundou, manteve um valor de flutuabilidade positiva, resultante
de compartimentos não alagados (ex.: cabine, túnel de ligação entre cascos e
pique-tanques)”;
-
Não existem evidências de impacto nas obras vivas com objectos a flutuar”;
-O
rombo de cerca de 80 mm de diâmetro no costado exterior da proa do casco de EB
apenas provocaria a entrada de água para o interior do piquetanque de EB e não
para a totalidade do casco (fotografias 3 a 7);
-
Os danos observados nas fotografias 36 a 41 poderiam causar a entrada de água
em simultâneo nos dois cascos, conforme o descrito na hipótese de cenário no
parágrafo 4.4.3”.
-
Tendo por base os eventos apresentado no Relatório de Mar em Anexo A e a
avaliação do estado actual da embarcação (parágrafo 3) não é possível identificar
inequivocamente a causa do acidente.
-
A embarcação não reúne condições de segurança e navegabilidade para retomar a
actividade a que se destina, em virtude da inexistência de integridade
estrutural do casco e da inoperacionalidade dos sistemas de propulsão e
governo, dos equipamentos náuticos e de manobra”.
LXXIV-
Resulta provado no ponto 96, o seguinte: Do ponto 4.4.1 do seu relatório
“Impacto com objecto submerso num casco e posterior alagamento ao outro casco”,
correspondente à descrição do evento realizada pelo skipper, o perito da
Capitania do Porto de Lisboa concluiu que o alagamento não se podia ter
produzido da forma por aquele descrita no relatório de mar, não constituindo o
eventual rombo no flutuador de bombordo, com posterior progressão do alagamento
através do túnel para o flutuador de estibordo, a causa do evento acrescentando
que: “Pelo observado na condição de flutuabilidade da embarcação nas
fotografias 44 e 45, existe um acentuado caimento a ré, reduzindo a
probabilidade de passagem da água por esta abertura e, consequentemente, o
alagamento do casco de EB.”
LXXV-
O douto Tribunal a quo, neste facto dado como provado, afirma que o perito
concluiu (negrito nosso) no ponto 4.4.1 do seu relatório, que o alagamento não
se podia ter produzido da forma por aquele descrita no relatório de mar, não
constituindo o eventual rombo no flutuador de bombordo a causa do evento.
LXXVI-
Esta conclusão é uma conclusão a que chegou apenas o douto Tribunal “a quo”.
LXXVII-
Jamais o perito da Capitania do Porto de Lisboa e testemunha JM concluiu que o
alagamento não se podia ter produzido da forma descrita pelo Skipper no
relatório de mar, não constituindo o eventual rombo no flutuador de bombordo a
causa do evento.
LXXVIII-
Nem tal decorre do seu depoimento supra transcrito a propósito deste facto
LXXIX-
Pelo que terá este facto de ser dado como não provado que aliás se limita a
transcrever “ipsis verbis” os artigos 128º e 129º da contestação apresentada
pela R.
LXXX-
No ponto 99 encontra-se provado o seguinte: “Durante as três horas em que o
skipper esteve na embarcação nem sequer o local de origem da entrada de água
conseguiu determinar, não colocou materiais no eventual rombo do flutuador de
bombordo para, assim, atrasar e conter o caudal de alagamento e não fechou as
válvulas do circuito de água deste casco que se encontravam abertas, a fim de
impedir a entrada de água por estes orifícios”.
LXXXI
- O único facto que aqui pode ficar provado é que “O Skipper Senhor RM não
conseguiu determinar o local de origem da entrada de água”.
LXXXII
- Isto mesmo decorre de três documentos distintos que se encontram juntos aos
autos, nomeadamente o Relatório de Mar junto com a Petição Inicial como
documento nº 14, pelas inquirições daquele mesmo Skipper que constam no
relatório da Navaltik a fls. 165 a 278, e das declarações prestadas por aquele
mesmo Skipper perante a Polícia Marítima e que constam do relatório a fls. 78-v
a 80-v.
LXXXIII
- Pelo que terá este facto de ser dado como não provado, uma vez que se limita
a reproduzir conclusões retiradas dos artigos 167º a 172º da contestação.
LXXXIV-
Como decorre de fls. 2 do documento 24 junto pela A. ora RECORRENTE,
corroborado pelos documentos juntos aos autos pela R., com a referência 135451,
não contestados por nenhuma das partes, deveriam ter sido dados como provados
os seguintes factos:
“A
embarcação foi encontrada a 1 de Dezembro de 2018 pelas 21H00 pela Unidade da
Marinha Real, ao largo do Oceano Atlântico perto da Região de Kenitra com a
posição 34º27.2N 007º0.86’W”
”A
embarcação “THE XXXX” foi rebocada a 4 de Dezembro de 2018 pelas 20H45 para o
porto Militar Casablanca”.
LXXXV-
Tendo em conta os depoimentos supra transcritos das Testemunhas JM, AMM e PS entende
a ora Recorrente que deve ser dado como provado o seguinte facto porque
essencial para a boa decisão da causa: “Na embarcação existia um túnel de
ligação entre os dois cascos à popa”.
LXXXVI-
Deveria ter sido dado como provado o facto constante da alínea b) dos factos
dados como não provados e que é o seguinte:
b) A embarcação “THE XXXX” tinha as inspecções em dia”.
LXXXVII-
Mais uma vez denota-se a falta de diligência do douto Tribunal para dar este
facto como não provado.
LXXXVIII-
Na verdade e como resulta do Livrete da embarcação junto com o requerimento da
Capitania do Porto de Lisboa, datado de 18 de Fevereiro de 2020, com a
referência 135658, a embarcação foi vistoriada em 31 de Outubro de 2014 cuja
validade era 30 de Outubro de 2019.
LXXXIX-
Como deveriam, igualmente, ser dados como provados os factos constantes das
alíneas c) a m) que mais não são do que a transcrição do Relatório de Mar elaborado
pelo Skipper senhor RM.
XC-
O Douto Tribunal “a quo” contradiz-se, pois se, por um lado refere, naquela sua
motivação, que RM declarou que ouviu um barulho, quando estava a descansar na
sala da embarcação e que se dirigiu logo ao flutuador de bombordo encontrando-o
já alagado e com os paneiros a flutuar, por outro lado e para justificar a sua
motivação faz coincidir o barulho com a entrada de água.
XCI-
Nada resulta dos autos, nem tão pouco do depoimento do Senhor RM, acima
transcrito, que o barulho coincide com a referida entrada de água. Nem se
percebe bem onde o douto Tribunal “a quo” vai buscar tal coincidência.
XCII-
Esta premissa errada, efectivamente era a única que poderia credibilizar quer o
relatório quer o depoimento da testemunha AM.
XCIII-
O que resulta dos autos é que o Skipper nunca conseguiu identificar que tipo de
barulho sentiu, sendo que, nas suas várias declarações quer junto da Navaltik,
quer junto da Polícia Marítima fala em possível embate.
XCIV-Ora,
isto não configura qualquer evento catastrófico.
XCV-
Não se entende como o douto Tribunal “a quo” pode dar como não provado o
Relatório de Mar e depois fundamentar a sua decisão de absolver a Ré, com
factos que constam daquele próprio Relatório de Mar.
XCVI-
Desde logo, na alínea c) o douto Tribunal “a quo” considera não provado que o
Skipper tenha ouvido o barulho pelas 2 horas da manhã.
XCVII-
E dá como não provado igualmente, na alínea d) supra, que aquele mesmo Skipper
já tenha encontrado, aquela hora, os paneiros a flutuar.
XCVIII-
Se o douto Tribunal “a quo” dá tais factos como não provados, como pode depois
entender o seguinte (vide pág. 37 da sentença ora em crise): “…o skipper, ainda
que não tenha provocado intencionalmente o alagamento da embarcação, durante
cerca de três horas ficou na embarcação sem tentar aumentar os meios de
escoamento da água…”.
XCVIX-
Estando comprovado documentalmente que o Skipper abandonou a embarcação por
volta das 5h da manhã, como se dá como não provado que tenha ouvido o barulho
pelas 2h, quando o douto Tribunal a quo funda a sua convicção na exacerbação
destas mesmas três horas?
C-
Se o douto tribunal a quo entende, ainda que erradamente, como se explicou, que
a entrada de água foi massiva e repentina, porque não acredita que os paneiros
já estivessem a flutuar?
CI-
Tudo isto não só é incompreensível, mas absolutamente contraditório.
CII-O
douto Tribunal “a quo” dá como não provados que o Senhor RM tenha colocado as
bombas de esgoto a funcionar.
CIII-
Por outro lado, dá como provado no ponto 68 da matéria de facto dada como
provada que: “que nem a utilização pelo skipper das bombas submersíveis
eléctricas conseguiu conter”.
CIV-
Por um lado o douto Tribunal “a quo” entende que a embarcação não pode ter
adornado para estibordo porque havia alagamento em ambos os cascos, como vem
dar agora por não provado que passou também a haver grande quantidade de água a
Estibordo?
CV-
O Tribunal “a quo”, na sentença ora em crise nem sequer fundamenta a razão pela
qual dá como não provadas as alíneas g), h), i) e j)
CVI-
E, no que respeita à alínea k) dos factos dados como não provados, a testemunha
RM, explicou devidamente ao Tribunal a quo o que entendeu por adornamento,
conforme decorre do seu depoimento supra transcrito.
CVII-
O depoimento do Skipper senhor RM, supratranscrito, é compatível com o estado
em que se encontrava a embarcação.
CVIII-
Em momento algum, o Skipper RM falou em flutuadores levantados, falou na
dificuldade em subir, o que demonstra o alagamento mais acentuado à popa da
embarcação.
CIX-
Está provado por documentos, nomeadamente pelo Requerimento apresentado pela
Capitania do Porto de Lisboa em 18 de Fevereiro de 2020, com a referência
135658, pelo qual remete o processo de averiguações, concretamente a fls. 23 e
seguintes deste mesmo requerimento (Relatório Missão SAR), no ponto
METEOROLOGIA (Ponto 3), o vento tinha intensidade de 10 nós e rajadas de 15 nós
e ondas de direcção norte de 1,5 a 2,0 metros, o que coincide aliás com o depoimento
da testemunha RM supratranscrito a propósito deste facto.
CX-
E no que se refere aos factos l) e m), os mesmos encontram-se provados por
documento, nomeadamente pelos ANEXOS II-J e II-F que se encontram no relatório
apresentado pela R. de folhas 122 a 292 nos autos.
CXI-
Deste modo deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
c)
Pelas 02H00, hora local, do dia 21 de Outubro, estando a descansar na sala da
embarcação, o identificado senhor RM ouviu um barulho no flutuador de Bombordo.
d)
Tendo ido verificar o que se tinha passado o identificado senhor RM, encontrou
os paneiros da embarcação a flutuar.
e)
De imediato o identificado senhor RM tentou encontrar a entrada de água na
embarcação e esgotar a mesma através das duas bombas de fundo.
f)
O que não foi conseguido tendo subido o nível da água dentro da embarcação
passando a haver, também, grande quantidade de água no flutuador de Estibordo.
g)
Entretanto o gerador e o motor de Bombordo pararam.
h)
Em face do acima descrito o identificado senhor RM tentou rumar a Sines apenas
com o motor de Estibordo para tentar salvar a embarcação.
i)
Todavia e em virtude da subida do nível de água na embarcação e tendo em conta
o corredor de tráfego marítimo achou não ser prudente, por uma questão de segurança,
tomar tal rumo.
j)
Voltando, assim, ao rumo 262º à vela e a motor, esperando que o dia nascesse
para encontrar uma solução.
k)
Cerca das 05H00 da manhã daquele mesmo dia 21 de Outubro, a embarcação adornou
de repente e ficou numa posição muito instável.
l)
E, verificando não ter condições de segurança para permanecer a bordo da embarcação
o identificado senhor RM abandonou a mesma fazendo um alerta DISTRESS pelo
rádio VHF principal.
m)
Já no interior da balsa salva-vidas pelas 05H15, hora local, o identificado senhor
RM acionou a EPIRB que, como é sabido, é um rádio baliza de localização que se
usa em situações de emergência e deu o alerta de “Mayday”, sinal para alertar
uma situação de emergência, por telefone satélite para o MRCC LISBOA (contactos
de busca e salvamento) e para o número da sua mulher 351 917 222 503, com a sua
seguinte posição: 38,12N - 011,19W.
CXII-
O douto Tribunal “a quo” para fundamentar a sua decisão faz afirmações que, de
modo algum, a A. ora RECORRENTE algumas vez alegou.
CXIII-
Na página 34 daquela sentença pode ler-se: “A Autora alegou que a embarcação
naufragou devido a causa indeterminada que provocou o rápido alagamento da
embarcação….”. Ora nunca a A. ora RECORRENTE alegou em qualquer das suas peças
processuais o “..rápido alagamento da embarcação…”
CXIV-
O que se alega em sede de P.I. é apenas que o Skipper, estava pelas 2H00 da
manhã, estando a descansar ouviu um barulho no flutuador de Bombordo.
CXV-
E, tendo ido verificar encontrou os paneiros da embarcação a flutuar.
CXVI-
Nada destas alegações têm a ver com o rápido alagamento da embarcação.
CXVII-
Percebe-se que o douto Tribunal “a quo” pretenda invocar esta alegação nunca
proferida pela A. ora RECORRENTE.
CXVIII-
Porque só este alagamento rápido, que aliás a douta sentença ora em crise faz
coincidir com o barulho ouvido pelo SKIPPER, e que jamais ficou provado, podia
permitir ao douto Tribunal “a quo” decidir como decidiu.
CXVIX-
Credibilizando o douto Tribunal “a quo” o Relatório e o depoimento da
testemunha AMM.
CXX-
Relatório esse elaborado no dia 7 de Fevereiro de 2019, a uma embarcação
completamente destruída e desventrada, sem popas a que correspondente a cerca
de 1/3 da sua estrutura, depois 108 dias após o sinistro, sendo que, durante
este período de 108 dias, a mesma embarcação esteve à deriva durante 40 dias,
tendo sido rebocada 3 dias após o seu aparecimento para o porto de Casablanca
aí permanecendo na Royal Gendarmerie mais 65 dias até ser vistoriada.
CXXI-
Não há sequer qualquer registo fotográfico da embarcação à data do seu
aparecimento, isto é, em 1 de Dezembro de 2018.
CXXII-
E, nesta matéria, há um erro crasso em que o douto Tribunal labora.
CXXIII-
Na verdade, o que o estado da embarcação aquando da perícia apenas não pode
determinar é a causa do acidente.
CXXIV-
E não como é referido na página 39, que o alagamento da embarcação foi
provocado intencionalmente pelo “Skipper”.
CXXV-
Já que o alagamento é uma decorrência do facto que o determinou.
CXXVI-
Não nos podemos esquecer que, como decorre do depoimento da testemunha AMM, a
sua “vistoria” apenas teve um propósito: Foi o de arranjar uma causa para o
sinistro que excluísse a responsabilidade da R. e não a de apurar a verdadeira
causa provável do aludido sinistro.
CXXVII-
Algo que o Perito nomeado pela Capitania do Porto de Lisboa, Autoridade
imparcial e acima de qualquer suspeita que depois de formular todas as
hipóteses possíveis, inclusive as que eram favoráveis à R. concluiu que: Tendo
por base a sequência de eventos apresentados no relatório de mar em anexo A e a
avaliação do estado actual da embarcação (negrito nosso) (parágrafo 3) não é
possível identificar inequivocamente a causa do acidente”.
CXXVIII-
O que é que levou o douto Tribunal “a quo” desvalorizar a conclusão constante
do o Relatório do senhor Perito da Capitania do Porto de Lisboa? Aproveitando
só, nos factos provados, as hipóteses formuladas neste relatório e que são
coincidentes com a posição da R.?
CXXIX-
O douto Tribunal esqueceu uma questão fundamental de direito para a boa decisão
da causa.
CXXX-
É que o senhor Capitão do Porto não confirmou o Relatório de Mar apenas e só
com base de que o mesmo tinha sido apresentado no prazo de 48H00 previsto no
artigo 14º do Decreto-Lei 384/99 de 23 de Setembro.
CXXXI-
A confirmação do Relatório de Mar consta do artigo 15º do referido Decreto-Lei.
CXXXII-
Nos termos do nº 1 do citado preceito legal, a autoridade marítima que recebe o
relatório de mar deve investigar, com carácter de urgência, a veracidade dos
factos relatados procedendo às inquirições que se revelem necessárias.
CXXXIII-
E, nos termos do nº 2 a autoridade competente para a confirmação do Relatório
de Mar deve, igualmente, recolher as informações de demais meios de prova
relacionados com os factos relatados.
CXXXIV-
Ainda, nos termos do nº 5, no final da investigação, a Autoridade Marítima,
encerra o procedimento, lavrando conclusões, nas quais confirma ou não,
fundamentadamente, os factos constantes do Relatório de Mar.
CXXXV-
No caso presente, antes da confirmação do Relatório de Mar, e como consta do
processo junto aos autos pela Capitania do Porto de Lisboa com a referência
070.40.06-11/18, neste caso a autoridade competente, abriu um inquérito no qual
nomeou como instrutor a testemunha JPM, mandou efectuar uma vistoria à embarcação
e, concordando com a informação prestada pelo Agente instrutor junto ao seu despacho
concluiu, que não era possível determinar as causas para o sucedido e que como
tal confirmou o Relatório de Mar, cumprindo, assim, com o disposto no artigo
15º do aludido Diploma Legal.
CXXXVI-
E note-se que o Despacho do Senhor Capitão do Porto tem a data de 24 de Maio de
2019.
CXXXVII-
E não a data correspondente às 48H00 após a apresentação de tal Relatório de
Mar.
CXXXVIII-
Não cabe na cabeça de ninguém, muito menos de uma Autoridade Marítima,
confirmar um Relatório de Mar, tanto mais tratando-se de um naufrágio,
confirmar um Relatório de Mar só porque o mesmo foi apresentado no prazo de
48H00.
CXXXIX-
Consta da douta sentença ora recorrida que, para que haja aplicação do artigo
605º do Código Comercial, é necessário que o Segurado prove os factos
constitutivos do seu direito, o que significa que ele deve demonstrar que o
risco maritimo é a causa da perda e o mesmo está coberto.
CXL-
Trata-se de mais um tremendo erro do douto Tribunal “a quo”.
CXLI-
Como é que era possível que o Skipper conseguisse determinar a causa do
acidente, quando sempre afirmou desconhecer a mesma?
CXLII-
Nos termos do artigo 342º do Código Civil, efectivamente caberia à ora
RECORRENTE fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito.
CXLIII-
Todavia, nos termos do disposto no artigo 344º/1 do Código Civil, as regras do
ónus da prova prevista nos artigos anteriores invertem-se quando haja presunção
legal.
CXLIV-
E, nos termos do disposto no artigo 349º do Código Civil, as presunções são as
ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto
desconhecido.
CXLV-
O facto conhecido aqui é o sinistro.
CXLVI-
Ora, nos termos do artigo 605º do Código Comercial, no caso de dúvida sobre a
causa da perda dos objectos segurados, leia-se embarcação, presume-se haverem
perecido por fortuna de mar e o Segurador é responsável.
CXLV-
É incontornável o facto de que a embarcação não desapareceu.
CXLVI-
mas a sua perda foi total conforme decorre dos próprios autos.
CXLVII-
Todavia não foi feita qualquer prova que permitisse determinar a causa do
acidente.
CXLVIII-
Não tendo sido ilidida a presunção prevista no artigo 605º do Código Comercial,
resulta manifesto que a sentença ora recorrida teria de ser seguramente de
condenação e não outra.
CXLIX-
A douta sentença erra mais uma vez, ao absolver a R. do pedido com base na
barataria.
CL-
É referido na douta sentença o seguinte:” …que sempre a acção teria de
improceder pois a actuação do Skipper foi de molde a “assegurar” que a embarcação
segura se perderia no mar ou seja, ainda que o Skipper não tenha provocado
intencionalmente o alagamento da embarcação, durante cerca de três horas ficou
na embarcação sem tentar aumentar os meios de escoamento da água que continuava
a entrar na embarcação conforme declarou na sua audição perante a Polícia
Marítima (facto 44), sem que as válvulas de entrada de água na embarcação para
fornecimento das águas á casa de banho estavam fechadas, sem conseguir encontrar
um qualquer rombo que justificasse o embarque de água, pois apesar de declarar
que ouviu o ruído e se deparou com o alagamento às 2h00 da manhã, apenas às
5h00 da manhã, com a embarcação já parcialmente submersa, lançou o pedido de
socorro”.
CLI-
Como pode, honestamente, o douto Tribunal “a quo” afirmar que o Skipper, com ou
sem aspas, quis assegurar que a embarcação se perderia no mar?
CLII
-Dá a sensação que o douto Tribunal a quo pretende que o Skipper quereria que a
embarcação se perdesse para sempre.
CLIII-
O Skipper sempre afirmou que viajava com as válvulas abertas.
CLIV-
Como decorre de depoimentos de várias testemunhas, Perito da Capitania do
Porto, do Senhor PS, do Senhor VF e do Senhor JM, o facto de viajar com as
válvulas abertas não constituía qualquer perigo para a navegação nem causa que
justificasse o sinistro.
CLV-
Por outro lado, a embarcação não se perdeu, tanto que foi recuperada perto da
Costa Marroquina.
CLVI-
A embarcação não se perdeu porque manteve a sua reserva de flutuabilidade,
nomeadamente através dos piques-estantes.
CLVII-
Pergunta-se: Se o Skipper quisesse assegurar que a embarcação se perderia no
mar, não seria através da danificação daqueles piques-estanques à proa?
CLVIII-
Estamos a falar de um Skipper com 57 anos, que desde 2008 possui a qualificação
de Patrão de Alto Mar, e que era já à data dos factos um homem muito experiente
em navegação, e ainda que no seu depoimento demonstrou ter perfeito
conhecimento da embarcação, que esta era o seu instrumento de trabalho.
CLIX-
Acresce que a RECORRENTE da qual ele é sócio nada devia, que até tinha
actualizado o seguro, diminuindo por duas vezes o valor da embarcação e do
respectivo prémio.
CLX-
Do facto 44 que o douto Tribunal a quo considerou provado não resulta que o
Skipper nada tenha feito para salvar a embarcação, o seu principal propósito.
CLXI-
Resulta daquele facto 44 que tentou alterar o rumo e regressar a Sines, apenas
com o motor de estibordo, procurou descortinar o local por onde a água entrava
tendo ligado as bombas elétricas e que apenas não utilizou a bomba manual uma
vez que iria despender um enorme esforço físico (estando sozinho a bordo) e no
seu entender não iria retirar uma quantidade significativa de água.
CLXII-
O facto de não ter utilizado esta bomba manual é compreensível tal como é
confirmado pela testemunha AMM a folhas 14 do seu relatório, quando refere ser
irrelevante para os seus cálculos a existência de uma bomba manual por se
encontrar apenas uma pessoa a bordo.
CLXIII-
Faz algum sentido que alguém sozinho a duzentas milhas da costa, durante a
noite, com a embarcação a alagar, nada faça para tentar salvar a mesma e a si
mesmo?
CLXIV-
Nenhuma testemunha referiu que o fecho das válvulas impediria fosse o que
fosse.
CLXV-
O Capitão do Porto de Lisboa, autoridade competente para aferir da veracidade
do relatório de mar, no inquérito que ordenou, não só validou o relatório de
mar como não levantou qualquer reserva quer quanto ao procedimento do Skipper
para tentar resolver a situação, nem quanto ao tempo em que este o tentou.
CLXVI-
Não há nenhum indício de que o skipper RM tenha, alguma vez, pretendido afundar
a embarcação e estando, até, provados factos que contrariam essa intenção (como
a indiscutível circunstância de a embarcação não se ter afundado) não há
qualquer fundamento para se entender que ter havido qualquer situação de barataria.
CLXVII-
Não houve, assim, qualquer barataria, muito menos a título de dolo.
CLXVIII-
E ainda que por mera hipótese académica se pudesse conceber existir barataria
negligente, o que nem se concebe, esta não excluiria a responsabilidade da R.
CLXVIX-
A este respeito pronunciou-se este Douto Tribunal por Acórdão datado de 13 de
Julho de 2021, no âmbito do processo 120564/17.2YIPRT.L1-7, onde se pode ler:
“IV – O conceito de barataria a que alude o artigo 604º, nº 1 do CCom
compreende apenas actos e omissões dolosos, e não inclui actos negligentes do
capitão, da tripulação, ou do armador”.
E
na fundamentação daquele referido Acórdão escreve-se:
“Finalmente,
e em terceiro lugar, releva o confronto entre o art.1752.º do CCom de 1833[72]
e o art. 604.º do CCom vigente (1888). Como já se referiu, o primeiro preceito
delimitando os riscos marítimo cobertos pelo contrato de seguro, referia-se à
“negligência ou barataria do patrão ou da equipagem”, ao passo que o art. 604.º
não contém qualquer referência à negligência. Ora, em nosso entender, tal
alteração revela uma intenção clara no sentido de restringir a exclusão da
obrigação de segurar apenas aos atos dolosos, mantendo os atos negligentes
dentro da esfera de proteção conferida pelo contrato de seguro. Urge concluir,
tendo presente que, como refere MÁRIO RAPOSO[73], o direito comparado demonstra
que as legislações britânica, francesa, espanhola e italiana consagram
atualmente o entendimento restrito do conceito de barataria. E fazendo-o
aderimos resolutamente a este entendimento, por todos os motivos acima expostos
aos quais acrescentamos outro: No Direito português não temos conhecimento de
qualquer outra disposição legal que seja interpretada no sentido de excluir do
âmbito de cobertura de contratos de seguros de danos na modalidade de
responsabilidade civil aqueles que sejam provocados por condutas negligentes.
Cremos mesmo que uma tal exclusão carece de sentido, visto que a ideia
subjacente aos seguros de danos que cobrem sinistros ocorridos no contexto da
responsabilidade civil é justamente, permitir a reparação de danos causados por
condutas negligentes. Donde, não descortinamos razão suficiente para, em pleno
século XXI, e num domínio como a navegação marítima, em que a outorga de
contratos de seguro se afigura crucial para a segurança desta atividade, ter
por adequada a exclusão da cobertura relativamente a danos causados por
condutas negligentes, quando a letra da lei não impõe tal caminho
interpretativo”.
O
Requerente apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu
que:
1. A reprodução das
alegações de recurso nas conclusões, com meras alterações pontuais e sem
qualquer esforço de síntese, equivalem à ausência de conclusões e,
consequentemente, o requerimento de recurso da Apelante deve ser indeferido
pelo tribunal a quo ao abrigo do n.º 1 do art.º 639º e da al. b) do n.º 2 do
art.º 641º do CPC ou, não sendo proferida tal decisão, deve o recurso ser
rejeitado pelo tribunal ad quem, com a mesma fundamentação;
2.
O recurso deve ser rejeitado na parte em que não foi pela Apelante observado o
ónus da impugnação previsto no art.º 640º do CPC, quanto ao ponto 86 dos Factos
Provados, na vertente primária (n.º 1), quanto aos pontos 63, 64, 76, 79, 90,
91, 93 e 96 dos Factos Provados, na vertente secundária (n.º 2, al. a)).
Da
impugnação da decisão sobre a matéria de facto
3.
Na apreciação da matéria de facto, o tribunal a quo foi auxiliado por assessor
técnico por si nomeado – o Sr. Eng.º PS, Eng.º Naval – nos termos do art.º 2º,
n.º 3 da Lei n.º 35/86, de 4/9, na apreciação de questões de facto que
implicavam o domínio de conhecimentos especiais que não possuía;
4.
O Tribunal ad quem está adstrito ao cumprimento do n.º 1 do art.º 662º do CPC
que condiciona a modificabilidade da decisão recorrida a factos que imponham
decisão diversa da recorrida e que sejam insusceptíveis de ser destruídos por
quaisquer outras provas, o que não acontece no caso da impugnação da Apelante
relativa a matéria de facto; Assim,
5.
Apesar de irrelevante para a decisão da causa, deve proceder a impugnação do
ponto 57 dos Factos Provados e deve proceder parcialmente, apenas quanto à
indicação da data, a impugnação que a Apelante faz do Ponto 73 dos Factos
Provados;
6.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 77 dos Factos
Provados, já que, atento o teor do ponto 53 dos Factos Provados, a alteração
pedida pela Apelante é redundante e não determina a alteração do sentido da
decisão recorrida;
7.
Deve ser considerada improcedente a conclusão LXXXIV do recurso, porquanto os
factos que a Apelante pretende ver provados já constam dos pontos 30, 69 e 70
dos Factos Provados, que não foram objecto de impugnação por parte da Apelante;
8.
Também deve ser considerada improcedente a conclusão LXXXV do recurso,
porquanto tal facto não foi conhecido pelo tribunal a quo por não fazer parte
dos factos em discussão e alegados pelas partes nos articulados, nem mencionado
nos relatórios pelos peritos que fizeram a vistoria à embarcação, tendo o
tribunal entendido não ser o mesmo relevante para a boa decisão da causa e logo
não integra a decisão recorrida. Acresce que, o referido facto não pode ser
considerado provado sem que seja concedida à Apelada a possibilidade de sobre o
mesmo se pronunciar (art.º 3º, n.º 3 do CPC) por força do princípio do
contraditório e da proibição das decisões surpresa;
9.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 58 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Factos Provados nos pontos 19, 71 e 74;
Processo de averiguações n.º 070.40.06 – 11/18, remetido pela Capitania do
Porto de Lisboa, e apenso por linha aos presentes autos em 18.02.2020; e o
depoimento da testemunha JPM, cuja passagem da gravação está indicada no corpo
da alegação para a qual se remete;
10.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 63 dos Factos
Provados em face do Relatório de Avaria da Navaltik Portugal, Lda., a fls. 165
a 278 (v. p. 11);
11.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 64 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Relatório elaborado por AMM, de fls. 122 a
163 (v. p. 13); depoimento das testemunhas JM e AMM, cujas passagens da
gravação estão indicadas no corpo da alegação para a qual se remete;
12.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 68 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Relatório elaborado por AMM, de fls. 122 a
163 (v. pp. 14 a 17); e Relatório elaborado por JM, de fls. 69-v a 78;
13.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 76 dos Factos
Provados em face do teor do Auto de Diligência relativo à vistoria realizada no
porto militar de Casablanca junto ao processo de averiguações n.º 070.40.06 –
11/18, remetido pela Capitania do Porto de Lisboa, e apenso por linha aos
presentes autos em 18.02.2020 (v. fls. 83 do referido processo);
14.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 79 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Relatório elaborado por AMM, de fls. 122 a
163 (v. pp. 38 e 40); e o Relatório elaborado por JM, de fls. 69-v a 78 (v. p.
9);
15.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre os pontos 89 e 90 dos
Factos Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e
se desenvolvem no corpo da alegação: Relatório elaborado por AMM, perito
nomeado pela Ré, de fls. 122 a 163 (pp. 10, 27 e 32 e Doc. 6 do Anexo II);
Relatório elaborado por JM, de fls. 69-v a 78 (v. p. 3 e 7); Relatório de
Avaria da Navaltik Portugal, Lda., a fls. 165 a 278 (v. p. 3 e 11) e fotografia
constante do Anexo II-N do relatório da Navaltik;
16.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 91 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Pontos 88, 89 e 90 dos Factos Provados;
Relatório elaborado por AMM, perito nomeado pela Ré, de fls. 122 a 163 (v. pp.
7, 10, 20 e 21); e depoimento da testemunha AMM, cuja passagem da gravação está
indicada no corpo da alegação para a qual se remete;
17.
Quanto à impugnação do ponto 93 dos Factos Provados, deve a mesma improceder
porquanto a transcrição de um excerto do documento não invalida que se atente a
todo o documento, tendo sido utilizada a expressão “além do mais” e
considerando a matéria provada nos pontos 40 e 41 dos Factos Provados;
18.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 96 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: ponto 63 dos Factos Provados; Relatório
elaborado por JM, de fls. 69-v a 78 (v. p. 11 e 12); e o depoimento do próprio
cuja passagem da gravação está indicada no corpo da alegação para a qual se
remete;
19.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre o ponto 99 dos Factos
Provados em face dos concretos meios probatórios que aqui se indicam e se
desenvolvem no corpo da alegação: Relatório de mar apresentado pelo skipper da
embarcação (Doc. 14 com a p.i.), no qual o skipper não refere ter realizado
qualquer dessas operações; o depoimento do próprio skipper RM e de AMM, cujas
passagens da gravação estão indicadas no corpo da alegação para a qual se
remete;
20.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre a al. b) dos Factos
Não Provados em face do Auto de registo constante do processo de averiguações
que foi remetido pela Capitania do Porto de Lisboa e que se encontra apenso aos
autos (fls. 8-10), que comprova que a embarcação estava a operar na actividade
marítimo-turística desde 2015, passando a estar sujeita à aplicação do DL n.º
149/2014, de 10 de Outubro, que aprovou o Regulamento das Embarcações
utilizadas na Actividade Marítimo-Turística, e, consequentemente, ao seu art.º
11º, n.ºs 1 e 4, sendo que nenhum documento destas vistorias anuais
obrigatórias foi apresentado pela Apelante;
21.
Deve improceder a impugnação da decisão que recaiu sobre as als. c) a m) dos
Factos Não Provados, uma vez que o tribunal, no âmbito do princípio da livre
apreciação da prova, não considerou o depoimento da única testemunha presencial
do evento, o Sr. RM, como sendo um depoimento coerente e credível pelas razões
explicadas na motivação, tendo formado a sua convicção com base na extensa
prova técnica produzida e criteriosamente apreciada com o auxílio do assessor
técnico do tribunal e com base nas regras da experiência. Sem embargo, à
cautela, indicam-se os concretos meios probatórios que infirmam as conclusões da
Apelante: Pontos 9, 13, 43, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 65, 77, 78, 79, 80, 81, 82,
83, 85, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95 e 96 dos Factos Provados; Relatório elaborado
por AMM, de fls. 122 a 163 (v. pp. 13 a 23); Relatório elaborado por JM, de fls.
69-v a 78; Relatório de Avaria da Navaltik Portugal, Lda., a fls. 165 a 278,
designadamente o Anexo II-I a este relatório; e o depoimento da testemunha RM,
cuja passagem da gravação está indicada no corpo da alegação para a qual se
remete;
Da
impugnação da decisão sobre a matéria de direito
22.
A douta sentença recorrida não violou as normas do art.º 15º, n.ºs 1, 2 e 5, do
DL n.º 384/99, de 23/9, porquanto os factos constantes do relatório de mar não
foram confirmados, incumbindo à Apelante a prova dos factos constitutivos do
direito que pretende ver declarado judicialmente, nos termos do n.º 1 do art.º
342º do Cód. Civil, e da Cláusula 31ª das Condições Gerais do seguro celebrado
com a Apelada, prova que não logrou fazer;
23.
O art.º 605º do Cód. Comercial não é aplicável ao caso, porquanto a embarcação
não naufragou nem se perdeu em consequência do alagamento, tendo navegado até
perto da costa de Marrocos onde viria a ser encontrada;
24.
O conceito de barataria, previsto no art.º 604º §1º do CCom compreende tanto a
actuação dolosa do capitão como a negligente, não se justificando uma
interpretação restritiva do conceito de barataria num caso de danos próprios (e
não de responsabilidade civil), sendo que a actuação do skipper não pode deixar
de ser considerada dolosa, conforme resulta da matéria de facto provada e
corresponde à convicção do tribunal a quo;
25.
O caso sempre estaria excluído da cobertura do contrato de seguro celebrado com
a Apelada por a barataria constar do elenco das cláusulas de exclusão constante
da Cláusula 6ª das Condições Gerais do próprio contrato de seguro;
Da
ampliação do objecto do recurso
26.
A Apelada requer, subsidiariamente, a ampliação do objecto de recurso para
arguir a nulidade da sentença recorrida em virtude de não se ter pronunciado
sobre a falsidade requerida pela Apelada no artigo 26º da contestação, ao
abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC e do art.º 636º, n.º 2 do CPC;
27.
A Apelada vem também impugnar, ao abrigo do n.º 2 do art.º 636º do CPC, os
pontos 68 e 98 dos Factos Provados, devendo ser provado apenas que:
68
- Considerando o excessivo caudal de alagamento, que nem as bombas submersíveis
eléctricas conseguiria conter, o rombo teria de ter uma superfície igual ou
superior à área de um círculo de 3 cm de diâmetro.
98
- O skipper não colocou a bomba manual com a capacidade de 45 l/min a esgotar a
água por forma a aumentar a capacidade de esgoto das outras duas bombas submersíveis
eléctricas.
E
não provado que: O skipper colocou as duas bombas de esgoto eléctricas a
funcionar, com base nos concretos meios probatórios constantes da alegação para
os quais, por economia, aqui se remete;
28.
A Apelada impugna também o ponto 10 dos Factos Provados por ser relevante para
os fundamentos da defesa, devendo ter sido provado:
10
– Foi programada uma viagem, com a embarcação, de Lisboa para Ponta Delgada,
nos Açores para a vistoria anual a ser realizada pela DGRM e para as
necessárias inspecções no âmbito de um projecto de desenvolvimento turístico
dos Açores ao qual a referida embarcação estava afecta, beneficiando de
incentivo financeiro não reembolsável no montante de € 143.910,52 concedido
pelo Governo Regional dos Açores, com base nos concretos meios probatórios
constantes da alegação para os quais, por economia, aqui se remete;
29.
Por fim, para o caso de vir a ser dado provimento à conclusão LXXXV da alegação
da Apelante, a Apelada considera que deveriam ter sido provados os seguintes
factos:
-
“As anteparas de vante das casas da máquina eram estanques”; e
-
“A água não podia ter passado para o casco de estibordo pelo túnel técnico”,
com base nos concretos meios probatórios constantes da alegação para os quais,
por economia, aqui se remete;
30.
A Apelada requer ainda, subsidiariamente, a apreciação do fundamento da defesa
em que decaiu: o alagamento da embarcação foi intencionalmente provocado e tal
facto determina a exclusão da cobertura da apólice com fundamento na Cláusula
6ª, n.º 2, als. k) e n) das Condições Gerais do seguro, com fundamento no n.º 1
do art.º 636º do CPC.
Questões a Decidir
São
as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4
e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera
de atuação do tribunal ad quem (exercendo
uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In
casu,
e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
- verificar a matéria dada como
provada nos Factos 57.º, 58.º, 63.º, 64.º, 68.º, 73.º, 76.º, 77.º, 79.º, 86.º,
89.º, 90.º, 91.º, 93.º, 96.º, 99.º.
-
verificar a necessidade de acrescentar outros Factos à Factualidade provada (a) “A embarcação foi encontrada a 1 de
Dezembro de 2018 pelas 21H00 pela Unidade da Marinha Real, ao largo do Oceano
Atlântico perto da Região de Kenitra com a posição 34º27.2N 007º0.86’W”; b) ”A
embarcação “THE XXXX” foi rebocada a 4 de Dezembro de 2018 pelas 20H45 para o
porto Militar Casablanca”; -c) “Na embarcação existia um túnel de ligação entre
os dois cascos à popa”);
- verificar a necessidade de serem considerados
provados os factos constantes da alínea b), c), d), e), f), g), h), i), j), k),
l), m), dos Factos não Provados.
-
verificar - por via da ampliação promovida pela Ré-Recorrida - a necessidade de:
Ia-
alteração da redacção do Facto 68.º (Considerando o excessivo caudal de
alagamento, que nem as bombas submersíveis eléctricas conseguiria conter, o
rombo teria de ter uma superfície igual ou superior à área de um círculo de 3
cm de diâmetro);
Ib-
a alteração da redacção do Facto 98.º (O skipper não colocou a bomba manual com
a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma a aumentar a capacidade de
esgoto das outras duas bombas submersíveis eléctricas);
Ic-
considerar não provado que “O skipper colocou as duas bombas de esgoto
eléctricas a funcionar”;
Id-
alterar da redacção do Facto 10.º (Foi programada uma viagem, com a embarcação,
de Lisboa para Ponta Delgada, nos Açores para a vistoria anual a ser realizada
pela DGRM e para as necessárias inspecções no âmbito de um projecto de
desenvolvimento turístico dos Açores ao qual a referida embarcação estava
afecta, beneficiando de incentivo financeiro não reembolsável no montante de €
143.910,52 concedido pelo Governo Regional dos Açores).
-
verificar se perante a factualidade apurada o Direito se mostra correctamente
aplicado aos factos, nomeadamente quanto à responsabilidade pela ocorrência do
sinistro e suas consequências, à face das regras da responsabilidade civil, do
contrato de seguro e do direito marítimo (em concreto dos artigos 604.º e 605.º
do Código Comercial);
-
(a título subsidiário) verificar se
existe alguma nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC,
por ter ocorrido uma ausência de pronúncia quanto a uma falsidade arguida na
Contestação.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
O
Tribunal considerou provada a seguinte
factualidade:
1.
A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à actividade de
realização de eventos, festas e actividades culturais; gestão e exploração
náutica e marítimo turística, incluindo passeios e cruzeiros; transportes de
passageiros; compra e venda, representação e aluguer de embarcações com ou sem
tripulação.
2
- No âmbito da sua actividade a Autora, em 22 de Setembro de 2014, adquiriu à
firma “Fountaine Pajot”, pelo valor de € 284.437 uma embarcação de recreio
CATAMARAN, Modelo LIPARI 41 QUATUOR EVOLUTION e respectivo equipamento.
3
- A embarcação referida em 2 encontra-se registada na Capitania do Porto de
Lisboa, sob o n.º 18386LX1, com a denominação “The Xxxx”.
4
- A Autora, aquando a aquisição da embarcação, celebrou com a Ré, em Setembro
de 2014 um contrato de seguro enquanto aguardava a entrega da mesma e que
cobriu todos os riscos, incluindo o transporte daquela embarcação para Portugal.
5
– À data de 21 de Outubro de 2018 e relativamente à embarcação “The Xxxx”
encontrava-se em vigor a apólice n.º 85/22433, na redacção que lhe foi dada
pela Acta Adicional n.º 3, da qual faziam parte integrante as Condições Gerais
e Especiais nela mencionadas.
6
– O valor seguro, em Outubro de 2018, era no montante de € 240.000 acrescido do
montante de € 12.000 para electrónicos não especificados e do montante de €
6.000 para Velas.
7
- A referida embarcação encontrava-se equipada com todos os equipamentos e
meios de salvação necessários às viagens que efectuava.
8
- O Skipper da referida embarcação, à data dos factos em discussão, era o Senhor
RM, também ele sócio da Autora que, desde 2008, possui a qualificação de Patrão
de Alto Mar.
9
- RM era já à data dos factos um homem muito experiente em navegação.
10 - Foi programada
uma viagem, com a embarcação, de Lisboa para Ponta Delgada, nos Açores para a
vistoria anual a ser realizada pela DGRM e para as necessárias inspecções no
âmbito de um projecto de desenvolvimento turístico dos Açores.
11
- Durante a viagem referida em 10, RM, foi resgatado por um helicóptero da
Força Aérea pelas 08H00 da manhã do dia 21 de Outubro de 2018.
12
- RM, zarpou de Lisboa, doca de Alcântara, pelas 6H30 do dia 20 de Outubro de
2010, tendo feito a necessária comunicação ao Centro do Controlo de Tráfego
Marítimo (Roca Control) quando estava a sair a barra do Porto de Lisboa.
13
- As condições meteorológicas eram boas e a viagem estava a decorrer de uma
forma normal.
14
- Cerca das 05H00 da manhã RM fez um alerta DISTRESS pelo rádio VHF principal e
abandonou a embarcação “THE XXXX”.
15
- RM baixou a embarcação auxiliar e disparou a jangada pneumática.
16
- Após o resgate de RM, pela equipa de resgate foi registado que a balsa salva
vidas foi afundada e a embarcação “THE XXXX” estava quase afundada.
17
- O relatório elaborado pela Equipa de Resgate tem o seguinte teor:
“Operations
(pilot) EH-101 Crew was activated at 5.00Z to depart for the rescue of 1 person
on board of a lifraft of the sailing vessel “xxxx”. Take of after refuel
aircraft at 05.45Z. Upon arrival liferaft and sailing vessel were located and
the crew proceed with the rescue. The liferaft was sunked and the sailing
vessel was already sunken. With the victim on board of the aircraft, the crew
proceded to Montijo Air Force Base and landed at 8:00Z” ou seja, em português:
“Operações (piloto) EH - 101 tripulação foi ativada às 5.00Z para partir para o
resgate de 1 pessoa a bordo de uma embarcação salva-vidas do navio à vela “Xxxx”.
Embarque após reabastecimento da aeronave às 05.45Z. Após a chegada, a balsa
salva-vidas e o barco a vela foram localizados e a tripulação prosseguiu com o
resgate. A balsa salva-vidas foi afundada e o veleiro estava já afundado. Com a
vítima a bordo da aeronave, a tripulação seguiu para a Base Aérea do Montijo e
aterrou às 8h00”.
18
- No dia 22 de Outubro de 2018 foi registado o seguinte no SAR MISSION REPORT
da Força Aérea:
“at
1252z located sailing vessel The Xxxx at position 38º08’N 011º33W After
confirming that de sailing vessel was sinking, contact was made to Air Rescue Coordination
centre Lisbon while performing a notice to the navigation ising maritime band
chanel 16 international frequency. RCC Lisbon informed that the ship belonged to
a rescued person, on the day before and that ORION03 was clear to proceed with
its present mission.” o que significava que tinha sido verificado que a
embarcação “The Xxxx” se estava a afundar e foi feito um contacto com o Centro Coordenador
de Salvamento por meios Aéreos de Lisboa enquanto se dava um aviso à navegação
usando o canal marítimo 16, de frequência internacional. O referido centro
Coordenador informou que a embarcação pertencia a uma pessoa resgatada no dia
anterior e que o ORION03 estava liberto para prosseguir com a sua presente
missão.
19
- Dos relatórios supra referidos foi dado conhecimento à Autora em 19 de Novembro
de 2018, pelo ofício 013008.
20
- Em 23 de Outubro de 2018 e no estrito cumprimento da alínea f) da cláusula
28ª das Condições Gerais do Seguro, através da sua gerente, a Autora participou
à Ré o sinistro, enviando, por e-mail daquela mesma data o Protesto de Mar
supra identificado.
21
- Por e-mail datado de 24 de Outubro de 2018, em resposta ao supracitado e-mail
a Ré respondeu à Autora, no qual informa que procederam à abertura do processo
de sinistro o qual assumia o nº 85/201026.
22
- A Ré informou a Autora que tinha sido nomeada a empresa Navaltik Portugal
para proceder à elaboração do relatório de peritagem ao evento e que nomeavam o
senhor MB como gestor do processo.
23
- Em 29 de Outubro de 2019, RM foi ouvido pelo perito da NAVALTIK em Inquérito
onde constam as respostas dadas por RM, nomeadamente, sobre os factos
ocorridos.
24
- No âmbito do inquérito realizado pela NAVALTIK, aquando da sua audição, RM, à
pergunta que lhe foi formulada sobre quais as manobras que foram efectuadas
para salvar a embarcação na altura em que foi detectada água aberta respondeu
que foi procurar a entrada de água pelo casco de bombordo, mas não a encontrou.
25
- No mesmo inquérito, instado a responder por onde entrava a água, RM respondeu
que não conseguiu detectar, mas na altura era pelo casco de bombordo.
26
- E, instado a responder se foram colocadas as bombas de esgoto a funcionar respondeu
que sim e, embora não soubesse as características das mesmas referiu que uma
das bombas se encontrava no porão do motor e a outra a meia nau.
27
- Ainda, relativamente à pergunta que lhe foi feita sobre o porquê de ter saltado
e abandonado a embarcação, RM respondeu que a água acabou por alagar também a
estibordo e ficou a abicar e a desabar instável sem qualquer hipótese de
governo ou segurança.
28
- Tendo-lhe sido, ainda, perguntado quanto tempo decorreu entre o momento do
evento e as comunicações feitas às autoridades, RM referiu que cerca de 3H15
porquanto ficou a tentar resolver a situação e esperar pelo dia para tentar
salvar a embarcação.
29
- E quando instado a responder o que achava relevante informar para justificar
o evento, RM respondeu; “Não sabe o que aconteceu. Fez tudo o que estava ao seu
alcance para salvar a embarcação mas não conseguiu. Chegou mesmo a voltar com
rumo a Sines mas iria, ainda, criar mais problemas e ficar no corredor de
tráfego”.
30
- A embarcação veio a dar à costa em Marrocos, tendo sido descoberta por uma
unidade da Marine Royal na posição N34.27.2 W007.0.86 ao largo de Kenitra,
Marrocos e tendo sido rebocada para o porto Militar de Casablanca.
31
- O ofício da Direcção Geral da Autoridade Marítima datado de 18 de Dezembro de
2018 foi recebido pela Autora em 16 de Janeiro de 2019.
32
- O facto referido em 30 foi comunicado pelo Ilustre Mandatário da Autora à Ré,
em 17 de Janeiro de 2019.
33
- O facto referido em 30 foi comunicado pelo Ilustre Mandatário da Autora à
Direcção Geral da Autoridade Marítima, conforme decorre da carta datado de 25 de
Janeiro de 2019.
34
- Em 11 de Janeiro de 2019, o Ilustre Mandatário da Autora entrou em contacto
com a firma Navaltik, à qual transmitiu o teor da informação referida em 30.
35
- A Navaltik informou a Ré que, por e-mail dirigido ao Ilustre Mandatário da Autora,
confirmou ter sido contactado pelo Engº MG, colaborador da referida Navaltik
que disse, e transcreve-se: “…que o Dr. JB lhe ligou esta manhã para lhe
transmitir que a embarcação teria dado à costa em Marrocos, sem contudo
esclarecer em que local exacto em que a embarcação se encontrava”.
36
- A Ré solicitou ao Ilustre Mandatário da Autora e transcreve-se: “Deste modo,
agradecemos que, com urgência, confirme por escrito esta informação, bem como
da identificação do local exacto em que a embarcação se encontra”.
37
- Por e-mail dirigido à Ré, o Ilustre Mandatário da Autora respondeu e transcreve-se:
“Apenas lhes posso transmitir a única informação que obtive da Autoridade Marítima
hoje na sequência das diligências que fiz, entidade que V. Exas. ainda nem
sequer contactaram como entidade seguradora, foi a de que a embarcação se
encontrava em Marrocos.
38
- Em 29 de Janeiro de 2019, o Ilustre Mandatário da Autora foi informado pelo
Senhor Capitão do Porto de Lisboa de que estava prevista a deslocação de peritos
da Autoridade Marítima a Marrocos/Casablanca para uma peritagem à embarcação da
Autora a ser realizada a 7 de Fevereiro de 2019.
39
- Naquele referido e-mail o senhor Capitão do Porto fala, ainda, de um perito
designado que terá sido um perito designado pela Ré.
40
- Conforme resulta do Relatório de Peritagem feita embarcação em 7 de Fevereiro
de 2019, elaborado pelo perito da Capitania do Porto de Lisboa, nomeadamente, das
conclusões constantes da sua página 12, e transcreve-se:
“Tendo
por base a sequência dos eventos apresentados no relatório de mar em Anexo A e
a avaliação do estado actual da embarcação (parágrafo 3) não é possível
identificar inequivocamente a causa do acidente”.
41
- Resulta, ainda, daquele relatório que, e transcreve-se: “A embarcação não
reúne condições de segurança e navegabilidade para retomar a actividade a que se
destina, em virtude da inexistência da integridade estrutural do casco e da inoperacionalidade
dos sistemas de propulsão e governo, dos equipamentos náuticos e de manobra”.
42
- Na sequência da peritagem que foi efectuada, em 18 de Março de 2019, RM,
skipper da embarcação e nessa qualidade, compareceu na Polícia Marítima,
Comando Local de Lisboa, para ser inquirido como testemunha.
43
- Na inquirição referida em 42, RM confirmou o que já tinha declarado no
Protesto de Mar, tendo referido, ainda, que antes do início da viagem verificou
todas as condições gerais da embarcação, que eram boas, e que, as condições
meteorológicas e de navegabilidade eram boas, soprando o vento de 8 a 12 nós e
a vaga de cerca de 2 metros, referindo, ainda, que era normal efectuar este tipo
de viagem, considerando-se um navegador experiente, fazendo navegações desde
1987 e, em mar aberto, desde 2008.
44
- Relativamente ao sinistro, RM prestou as seguintes declarações:
“A
viagem decorria dentro da normalidade, a uma velocidade de 5 nós/hora, com o
motor de bombordo a trabalhar a 1500 rotações, motor de estibordo parado e vela
genoa içada, acrescentando que, para não cair em sono profundo, tinha accionada
a função “self timer” do telemóvel de 20 em 20minutos, fazendo sempre as
viagens vestido, calçado e com colete de salvação envergado, referindo não
existir qualquer indício de água a bordo.
Cerca
das 2:00 do dia seguinte, quando estava a descanar a estibordo no salão, de
cabeça para a proa, navegando a embarcação em piloto automático, rumo 262 a 268,
ouviu um ruído no flutuador na alheta a bombordo.
Foi
verificar do sucedido e constatou que a bombordo, já aparecia água por cima dos
paneiros, pelo que, de imediato, tentou descortinar onde a água entrava, tendo
ligado as bombas eléctricas de esgoto e o gerador, no entanto o nível da água foi
subindo, passando a mesma para estibordo por uma área técnica, onde estão os cabos,
tubos e mangueiras, situada entre os dois bordos.
Declara
que possuía uma bomba manual mas não a utilizou, uma vez que iria despender um
enorme esforço físico em vão e, no seu entender, não iria retirar uma quantidade
significativa de água.
Entretanto
o motor de bombordo parou, bem como o gerador.
Posto
isto, tentou alterar o rumo e regressar para Sines, apenas com o motor de
estibordo, com o intuito de salvar a embarcação, porém o nível da água no interior
da mesma era cada vez maior e, como iria atravessar o corredor de tráfego
marítimo, achou que não seria prudente, pelo que voltou ao rumo inicial em
direcção aos Açores, à vela e a motor, e aguardou pelo nascer do dia no sentido
de encontrar uma solução.
Cerca
das 5.00 horas, a embarcação adornou para estibordo, ficando numa posição
bastante instável, sentindo aí o verdadeiro perigo, pelo que decidiu abandoná-la,
uma vez que não existia condições de segurança, realizando um pedido de ajuda-Distress,
pelo rádio fixo VHF.
…quando
abandonou a embarcação, trouxe consigo o saco de abandono, que continha no seu
interior toda a pirotecnia, mantas de aquecimento, binóculos, caixa de
primeiros socorros, rádio portátil VHF, lanterna, espelho, navalha, pilhas, lâmpada
secundária, água, trazendo ainda preso ao fato que envergava, um telefone satélite,
a EPIRB, um canivete suíço, uma lanterna subaquática, água em sacos, atirando,
ainda para o interior da balsa salva-vidas, mais dois coletes de salvação.
…
“Assim,
no que concerne às válvulas de estibordo se encontrarem abertas, esclarece que
navega sempre com as mesmas abertas, acrescentando não existir qualquer perigo
de entrada de água. Já o facto de as mangueiras se encontrarem cortadas
desconhece o que possa ter acontecido, contudo declara que se as mesmas fossem
cortadas antes do início da viagem, as bombas de esgoto eléctricas teriam logo
dado sinal, algo que não aconteceu.
Relativamente
à tomada de fundo do casco, afirma que a mesma se encontrava efectivamente enroscada
a uma peça que ligava o odómetro e a sonda, tanto mais que até ao abandono da
embarcação, aqueles instrumentos ainda funcionavam julgando que tenha sido
saqueado assim como os motores, gerador e restante material de valor que se
encontrava a bordo”.
45
- A Autora, através do seu Ilustre Mandatário, enviou, em 14 de Março de 2019,
uma carta à Direcção Geral da Autoridade Marítima, dando da mesma conhecimento
à Ré, a informar que ao abrigo da Cláusula 01 das condições especiais e da
cláusula 34º nº 2 alínea c) das Condições Gerais do Seguro da identificada
embarcação coberto pela Apólice 85/22433, emitida pela Ré, declarava abandonar
a mesma.
46
- Das condições particulares do contrato de seguro celebrado sobre a embarcação,
a qual estava segura contra o risco 001 Perda Total, consta na cláusula 34ª nº
2 alínea c) o seguinte:
“2.
O abandono dos objectos seguros é apenas admitido nos seguintes casos:
…
c)
Perda total construtiva, ou seja inavegabilidade absoluta e definitiva causada
por um evento seguro que torne o navio irreparável ou o custo de reparação para
o repor no estado anterior ao sinistro, seja igual ou superior ao valor
seguro”.
47
- Em 22 de Março de 2019, por carta registada com aviso de recepção, onde
consta a data errónea de 14 de Março de 2019, a Autora, também através do seu
Ilustre Mandatário, solicita à Ré que, em face do nº 3 da cláusula 34º das Condições
Gerais de Seguro informe se aceita o abandono da embarcação.
48
- A questão da comunicação acerca do destino a dar à embarcação por parte da
Autora tinha sido levantada pela Ré no e-mail que enviou ao Ilustre Mandatário
da Autora.
49
- O Ilustre Mandatário da Autora, em nome desta, respondeu que para tomar uma
decisão definitiva sobre o destino a dar à embarcação, incluindo o abandono,
necessitava que a Ré informasse qual o resultado da vistoria efectuada à embarcação,
tendo em conta o disposto na alínea c) do nº 2 da cláusula 34ª das Condições
Gerais do seguro.
50
- A Ré respondeu à Autora, por e-mail datado de 11 de Março de 2019, dizendo,
além do mais, o seguinte: “…a decisão a tomar por parte da empresa tomadora de
seguro relativamente ao destino a dar à embarcação não depende do resultado da
peritagem realizada à mesma.
Por
este motivo, a partir do momento em que foi realizada a peritagem, a sua
cliente deixou de estar condicionada quanto à decisão a tomar sobre esta
matéria”.
51
- O Ilustre Mandatário da Autora, em nome desta, respondeu ao citado email da
Ré dizendo, além do mais, que: “…A peritagem apenas se torna importante para a
decisão já que importa aferir, para a tomada da mesma, em que estado se
encontra a embarcação…”.
52
- A Ré informou a Autora que o evento ocorrido com a embarcação da mesma não
estava coberto pela apólice de Seguro marítimo contratado, pois a causa do mesmo
terá sido o facto de se ter verificado que, no interior do casco de bombordo o
canhão de fundo para aspiração de água do mar estar aberto e que, no interior
do casco de estibordo, as duas válvulas do circuito de água do mar para alimentação
das casas de banho estavam abertas e as respectivas mangueiras cortadas de
forma perfeita e regular e que tal causa de alagamento sempre determinaria a
exclusão da cobertura de acordo com as alíneas k) e n) do nº 2 da cláusula 6ª
das Condições Gerais da Apólice de Seguro.
53
- As popas dos dois cascos estavam destruídas a partir das anteparas de vante
dos compartimentos dos motores.
54
- Entre a data do sinistro até que a embarcação fosse rebocada para o porto de
Casablanca decorreram cerca de 40 dias.
55
- As imagens gravadas pela Força Aérea Portuguesa, aquando do resgate de RM,
revelam que a embarcação se encontrava a flutuar com elevado caimento a ré e
sem adornamento.
56
- O mastro e a vela encontravam-se íntegros e totalmente fora de água.
57 - A embarcação
segura foi avistada pela aeronave da FAP P-3C Orion, na posição geográfica
38º08’N-011º33W e permanecia à tona da água, com derrabamento, sem adornamento,
estável, à deriva, navegando ao sabor do vento e das correntes.
58 - A Autora não
comunicou à Ré os factos referidos em 57, nunca remeteu ou deu conhecimento à
Ré dos relatórios da FAP que lhe foram notificados, nem encetou qualquer
iniciativa junto das autoridades oficiais.
59
- O alerta Distress (DSC) foi feito antes do skipper abandonar a embarcação, às
04:17 horas UTC, ou seja, às 05:17 horas (hora local).
60
- Pelas 04:26 horas UTC, ou seja, às 05:26 horas (hora local), o skipper fez
uma chamada via VHF, sendo que ainda se encontrava na embarcação.
61
- O skipper accionou o EPIRB pelas 04:36 horas UTC, ou seja, pelas 05:36 horas
(hora local) e apenas às 04:56 horas UTC, isto é, às 05:56 horas (hora local), o
skipper fez uma chamada telefónica para o MRCC Lisboa para dar a sua posição actualizada,
informando que se encontrava dentro da balsa salva-vidas com o GPS portátil,
fachos, EPIRB activada e encontrava-se à escuta no canal 16.
62
- Em 11 de Dezembro de 2018, a Navaltik Portugal elabora o seu relatório de
avaria n.º 18.0116 NA2, com base nos elementos disponíveis até esse momento (incluindo
as declarações do skipper) que anexou ao referido relatório.
63 - No relatório
referido em 62, os peritos da Navaltik Portugal concluíram que o alagamento
teve necessariamente de se iniciar a partir de ambos os flutuadores abaixo da
linha de água e tal situação apenas poderia ter ocorrido, na opinião dos
peritos, através de rombo em ambos os flutuadores ou através dos sistemas de
válvulas de fundo.
64 - Os paneiros
existentes na zona das escadas do salão para o casco de bombordo assentam por
volta de 50 cm acima do fundo.
65
- A categoria de concepção da embarcação segura era de tipo A - navegação
oceânica, tendo capacidade para resistir a vagas com altura significativa superior
a 4 m e ventos que podem exceder a força 8 na escala de Beaufort.
66
- No casco de bombordo da embarcação existiam, pelo menos, duas bombas
submersíveis eléctricas, uma a meio navio e outra no compartimento do motor,
cada uma com um débito de 38 l/min, perfazendo o total de 76 l/min.
67
- A embarcação tinha também uma bomba de esgoto manual de 45 l/min, totalizando
uma capacidade de esgoto de 121 l/min.
68 - Considerando o
excessivo caudal de alagamento, que nem a utilização pelo skipper das bombas
submersíveis eléctricas conseguiu conter, o rombo teria de ter uma superfície
igual ou superior à área de um círculo de 3 cm de diâmetro.
69
- A Marine Royale Marroquina encontrou a embarcação segura no dia 01 de
Dezembro de 2018, abandonada e submersa, ao largo de Kenitra, na posição geográfica
34º27.2N 007º0.86W.
70
- E, por constituir perigo para a navegação, a embarcação foi rebocada para o
porto militar/base naval de Casablanca, onde foi posta a seco à guarda da Brigada
Marítima (Gendarmerie Royale) desse porto.
71
- No dia 14 de Dezembro de 2018, o skipper teve conhecimento de que a embarcação
poderia ter aparecido em Marrocos, pelo agente instrutor do processo de
inquérito - o agente JPM - nas instalações do Comando Local de Lisboa da
Polícia Marítima.
72
- A Autora não comunicou o facto referido em 71 à Ré.
73 - Na sequência do
pedido de informação que a Ré dirigiu ao Capitão do Porto de Lisboa, veio este,
em 14 de Janeiro de 2019, remeter à mandatária da Ré cópia do ofício n.º 1480,
de 18.12.2018, e documentação ao mesmo anexa, que a DGAM tinha enviado à
Autora.
74
- A Autora não recebeu o ofício e os documentos porque não chegou a levantar a
carta registada com aviso de recepção enviada por aquele organismo para a
morada da sua sede social, conforme foi explicado pelo Capitão do Porto de Lisboa
à Ilustre Mandatária da Ré.
75
- Após coordenação entre as autoridades marroquinas e a embaixada portuguesa em
Rabat, a Ré nomeou o Comandante AMM para a realização de uma peritagem à
embarcação, no porto militar de Casablanca, com o único propósito de determinar
as causas que estiveram na origem do sinistro/alagamento.
76 - No dia 07 de
Fevereiro de 2019, pelas 08:30 horas (hora local), no porto militar de
Casablanca, sob a supervisão do Coronel M, da Brigada Marítima (Gendarmerie
Royale), foi realizada a peritagem à embarcação em seco por parte do perito
nomeado pelo Capitão do Porto de Lisboa, na presença do agente instrutor do processo
de inquérito, e pelo perito nomeado pela Ré.
77 - A embarcação
mantinha a estrutura dos cascos e do túnel que os liga.
78
- À excepção da popa, o perito nomeado pela Ré verificou que o casco de bombordo
se encontrava estruturalmente intacto, não apresentando qualquer sinal de nele
ter tocado ou roçado alguma coisa, mantendo intacta a pintura de
antivegetativo.
79 - No interior do
casco de bombordo, por ante-a-ré da antepara dos piques, o perito constatou que
o canhão de fundo para aspiração de água do mar estava aberto para o mar,
proporcionando uma entrada livre e franca de água do mar para o interior
daquele casco.
80
– O referido canhão tinha 2’’ (polegadas) e estava bem “esmagado” contra o
fundo, com a anilha interior bem apertada.
81
- A rosca da sua face exterior encontrava-se intacta.
82
- O canhão estava aberto após terem sido desmontados os acessórios que o
tornavam estanque, nomeadamente o bojão roscado.
83
- O perito nomeado pela Ré verificou que o casco de estibordo também se encontrava
estruturalmente intacto, à excepção da zona da popa.
84
- Apesar de o costado exterior do flutuador de estibordo apresentar um rombo de
cerca de 8 cm de diâmetro na obra viva da amura, o perito nomeado pela Ré
concluiu que esse rombo não teve qualquer influência no alagamento do casco de
estibordo porque se encontra na zona de um pique tanque da proa, que é estanque
e de pequeno volume, o qual, mesmo que tivesse alagado não teria tido influência
negativa no valor limite da reserva de flutuabilidade, e terá sido provocado nas
manobras de levar a embarcação a seco pelo aspecto ainda novo do estilhaçado do
estratificado e pelo estilhaçado adjacente.
85
- No interior do casco de estibordo, o perito constatou que duas válvulas de
15mm de diâmetro do circuito de água do mar para alimentação das casas de banho
estavam abertas e as respectivas mangueiras tinham sido cortadas de forma perfeita
e regular com um objecto de lâmina afiada.
86 - Os piques das
proas encontravam-se estanques e os espaços suprajacentes tinham os seus
pavimentos incólumes, garantindo a estanquicidade dos piques.
87
- Após ter realizado a referida peritagem, em 28 de Fevereiro de 2019, o perito
nomeado pela Ré produziu o relatório de análise técnica n.º 001.MP01.COAN.
88
- Nesse relatório, o perito conclui que a embarcação não se afundou após o
alagamento porque a sua reserva de flutuabilidade era superior ao seu deslocamento.
89 - A maioria da
reserva de flutuabilidade, no valor de 7,6 m3, encontra-se no túnel de união
dos dois cascos a que acresce o somatório dos pequenos piques estanques das
proas de ambos os cascos.
90 - O túnel de união
dos dois cascos não alagou.
91 - A embarcação não
adornou concluindo o perito que tal aconteceu porque o alagamento de ambos os
cascos se produziu de forma independente e quase simultânea em cada um deles.
92
- O nível da água no interior da embarcação nunca atingiu a posição possível de
entrada de água para o túnel devido ao seu caimento a ré.
93 - Da Peritagem
realizada pelo perito da Capitania do Porto de Lisboa consta, além do mais,
que:
- “Na altura do
abandono, a embarcação manteve-se a flutuar, com acentuado caimento a ré, não
apresentando adornamento significativo a qualquer dos bordos, mostrando que se
encontrava alagada de forma proporcional nos dois cascos”;
- “A embarcação não
afundou, manteve um valor de flutuabilidade positiva, resultante de
compartimentos não alagados (ex.: cabine, túnel de ligação entre cascos e
pique-tanques)”;
- “Não existem
evidências de impacto nas obras vivas com objectos a flutuar”;
- “Os danos
observados nas fotografias 36 a 41 poderiam causar a entrada de água em
simultâneo nos dois cascos, conforme o descrito na hipótese de cenário no
parágrafo 4.4.3”.
94
- Do relatório referido em 93 consta ainda que:
“4.4.3
Hipótese 3 - Alagamento originado por entrada de água por uma ou mais
aspirações no fundo dos dois cascos. Relativamente a este cenário de acidente, importa
referir:
-
O comandante não relata qualquer evento deste tipo no relatório de mar;
-
Considerando o estado final de flutuação da embarcação presente nas fotografias
44 e 45, a embarcação não apresenta adornamento para um dos bordos, indicando a
presença de água nos dois cascos;
-
Verificam-se aberturas para o mar nas aspirações de fundo dos dois cascos (fotografias
36 a 41), desconhecendo-se a causa para o seu estado actual;
-
A entrada de água por estas aspirações de fundo, sendo de diâmetro superior a
30mm (superando a capacidade de esgoto descrita no parágrafo 4.3.2) provocaria um
alagamento com uma subida rápida do nível de água, face ao débito de entrada de
água ser superior ao débito de aspiração das bombas de esgoto”.
95
- O Perito da Capitania do Porto de Lisboa verificou a existência de danos nas
duas tomadas de aspiração de água do mar no casco de estibordo, cujas mangueiras
de aspiração aparentavam ter sido cortadas, e as válvulas encontravam-se na
posição de abertas e verificou ainda que a tomada de fundo no casco de bombordo
estava aberta, faltando o bujão roscado que o fecha.
96 – Do ponto 4.4.1
do seu relatório “Impacto com objecto submerso num casco e posterior alagamento
ao outro casco”, correspondente à descrição do evento realizada pelo skipper, o
perito da Capitania do Porto de Lisboa concluiu que o alagamento não se podia
ter produzido da forma por aquele descrita no relatório de mar, não
constituindo o eventual rombo no flutuador de bombordo, com posterior progressão
do alagamento através do túnel para o flutuador de estibordo, a causa do evento
acrescentando que: “Pelo observado na condição de flutuabilidade da embarcação
nas fotografias 44 e 45, existe um acentuado caimento a ré, reduzindo a probabilidade
de passagem da água por esta abertura e, consequentemente, o alagamento do casco
de EB”.
97
– O skipper possuía uma quota de € 4.500 do capital social da empresa, que era
de € 5.200.
98 - O skipper
colocou as duas bombas de esgoto eléctricas a funcionar, não tendo colocado a
bomba manual com a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma a aumentar
a capacidade de esgoto das outras duas bombas submersíveis eléctricas.
99 - Durante as três
horas em que o skipper esteve na embarcação nem sequer o local de origem da
entrada de água conseguiu determinar, não colocou materiais no eventual rombo
do flutuador de bombordo para, assim, atrasar e conter o caudal de alagamento e
não fechou as válvulas do circuito de água deste casco que se encontravam
abertas, a fim de impedir a entrada de água por estes orifícios.
100
- Ao tempo das declarações de RM junto da Polícia Marítima, o skipper tinha já
conhecimento do estado em que se encontrava a embarcação em Marrocos bem como
do relatório elaborado pelo perito nomeado pelo Capitão do Porto de Lisboa, que
data de 06.03.2019.
**
O
Tribunal considerou Não Provados
os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
a)
Durante o ano de 2015, a Autora dotou a identificada embarcação de diverso
equipamento.
b) A embarcação “THE XXXX”
tinha as inspecções em dia.
c) Pelas 02H00, hora
local, do dia 21 de Outubro, estando a descansar na sala da embarcação, o
identificado senhor RM ouviu um barulho no flutuador de Bombordo.
d) Tendo ido
verificar o que se tinha passado o identificado senhor RM, encontrou os
paneiros da embarcação a flutuar.
e) De imediato o
identificado senhor RM tentou encontrar a entrada de água na embarcação e
esgotar a mesma através das duas bombas de fundo.
f) O que não foi
conseguido tendo subido o nível da água dentro da embarcação passando a haver,
também, grande quantidade de água no flutuador de Estibordo.
g) Entretanto o
gerador e o motor de Bombordo pararam.
h) Em face do acima
descrito o identificado senhor RM tentou rumar a Sines apenas com o motor de
Estibordo para tentar salvar a embarcação.
i) Todavia e em
virtude da subida do nível de água na embarcação e tendo em conta o corredor de
tráfego marítimo achou não ser prudente, por uma questão de segurança, tomar
tal rumo.
j) Voltando, assim,
ao rumo 262º à vela e a motor, esperando que o dia nascesse para encontrar uma
solução.
k) Cerca das 05H00 da
manhã daquele mesmo dia 21 de Outubro, a embarcação adornou de repente e ficou
numa posição muito instável.
l) E, verificando não
ter condições de segurança para permanecer a bordo da embarcação o identificado
senhor RM abandonou a mesma fazendo um alerta DISTRESS pelo rádio VHF
principal.
m) Já no interior da
balsa salva-vidas pelas 05H15, hora local, o identificado senhor RM acionou a
EPIRB que, como é sabido, é um rádio baliza de localização que se usa em
situações de emergência e deu o alerta de “Mayday”, sinal para alertar uma
situação de emergência, por telefone satélite para o MRCC LISBOA (contactos de
busca e salvamento) e para o número da sua mulher 351 917 222 503, com a
sua seguinte posição: 38,12N - 011,19W.
n)
A Autora apenas teve conhecimento em 16 de Janeiro de 2019, através de ofício
da Direcção Geral da Autoridade Marítima datado de 18 de Dezembro de 2018 e
apenas recebido pela Autora naquela referida data do facto referido em 30.
o)
Em 11 de Janeiro de 2019 e fruto de diligências efectuadas junto da Capitania
do Porto de Lisboa, o Ilustre Mandatário da Autora foi informado que a embarcação
se encontraria em Marrocos.
**
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo
607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia
livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção
que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para
a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em
que esta não pode ser dispensada.
Neste momento
processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa
por afirmar que a “Relação
deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos
como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem
decisão diversa”[2].
Como, aliás,
assinala o Conselheiro Tomé Gomes no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1)
é “hoje
jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do
tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à
verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do
julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de
recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas
e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa
convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou
alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma
parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[3],
nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos
pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas
conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios
probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada
(indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)),
que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a
decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em
causa, como sublinha com pertinência Abrantes
Geraldes, o “princípio
da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da
matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente
inconformismo”[4], sempre temperado pela necessária
proporcionalidade e razoabilidade[5],
sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do
objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos
pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios
de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado
pretendido)”[6].
Verificadas
as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente esta diverge:
i)-
quanto à redacção do
I
- Facto 57.º;
II
- Facto 58.º;
III
- Facto 63.º;
IV
– Facto 64.º;
V
- Facto 68.º;
VI
- Facto 73.º;
VII
- Facto 76.º;
VIII
- Facto 77.º;
IX
- Facto 79.º;
X
- Facto 86.º;
XI
- Facto 89.º;
XII
- Facto 90.º;
XIII
- Facto 91.º;
XIV
- Facto 93.º;
XV
- Facto 96.º;
XVI
- Facto 99.º.
ii)-
quanto à necessidade de acrescentar outros Factos à Factualidade provada:
-a)
“A embarcação foi encontrada a 1 de Dezembro de 2018 pelas 21H00 pela Unidade
da Marinha Real, ao largo do Oceano Atlântico perto da Região de Kenitra com a
posição 34º27.2N 007º0.86’W”;
-b)
”A embarcação “THE XXXX” foi rebocada a 4 de Dezembro de 2018 pelas 20H45 para
o porto Militar Casablanca”;
-c)
“Na embarcação existia um túnel de ligação entre os dois cascos à popa”;
iii)-
quanto à necessidade e serem considerados provados os factos constantes da
alínea b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m).
Por sua vez, a Ré-Recorrida pretende,
em sede de ampliação:
Ia- a alteração da redacção do Facto 68.º
(Considerando o excessivo caudal de alagamento, que nem as bombas submersíveis
eléctricas conseguiria conter, o rombo teria de ter uma superfície igual ou
superior à área de um círculo de 3 cm de diâmetro);
Ib-
a alteração da redacção do Facto 98.º (O skipper não colocou a bomba manual com
a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma a aumentar a capacidade de
esgoto das outras duas bombas submersíveis eléctricas);
Ic-
que seja considerado não provado que “O skipper colocou as duas bombas de
esgoto eléctricas a funcionar”;
Id-
a alteração da redacção do Facto 10.º (Foi programada uma viagem, com a
embarcação, de Lisboa para Ponta Delgada, nos Açores para a vistoria anual a
ser realizada pela DGRM e para as necessárias inspecções no âmbito de um
projecto de desenvolvimento turístico dos Açores ao qual a referida embarcação
estava afecta, beneficiando de incentivo financeiro não reembolsável no
montante de € 143.910,52 concedido pelo Governo Regional dos Açores).
Vejamos, um a um, os Factos em causa.
i)- I – Redacção do Facto 57.º
Na Sentença,
o Tribunal a quo refere o seguinte
quanto a este Facto: “O
facto sob o n.º 57 foi considerado provado tendo em conta o teor do documento
16 junto com a petição inicial, de fls. 48, correspondente a uma fotografia da
embarcação no dia em causa”.
A Apelante
pretende que seja incluída a data em que o avistamento foi feito.
A Recorrida
concorda.
Embora nada
contrarie o Facto em causa, para ficar mais completo e em face da posição da
Recorrida, determina-se que o Facto 57.º passe a ter a seguinte redacção:
57 - A embarcação
segura foi avistada, no dia 22 de Outubro de 2018, pela aeronave da FAP P-3C
Orion, na posição geográfica 38º08’N-011º33W e permanecia à tona da água, com
derrabamento, sem adornamento, estável, à deriva, navegando ao sabor do vento e
das correntes.
i)- II – Redacção do Facto 58.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que apurou
da seguinte forma: “Os
factos sob os números 58 e 72 foi considerado provado tendo em conta o
depoimento da testemunha JMB, funcionário da Ré, que confirmou que tais
documentos não tinham sido comunicados à Ré, o que já tinha explicado no seu
email de 11 de Janeiro de 2019, junto com a contestação a fls. 116-v”.
A
Apelante pretende que seja retirada a expressão “nem encetou qualquer iniciativa junto
das autoridades oficiais”, uma vez que isso não resulta do depoimento da
testemunha JMB (que apenas refere aos relatórios da FAP) e o e-mail (que não se
refere aos documentos da FAP).
A
Recorrida, de forma particularmente minuciosa, contraria a pretensão,
entendendo que em face do que já consta dos Factos 71.º e 74.º (que não
foram impugnados).
Em
concreto, a apelada assinala: “No dia 14 de Dezembro de 2018, o skipper teve
conhecimento de que a embarcação poderia ter aparecido em Marrocos, pelo agente
instrutor do processo de inquérito – o agente JPM – nas instalações do Comando
Local de Lisboa da Polícia Marítima;
-
e após o skipper ter tomado conhecimento do aparecimento da embarcação em
Marrocos, a Apelante não levantou a carta registada com aviso de recepção
contendo o ofício da DGAM com a comunicação oficial desse facto: Facto Provado
no ponto 74 (não impugnado): A Autora não recebeu o ofício e os documentos
porque não chegou a levantar a carta registada com aviso de recepção enviada
por aquele organismo para a morada da sua sede social, conforme foi explicado
pelo Capitão do Porto de Lisboa à Ilustre Mandatária da Ré;
-
Processo de averiguações n.º 070.40.06 – 11/18, remetido pela Capitania do
Porto de Lisboa, e apenso por linha aos presentes autos em 18.02.2020,
designadamente o email remetido em 27 de Novembro de 2018, pelo agente
instrutor deste processo, o Agente JPM, ao gabinete do Chefe de Estado Maior
das Forças Armadas a solicitar o relatório de missão SAR relativo ao acidente
com a embarcação (fls. 21 a 33 do referido processo);
-
Depoimento da testemunha JPM, agente instrutor do processo de averiguações, que
declara ter contactado o Sr. RM, skipper da embarcação e sócio maioritário da
Apelante, no sentido de informar da deslocação a Marrocos dos peritos e dele
próprio para realização da vistoria à embarcação no porto militar de Casablanca
para o caso de aquele estar interessado em acompanhá-los, mas que este não se
mostrou interessado em acompanhar (acta da audiência de julgamento de
21.05.2021, passagem da gravação: de 00:14:00 a 00:14:15 – com início às
11:11:42 e termo às 11:38:31 horas).
Por
autoridades oficiais deve entender-se, não só os órgãos locais da Autoridade
Marítima Nacional, ou seja, a Capitania do Porto de Lisboa e o Comando Local de
Lisboa da Polícia Marítima que instruiu o processo de averiguações aberto na
sequência do evento, e que se encontra apenso aos presentes autos, como também
as autoridades marroquinas, directamente ou através do consulado Português em
Marrocos.
Ora,
resulta dos elementos que integram o processo de averiguações acima
identificados que a Autora e o seu sócio maioritário (ponto 97 dos Factos
Provados) e skipper da embarcação (ponto 8 dos Factos Provados) – RM - nunca
encetaram qualquer iniciativa relativamente à embarcação junto das autoridades
oficiais nacionais e estrangeiras nem antes nem após terem sido notificados dos
relatórios da Força Aérea, acompanhados das fotografias captadas na altura.
Com
efeito, a A. foi notificada desses relatórios em 19.11.2018 (ponto 19 dos
Factos Provados), mas nunca os divulgou ou tomou qualquer iniciativa após ter
tido conhecimento dos mesmos, nomeadamente divulgando a última posição da
embarcação no sentido de a mesma poder ser encontrada e recuperada. Tanto mais
que, em 27.11.2018 (após os relatórios serem já do conhecimento da Apelante), é
o agente instrutor a solicitar o relatório da missão SAR levada a cabo pela
Força Aérea em 21.10.2018 (no desconhecimento do relatório relativo ao
avistamento de 22.10.2018), tendo obtido resposta da Força Aérea apenas a
19.12.2018, através do ofício n.º 014138, o qual dá conhecimento do avistamento
da embarcação no dia seguinte ao evento, em 22.10.2018, facto que era do
conhecimento da Apelante há um mês e que esta nunca divulgou nem solicitou que
fosse tomada qualquer diligência para recuperar a embarcação.
Mais,
na altura em que o agente instrutor do processo – Agente JPM - recebeu este
ofício da Força Aérea já sabia que a embarcação tinha sido encontrada ao largo
da costa marroquina e, por isso, já tinha comunicado esse facto ao skipper da
embarcação e sócio maioritário da Apelante, em 14.12.2018, sem que, mais uma
vez, qualquer iniciativa tivesse sido tomada por parte desta, nomeadamente
nunca solicitou informações sobre a localização e estado da embarcação nem que
se fizesse uma vistoria à embarcação em Marrocos, pelo contrário, quando essa
vistoria lhe foi comunicada pelo agente instrutor do processo, a Apelante nunca
demonstrou interesse em acompanhar os peritos nessa vistoria, assim como nunca
se propôs ir a Marrocos inteirar-se do estado da embarcação ou zelar pela sua
segurança ou contactar as autoridades marroquinas para obter explicações quanto
ao estado em que a embarcação se encontrava.
O
skipper da embarcação e sócio maioritário da Apelante bem sabia o estado em que
a embarcação se encontrava quando a abandonou no dia 21.10.2018, nomeadamente
que a mesma não tinha naufragado, e em 19.11.2018 ficou a saber em que posição
geográfica a mesma tinha sido avistada pela Força Aérea, e em 14.12.2018 até
ficou a saber onde é que a embarcação se encontrava em Marrocos.
Não
obstante, a Apelante não tomou qualquer iniciativa relativamente ao salvamento,
recuperação e guarda da embarcação junto das diversas autoridades nacionais e
estrangeiras nem antes nem após ter recebido os relatórios da Força Aérea. Pelo
contrário, nada disse e procurou furtar-se a receber a notificação que lhe foi
enviada pela DGAM bem sabendo, por já lhe ter sido dito pelo agente instrutor
do processo em 14.12.2018, que se tratava da comunicação oficial de que a
embarcação tinha sido encontrada ao largo de Marrocos, demonstrando um profundo
desinteresse pela sorte da mesma após a ter abandonado no dia 21.10.2018, o que
não é compatível com a atitude de um proprietário zeloso e interessado. Nada
há, portanto, a alterar na decisão que recaiu sobre este ponto da matéria de
facto que, assim, se deve manter.
Sem
necessidade de mais acrescento, o conjunto desta prova indicada (e por nós verificada),
não permite apreciação distinta daquela que resulta expressa no Facto ora
impugnado, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal recorrido quanto a
ele.
i)- III – Redacção do Facto 63.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “Os factos sob os números 62 e 63 foram considerados
provados tendo em conta o relatório da Navaltik e anexos junto ao relatório
elaborado pela testemunha AMM, perito nomeado pela Ré, de fls. 165 a 278 conjugado
com o depoimento da testemunha JM, autor do referido relatório, que depôs de
forma clara, segura e coerente, explicando o momento da emissão do seu
relatório e a informação que dispunha à data, convencendo o Tribunal de que
falava a verdade e sendo, por isso, acreditado”.
A
Apelante entende que do Relatório da Navaltik não pode tirar-se a conclusão que
o Tribunal retira, o mesmo sucedendo com o depoimento da testemunha Marreiros
Gonçalves.
A
Apelada, por seu turno, entende que o Relatório da Navaltik é elucidativo e
nada há a alterar.
Verificados
os depoimentos das testemunhas e o texto do Relatório da Navaltik, torna-se
claro o porquê da decisão do Tribunal.
De
facto, considerando o teor do Relatório em causa, para o qual o Facto reporta
directamente (independentemente da técnica menos adequada, de misturar meios de
prova com factos), o que consta escrito é o que resulta do que daquele consta,
sendo expressiva e inelutável a referência plural aos flutuadores (sendo-que se
se pretendesse fazer alguma restrição, facilmente teria sido feita,
nomeadamente, para admitir uma qualquer tese de rombo de apenas um dos
flutuadores).
Os
testemunhos referidos, por outro lado, não vão além do que escrito ficou, pelo
que não há fundamento para qualquer alteração.
i)- IV – Redacção do Facto 64.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “O facto sob o n.º 64 foi considerado demonstrado tendo
em conta os depoimentos das testemunhas JM, perito da Capitania do Porto de
Lisboa e PS, ex-funcionário de uma empresa representante da vendedora da
embarcação, que explicou a constituição da embarcação. Os dois depoimentos em
causa foram claros e seguros, convencendo o Tribunal da veracidade do facto em
causa”.
A Apelante
pretende que em vez de 50 cm deviam constar “de 20 a 30cm”, uma vez que é isso
que diz a testemunha JM e a outra testemunha referida nem sequer fala do
assunto.
A Apelada,
por seu turno, refere que quer em face do Relatório elaborado por AMM, quer do
seu depoimento, o Facto está correctamente decidido.
A
Apelante tem razão num aspecto: a testemunha PS não fala, como parece decorrer
do exposto na motivação do Tribunal, deste assunto (o que, no conjunto da
complexa apreciação factual dos autos corresponderá a um lapso relevável, que
não merece as considerações menos próprias que sobre ele se produzem nas
alegações).
Apenas
isso.
De
facto, ouvida a prova produzida, concatenada com a prova documental junta, o
Tribunal decidiu bem.
É
certo que a testemunha JCS não é conclusiva no seu depoimento (e por isso não
terá sido considerada, embora devesse ter-lhe sido feita referência), mas –
efectivamente – não fez (assumidamente) qualquer medição, ao contrário da
também testemunha AMM (que produziu o Relatório junto a fls. 122 a 163, em cuja
página 13 do relatório -fls. 134- fala em 50cm). Esta última testemunha que fez
uma vistoria à embarcação em Marrocos referiu no seu depoimento (a 25/06/2021)
– expressamente – ter medido a altura dos paneiros ao fundo do casco da
embarcação na zona das escadas do salão para o casco de bombordo aquando da
vistoria.
Tudo
ponderado, não se vê como o depoimento inconclusivo da testemunha JCS (com a
também inconclusiva transcrição feita pela Apelante) pudesse alterar a
percepção que decorre do depoimento objectivo, consistente, sólido e de enorme
credibilidade da AMM.
Assim,
nada se altera quanto a este aspecto.
i)- V – Redacção do Facto 68.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “O facto sob o n.º 68 foi considerado provado tendo em
conta o relatório junto em 18 de Setembro de 2019, de fls. 122 a 163, elaborado
por AMM, perito nomeado pela Ré, que no seu depoimento explicou os cálculos
efectuados no seu relatório, explicando que para a entrada de água ser
suficiente para vencer as bombas de esgoto elétricas, conforme relatado por RM,
apenas seria possível com um rombo com diâmetro de 3 cm. Os cálculos por si
efectuados estão conformes com um dos métodos reconhecidos para cálculo de
predição de alagamento de embarcações (neste sentido veja-se o artigo “Flooding
Prediction Onboard a Damaged Ship” de Pekka Ruponen, Markku Larmela e Petri
Pennanen, disponível em https://www.researchgate.net/publication/268445288_Flooding_Prediction_Onboard_a_Damaged_Ship),
sendo por isso considerado credível pelo Tribunal e acreditado”.
A
Apelante entende que este Facto devia ser considerado não provado, uma vez que o
artigo a que se refere a fundamentação é uma mera apresentação efectuada por
três investigadores sobre um estudo que efectuaram de dois casos concretos,
relativos a dois navios uma pequena embarcação de ataque rápido (ponto 4.1) e
um grande navio de passageiros (ponto 4.2), que nada têm que ver com o dos
autos e não lhe pode servir de referência.
A
Apelada, por seu turno, entende que nada há a alterar em face da prova
produzida (Relatórios de AMM e JM, que apontam para o valor indicado), sendo
certo que só agora a Recorrente coloca a fórmula em causa.
Também
aqui não assiste razão à Apelante.
De
facto, o que consta no Facto é bem fundamentado pelo Tribunal e encaixa na
perfeição, quer nos Relatórios existentes nos autos, quer nos depoimentos das
testemunhas indicadas.
Ou
seja, e ao contrário do que a Apelante faz crer, o Tribunal não vai buscar uma
obscura fórmula, encontrada num não menos obscuro site, pelo contrário, usa um
estudo conhecido e respeitado para confirmar dois relatórios que vão no mesmo
sentido e dois depoimentos testemunhais que explicaram de forma convincente o
processo de chegada à conclusão final. O essencial, não passa pelo estudo em
causa. O essencial passa pela prova efectivamente produzida.
Curiosamente,
ambos os Relatórios chegam a conclusões muito próximas:
-
o de fls. 122 a 163 (a fls. 136-138) – elaborado para a Ré por um perito que
também prestou depoimento – faz os cálculos explicando que o rombo teria de ter
uma superfície superior à área de um círculo de 3,5cm de diâmetro, (v. pp. 14 a
17 desse relatório);
-
o de fls. 69 verso a 78 (a fls. 74 e verso) – elaborado pelo Perito da
Capitania do Porto de Lisboa que também prestou depoimento – quando descreve a capacidade
de esgoto da embarcação e sublinha que a capacidade instalada “permite esgotar
um caudal de água de entrada por um orifício de diâmetro aproximado até cerca
de 30mm4. Qualquer entrada de água por um orifício de diâmetro superior, seria
um alagamento rápido e incontrolável com os meios de esgoto existentes” (é o
que consta a fls. 74 verso).
Ou
seja, ambos concluem por assumir que só um rombo com um diâmetro superior a 30
milímetros originaria o alagamento.
E
de forma clara e explicada.
A
alegação da Apelante carece totalmente de fundamento e não resiste à
verificação da prova produzida, pelo que nada há a alterar, quanto ao
pretendido pela Apelante.
*
Em
sede de ampliação (I
a)),
por seu turno, a Apelada pretende alterar o tempo do verbo constante deste facto,
passando de “conseguiu conter”, para “conseguiria conter”, uma vez que o
skipper assumiu não as ter accionado porque estavam em modo automático.
Não
tem razão a Apelada.
De
facto, independentemente da menor credibilidade do depoimento desta testemunha
e de ter assumido não ter ligado as bombas, o certo é que assume que estavam
ligadas em modo automático e que faziam barulho, pelo que não há razão para
entender que não estavam a funcionar.
Assim,
a alteração tem-se como desnecessária e inócua, pelo que se indefere o
pretendido.
i)- VI – Redacção do Facto 73.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “O facto sob o n.º 73
foi considerado provado tendo em conta o teor do documento junto a fls. 118-v,
correspondente ao email de 14 de Janeiro de 2019.
A
Apelante entende que a data de 14/01/2019 deveria constar do facto.
A
Apelada concorda com a alteração.
A
data em causa não foi colocada no Facto, embora o pudesse ter sido, sem que o
que quer que seja ficasse substancialmente alterado.
Considerando
o exposto (a própria fundamentação do Tribunal e a posição da Apelada),
determina-se que o Facto 73.º passe a ter a seguinte redacção:
73 - Na sequência do
pedido de informação que a Ré dirigiu ao Capitão do Porto de Lisboa, por e-mail
datado de 11 de Janeiro de 2019, pelas 7h39m39s veio este, em 14 de Janeiro de
2019, remeter à mandatária da Ré, cópia do ofício n.º 1480, de 18.12.2018, e
documentação ao mesmo anexa, que a DGAM tinha enviado à Autora.
i)- VII – Redacção do Facto 76.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “O facto sob o n.º 76 foi considerado
provado tendo em conta os depoimentos das testemunhas AMM, JPM e JM, os quais
estavam presentes na realização da perícia em causa, em Marrocos, os quais
foram concordantes e coerentes entre si e de per si, sendo, por isso,
acreditados”.
A
apelante entende que a referência à supervisão do Coronel M da Brigada
(Gendarmerie Royale) deveria ser eliminada por não corresponder a qualquer
prova constante dos autos.
A
apelada discorda e remete para a prova documental apensa.
Trata-se
de uma questão relativamente irrelevante, porque não afecta a essência do Facto
mas, de facto, a Apelante não tem razão e é ela própria que não verificou com o
devido cuidado a documentação dos autos.
Embora
o Tribunal não lhe tenha feito referência, o “Auto de Diligência” elaborado[7] a
07/11/2019 - no âmbito do Processo de Averiguações n.º 070.40.06 – 11/18, da
Polícia Marítima-Comando Local de Lisboa e remetido pela Capitania do Porto de
Lisboa (que se mostra apenso aos presentes autos) - refere expressamente que,
nessa data, instrutor do processo, perito da Capitania do Porto de Lisboa e
perito da ora Ré, se deslocaram à Base Naval da Marinha Real Marroquina, em
Casablanca para identificar e inspeccionar a embarcação THE XXXX e que “sob a
supervisão do Coronel M, representante da Gendarmerie Royale, acedemos às
instalações da Base Naval, onde se apurou que a embarcação THE XXXX se encontrava naquele local.
Neste
contexto, não se vislumbra qualquer fundamento válido para alterar a redacção
deste Facto.
i)- VIII – Redacção do Facto 77.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “Os factos sob os
números 77 a 85, 87, 88 e 91 foram considerados provados com base no teor do
relatório elaborado pela testemunha AMM, perito nomeado pela Ré e junto de fls.
122 a 292, que foi corroborado por si, no depoimento prestado em julgamento,
explicando a sua observação da embarcação recuperada e a avaliação que fez dos
danos, sendo claro e coerente nas suas explicações e sendo, por isso,
acreditado”.
A
Apelante pretende que seja acrescentado ao Facto, a frase “com excepção das
popas dos dois cascos, desaparecidas a partir das anteparas de vante dos
compartimentos dos motores”.
A
apelada, por seu turno, entende que a pretensão é redundante, em face do que
consta já do Facto 53.º.
A
manifesta vontade de desvalorizar a Sentença sob recurso, leva a Recorrente a
não ler a factualidade apurada de forma concatenada.
De
facto, o que consta como provado no Facto 53.º (“As popas dos dois cascos estavam
destruídas a partir das anteparas de vante dos compartimentos dos motores”) já diz
aquilo que pretende aqui acrescentar, o que torna desnecessário, redundante e
inútil a alteração pretendida, que, assim, também se indefere.
i)- IX – Redacção do Facto 79.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da forma referida no item anterior.
A Apelante
entende que deve ser eliminada a frase “proporcionando uma entrada livre e franca
de água do mar para o interior daquele casco”, uma vez que isso corresponde
apenas a uma conclusão da Ré,
sendo que do Relatório e fotografias juntas, se vê que a embarcação foi
peritada quando estava em seco e não em água.
A Apelada
discorda e entende que se deve manter o Facto como está, em face do teor dos
Relatórios dos Peritos AMM e JCS.
É
evidente a falta de razão da Recorrente.
O
trecho que se pretende eliminar é a sequência factual lógica do resto do texto
do facto, sendo pouco menos que absurda a alegação de que o facto de a
embarcação ter sido peritada em seco afecte esta percepção.
A
abertura está lá, em seco ou na água e, se há abertura, há – necessariamente –
entrada de água… se estiver na água.
Ambos
os Relatórios são concludentes nesse sentido (o canhão de fundo estava “aberto
para o mar”, a abertura permitia “uma entrada livre e franca da água do mar,
capaz de alagar o casco de BB”, “Sem a colocação do bujão, permitiria a entrada
livre de água do mar”) e as fotografias são expressivas.
Nada
há assim a alterar ao texto do Facto impugnado.
i)- X – “Redacção” do Facto 86.º
A Apelante
refere que “embora
o ora Recorrente nada tenha a apontar ao facto provado, entende, todavia, que a
motivação do douto Tribunal “quo” dá origem a interpretações incorrectas e
inverdadeiras, que serviram o propósito da Sentença ora em crise”.
Ou seja,
apenas se discorda da fundamentação e não do Facto apurado que, deste modo, se
não mostra impugnado, nada havendo – em conformidade – a alterar.
i)- XI – Redacção do Facto 89.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “Os factos sob os
números 86, 89 e 90 foram considerados provados tendo em conta os depoimentos
das testemunhas AMM e JM, ambos peritos que observaram a embarcação e explicaram
a sua estrutura, esclarecendo-se que o túnel referido no facto sob o n.º 90
respeita ao túnel de ligação à proa da embarcação, pois a ligação entre cascos existente
à popa da embarcação era apenas para passagem de fios e tubos, sendo de pequena
dimensão. Tais depoimentos foram ainda confirmados pelo depoimento da
testemunha PS, que foi claro ao afirmar que tais piques estanques, enquanto
intactos, impedem o afundamento da embarcação. O seu depoimento revelou
conhecimento directo e foi espontâneo, corroborando os demais depoimentos e
sendo, por isso acreditado”.
O
Facto provado refere “A
maioria da reserva de flutuabilidade, no valor de 7,6 m3, encontra-se no túnel
de união dos dois cascos a que acresce o somatório dos pequenos piques estanques
das proas de ambos os cascos”.
A
Apelante entende que deveria ser intercalado entre “união dos dois cascos” e “a
que acresce”, as palavras “à proa da
embarcação”, uma vez que havia duas ligações entre os cascos.
A
Apelada, por seu turno, entende que nada há a alterar.
Verificados
os Relatórios juntos aos autos e respectivas fotografias (conjugadamente com os
depoimentos das testemunhas), cremos também nada haver a alterar de essencial.
De
facto, começa por ser evidente que a ligação em causa nem sequer se situa
exactamente à proa, mas algo recuado, sensivelmente ao seu centro, pelo que o
que se pretende acrescentar só iria criar confusão.
Há,
efectivamente, do que resultou da prova produzida em audiência, há duas ligações
entre os cascos:
-
o túnel de união, túnel central, ou estrutura central que liga os dois
flutuadores, que é visível quer na planta da embarcação junta a fls. 287, 288 e
289, quer nas fotografias de fls. 72[8]
verso, 148[9], 153[10] e
230;
-
e uma pequena abertura à popa para passagem de cabos e tubos (e que justificou
a referência que lhe é feita na motivação, mas que irreleva para o essencial do
processo).
O
que consta do Facto, reporta-se - de forma evidente - ao referido túnel central,
sendo a referida “pequena abertura”, inócua, por nem a própria Autora,
proprietária e conhecedora da embarcação, da sua existência ter pretendido
tirar qualquer efeito ou conclusão (ainda que meramente indiciada).
Se
tal abertura tivesse alguma relevância ela haveria de ter sido referida,
explicitada e concretizada, para permitir que a parte contrária sobre tal se
pudesse pronunciar.
Ora,
nem isso ocorreu, nem a sua relevância ultrapassou a barreira do interesse para
o processo e a compreensão da factualidade apurada. O Tribunal não trabalha com
indícios especulativos, mas com factos.
Utilizar
o recurso para, agora, especular com esta “pequena abertura” é que, de facto,
não faz sentido.
Assim,
nada há a alterar.
i)- XII – Redacção do Facto 90.º
Aqui a
pretensão da Apelante é similar à do item
anterior em termos de alteração da redacção dada pelo Tribunal a quo.
E a resposta,
aqui, é também a mesma: acrescentar “à proa da embarcação” ao que consta do
Facto 90.º seria causar confusão, porque não há qualquer dúvida sobre o túnel
que está em causa (e que não se situa propriamente à proa).
Nada a
alterar, portanto.
i)- XIII – Redacção do Facto 91.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “considerado provado
com base no teor do relatório elaborado pela testemunha AMM, perito nomeado
pela Ré e junto de fls. 122 a 292, que foi corroborado por si, no depoimento prestado
em julgamento, explicando a sua observação da embarcação recuperada e a
avaliação que fez dos danos, sendo claro e coerente nas suas explicações e
sendo, por isso, acreditado”.
A
Apelante pretende que apenas fique a constar do Facto que “A embarcação não
adornou”,
uma vez que o “concluindo
o perito que tal aconteceu porque o alagamento e ambos os cascos se produziu de
forma independente e quase simultânea em cada um deles”,
corresponde apenas à conclusão do perito.
A
Apelada defende a manutenção do Facto.
A
Apelante tem razão quanto à circunstância de a técnica de resposta utilizada
ser menos adequada: de facto e conforme bem salienta Tomé Gomes o “teor
dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser
depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de
conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que ‘a testemunha...
viu o réu a entrar na casa do autor’ ou, no caso em se discuta a origem de um
incêndio, provado apenas que ‘os bombeiros verificaram não existir no local
sinais do foco de incêndio’.
Estas
referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento
probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou
negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa
linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o
julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo,
se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de
ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a
verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas
um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é
indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato
escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade
real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do
documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão”[11].
Nesta
base e considerando o teor da própria fundamentação, bem assim como o material
probatório a que se reporta, importa sim alterar a redacção do Facto, de forma
a que – sem evasivas – se assuma o que da prova produzida efectivamente
resultou, ou seja, que “A
embarcação não adornou porque o alagamento em ambos os cascos se produziu de
forma independente e quase simultânea em cada um deles”.
A
Apelante não concorda com esta conclusão discordando do Relatório elaborado
pela também testemunha AMM e apelando ao depoimento da testemunha RM.
Sem
razão, cremos, por um lado porque o referido por esta última testemunha nada
altera e nada contribui para a conclusão contrária e, por outro, porque já
temos como assentes os Factos 88.º, 89.º e 90.º (que abarcam ausência de
adornamento e cálculo da reserva de flutuabilidade da embarcação) e consta dos
autos o Relatório elaborado por AMM (fls. 122 a 163 – posteriormente completado
com um seu depoimento na audiência de 25/06/2021 exaustivo, sempre sereno,
consistente e assertivo e de enorme credibilidade como já se disse) é
particularmente completo, claro e compreensível, onde se conclui que “a embarcação não tem
banda (adornamento), e, tal só é possível, porque o alagamento dos cascos se
produziu de forma independente em cada um deles” e que “o alagamento do casco de EB foi
obrigatoriamente independente do alagamento do casco de BB uma vez que, para o
casco de EB alagar, por transferência de água do casco de BB tal iniciar-se-ia
através do Túnel que liga os dois cascos sendo que, neste caso, só depois do
túnel alagado é que a água transbordaria para o casco de EB, já que a
embarcação teria de estar adornada a bombordo e, a ser assim a embarcação
ter-se-ia afundado por perda da Reserva de Flutuabilidade, o que é um facto não
ter acontecido”.
De
tudo resulta que qualquer defesa no sentido de que a água do mar tivesse
entrado pelo casco de bombordo e passasse para o de estibordo, estaria
condenada ao naufrágio, porque a ocorrência dessa circunstância levaria –
precisamente – ao naufrágio da embarcação (que não ocorreu).
Neste
contexto, determina-se a alteração da redacção do Facto 91.º, em termos de dele passar a constar:
91 - A embarcação não
adornou porque o alagamento em ambos os cascos se produziu de forma
independente e quase simultânea em cada um deles.
i)- XIV – Redacção do Facto 93.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “Os factos sob os números 93, 94, 95 e 96 foram
considerados provados tendo em conta o teor do relatório de perícia por si
elaborado e junto como documento 30 com a petição inicial, de fls. 69-v a 78, o
qual foi corroborado pelo depoimento da testemunha JM, autor do referido
relatório”.
A Apelante
pretende que não constem do Facto apenas conclusões da Peritagem em causa.
Valem aqui as
mesmas considerações já expressas no item anterior.
A técnica
utilizada não é a melhor, mas compreende-se a opção do Tribunal na escolha
destas conclusões, por corresponderem ao que considera provado, sendo certo
ainda que nos Factos 40.º e 41.º já constam algumas das obtidas nessa
Peritagem.
Ou seja, o
Tribunal, sem enveredar por especulações deixou aqui o seu entendimento quanto
a esta matéria, assumindo estas conclusões como suas, face à conjugação que fez
da prova produzida.
Por isso,
acrescentar no Facto que “Existe
a possibilidade de terem sido realizados danos na embarcação posteriormente ao
acidente, durante o reboque e transporte para seco”, não faria qualquer sentido, por ser
apenas especulativo e inconsistente.
É matéria que
- efectivamente - se não provou, pelo que, tudo o que no processo resultou
apurado consta nos Factos que constam da Sentença.
Neste
aspecto, nada a alterar, portanto.
Do mesmo
modo, pedir para acrescentar “Tendo por base os eventos apresentado no Relatório de
Mar em Anexo A e a avaliação do estado actual da embarcação (parágrafo 3) não é
possível identificar inequivocamente (negrito nosso) a causa do acidente”, revela apenas uma menor atenção ao
conjunto da Factualidade apurada, pois isso já consta do Facto 40.º.
Do
mesmo modo que o Facto 41.º já diz que “Resulta, ainda, daquele relatório que, e
transcreve-se: “A embarcação não reúne condições de segurança e navegabilidade
para retomar a actividade a que se destina, em virtude da inexistência da
integridade estrutural do casco e da inoperacionalidade dos sistemas de
propulsão e governo, dos equipamentos náuticos e de manobra”.
Não há,
assim, nada a acrescentar ao Facto
93.º do pretendido pela Apelante, alterando sim a sua redacção em
conformidade com o exposto, passando a dizer:
93 – i) Na altura do
abandono, a embarcação manteve-se a flutuar, com acentuado caimento a ré, não
apresentando adornamento significativo a qualquer dos bordos, mostrando que se
encontrava alagada de forma proporcional nos dois cascos;
ii)
A embarcação não afundou, manteve um valor de flutuabilidade positiva,
resultante de compartimentos não alagados (ex.: cabine, túnel de ligação entre
cascos e pique-tanques);
iii)
Não existem evidências de impacto nas obras vivas com objectos a flutuar;
iv)
Os danos observados nas fotografias 36 a 41 poderiam causar a entrada de água
em simultâneo nos dois cascos, conforme o descrito na hipótese de cenário no
parágrafo 4.4.3 do Relatório de Peritagem de fls. 69-75.
i)- XV – Redacção do Facto 96.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da forma referida no item que
antecede.
A Apelante
entende que a conclusão é do Tribunal e não do Perito, pelo que o Facto tem de
ser dado como Não Provado.
A Apelada
entende que nada há a alterar.
Considerando o
já exposto e a técnica utilizada na redacção deste Facto, importa dar alguma
razão à Apelante e seguir a mesma linha do decidido quanto a Factos anteriores.
Para começar,
há que fugir a “factos especulativos” e conclusivos, mas principalmente, há que
verificar o que é que factualmente decorre da prova produzida.
Assim, considerando
ainda o que se mostra apurado no Facto 63.º, da redacção deste facto o que pode
manter-se é a sua parte final, que pode ser assumida sem dificuldade em face
dos Relatórios e dos depoimentos das testemunhas inquiridas
(nomeadamente a testemunha JM), respeitando, aliás, a leitura correcta e
adequada feita pelo Tribunal a quo.
Ou seja, “A
embarcação, pelo observado nas fotografias 44 e 45 (juntas a fls. 74 e tiradas
a 20/10/2018), denotava uma condição de flutuabilidade com um acentuado caimento
a ré, reduzindo a probabilidade de passagem da água pela abertura visível na
fotografia 30 (junta a fls. 72 verso) e, consequentemente, o alagamento do
casco de EB”.
É
o que se determina, passando o Facto 96.º a ter a seguinte redacção:
96 - A embarcação,
pelo observado nas fotografias 44 e 45 (juntas a fls. 74 e tiradas a
20/10/2018), denotava uma condição de flutuabilidade com um acentuado caimento
a ré, reduzindo a probabilidade de passagem da água pela abertura visível na
fotografia 30 (junta a fls. 72 verso) e, consequentemente, o alagamento do casco
de EB.
i)- XVI – Redacção do Facto 99.º
O Tribunal a quo justifica a factualidade que
apurou da seguinte forma: “tendo em conta o depoimento da testemunha RM, skipper da
embarcação, que apesar das várias insistências para explicar o que foi por si
feito nas três horas que medeiam entre o descobrir o alagamento e o abandonar
do navio, referiu que procurou, sem encontrar, o ponto de entrada da água na embarcação
e como não o encontrou, esperou pela luz do dia para procurar uma solução, não tendo fechado as entradas de
água ou feito qualquer outro acto concreto para impedir o alagamento da
embarcação, o que foi acreditado pelo Tribunal, tendo em conta o avançar do
alagamento da embarcação e o seu parcial afundamento”.
A
pretensão da Apelante é algo confusa pois começa por dizer que “o único facto que
aqui pode ficar provado é que o Skipper Senhor RM não conseguiu determinar o
local de origem da entrada de água”, concluindo depois que, “por não se tratar de
qualquer facto, deve ser dado como não provado”.
A
Apelada, por seu turno, defende a manutenção da redacção.
Neste
ponto tem total razão a Apelada, sendo de concordar com a sua minuciosa
apreciação, que afasta por completo a versão apresentada pela Autora:
-
ao sublinhar o que já consta apurado no Facto 85.º (“No interior do casco
de estibordo, o perito constatou que duas válvulas de 15mm de diâmetro do
circuito de água do mar para alimentação das casas de banho estavam abertas…”);
-
ao relembrar que no Relatório de Mar apresentado pelo skipper da embarcação (e
junto a fls. 45 verso), o próprio RM assume não ter realizado qualquer dessas
operações e o depoimento deste na audiência de 20/05/2021 (ao afirmar que
viajava com as válvulas do circuito de água de qualquer dos cascos sempre
abertas) e que, mesmo com o alagamento da embarcação a produzir-se, não fechou
as referidas válvulas que, assim, permaneceram abertas;
-
ao chamar à colação o testemunho de AMM (perito nomeado pela Ré, que produziu
um testemunho de imensa credibilidade, saber e assertividade esclarecedora[12]), que
na audiência de 25/06/2021, explicou o que havia a fazer para controlar a
progressão do alagamento: um navegador em solitário, ao detectar um alagamento,
o que devia ter feito era procurar rapidamente a sua origem (sendo difícil de
crer que a não tivesse encontrado pois se trataria de um turbilhão visível e
está em causa um espaço pequeno, exíguo, com uma parte susceptível de
alagamento pequena) e, a partir daí, tentar limitar a avaria com os meios que
tivesse disponíveis (por exemplo, um pedaço de madeira com trapo para estancar)
e verificar a capacidade de esgoto, sendo que, em 15 minutos tudo estaria
feito, não fazendo sentido que alguém ficasse 3 horas à espera, pois se não
conseguisse fazer o estancamento, de imediato, haveria de pedir ajuda externa).
Assim,
nada há a alterar à redacção do Facto.
ii)- quanto à necessidade de
acrescentar outros Factos à Factualidade provada:
-a) “A embarcação
foi encontrada a 1 de Dezembro de 2018 pelas 21H00 pela Unidade da Marinha
Real, ao largo do Oceano Atlântico perto da Região de Kenitra com a posição
34º27.2N 007º0.86’W”);
-b)
”A embarcação “THE XXXX” foi rebocada a 4 de Dezembro de 2018 pelas 20H45 para
o porto Militar Casablanca”);
-c) “Na embarcação
existia um túnel de ligação entre os dois cascos à popa”;
Em
face do que consta provado nos Factos 30.º, 69.º, 70.º e 89.º (no âmbito de
cuja impugnação se apreciou já a questão desta pequena abertura), não há que
acrescentar mais nada à Factualidade Assente, por inútil e irrelevante.
iii)-
quanto à necessidade e serem considerados provados os factos constantes da
alínea b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m), dos Factos não provados
O
Tribunal fundamentou a decisão nos seguintes termos: “Assim e mais
concretamente, quanto ao facto sob a alínea a), respeitante ao equipamento
adicionado à embarcação, o mesmo foi considerado não provado porquanto apesar
das facturas juntas aos autos como documentos 3 a 8 com a petição inicial, de
fls. 14-v a 17, tal facto foi impugnado pela Ré e nenhuma prova foi feita que
demonstrasse que tal equipamento foi adicionado concretamente à embarcação em
discussão nos autos.
O
facto sob a alínea b) foi considerado não provado por ter sido impugnado pela
Ré e não ter sido junta aos autos prova documental da realização das inspecções
devidas.
Os
factos sob as alíneas c), a m) foram considerados não provados porquanto o
depoimento da testemunha RM quanto à descrição dos acontecimentos que levaram
ao alagamento da embarcação não se afiguraram ao Tribunal coerentes ou
credíveis, pelas razões que se passam a expor.
RM
declarou que ouviu um barulho, quando estava a descansar na sala da embarcação
e que se dirigiu logo ao flutuador de bombordo encontrando-o já alagado e com
os paneiros a flutuar. Ora, para tal ocorrer, marcando o barulho o início de
alagamento, tal implicaria uma entrada repentina e maciça de água no flutuador,
o que, conforme explicou a testemunha AMM, teria que ser um rombo bastante
grande, que permitisse o embarque de milhares de litros de água em poucos
segundos, coerente com um evento catastrófico. Mais explicou a testemunha que
para vencer o débito das bombas eléctricas, o rombo teria de ser igual ou
superior a um diâmetro de 3cm. Ora, um rombo de 3 cm no casco, impunha um forte
embate na embarcação que não poderia produzir apenas um barulho, mas também
algum tipo de estremecimento na embarcação. Caso as condições meteorológicas
fossem adversas, com chuva, vento e forte ondulação, poderia o skipper ter
dificuldade em distinguir o estremecimento da pancada com o movimento da
embarcação devido a forte ondulação ou aos ventos, mas no caso dos autos, as
condições meteorológicas eram favoráveis e o mar estava calmo, pelo que não é
credível a ausência de percepção de um embate capaz de provocar um rombo de,
pelo menos, 3 cm de diâmetro na embarcação, para vencer o débito das bombas ou
o outro rombo, necessariamente maior, que permitisse o embarque de milhares de
litros de água em poucos segundos. A testemunha também não foi capaz de
explicar de forma convincente ao Tribunal o porque de esperar por três horas,
quando não conseguiu encontrar a origem do alagamento e se tornou evidente que
as bombas de escoamento da água da embarcação não impediam o progredir do
alagamento.
Sendo
o alagamento da embarcação devido a uma qualquer “avaria/acontecimento”, no
interior do flutuador, a explicação da espera pela luz do dia, quando o
flutuador estava iluminado, não tem qualquer lógica ou coerência. Quanto ao
adornamento repentino da embarcação, tal não é compatível com o estado da
embarcação aquando do resgate e registado no vídeo realizado pela Força Aérea
Portuguesa, pois o adornamento apenas se poderia explicar pelo alagamento de
apenas um flutuador e que, como o peso da água se afundasse, levantando o outro
flutuador.
Mas
se tal ocorreu, como voltaria a embarcação à posição horizontal e com o
afundamento da popa do flutuador “levantado”, sem uma força exterior que
“empurrasse” o flutuador até este atingir um nível que permitisse a entrada de
água no mesmo? A resposta lógica é que tal não é possível. Ora, mais uma vez,
não havendo chuva, vento ou forte ondulação que forçasse entrada de água no
flutuador levantado no adornamento alegado, a embarcação tendo adornado,
permaneceria nesta posição. Como se referiu, a embarcação foi avistada
simetricamente afundada à ré, ou seja, teriam ambos os flutuadores de estar
simetricamente alagados, o que impediria o adornamento da embarcação. Em suma,
o relato da dinâmica dos acontecimentos pela testemunha RM não é coerente ou lógica
com o estado da embarcação verificado no vídeo da Força Aérea Portuguesa aquando
do seu resgate, sendo este um dado objectivo e concreto que o Tribunal não pode
ignorar e a partir do qual tem de proceder à análise da demais informação carreada
aos autos, o que torna o depoimento da referida testemunha, no seu todo, quanto
à dinâmica dos factos insusceptível de ser acreditado, não o tendo sido, efectivamente.
O
facto sob a alínea n) não foi considerado provado porquanto em contradição com
o facto provado sob o n.º 71 e pelas exactas razões em que aquele foi acreditado.
Ou seja, em momento anterior, a testemunha JPM já tinha informado RM que a
embarcação tinha sido encontrada. RM, no seu depoimento, disse que naquela
data, o agente da polícia marítima não lhe tinha dado a certeza de ser a
embarcação da Autora, mas nas suas declarações na polícia marítima faz a
distinção de que apenas em Janeiro de 2019 foi oficialmente informado de tal
facto, o que faz crer que, em momento anterior, ainda que não oficialmente, já
sabia de tal facto.
O
facto sob a alínea o) não foi considerado provado por não se ter feito prova quanto
ao mesmo.
Os
demais factos constantes na petição inicial e na contestação foram considerados
conclusivos ou irrelevantes (a existência de notícias sobre o evento em
discussão nos autos), razão pela qual não foram levados à matéria de facto provada
ou não provada.
O
depoimento da testemunha ADM, engenheiro com formação em mecânica e construção
naval, não foi relevante para prova de nenhum facto alegado, pois não observou
a embarcação ou estudou a mesma, não revelando conhecimento directo dos factos
para poder emitir um parecer sobre o que teria ocorrido que justificasse o
alagamento da embarcação, limitando-se a partir do pressuposto que o relato
feito pelo skipper da embarcação correspondia ao ocorrido e desvalorizando
todos os factos que pusessem em caso tal relato, o que põe em causa a sua
objectividade e logo a sua credibilidade”.
Começando
pela questão das inspecções da embarcação (alínea b), nada há a alterar, uma
vez que se criou no processo mais do que uma dúvida séria quanto à utilização
marítimo-turística do “The Xxxx”: a Ré comprovou (documentos de fls. 343, 344,
346, 347-348 destes autos e fls. 10, do apenso que constitui o Processo de Averiguações
n.º 070.40.06 – 11/18, da Polícia Marítima-Comando Local de Lisboa e remetido
pela Capitania do Porto de Lisboa), que a embarcação tem averbado o “exercício
da actividade marítimo-turística, em exclusividade, na zona exclusiva dos
Açores”, o que a faz ficar abrangida por um diferente regime legal (Decreto-Lei n.º 149/2014, de 10 de Outubro,
que aprovou o Regulamento das Embarcações utilizadas na Actividade Marítimo-Turística),
que obriga a vistorias anuais - artigo 11.º, n.ºs 1 e 4 – sendo que nenhum
documento destas vistorias anuais obrigatórias foi apresentado pela Apelante.
Tratando-se
de matéria cuja prova caberia à Autora, a conclusão foi a assumida pelo
Tribunal a quo: Não Provado.
*
Quanto aos
restantes factos não provados, a Apelada sublinha que “Inexiste qualquer
inconsistência no raciocínio realizado pelo tribunal a quo na apreciação da prova produzida, conforme se demonstra
abaixo”.
A Apelante,
por outro lado - basicamente - assenta a sua discordância no que consta do
“Relatório de Mar” e da testemunha RM (skipper da embarcação e sócio maioritário
da Autora) e procura encontrar contradições ou imprecisões no decidido.
Sem qualquer
razão, sublinhe-se.
No que
respeita ao porquê do decidido a fundamentação do Tribunal é exemplar em termos de
compreensibilidade do raciocínio, de desmontagem da tese apresentada pelo
skipper, e de acerto.
*
Neste ponto,
vale a pena, a este propósito, começar por assinalar que a factualidade apurada
nos Factos 9.º, 13.º, 43.º, 55.º, 56.º, 57.º, 59.º, 60.º, 61.º, 65.º, 77.º, 78.º,
79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 85.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º,
95.º e 96.º contradiz a versão apresentada pela Autora, o que – logo à partida
– impediria que os factos não provados passassem a provados.
Por outro
lado, a simples audição do depoimento da testemunha AMM deixa a versão
sustentada pela testemunha RM completamente descredibilizada e insustentável
(como decorre do que já acima se disse, quanto à detectabilidade do alagamento
e forma de lhe reagir; mas também do “barulho” que teria de ser anormal e não
um simples…barulho; e do que explicou no sentido de a água não poder ter passado
para o flutuador de estibordo, porque caso contrário a embarcação perdia
reserva de flutuabilidade e afundava, o que não aconteceu; e do esclarecimento
de que o skipper não podia ter navegado rumo a Sines, na direcção Sudeste, e
retornado ao rumo 262º porque, nesse caso, não podia estar na posição em que se
encontrava quando emitiu o DISTRESS, cerca das 05:00 horas, posição que foi
fornecida pelo AIS da embarcação, mas teria de estar mais a Sul e só seria
possível encontrar-se na posição em que se encontrava se não tivesse navegado; e da conclusão pela impossibilidade de não
poder haver adornamento repentino às 05:00 e de que o alagamento estabilizava a
embarcação e vez de a tornar instável).
Mais, o seu
Relatório (junto a fls. 122 a 163) analisa o Relatório de Mar e as declarações
que o dito RM prestou à Navaltik, demonstrando a sua falta de sustentabilidade
e razoabilidade.
E a isto
acresce que mesmo o Relatório elaborado pelo perito da Capitania do Porto de
Lisboa (fls. 69-v a 78), não confirma a versão do skipper.
Por outro
lado, o próprio RM produz afirmações em audiência que se viram contra si próprio,
nomeadamente quando aceita que quando deixou a embarcação esta se encontrava
como mostram as imagens registadas pela Força Aérea aquando do resgate
Sublinhe-se
que apesar de a versão apresentada pelo skipper não ter lógica nem sustentação,
isso não obsta a que se aceite que a embarcação tenha alagado e que nela ele
tenha permanecido várias horas antes de a abandonar (pese embora a estranheza
que tal possa provocar).
Por outro
lado, concorda-se com a Apelada quando sustenta que:
-
“como a própria motivação da decisão explica, considerando o nível de
alagamento declarado pelo skipper, tal implicava que tivesse havido um rombo no
casco da embarcação que produzisse outro tipo de efeito que não um mero
barulho”;
-
“o tribunal nunca entendeu que a entrada de água na embarcação tivesse sido
massiva e repentina, tendo-se limitado a apreciar o declarado pelo skipper para
aferir da credibilidade do seu depoimento e concluiu que nenhuma credibilidade
havia no mesmo, e assim considerou não provada a matéria da al. d) dos Factos
Não Provados”;
-
“a al. e) dos Factos Não Provados não se reporta, como pretende Apelante,
apenas às bombas de esgoto da embarcação e o ponto 68 dos Factos Provados não
refere que o skipper colocou as bombas de esgoto a funcionar, mas apenas que as
bombas foram utilizadas pelo skipper, o que é diferente”;
-
“no que toca às als. f), g), h), i) e j) dos Factos Não Provados, o tribunal
limitou-se a negar a versão da Apelante quanto às circunstâncias do evento e à
navegação rumo a Sines, já que as posições da embarcação obtidas através do
sinal do AIS que a embarcação tinha a bordo revelam que de dia 20.10.2018 para
dia 21.10.2018 a embarcação manteve o rumo que levava para os Açores, não
demonstrando qualquer desvio a esse rumo ou tentativa de rumar ao porto de
Sines. Como refere o relatório elaborado por AMM, considerando uma velocidade
média de 5,3 nós entre as duas posições fornecidas pelo AIS: “a embarcação
estaria numa posição estimada (uma vez que não é fornecida a posição à hora do
Evento) muito próxima da posição do pedido de socorro efectuado às 0417 UTC
(0517HLocal) e subsequente abandono” (p. 21 e 22)”;
-
“independentemente do que o skipper entenda por adornamento, e não pareceu que
o seu entendimento seja diferente dos demais mortais, a verdade é que confirmou
que a embarcação se encontrava no estado registado pela Força Aérea a fls. 280
quando a abandonou, ou seja, a embarcação não adornou, não podendo ser
considerada provada a matéria constante da al. k) dos Factos Não Provados.
Portanto, o relatado pelo skipper não tem qualquer semelhança nem é compatível
com o estado em que a embarcação se encontrava, sendo certo que, conforme está
provado, as condições de tempo e mar eram boas”;
-
“quanto aos factos constantes das als. l) e m), o tribunal a quo deu apenas
como provados os factos constantes dos pontos 59 e 61 da douta decisão
recorrida, factos que a Apelante não impugnou no seu recurso”.
Nesta base,
tem-se como insustentável a pretensão da Apelante, indeferindo-se totalmente no
que concerne à matéria de facto não provada.
*
Por
fim e quanto à matéria de ampliação:
Ib-
a pretendida alteração da redacção do Facto 98.º (de “O skipper colocou as duas bombas de esgoto eléctricas a funcionar, não
tendo colocado a bomba manual com a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por
forma a aumentar a capacidade de esgoto das outras duas bombas submersíveis
eléctricas”, para “O skipper não colocou a bomba manual
com a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma a aumentar a capacidade
de esgoto das outras duas bombas submersíveis eléctricas),
corresponde à posição assumida pelo próprio skipper em sede de audiência, pelo
que se defere a pretensão da Apelada, passando este Facto a ter a seguinte
redacção:
98 - O skipper não
colocou a bomba manual com a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma
a aumentar a capacidade de esgoto das outras duas bombas submersíveis
eléctricas.
Ic- em
sequência e pela mesma razão e fundamento, determina-se que seja acrescentado
aos Factos não Provados um Facto p),
com a seguinte redacção:
“O skipper colocou as
duas bombas de esgoto eléctricas a funcionar”.
Id- a
alteração da redacção do Facto 10.º (“Foi programada uma viagem, com a embarcação,
de Lisboa para Ponta Delgada, nos Açores para a vistoria anual a ser realizada
pela DGRM e para as necessárias inspecções no âmbito de um projecto de
desenvolvimento turístico dos Açores ao qual a referida embarcação estava
afecta”),
de forma a acrescentar-se-lhe “beneficiando de incentivo financeiro não reembolsável no
montante de € 143.910,52 concedido pelo Governo Regional dos Açores”, para
corresponder à prova documental que foi produzida (documentos de fls. documentos
de fls. 343, 344, 346, 347-348 destes autos). Neste sentido e embora não tenha
particular relevância para a decisão da causa, defere-se a pretensão deduzida,
passando o Facto 10.º a ter a seguinte redacção:
10 -
Foi programada uma viagem, com a embarcação, de Lisboa para Ponta Delgada, nos
Açores para a vistoria anual a ser realizada pela DGRM e para as necessárias
inspecções no âmbito de um projecto de desenvolvimento turístico dos Açores,
beneficiando de incentivo financeiro não reembolsável no montante de €
143.910,52 concedido pelo Governo Regional dos Açores.
**
Em
face de tudo o exposto e em síntese, a matéria de facto terá de ser
alterada nos seguintes termos:
I
- Altera-se a redacção do Facto 10.º dos
Factos Provados, o qual passa a dizer o seguinte:
10 - Foi programada
uma viagem, com a embarcação, de Lisboa para Ponta Delgada, nos Açores para a
vistoria anual a ser realizada pela DGRM e para as necessárias inspecções no
âmbito de um projecto de desenvolvimento turístico dos Açores, beneficiando de
incentivo financeiro não reembolsável no montante de € 143.910,52 concedido
pelo Governo Regional dos Açores.
II
- Altera-se a redacção do Facto 57.º dos Factos Provados, o qual passa a dizer o seguinte:
57 - A embarcação
segura foi avistada, no dia 22 de Outubro de 2018, pela aeronave da FAP P-3C
Orion, na posição geográfica 38º08’N-011º33W e permanecia à tona da água, com
derrabamento, sem adornamento, estável, à deriva, navegando ao sabor do vento e
das correntes.
III - Altera-se a
redacção do Facto 73.º dos Factos Provados, o qual passa a dizer o seguinte:
73 - Na sequência do
pedido de informação que a Ré dirigiu ao Capitão do Porto de Lisboa, por e-mail
datado de 11 de Janeiro de 2019, pelas 7h39m39s veio este, em 14 de Janeiro de
2019, remeter à mandatária da Ré, cópia do ofício n.º 1480, de 18.12.2018, e
documentação ao mesmo anexa, que a DGAM tinha enviado à Autora”.
IV - Altera-se a redacção
do Facto
91.º dos Factos Provados,
o qual passa a dizer o seguinte:
91 - A embarcação não
adornou porque o alagamento em ambos os cascos se produziu de forma
independente e quase simultânea em cada um deles.
V - Altera-se a redacção
do Facto
93.º dos Factos Provados,
o qual passa a dizer o seguinte:
93 – i) Na altura do
abandono, a embarcação manteve-se a flutuar, com acentuado caimento a ré, não
apresentando adornamento significativo a qualquer dos bordos, mostrando que se
encontrava alagada de forma proporcional nos dois cascos;
ii)
A embarcação não afundou, manteve um valor de flutuabilidade positiva,
resultante de compartimentos não alagados (ex.: cabine, túnel de ligação entre
cascos e pique-tanques);
iii)
Não existem evidências de impacto nas obras vivas com objectos a flutuar;
iv)
Os danos observados nas fotografias 36 a 41 poderiam causar a entrada de água em
simultâneo nos dois cascos, conforme o descrito na hipótese de cenário no
parágrafo 4.4.3 do Relatório de Peritagem de fls. 69-75.
VI - Altera-se a redacção
do Facto
98.º dos Factos Provados,
o qual passa a dizer o seguinte:
98 - O skipper não
colocou a bomba manual com a capacidade de 45 l/min a esgotar a água por forma
a aumentar a capacidade de esgoto das outras duas bombas submersíveis
eléctricas.
VII
- Acrescenta-se aos Factos Não Provados
o Facto p), com a seguinte redacção:
p) “O skipper colocou
as duas bombas de esgoto eléctricas a funcionar”.
Fundamentação de Direito
O
Tribunal a quo julgou a acção
improcedente com base no seguinte processo de raciocínio:
I
- A questão principal a decidir passa por saber se por via do contrato de seguro
celebrado entre as partes, a Ré está obrigada a indemnizar a Autora da perda
total da embarcação registada na Capitania do Porto de Lisboa sob o n.º
18386LXF;
II
- A Autora alegou que a embarcação naufragou devido a causa indeterminada que
provocou o rápido alagamento da embarcação e, por fim, o seu naufrágio, impondo
que o skipper abandonasse a embarcação, o que consubstanciaria um dos casos de
fortuna de mar e logo abrangido pela cobertura acordada com a Ré;
III
- A Ré entende que o alagamento não se deu conforme descrito pela Autora,
impugnando a sua versão, mas terá sido provocado por intervenção propositada do
skipper da embarcação (uma vez que era a única pessoa na embarcação) e que, por
tal facto, não haverá lugar a pagamento da indemnização por estar excluída da
apólice ou, caso assim não se entenda, sempre a actuação do skipper
consubstanciaria barataria, pois nada fez durante três horas, para impedir a
progressão do alagamento da embarcação, o que também exclui a responsabilidade
da Ré;
IV
- A questão coloca-se no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a Autora
e a Ré tendo por objecto seguro a referida embarcação registada sob o n.º
18386LXF;
V
- O seguro marítimo de navios ou de cascos corresponde, antes de mais, a um dos
subtipos dos seguros de danos, abrangendo os danos sofridos por toda e qualquer
espécie de embarcação marítima, lacustre ou fluvial (artigo 123.º, n.º 6, do
Decreto-Lei n.º 94-B/98);
VI
– Tendo por objecto o navio ou o seu casco insere-se dentro da categoria dos
seguros contra riscos do mar (regulados especialmente nos artigos 595.º a 615.º
do Código Comercial, na medida em que se refere a coisas e valores estimáveis a
dinheiro expostos àquele risco - artigo 597.º do Código Comercial);
VI
– O segurador compromete-se, mediante o pagamento de um prémio, a indemnizar o
segurado do prejuízo sofrido pelo navio e/ou respectivo casco em consequência
da sua exposição aos perigos de uma expedição marítima e pelo facto da
superveniência de certos riscos;
VII
– Estes riscos marítimos não são mais do que os incidentes relacionados com a
navegação no mar, seja porque derivados do facto de poderem ocorrer por causa
do meio em que a viagem se desenvolve, seja ainda pela razão única de afectarem
os bens envolvidos nessa viagem, ainda que o motivo do risco seja estranho ao
meio marítimo, mas porque ali ocorre. Os riscos marítimos são, pois, as causas
que dão, próxima ou remotamente, origem aos danos, prejuízos ou perdas do
objecto do seguro;
VIII
- Em regra, o segurador responde pelos danos decorrentes de fortuna de mar,
como a borrasca, naufrágio, varação, abalroação, mudança forçada de rota, de
viagem ou de navio, por alijamento, incêndio, violência injusta, explosão,
inundação, pilhagem, quarentena superveniente, e, em geral, por todas as demais
fortunas de mar que acontecerem durante o tempo dos riscos segurados,
excluindo-se, porém, os danos resultantes de: Barataria do capitão (e, em
geral, da tripulação); Natureza das coisas; Estipulação legal ou convenção em
contrário;
IX
– Salvo convenção em contrário, o seguro não cobre: Despesas de navegação,
pilotagem, reboque ou quarentena; Direitos de tonelagem, ancoradouro ou saúde
pública; Danos decorrentes de descarregamento, armazenamento e carregamento de
mercadorias em escala (artigos 607.º e 611.º do Código Comercial);
X
- No caso de dúvida sobre a causa da perda dos objectos segurados, presume-se
haverem perecido por fortuna do mar, com a consequência de o segurador ser
responsável (artigo 605.º do Código Comercial);
XI
– Essa presunção implica que o segurado prove os factos constitutivos do seu
direito, o que significa que ele deve demonstrar que o risco marítimo é a causa
da perda e que o mesmo está coberto, sendo que, só depois desses factos terem
sido contraditados pelo segurador é que se verifica o pressuposto de aplicação
do artigo 605.º do Código Comercial: a existência de uma situação de dúvida;
XII
– Essa presunção apenas acontece nos casos em que o segurador assume a
responsabilidade por todos os riscos do mar (all risks).
XIII
- A fortuna do mar consubstancia-se no acontecimento ocorrido no mar que a
maior prudência e diligência do capitão e ou dos outros membros da tripulação é
insusceptível de prevenir ou evitar;
XIV
– Factualmente, a embarcação alagou e submergiu parcialmente no dia do resgate
do skipper, tendo sido recuperada ao largo de Marrocos pelas autoridades desse
país Factos 18.º, 55.º, 56.º, 57.º e 30.º);
XV
– Aversão de que o alagamento se deu após o skipper ter ouvido um barulho e se
ter deparado com um dos flutuadores já alagado ao ponto dos paneiros estarem a
flutuar e de que esse alagamento se estendeu ao outro flutuador através do
túnel que liga ambos, não resultou provada;
XVI
– Não tendo a Autora demonstrado que o alagamento da embarcação se deu conforme
alegou (por uma causa indeterminada que não poderia ser evitada pelo skipper e
que foi superior às suas forças/saber para evitar a progressão do alagamento),
não logrou satisfazer o ónus que impendia sobre si de atestar a verificação do
risco nos termos convencionados com a Ré, falhando a demonstração de um dos
elementos constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil);
XVII
– Improcedendo o pedido, é desnecessária a discussão dos demais pressupostos do
direito de que a Autora se pretende fazer valer (dano sofrido, sua extensão e o
nexo causal com o facto alegado);
XVIII
– A acção sempre seria de improceder pois a actuação do skipper foi de molde a
“assegurar” que a embarcação segura se perderia no mar, ou seja, o skipper,
ainda que não tenha provocado intencionalmente o alagamento da embarcação, ficou
nela durante cerca de três horas, sem tentar aumentar os meios de escoamento da
água que continuava a entrar, sem assegurar que as válvulas de entrada de água na
embarcação para fornecimento de água às casas de banho estavam fechadas, sem
conseguir encontrar um qualquer rombo que justificasse o embarque de água, só
tendo lançado o pedido de socorro cerca de três horas depois de ter ou ouvido o
ruído e se ter deparado com o alagamento;
XIX
– A actuação do skipper consubstancia barataria, o que sempre excluiria a
responsabilidade da seguradora pelo sinistro;
XX
- As fortunas de mar são os casos voluntários e não voluntários, ordinários ou
extraordinários, acontecidos no mar ou por causa do mar que a maior prudência
não pode prevenir e aos quais a força humana não pode resistir;
XXI
– A barataria emprega-se em primeira linha, para designar as faltas
intencionais, mas também, em segunda linha para abranger as não intencionais,
como a simples imprudência e negligência (visto a lei presumir que, no caso
destas faltas, o armador errou na escolha do capitão e, portanto, deve ficar
sujeito às consequências do seu erro);
XXII
– A alegação da Ré, de que o alagamento da embarcação foi propositadamente causado
pelo skipper, nem será discutido, pois apesar de ser a hipótese mais provável e
coerente com o estado da embarcação após o resgate do skipper e conforme visto
pela Força Aérea Portuguesa, não é possível de confirmação absoluta devido ao
estado da embarcação aquando da perícia, nem se torna tal discussão necessária,
atenta a conclusão de improcedência do pedido a que o Tribunal já chegou.
Contra
esta argumentação, a Autora – misturando de forma particularmente confusa a sua
discordância quanto aos factos apurados, com a sua apreciação de Direito – entende
que o Tribunal errou porque não é possível afirmar inequivocamente a causa do
alagamento, acrescentando que é um “tremendo erro” afirmar que, para se aplicar
o artigo 605.º do Código Comercial “é necessário que o Segurado prove os factos
constitutivos do seu direito, o que significa que ele deve demonstrar que o
risco marítimo é a causa da perda e o mesmo está coberto”.
Entende
a Recorrente que nos termos do artigo 342.º do Código Civil, efectivamente lhe cabe
a prova dos factos constitutivos do seu direito, mas também que, nos termos do
artigo 344.º, n.º 1, do mesmo diploma, a regra se inverte quando haja presunção
legal…
Ora,
sendo a presunção uma ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido
para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º), temos um facto conhecido (o
sinistro) e a presunção que decorre do artigo 605.º do Código Comercial, no
sentido de que, no caso de dúvida sobre a causa da perda da embarcação segurada,
se presume haver perecido por fortuna de mar, sendo a Seguradora responsável.
Não
tendo sido feita prova que permitisse determinar a causa do acidente e não
tendo sido ilidida a presunção prevista no referido artigo 605.º, resulta
manifesto que a Sentença teria de ser de condenação.
Não
há controvérsia quanto à circunstância de entre Autora e Ré estar celebrado e
vigente um contrato de seguro, do ramo Marítimo.
Perante
isto, e para além do que consta da apólice, em termos de objecto, coberturas e
exclusões, é relevante o artigo 604.º do Código Comercial (Riscos por que
responde o segurador)[13].
Conhecido
o sinistro e accionado o seguro, surge a divergência quanto ao que ocorreu,
como ocorreu e porque ocorreu e, daí, a presente acção e a necessidade de
verificar o que resultou provado e o que pode estar presumido.
A
conjugação do disposto no artigo 342.º do Código Civil com a Cláusula 31.º da
Apólice contratada[14],
impunha à ora apelante o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que
pretende ver declarado judicialmente.
E
por duas vias seria possível encontrar uma presunção a seu favor:
-
por via do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 384/1999[15], de
23 de Setembro (regime jurídico relativo à tripulação do navio), que
estabelece, no seu n.º 7, que os factos constantes de relatório de mar
confirmado pela autoridade marítima ou consular competente, com observância do
disposto nos seus n.ºs 1 a 6, se presumem verdadeiros, salvo prova em
contrário.
-
por via do artigo 605.º do Código Comercial[16].
No
que à primeira situação respeita, in
casu, e independentemente de não se ter provado a concreta causa do
alagamento da embarcação, é certo que a factualidade apresentada pelo skipper
no seu Relatório de Mar (na qual a Petição Inicial, aliás, se baseava) resultou
infirmada nos presentes autos, tendo sido produzida prova em contrário por
parte da Ré (que resulta espelhada na Factualidade Apurada), de modo que
facilmente concluímos que a presunção em causa ficou ilidida[17].
Daí
decorre, assim, que cabia à Autora (independentemente de conhecer a concreta
causa do sucedido), fazer a prova do que ocorreu com a embarcação, de forma
lógica, coerente e racional.
Mas
a Autora não o fez, apresentando uma versão que só pode considerar-se
inverosímil, impedindo, assim, que esta presunção quanto à ocorrência dos
factos tal qual descritos no Relatório de Mar, pudesse subsistir.
O
que nos deixa, “apenas” com a factualidade apurada nos presentes autos.
Quanto
à segunda, começa por se dizer, com Pedro
Romano Martinez, que a “referida «presunção» suscita alguma perplexidade, podendo
duvidar-se que se trate de uma verdadeira presunção nos termos do art.º 349º do
CC, parecendo, antes, uma regra de causalidade ou de delimitação de riscos
cobertos, justificada historicamente pela cobertura por apólices diversas dos
riscos de mar e dos riscos de guerra, em que, na dúvida sobre a causa da perda
do navio, havia que optar por exigir a reparação a um dos seguradores”[18].
Como
se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 14/06/2007 (Processo n.º 10322/2006-2-Ezagüy Martins) citando Azevedo Matos[19] “embora do artigo
pareça deduzir-se que basta uma simples presunção, na verdade assim não sucede,
pois é sempre necessária a prova de que o risco previsto ou compreendido é a
causa da perda, e que este risco está coberto”.
Mas
esta discussão cai à partida, porque nem sequer se pode concluir pela perda da
embarcação na decorrência da factualidade invocada (alagamento e consequente
afundamento).
Ou
seja, nem sequer há fundamento para recorrer ao artigo 605.º do Código
Comercial, uma vez que não pode considerar-se que a embarcação tenha naufragado
ou se tenha perdido, em consequência do alagamento.
Repare-se
que o abandono da embarcação por parte do skipper - em face da factualidade que
efectivamente se apurou - ocorreu,
claramente, sem que estivessem reunidas as condições prevenidas na apólice de
seguro para o efeito.
A
Cláusula 34.º da Apólice começa por dizer no seu n.º 1, que o segurado se
obriga não só a não abandonar o navio/embarcação, como a promover todas as
diligências para o bom êxito do seu salvamento[20],
sendo que, acrescenta o n.º 2, o abandono do “objecto seguro” só é admitido nos casos:
-
do artigo 617.º do Código Comercial[21]
(alínea a)),
-
de perda total efectiva (“representada
pelo desaparecimento total e definitivo em consequência de afundamento causado
por um risco coberto”) (alínea b)),
-
de perda total construtiva (“ou seja, a inavegabilidade absoluta e definitiva causada
por um evento seguro que torne o navio irreparável ou o custo da reparação para
o repor no estado anterior ao sinistro seja igual ou superior ao valor seguro”),
-
de perda total “combinada
pelo acordo entre o Tomador do Seguro ou Segurado e a Seguradora para que o
navio seja considerado perda total construtiva, não obstante não se verificarem
as condições definidas na alínea c)”.
Ora,
no caso dos autos nada disto se verificou: nem o abandono respeitou estas
condições, nem o skipper fez tudo o que estava ao seu alcance para promover o
salvamento da embarcação.
De
facto, independentemente da causa do alagamento (em que qualquer um pode ter a
sua tese, incluindo o que possa ser provável que tenha acontecido mas não se
tenha logrado provar), o certo é que o skipper abandonou a embarcação (a
21/10/2018) sem que o risco de afundamento fosse iminente (essa prova caberia à
Autora), ou a sua navegabilidade estivesse relevantemente posta em causa (como
se pode concluir sem lugar a dúvida razoável, em face do estado do mar na
altura e da circunstância de, a 22/10/2018, a Força Aérea Portuguesa a ter
filmado ainda a navegar à deriva).
Trata-se
de uma “história mal contada” e é a única conclusão que - para efeito dos
presentes autos - pode ser tirada, pois mal se compreende que alguém em mar
alto tendo detectado um alagamento na sua embarcação, tenha estado cerca de
três horas (repete-se, três horas!) sem nada de relevante fazer para a ele
obstar, podendo fazê-lo.
A
falta de verosimilhança da versão apresentada pela Autora é ostensiva, desde o
“barulho” pretensamente ouvido pelo skipper, ao não ter detectado de onde
provinha o alagamento (num espaço pequeno, com iluminação suficiente, e em que
necessariamente se poderia ver pelo menos um turbilhão, maior ou menor, de onde
estaria a surgir a água) e, absurdo maior, admitindo que as duas bombas
eléctricas estariam em funcionamento (como afirma), não ter sequer tentado
utilizar a bomba manual que tinha ainda ao seu dispor e ter ficado três horas
assim, placidamente, numa embarcação a afundar…
Repare-se
que nem sequer se pode dizer que foi uma situação de pânico ou de falta de
experiência, quer por não ser alegada, quer por estar em causa um navegador
experiente, mas nada se vislumbra que justifique a incoerência da versão
apresentada, por exemplo, quanto ao volume da água a entrar e a não utilização
da bomba manual:
-
se estava a entrar muita água e isso originaria um esforço inglório quanto à
utilização da bomba manual, então seria ainda mais fácil detectar de onde vinha
a água porque o espaço era pequeno;
-
em qualquer circunstância, a primeira das opções seria sempre tentar a
utilização da bomba manual para ver o efeito que lograva e só se não resultasse
é que abandonaria o esforço e o poderia consideraria “inglório”;
-
se era tanta a água a entrar e tão incontrolável, ou esmagadora, então porquê
esperar três horas para pedir auxílio e lançar o Mayday? Se fosse como
descrito, ao fim de 30 minutos/uma hora, o skipper teria a embarcação afundada (e,
de facto, um dia depois, ela ainda navegava com parte da estrutura afundada e o
mastro totalmente fora da água…).
Isto
permite concluir que, se a água continua a entrar durante três horas e ele nada
faz é porque não entrava assim tanta e que ao não utilizar a bomba manual –
podendo fazê-lo – e ficar a aguardar que a situação se resolvesse por si
própria, o skipper teve um comportamento absurdo e pouco racional, mas
necessariamente querido e voluntário, porque não estava em pânico e pensou no
que estava a fazer.
Perante
um determinado acontecimento a actuação de quem estava ao comando da embarcação
não foi só em desacordo com o que devia ter sido, como não foi a que podia ter
sido[22].
Assim,
só podemos concluir que o abandono da embarcação foi injustificado e, como tal,
excludente para efeitos de funcionamento da apólice, exclusão que vale ainda
para o funcionamento da presunção do artigo 607.º do Código Comercial, uma vez
que, para este efeito, a referida embarcação não se “perdeu”, nem pode dizer-se
que a embarcação foi vítima de
“fortuna de mar” (mar estava calmo, vento era fraco e o comportamento do
skipper não foi adequado às circunstâncias).
Como
discorre lapidarmente a Sentença sob recurso, “não tendo a Autora demonstrado que o
alagamento da embarcação se deu conforme alegou, ou seja, por uma causa
indeterminada que não poderia ser evitada pelo skipper e que foi superior às
suas forças/saber para evitar a progressão do alagamento, não logrou satisfazer
o ónus que impendia sobre si de atestar a verificação do risco nos termos
convencionados com a Ré, tendo assim falhado a demonstração de um dos elementos
constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo pois
de improceder o pedido formulado, tonando-se ociosa a discussão dos demais
pressupostos do direito de que a Autora se pretende fazer valer, nomeadamente o
dano sofrido e a sua extensão, bem como o nexo causal com o facto alegado”.
Mas
podemos ir mais longe e sublinhar que, neste contexto e perante a factualidade
assente, relevando o já referido artigo 604.º do Código Comercial (que funciona
como cláusula de exclusão da responsabilidade do segurador, coloca a cargo deste,
“salvo
estipulação contrária, todas as perdas e danos que acontecerem durante o tempo
dos riscos aos objectos segurados por borrasca, naufrágio (...) e em geral, por
todas as demais fortunas de mar, salvos os casos em que pela natureza da coisa,
pela lei ou por causa expressa na apólice o segurador deixa de ser responsável”), também
por esta via a acção está condenada ao insucesso.
De
facto, o parágrafo §1.º deste normativo estipula que “o segurador não
responde pela barataria do capitão (...)”.
Esta
matéria da barataria e do que nela se inclui e se considera abrangido foi
objecto de apreciação exaustiva no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/07/2021
(Processo n.º 120564/17.2YIPRT.L1-7-Diogo
Ravara[23]), que transcrevemos em
rodapé e subscrevemos, ainda que com a precisão que se segue.
Ou
seja, sendo certo que deve fazer-se relevar o conceito restrito de barataria,
nas situações de cobertura de danos próprios, em que a apólice aponte noutro sentido,
a conclusão tem de ser distinta.
É
isto, aliás, que o Supremo Tribunal de Justiça refere no Acórdão de 12/01/2022
(Processo n.º 120564/17.2YIPRT.L1.S1-Vieira
e Cunha), quando assinala que, mesmo “optando pelo conceito restrito de
“barataria” (abrangendo apenas o comportamento doloso do capitão), nunca se
poderia superar o facto de a própria norma do art.º 604.º §1.º CCom, não deixar
de ressalvar a possibilidade de convenção em contrário, no seguro, no que a
citada norma se vem a traduzir na ausência de carácter imperativo, devendo
observar-se sobre o mais, em matéria de seguro, a convenção das partes”.
Ora,
a apólice que consubstancia o contrato de seguro acordado entre Autora e Ré
expressamente exclui a cobertura dos riscos causados por “dolo, fraude ou
barataria do capitão ou de quaisquer factos resultantes de violação, de
bloqueio, de contrabando ou comércio proibido ou clandestino” (Cláusula
6.ª, n.º 2, alínea n) – fls. 23 deste
processo), pelo que, no confronto entre dolo e barataria, necessariamente
teremos de concluir que as condutas negligentes estão abarcadas no conceito.
Como
tal, uma conduta como a do skipper nas condições de espaço e tempo em que
ocorreu, tem de ser vista como incluída no conceito de barataria (no mínimo,
como negligência grosseira, embora a forma consciente, voluntária e ponderada
como foi assumida, aponte mesmo para o dolo).
Pelo
exposto, a barataria tem de se considerar presente e, tal como concluiu
acertadamente o Tribunal a quo, a
acção tem de improceder.
**
Dizia Álvaro de Campos, "Continua o
Fernando Pessoa com aquela mania, que tantas vezes lhe censurei, de julgar que
as coisas se provam"[24], referência
esta que vem a propósito do que sucedeu nos presentes autos, em que a Autora apresentou
uma versão dos factos que, a comprovar-se, lhe daria razão, mas que não
resultou provada, provando-se mesmo uma versão substancialmente distinta:
colocada na posição de Fernando Pessoa,
a Autora, julgava conseguir provar o que alegava, mas – efectivamente – não o
conseguiu e foi a Ré, qual heterónimo do poeta, que o logrou.
***
Assim,
e em conformidade com o exposto, porque o Tribunal a quo decidiu bem, com critério, fundada e fundamentadamente, a
Sentença será confirmada in totum.
* *
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação,
confirmando a Sentença recorrida.
Custas
a cargo da Recorrente.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa, 08 de Março de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1]
António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
“O atual art.
662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como
se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria
convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou
daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do
dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo
Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, pág. 332.
[3] Por
todos, vd. António Abrantes Geraldes,
Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193
a 210.
[4] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, página 200.
[5] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, páginas 201 a 205.
[6] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, páginas 206-207.
[7]
Elaborado pela
também testemunha JPM, enquanto Instrutor do Processo.
[8]
Relatório de
fls. 69 a 78.
[9] Página 27, do
Relatório de fls. 122-163.
[10]
Página 32, do
citado Relatório.
[11]
Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, in O novo processo civil, Caderno V, [em
linha], e-book CEJ, 2014, páginas
350-351, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Z3GENdMOBV8%3d&portalid=30
[consultado a 28/02/2022]
[12]
Que
aliás nem necessitou de esclarecimentos da parte contrária.
[13]
Código Comercial
- Artigo 604.º - Riscos por que responde o segurador
São a cargo do segurador, salva
estipulação contrária, todas as perdas e danos que acontecerem durante o tempo
dos riscos aos objectos segurados por borrasca, naufrágio, varação, abalroação,
mudança forçada de rota, de viagem ou de navio, por alijamento, incêndio,
violência injusta, explosão, inundação, pilhagem, quarentena superveniente, e,
em geral, por todas as demais fortunas de mar, salvos os casos em que pela
natureza da coisa, pela lei ou por cláusula expressa na apólice o segurador
deixa de ser responsável.
§. 1.° O segurador não responde
pela barataria do capitão, salva convenção em contrário, a qual, contudo, será
sem efeito, se, sendo o capitão nominalmente designado, foi depois mudado sem
audiência e consentimento do segurador.
§. 2.° O segurador que
convencionou expressamente segurar os riscos de guerra sem determinação precisa
responde pelas perdas e danos, causados aos objectos segurados, por
hostilidade, represália, embargo por ordem de potência, presa e violência de
qualquer espécie, feita por governo amigo ou inimigo, de direito ou de facto,
reconhecido ou não reconhecido, e, em geral, por todos os factos e acidentes de
guerra.
§. 3.° O aumento do prémio
estipulado em tempo de paz para o caso de uma guerra casual, ou de outro
evento, cuja quota não for determinada no contrato, regula-se, tendo em
consideração os riscos, circunstâncias e estipulações da apólice”.
[14]
“Cabe ao Tomador
do Seguro ou Segurado o ónus da prova sobre a veracidade da reclamação e do seu
interesse legal nos bens seguros, podendo a Seguradora exigir-lhe todos os
meios de prova adequados e que estejam ao seu alcance”.
[15] “Artigo 15.º
(Confirmação do relatório de mar)
1 - A autoridade marítima ou consular que
recebe o relatório de mar deve investigar, com carácter de urgência, a
veracidade dos factos relatados, inquirindo em separado as testemunhas
arroladas e os tripulantes, passageiros ou outras pessoas que considere
necessário ouvir para esclarecimento da verdade.
2 - A autoridade competente para a
confirmação do relatório de mar deve, igualmente, recolher as informações e
demais meios de prova relacionados com os factos relatados.
3 - Nenhum tripulante, passageiro ou outra
pessoa pode recusar-se a prestar depoimento feito sob a forma de auto de
declarações, salvo impedimento legal; a recusa de colaboração deve constar das
conclusões do procedimento.
4 - Os interessados na expedição marítima, ou
os seus representantes ou gestores de negócios, podem assistir ao depoimento
das testemunhas e demais produção de prova, bem como solicitar a quem os
detenha os elementos constantes da alínea l) do artigo 6.º
5 - No final da investigação, a autoridade
marítima ou consular encerra o procedimento, lavrando conclusões, nas quais
confirma ou não, fundamentadamente, os factos constantes do relatório de mar.
6 - A autoridade referida no número anterior
deve enviar, logo que possível, à autoridade marítima do porto de registo do
navio em causa, cópia autenticada do procedimento e suas conclusões
respeitantes ao relatório de mar.
7 - Os factos constantes de relatório
de mar confirmado pela autoridade marítima ou consular competente, com
observância do disposto nos números anteriores, presumem-se verdadeiros, salvo
prova em contrário”.
[16]
Código Comercial
- Artigo
605.º - Presunção sobre a causa da perda
No caso de dúvida sobre a causa da
perda dos objectos segurados, presume-se haverem perecido por fortuna de mar, e
o segurador é responsável.
[17]
Como refere a
Sentença em análise, “não tendo a Autora demonstrado que o alagamento da
embarcação se deu conforme alegou, ou seja, por uma causa indeterminada que não
poderia ser evitada pelo skipper e que foi superior às suas forças/saber para
evitar a progressão do alagamento, não logrou satisfazer o ónus que impendia
sobre si de atestar a verificação do risco nos termos convencionados com a Ré,
tendo assim falhado a demonstração de um dos elementos constitutivos do seu
direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo pois de improceder o
pedido formulado, tonando-se ociosa a discussão dos demais pressupostos do
direito de que a Autora se pretende fazer valer, nomeadamente o dano sofrido e
a sua extensão, bem como o nexo causal com o facto alegado”.
[18]
Pedro Romano Martinez, Seguro Marítimo. O transporte de
marítimo de mercadorias e o contrato de seguro, in I Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo (6 e 7 de Março de 2008)-O
contrato de transporte marítimo de mercadorias, Centro de Direito Marítimo e
dos Transportes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-Almedina,
2008, páginas 157-158.
[19]
Azevedo Matos, Princípios de Direito Marítimo – Do seguro
marítimo, IV, Edições Ática, 1956, página 235.
[20] Ficando “a cargo do
Segurador as despesas razoavelmente realizadas e reconhecidas como
indispensáveis para tal efeito”.
[21]
Código Comercial
- Artigo 617.º - Casos de abandono sem obrigação de prova da perda
O segurado pode fazer abandono ao
segurador sem ser obrigado a provar a perda do navio, se a contar do dia da
partida do navio ou do dia a que se referem os últimos avisos dele não há
notícia, a saber: depois de seis meses da sua saída para viagens na Europa, e
depois de um ano para viagens mais dilatadas.
§. 1.° Fazendo-se o seguro por tempo limitado, depois de terminarem os
prazos estabelecidos neste artigo, a perda do navio presume-se acontecida
dentro do tempo do seguro.
§. 2.° Havendo muitos seguros sucessivos, a perda presume-se acontecida
no dia seguinte àquele em que se derem as últimas notícias.
§. 3.° Se, porém, depois se provar que a perda acontecera fora do tempo
do seguro, a indemnização paga deve ser restituída com os juros legais.
[22]
O Tribunal a quo assinala de forma certeira que “sempre
a acção terá de improceder pois a actuação do skipper foi de molde a
“assegurar” que a embarcação segura se perderia no mar, ou seja, o skipper,
ainda que não tenha provocado intencionalmente o alagamento da embarcação,
durante cerca de três horas ficou na embarcação sem tentar aumentar os meios de
escoamento da água que continuava a entrar na embarcação, conforme declarou na
sua audição pela Polícia Marítima (facto 44), sem assegurar que as válvulas de
entrada de água na embarcação para fornecimento de água às casas de banho
estavam fechadas, sem conseguir encontrar um qualquer rombo que justificasse o
embarque de água, pois apesar de declarar que ouviu o ruído e se deparou com o
alagamento às 2H00 da manhã, apenas às 5H00 da manhã, com a embarcação já
parcialmente submersa, lançou o pedido de socorro”.
[23]
Relação de
Lisboa 13/07/2021 (Processo n.º 120564/17.2YIPRT.L1-7-Diogo Ravara)
“Da barataria
Aqui chegados, cumpre averiguar se a
responsabilidade da ré C deve considerar-se excluída, nos termos previstos no
art. 604º § 1º do CCom.
Com efeito, estabelece esta disposição
legal, na parte que ora interessa que tendo sido celebrado “seguro contra
riscos de mar” (cfr. epígrafe do Título II da Secção I do Livro III do Código
Comercial) “são a cargo do segurador, salvo estipulação contrária, todas as
perdas e danos que acontecerem durante o tempo dos riscos aos objetos segurados
por (…) abalroação (…) e em geral por todas as demais fortunas do mar, salvo
nos casos em que pela natureza da coisa, pela lei ou por cláusula expressa na
apólice do segurador deixa de ser responsável.
§ 1.º O segurador não responde pela
barataria do capitão, salvo convenção em contrário, a qual, contudo, será sem
efeito, se, sendo o capitão nominalmente designado foi depois mudado sem
audiência e consentimento do segurador.”
O conceito de barataria não consta do
Código Comercial, nem de qualquer outro instrumento legislativo interno ou
internacional, pelo que a sua delimitação terá que ser operada por via
interpretativa.
A origem do termo barataria remonta ao
étimo barat, palavra do idioma provençal arcaico que significa erro, engano,
fraude, ou mentira.
Nessa medida, tradicionalmente
considerava-se que o conceito de barataria compreendida apenas atos ou omissões
dolosos ou fraudulentos do capitão, nomeadamente os tendentes a obter da
seguradora, de forma obviamente ilícita, uma indemnização.
Simplesmente, como veremos, a dado
momento parte da doutrina nacional e a jurisprudência dominante passaram a
entender que a barataria do capitão compreendia também os comportamentos
meramente negligentes.
Esta tem sido a tese consagrada pelo
Supremo Tribunal de Justiça nos últimos cem anos, expressa nos seguintes
arestos (entre outros):
- STJ 17-01-1928, publicado na Gazeta
da Relação de Lisboa, nº 10
- STJ 01-11-1949, BMJ 16, 1950, pp.
340-342
- STJ 05-01-1968 (Ludovico da Costa),
BMJ 173, 1968, pp. 300-304
- STJ 29-02-1972, BMJ 214, 1972, pp.
153-159
- STJ 30-03-1973 (Acácio Carvalho), BMJ
225, 1973, pp. 272-285
- STJ 06-12-1974 (Acácio Carvalho), BMJ
242, 1975, pp. 309-315
- STJ 07-07-1999 (Quirino Soares), p.
99B557
- STJ 27-01-2004 (Nuno Cameira), p.
03A2827
- STJ 29-01-2008 (Salvador da Costa),
p. 07B4805
- STJ 21-02-2008, revista nº 1091/07,
da 7ª Secção
- STJ 02-10-2008, revista nº 942/08, da
2ª Secção
- STJ 15-01-2008 (Serra Baptista), p.
08B3326
- STJ 29-01-2008 (Salvador da Costa),
p. 07B4805
Muito embora a jurisprudência dominante
tenha considerado, de forma senão unânime, pelo menos largamente maioritária, o
entendimento de que a barataria engloba tanto os atos e omissões dolosos do
capitão, como os “meramente” negligentes[58], a doutrina tem evidenciado uma
postura distinta, perfilando-se essencialmente duas teses: o entendimento amplo
do conceito, consagrado na jurisprudência, e um entendimento restrito, limitando
o âmbito da barataria aos comportamentos dolosos.
FERREIRA BORGES[59] considerava que o
conceito de barataria abrangia “(...) toda a especie de dolo, de maldade ou
prevaricações commetidas pelo capitão ou pela gente da tripulação. O Cod. do
Comm. de França dá-lhe um significado mais extenso (art. 353); faz-lhes
comprehender não só as prevaricações mas tãobem as faltas, as culpas. E hoje,
em matéria de seguros marítimos, é igualmente essa a nossa intelligencia,
porque o art. 24 do Reg. da Casa de Seguros diz: - “As prevaricações e faltas
do capitão, officiaes e equipagens de um navio conhecidas pelo nome da
barataria ou rebeldia de patrão, são riscos como qualquer outro; e por isso se
comprehendem na responsabilidade do segurador, quando expressamente se não
exceituarem no contracto.” (...) Quando os seguradores respondem por barataria
quer dizer que se responsabilisão a indemnizar todos os damnos, que podem
resultar do facto do capitão e sua tripulação por imperícia, imprudencia,
malicia, deviação, latrocinio, ou d'outra sorte, ficando salvo aos seguradores
o recurso contra o capitão em todos os casos, em que os proprietários ou os
carregadores podessem ter contra elle acção para reparação dos damnos (...)”.
Por seu turno, ADRIANO ANTERO[60]
ensinava que o significado etimológico da palavra barataria era sinónimo de
fraude ou ribalderia; e que no domínio da navegação marítima, quando reportada
a atos do capitão, tal termo se empregou inicialmente no tocante a condutas
intencionais ou dolosas. O mesmo autor nota que o sentido da expressão se foi
ampliando, vindo a abranger também as faltas não intencionais, como a simples
imprudência e a negligência. Assim, apesar de sustentar que no Código Comercial
de 1833 a barataria apenas se referia à fraude do capitão, este autor dava nota
de que “(...) a jurisprudencia actual vai mais longe, porque o segurador não
responde, nem mesmo pelas faltas não intencionaes do capitão. É que a lei
presume que, no caso d'essas faltas, o armador erro, na escolha do capitão, e,
portanto, fica sujeito ás consequencias do seu erro (...)”.
Reportando-se ao mesmo conceito, CUNHA
GONÇALVES[61] sustentou que “(...) tendo ao princípio significado somente os
actos fraudulentos ou dolosos do capitão como tal, isto é, como encarregado do governo
do navio, mais tarde passou a abranger também os actos meramente culposos e os
estranhos a este governo e praticados como mandatário do armador”.
BARBOSA DE MAGALHÃES[62], louvando-se
do entendimento de FERREIRA BORGES equiparou o conceito de barataria ao de
prevaricação, concluindo que o mesmo compreendia faltas e culpas dos capitães e
das tripulações dos navios, compreendendo a imperícia, a imprudência, e a
malícia.
Finalmente AZEVEDO MATOS[63] sustentou
que o conceito de barataria compreendia não só os atos dolosos, mas também os
negligentes, praticados pelo capitão ou qualquer outro membro da equipagem, na
qualidade de mandatário do armador.
A esta corrente doutrinária se opôs (ou
sucedeu) uma outra, que procurou recuperar a interpretação inicial mais
restritiva, restringindo o conceito de barataria aos comportamentos dolosos.
VAZ SERRA[64] invocou em abono desta tese os
seguintes argumentos:
- O art. 604.º, § 1.º, do CCom não
define "barataria", deixando o intérprete livre de a entender como
for mais razoável.
- O termo barataria vem de barat, velha
palavra do Sul de França, que significa engano, fraude, mentira.
- O Código Comercial português não
reproduz a expressão criticável do art. 353.º do Código Comercial francês, que
define a barataria por referência a prévarications e fautes do capitão e da
equipagem (o que leva a opinião francesa dominante – embora não isente de
crítica – a entender que a palavra fautes, oposta a prévarications, compreende
as faltas não intencionais, as imprudências e negligências).
- É mais razoável que o segurador
responda pelas negligências ou imprudências do capitão ou da equipagem, só não
respondendo pelo dolo ou fraude dos mesmos, dada a maior probabilidade da
ocorrência de tais comportamentos negligentes ou imprudentes numa viagem
marítima, e a dificuldade de os distinguir dos casos fortuitos ou de força
maior, o que significa que o armador ou segurado não tem, em regra, a
possibilidade de vigiar e dar instruções ao capitão ou equipagem, sendo certo
que a finalidade do seguro é cobrir todos os riscos que, sem dolo ou fraude, se
verificarem.
- As legislações mais recentes – como a
alemã, inglesa, belga e italiana – colocam a barataria a cargo dos seguradores.
- Tornou-se usual inserir nas apólices
de seguro marítimo uma cláusula a excluir a responsabilidade do segurador
apenas nos casos de dolo ou fraude do capitão, ou quando ocorram determinadas
faltas graves, admitindo essa responsabilidade pelos danos causados por faltas
involuntárias do capitão.
JOÃO MATA[65] argumentou que a
barataria do capitão referida no § 1.º do art. 604.º do CCom incluía qualquer
dano deliberadamente praticado pelo capitão ou equipagem do navio com intenção
de prejudicar o armador ou carregador.
MÁRIO RAPOSO[66] sustentou que a
barataria estava para o direito marítimo como a pirataria e, nessa medida,
pressupunha sempre e tão-somente um ato doloso e fraudulento.
JOSÉ ALVES DE BRITO[67], aderindo aos
argumentos avançados por Vaz Serra, concluiu que, na tensão entre o dolo e a
negligência, deve optar-se pela tese mais favorável aos interesses dos
segurados.
Fazendo o balanço da resenha
doutrinária e jurisprudencial supra gizada, cumpre evidenciar três aspetos.
Em primeiro lugar e no tocante ao ac
STJ 17-01-1928, verificamos que no mesmo se referiu que “(...) a negligência,
imperícia e imprudência do capitão são factos que implicam a existência da
categoria jurídica barataria”, sem que o Supremo tenha explicado como chegou a
tal conclusão. Ora, a conclusão alcançada parece contradizer a afirmação que a
antecede, no sentido de que “(...) a barataria é constituída por actos
cometidos ilicitamente e com dano, no intuito de se receber uma indemnização da
companhia seguradora, e que, se não existisse seguro, não teriam sido
praticados”. Esta antinomia não é clarificada em passo algum do referido
aresto.
Em segundo lugar, é de salientar que a
jurisprudência que sucedeu ao mencionado aresto seguiu os entendimentos de
Cunha Gonçalves, Azevedo Matos e Adriano Antero, embora as teses sustentadas
por estes evidenciem as mesmas fragilidades acima apontadas.
Com efeito CUNHA GONÇALVES, em aparente
conflito com a posição que sustentou, também afirmou que “(...) especialmente
pelo que toca ao seguro, é barataria todo o acto ilícito e danoso cometido no
intuito de receber uma indemnização do segurador, ou que, se não existisse
seguro, não teria sido praticado”[68].
AZEVEDO MATOS proclamava que que «(...)
o termo “barataria” é sinónimo de ribalderia e de rebeldia (...)», o que
pressupunha atos dolosos, mas simultaneamente e sem explicar por que razão o
entendia, sustentava igualmente que o mesmo conceito abrangia “(...) também os
culposos, praticados pelo capitão ou qualquer outro membro da equipagem, na
qualidade de mandatário do armador (...)”[69]».
ADRIANO ANTERO invocava os ensinamentos
de ERCOLE VIDARI[70], que por sua vez defendia que o conceito de barataria
abrangia não só atos ou omissões dolosos, mas também os aotos ou omissões
negligentes do capitão ou da tripulação, argumentando para tal que o art. 618.º
do Codice di Commercio de 1882 dispunha que “L'assicuratore non è responsabile
delle prevaricazioni e delle colpe del capitano e dell' equipaggio connosciute
sotto nome de «baratteria», se non è convenuto il contrario”.
Como se apreende da leitura deste
preceito da lei italiana, a mesma acolhia expressamente na delimitação do
conceito legal de barataria tanto os atos dolos, como os negligentes, pelo que
a transposição deste entendimento para o contexto da lei portuguesa continuava
a carecer de justificação adicional, visto que o art. 604.º do CCom nacional
não continha qualquer definição.
Por outro lado, o legislador de 1888
havia abandonado a referência à negligência do patrão que o Código Comercial de
1833 qualificava como risco marítimo, o que legitimava a conclusão de que a
barataria abrangia apenas os actos dolosos.
Acresce que a doutrina italiana atenuou
a rigidez decorrente de uma interpretação literal do art. 618.º do Codice di
Commercio de 1882, sustentando que a noção de barataria não podia acolher a
negligência[71].
Finalmente, e em terceiro lugar, releva
o confronto entre o art. 1752.º do CCom de 1833[72] e o art. 604.º do CCom
vigente (1888). Como já se referiu, o primeiro preceito delimitando os riscos
marítimo cobertos pelo contrato de seguro, referia-se à “negligência ou
barateria do patrão ou da equipagem”, ao passo que o art. 604.º não contém
qualquer referência à negligência. Ora, em nosso entender, tal alteração revela
uma intenção clara no sentido de restringir a exclusão da obrigação de segurar
apenas aos atos dolosos, mantendo os atos negligentes dentro da esfera de
proteção conferida pelo contrato de seguro.
Urge concluir, tendo presente que, como
refere MÁRIO RAPOSO[73], o direito comparado demonstra que as legislações
britânica, francesa, espanhola e italiana consagram atualmente o entendimento
restrito do conceito de barataria.
E fazendo-o aderimos resolutamente a
este entendimento, por todos os motivos acima expostos aos quais acrescentamos
outro: No Direito português não temos conhecimento de qualquer outra disposição
legal que seja interpretada no sentido de excluir do âmbito de cobertura de
contratos de seguros de danos na modalidade de responsabilidade civil aqueles
que sejam provocados por condutas negligentes. Cremos mesmo que uma tal
exclusão carece de sentido, visto que a ideia subjacente aos seguros de danos
que cobrem sinistros ocorridos no contexto da responsabilidade civil é
justamente, permitir a reparação de danos causados por condutas negligentes. Donde,
não descortinamos razão suficiente para, em pleno século XXI, e num domínio
como a navegação marítima, em que a outorga de contratos de seguro se afigura
crucial para a segurança desta atividade, ter por adequada a exclusão da
cobertura relativamente a danos causados por condutas negligentes, quando a
letra da lei não impõe tal caminho interpretativo.”.
[24]
Citado por Teresa Sobral Cunha, na introdução de O
Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa,
Relógio d'Água, 1997, página ix.
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