Processo n.º 73753/20.8YIPRT.L1
Tribunal a quo
Lisboa
- Tribunal Marítimo - Juízo Marítimo - Juiz 1
Recorrente
C (Autora)
Recorrida
I., Lda. (Ré)
L, S.A. (Interveniente)
*
Sumário:
I – O contrato de transporte de mercadorias por
mar é regulado pela Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras
em Matéria de Conhecimento de Carga e pelas disposições do Decreto-Lei n.º
352/86, de 21 de Outubro.
II – Neste contrato, sujeito a forma escrita e
titulado por um documento intitulado conhecimento de embarque (BL-bill of lading), uma das partes obriga-se em relação à outra a transportar
determinada mercadoria de um ponto para outro, mediante uma retribuição
pecuniária, denominada frete.
III - O
referido documento deve ser entregar pelo transportador ao carregador (artigo
8.º, cit. DL).
IV - O contrato de expedição ou de trânsito
integra vários elementos de outros tipos contratuais, designadamente de
organização, mediação, agência e prestação de serviço. Em sentido estrito, já
se pode definir este contrato de expedição como um mandato pelo qual o
transitário se obriga a celebrar um ou mais contratos de transporte por conta
do expedidor.
V - Se a Autora intenta uma acção contra a
transitária, relativamente a um contrato que tem como shipper (carregadora/expedidora),
uma empresa, como consignatária,
outra e como transportadora ela própria, a transitária é parte ilegítima em
face da relação material controvertida configurada.
VI - Com a legitimidade enquanto pressuposto
processual, pretende-se que estejam no processo as partes exactas, do lado
activo e o lado passivo, os sujeitos que têm uma relação com o objecto
processual definido e com ele possam ser beneficiados e prejudicados.
VII – É o alegado na Petição Inicial que
determina quer o objecto do processo, quer os pressupostos processuais.
VIII - É face à forma e ao conteúdo da
articulação factual com que um/a Autor/a, na Petição Inicial e de forma
unilateral, delimita a relação material que tem como controvertida, que a acção
fica configurada, sendo a partir desta base, que a legitimidade, enquanto
pressuposto processual, é aferida.
IX – Não prevendo o CPC qualquer mecanismo de
sanação para a ilegitimidade singular, tal implica a sua insanabilidade e
insupribilidade, bem como a impossibilidade
de convite a um qualquer aperfeiçoamento.
Relatório
C intentou
contra I, Lda. procedimento de injunção (entretanto
transmutado em acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum)
pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia global de € 16.573,56,
alegando que se dedica à actividade de transporte marítimo e que foi contratada
pela Ré na qualidade de transitária, para realizar o transporte de mercadoria,
por via marítima, ao cliente final desta, bem como todos os serviços e despesas
que lhe estivessem associados. Mais adiantou que o serviço solicitado foi
prestado, mas a Ré não liquidou as despesas de estacionamento no cais e
paralisação do contentor após o transporte da mercadoria em causa, sendo
responsável por tal pagamento, pois a Autora jamais teve qualquer vínculo
contratual ou trocou comunicações com o cliente daquela transitária.
Citada a Ré veio esta apresentar Oposição, pedindo a
improcedência da acção e defendendo que ajustou o contrato ajuizado, na
execução do mandato que lhe foi conferido pela sua cliente, facto que sempre
comunicou à Autora e que esta assimilou, tanto mais que o documento que titula
o transporte dos autos é totalmente omisso relativamente a si.
Mais
acrescentou que, contra as indicações que a Ré lhe deu, a Autora entregou a
carga deslocada à consignatária sem cobrar as despesas que agora reclama.
A
Autora, em sede de pronúncia sobre o chamamento da seguradora da Ré (por esta
provocado na Oposição), retorquiu que o contrato em apreço foi celebrado entre
as partes principais destes autos, tanto mais que foi a Ré quem pagou o frete
devido. Por isso, e tendo em conta o disposto nos arts. 13.º e 15.º do DL n.º
255/99, de 07-07, a Ré é responsável pelo pagamento da quantia peticionada nos
autos.
Realizada
Audiência Prévia, nela foi proferida decisão que, a final, considerou parte
ilegítima a Ré, absolvendo-a da instância, à luz da alegação factual e jurídica
expendida no requerimento injuntivo e na resposta ao pedido de intervenção de
terceiros, onde se não vislumbra em que medida é que um transitário que actuou
em nome e por conta do expedidor possa ser responsabilizado pelo não
cumprimento de um contrato de transporte marítimo internacional de mercadorias
decorrente do não levantamento atempado da carga no porto de destino por banda
de um sujeito (consignatário) que não foi parte no contrato de expedição, mas
antes no sobredito contrato de transporte (pelo que é manifesto que a Ré não é
um dos sujeitos da relação material controvertida, tal como ela configurada
pela Autora, sendo, assim, parte ilegítima).
É desta
decisão que vem interposto recurso por parte da Requerida, a qual apresentou
as suas Alegações, onde lavrou
as seguintes Conclusões:
I
– O objeto do presente recurso resume-se, exclusivamente, à questão de saber se
a Recorrida é ou não parte legítima no presente processo;
II
– A Recorrente intentou providência de injunção, entretanto transmutada em ação
declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação
da Recorrida no pagamento da quantia global de € 16.573,56 (dezasseis mil
quinhentos e setenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos);
III
– A Recorrente dedica-se à atividade de transporte marítimo e foi contratada
pela Recorrida, na qualidade de transitária, para realizar o transporte de
mercadorias, por via marítima, ao cliente final desta, bem como todos os
serviços e despesas que lhe estivessem associados;
IV
– O serviço contratado foi, de facto, prestado, mas a Recorrida não liquidou as
despesas de estacionamento no cais e paralisação do contentor após o transporte
da mercadoria em causa, apesar de ter liquidado o valor do frete;
V
– Sendo, portanto, responsável por tal pagamento, pois a Recorrente nunca teve
qualquer vínculo contratual ou trocou comunicações com o cliente daquela
transitária;
VI
– A Recorrente não teve oportunidade de juntar prova aos autos, como as faturas
e os pagamentos das mesmas, bem como a troca de correspondência entre as
partes, o que seria feito na audiência final de acordo com o regime deste tipo
de ações declarativas de condenação;
VII
– Ora, neste sentido e com o devido respeito, a decisão quanto à exceção
alegada foi precoce;
Vejamos,
VIII
– Para a decisão, o Tribunal a quo pode servir-se dos factos articulados pelas
partes, sem prejuízo da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais
que resultem da instrução e discussão da causa, o que não veio a acontecer dado
o momento em que foi decidida a exceção, isto é, na audiência prévia;
IX
– Quer isto dizer que, além dos factos essenciais que às partes, no uso do
dispositivo, cumpre alegar, poderá – oficiosamente – conferir-se relevância a
factos instrumentais, quando resultem da instrução e discussão da prova, e
interessem indiretamente à solução do pleito, por servirem para, através deles,
demonstrar a ocorrência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da
exceção;
X
– Caso tivesse sido decidida a final, teria sido ainda possível ter em conta os
factos essenciais à improcedência da exceção deduzida, desde que fossem
complemento ou concretização de outros já alegados e resultasse da discussão da
causa, nos termos do disposto no art. 5.º do CPC;
Continuando,
XI
– A Recorrida alegou que ajustou o contrato ajuizado na execução do mandato que
lhe foi conferido pela sua cliente, facto que, alegadamente, sempre comunicou à
Recorrente e que esta teria assimilado;
XII
– O contrato de expedição é abarcado pela específica atividade das empresas
transitárias e é definido como o contrato mediante o qual uma parte (o
transitário, aqui Recorrida) se obriga perante a outra (o expedidor, seu
cliente) à prestação de certos serviços – que tanto podem ser atos materiais ou
jurídicos – ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais
contratos de transporte em nome e em representação do cliente.
XIII
– No âmbito desse contrato de expedição, a aqui Recorrida transitária
subcontratou, por conta do cliente, o transporte marítimo da mercadoria com a
Recorrente transportadora;
XIV
– O Tribunal julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual
invocada pela Recorrida, tendo, consequentemente, absolvido aquela da
instância;
XV
– Não pode a aqui Recorrente aceitar o entendimento do Tribunal no caso em
apreço;
Nestes
termos,
XVI
– É indiscutível que a Recorrida se dedica à atividade transitária e que foi
nessa qualidade que contactou a Recorrente para com ela celebrar o contrato de
transporte em causa,
XVII
– A Recorrida, agindo na qualidade de transitária, celebrou com a recorrente o
respetivo contrato de transporte, executando diversos trâmites e formalidades,
nomeadamente a emissão do documento de transporte, apesar de ter pedido
expressamente para não constar no «BL»;
XVIII
– Pelo que só por manifesta má fé pode vir alegar a sua ilegitimidade no
negócio em causa;
XIX
– É patente que foi com a transitária que a Recorrente celebrou o contrato de
transporte, porquanto inclusive se reitera que foi a Recorrida que pagou o
frete devido pelo cumprimento definitivo do contrato de transporte à
Recorrente;
XX
– É pacífico o entendimento, na doutrina e na jurisprudência, de que nada obsta
a que as empresas transitárias celebrem e executem contratos de transporte,
executando-os diretamente ou com recurso a terceiros;
XXI
– É o que resulta do disposto no art. 367.º do Código Comercial e no art. 13.º
n.ºs 1 e 2 do DL nº 255/99, de 7 de julho;
XXII
– Com efeito, decorre expressamente deste último preceito que as empresas
transitárias podem celebrar contratos com terceiros em nome próprio, por conta
do expedidor ou do dono da mercadoria, estabelecendo o art. 15.º do mesmo
diploma, sob a epígrafe “Responsabilidade das empresas transitárias”, que estas
respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem
como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo
do direito de regresso (n.º 1).
XXIII
– Segundo o Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa de 03.03.2016: “Não obsta à qualificação
como contrato de transporte o facto de a parte se dedicar a atividades próprias
de um transitário, se foi para além do que é a atividade típica do transitário:
obrigação de celebrar um contrato de transporte com um transportador, em nome
próprio ou do expedidor, mas sempre por conta deste, assumindo também a
obrigação de prestar ao expedidor serviços de natureza logística e operacional
que assegurem a deslocação da mercadoria”.
XXIV
– Sem prescindir, não se pode negar que estamos perante um contrato a favor de
terceiro, nos termos dos arts. 443.º e ss. do Código Civil.
XXV
– O objeto do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida era o de que
a primeira se comprometeria a transportar e entregar a mercadoria a um cliente
da Recorrida – um terceiro – sendo que o cumprimento pontual do contrato
dar-se-ia apenas no momento em que esse terceiro tomasse posse da predita
mercadoria.
XXVI
– Não sendo o terceiro uma parte do contrato, e não podendo a Requerente exigir
a este o pagamento dos serviços em causa, o não reconhecimento da legitimidade
da Recorrida na presente ação, onera a Recorrente com a obrigação do pagamento
de uma despesa a que claramente não está, nem pode estar, obrigada.
XXVII
– Resulta manifesto que a decisão proferida é merecedora de objetiva censura,
sendo imperioso que seja revogada, julgando-se procedente o presente recurso,
doutra forma não se fará rigorosa aplicação da lei e haverá fundado motivo para
se afirmar não ter sido feita rigorosa.
A
Ré-Recorrida apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu
que:
A - O único lapso da douta sentença recorrida,
estando em causa uma ilegitimidade substancial ou substantiva, é que devia ter
concluído pela absolvição do pedido e não da instância.
B
– Não há qualquer dúvida, e a própria recorrente aceita, que a recorrida
interveio no negócio como empresa transitária.
C
- A própria recorrente reconhece, também, que a recorrida interveio em nome de
terceiro, o seu cliente/expedidor.
D
- É manifesto que a Ré não é um dos sujeitos da relação material controvertida,
tal como ela configurada pela Autora, sendo, assim, parte ilegítima.
E
- O contrato de transporte marítimo é formal, titulado por um conhecimento de
embarque (no comércio marítimo denominado Bill of Lading – BL)
F
- No caso concreto esse documento formal (BL) existe, foi junto como doc. nº 2
da contestação, foi emitido pela recorrente como transportadora que nele
identificou as restantes partes contratantes: a “Q, S.A.” como
carregadora/expedidora (“shipper”) e a “G” como consignatária.
G
– Trata-se de documento particular cuja autoria está reconhecida porque, em
devido tempo a recorrente não o impugnou, nem invocou a sua falsidade e “(…)
faz prova plena quanto às declarações atribuídas do seu autor (…)” – Artº 376º
nº 1 do Código Civil - não admitindo prova testemunhal em contrário – artº 383º
nºs 1 e 2 do Código Civil.
H
– Dela não consta a recorrida que, consequentemente, não é parte no contrato de
transporte em questão nos autos.
I
- Para defender o direito à indemnização reclamada, a recorrente invoca o
estipulado no artº 15º do DL 255/99 de 07 de Julho, que estabelece a
responsabilidade das empresas transitárias “(…) perante o seu cliente (…).”,
qualidade que a recorrente não tem.
J
- A recorrida não interveio no negócio como gestora de negócio da expedidora,
nem nada foi alegado nesse sentido.
K
– A recorrida não celebrou qualquer contrato com a consignatária da mercadoria,
que, aliás, nem sequer conhece, pelo que, se esta não levantou a mercadoria que
lhe era destinada, nenhuma responsabilidade pode àquela ser assacada.
L
– E, também por esta razão, não existe qualquer contrato a favor de terceiro
celebrado entre a recorrente e a recorrida.
TERMOS
EM QUE, Deve ser proferido douto Acórdão que, recusando provimento ao recurso
apresentado, confirme a decisão recorrida, como parece ser de JUSTIÇA
A
Interveniente veio também
apresentar Contra-Alegações,
nas quais concluiu que o
Recurso deve improceder, considerando que a Recorrente, em sede de alegações de
recurso, omite o que já afirmou e se deu como assente, no sentido de saber que
a Ré agiu sempre por conta do seu cliente e nunca em nome próprio, pelo que
pretende agora “emendar a mão”, por forma a colocar em crise os fundamentos da
exceção de ilegitimidade, os quais não logrou contraditar em sede própria para
o efeito (não podendo o Tribunal de recurso colocar em crise tal valoração,
pois nesta lide, apenas poderá ser alterada a matéria de facto quando a decisão
incorra num erro ostensivo na apreciação da prova, ignorando ou afrontando
diretamente as mais elementares regras da experiência comum).
Questões a Decidir
São
as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4
e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera
de atuação do tribunal ad quem (exercendo
uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In
casu,
e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará apenas verificar se o
Tribunal a quo decidiu de forma
correcta que a Ré é parte ilegítima na presente acção, em face da forma como se
mostra configurada a acção, na Petição Inicial.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
A
factualidade a considerar é a que decorre do Relatório.
Fundamentação de Direito – Da
Ilegitimidade da Ré
O
Tribunal a quo absolveu a Ré da
Instância, considerando-a parte ilegítima, com base no seguinte processo de
raciocínio:
1
– o critério aferidor da legitimidade processual é o do interesse relevante
(artigo 30.º do CPC), sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são
considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os
sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor»;
2 – a verdadeira relação jurídica substantiva
tal como ela efectivamente se constituiu ou formou não releva, como critério
fixador da legitimidade;
3
- réu e o autor serão partes legítimas se forem sujeitos da relação material
tal como a apresentou o demandante no seu articulado inicial;
4
– in casu, do pedido e causa de pedir
vertidos no requerimento injuntivo, constata-se que a Autora estriba a demanda
no facto de ter efectuado um contrato de transporte marítimo de mercadorias a
pedido da Ré, em benefício do cliente final desta, mais destacando que esta (Ré)
actuou na qualidade de transitária e que lhe cabe pagar as despesas de
estacionamento no cais e paralisação do contentor, atento o disposto nos arts.
13.º e 15.º do DL n.º 255/99 (e o facto de a Autora jamais ter trocado qualquer
comunicação com o cliente da Ré);
5
– é a própria Autora que salienta que a Ré se dedica à actividade transitária (DL
n.º 255/99, de 07-07), actividade essa que consiste num labor
técnico-burocrático que se traduz essencialmente na planificação, controlo,
coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e
trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de mercadorias (o que implica
a prática de actos jurídicos ou materiais, os quais podem ocorrer antes,
durante ou depois do transporte, daqui decorrendo que se desenvolve ao longo de
um ciclo temporal alargado, que vai desde a preparação da deslocação da
mercadoria até à entrega desta ao destinatário, integrando uma vasta gama de
operações);
6
- para além de poderem praticar todos os actos necessários ou convenientes à
execução da sua actividade, as empresas transitárias podem assumir em nome
próprio ou em nome do cliente ou do destinatário dos bens, toda e qualquer
forma legítima de defesa dos interesses correspondentes (art. 13.º, n.º 1, do
DL n.º 255/99), sendo assim um intermediário comercial que actua por conta de
outrem;
7
- as empresas transitárias podem ainda celebrar contratos com terceiros em nome
próprio, por conta do expedidor ou do dono da mercadoria, bem como receber em
nome próprio ou por conta do seu cliente, as mercadorias que lhe são entregues
pelo transportador e actuar como gestor de negócios (art. 13.º, n.º 2, do DL
n.º 255/99);
8
- a legitimidade da intervenção do transitário perante terceiros, entidades
públicas ou privadas, afere-se pelo título ou declaração que exiba (art. 13.º,
n.º 3, do DL n.º 255/99);
9 - quando intervenha como gestora de
negócios, a empresa transitária será havida como dona dos bens ou mercadorias e
responderá como tal perante terceiros (art. 13.º, n.º 4, do DL n.º 255/99);
10
- as empresas transitárias podem exercer o direito de retenção sobre
mercadorias que lhes tenham sido confiadas em consequência dos respectivos
contratos, pelos créditos deles resultantes, salvo estipulação expressa em
contrário (art. 14.º do DL n.º 255/99);
11 - as empresas transitárias respondem perante
o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações
contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de
regresso (art. 15.º, n.º 1, do DL n.º 255/99);
12
- em face deste regime legal, os serviços prestados pela Ré redundam em “plúrimas
operações diversas” apresentando, por isso, uma natureza multiforme que convoca
uma considerável complexidade jurídica e suscita alguma flutuação doutrinária e
jurisprudencial quanto à definição do negócio jurídico que tipicamente está na
sua génese (contrato de trânsito ou expedição);
13
- em sentido estrito, o contrato de expedição é um contrato de mandato – com ou
sem representação – nos termos do qual o transitário se obriga a celebrar um ou
mais contratos de transporte, em nome próprio ou do expedidor-mandante, mas
sempre por conta deste (e este mandato pode abranger, para além deste núcleo, a
prática dos actos acessórios indispensáveis à sua consecução - arts. 1159.º,
n.º 2, do CC e 233.º, in fine, do CCom);
14
- se o transitário, além de agir por conta do expedidor, também actuar em nome
deste com poderes delegados através do competente instrumento jurídico (procuração),
estar-se-á perante um mandato representativo e a sua posição jurídica decorrerá
das regras ordinárias do mandato com representação (arts. 231.º e ss. do CCom e
1157.º e ss., 1178.º, 1179.º e 258.º e ss. do CC), pelo que o contrato de transporte celebrado com o
transitário em nome do expedidor produzirá efeitos na esfera deste (caso aquele
tenha actuado nos limites dos poderes que lhe foram conferidos);
15
- actuando o transitário por conta do expedidor, mas em nome próprio, há que
recorrer à disciplina decorrente dos arts. 266.º e ss. do CCom (em especial, o
art. 269.º do CCom) e 1180.º a 1184.º do CC (em particular, o art. 1183.º do
CC). Mas mesmo quando há ausência de poderes de representação, ainda assim o
mandatário é responsável perante o mandante se houver deficiência no
cumprimento do mandato;
16
- o contrato de trânsito é também um contrato de prestação de serviços que poder
abranger a prática quer de operações materiais (por exemplo, grupagem de mercadoria,
coordenação e articulação de diferentes transportes, controlo da mercadoria, consolidação
e desconsolidação da carga, embalagem, carregamento, descarregamento e estiva),
quer de actos jurídicos (como seja a celebração de um contrato de depósito ou
de seguro da mercadoria deslocada), ligados a um contrato de transporte;
17
- o contrato de expedição ou trânsito pode definir-se como sendo o contrato
pelo qual uma parte (o transitário) se obriga perante a outra (o expedidor) a prestar-lhe
certos serviços (que tanto podem ser actos materiais como jurídicos),
referentes a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais
contratos de transporte em nome e representação do cliente;
18
- perante este enquadramento legal e a articulação factual feita pela Autora
nos autos, constata-se que a Ré – no seu relacionamento com a Autora – actuou sempre
em nome e por conta de outrem, na execução do mandato com representação
(conforme, se infere do título de transporte junto com a oposição) que lhe foi
conferido no âmbito de um contrato de expedição;
19
- a Ré contratou a Autora na execução do mandato – ou seja, por conta e em nome
da expedidora – para celebrar o contrato de transporte marítimo alegadamente incumprido,
bem sabendo a Demandante da qualidade em que intervinha a Demandada;
20
- a Autora não é beneficiária da tutela conferida pelo art. 15.º do DL n.º
255/99, já que a norma em apreço protege apenas o cliente do transitário,
melhor dizendo, a contraparte deste num contrato de expedição ou trânsito;
21
- Acresce que a Autora não alegou qualquer facto demonstrativo da actuação da
Ré a título de gestão de negócios e conducente à sua responsabilização (nos
termos do art. 13.º do DL n.º 255/99), sustentando mesmo o contrário ao referir
que a Ré agiu na execução das determinações que lhe foram dadas pelo seu
cliente;
22 - a situação dos autos consiste num transitário
que actuou em nome e por conta do expedidor, pretendendo-se que possa ser
responsabilizado pelo não cumprimento de um contrato de transporte marítimo
internacional de mercadorias decorrente do não levantamento atempado da carga
no porto de destino por banda de um sujeito (consignatário) que não foi parte
no contrato de expedição, mas antes no sobredito contrato de transporte;
23
– daí ser manifesto que a Ré não é um dos sujeitos da relação material
controvertida, tal como ela vem configurada pela Autora, sendo, assim, parte
ilegítima.
Perante
este raciocínio e consequente decisão, a Recorrente entende que o Tribunal não
encarou de forma adequada o que dos autos resulta.
Vejamos
se com razão.
O
excurso feito pelo Tribunal a quo sobre
a regulamentação do tipo de contratos que estão em equação no processo é de uma
clareza cristalina.
Como
o é a forma como a Autora configura a acção (inicialmente procedimento de
injunção) e, posteriormente, deduz o incidente de intervenção da seguradora.
Se,
no primeiro momento, as facilidades trazidas pelo processo de injunção com os
riscos que comportam se a relação contratual não vier bem descrita, podiam
“justificar” um menor cuidado na descrição dos factos, convém não esquecer –
como o Tribunal a quo assinala com
pertinência – que na resposta ao pedido de intervenção de terceiros, a Autora volta
a destacar que a Ré fez a mediação entre o expedidor, destinatário e o
transportador.
A
versão apresentada pela Autora - e que, aliás, resulta comprovada pelo BL,
aponta no sentido descrito desvendado pela decisão recorrida: o contrato que deu origem ao litígio
descrito, não foi celebrado com a
Ré…
Mas
o que não se mostra minimamente justificado é que a Autora “dispare para todos
os lados” (cada um deles incompatível com o outro), como se tudo fosse uma e a
mesma coisa (contrato em nome e por conta de terceiro, gestão de negócios,
contrato a favor de terceiro…).
Vejamos
e assentemos alguns pressupostos:
I
- os contratos de transporte de mercadorias por mar são regulados pela
Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de
Conhecimento de Carga[2] e,
subsidiariamente, pelas disposições do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de
Outubro;
II
- o contrato de transporte de
mercadorias por mar[3] é
II1-
aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar
determinada mercadoria de um ponto para outro diverso, mediante uma retribuição
pecuniária, denominada frete (assim estando definido pelo artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro)[4];
II2-
um contrato sujeito a forma escrita, titulado por um escrito particular,
denominado conhecimento de embarque ou conhecimento de carga (Bill of Lading ou, simplesmente, BL), documento este que o transportador
deve entregar ao carregador (artigo 8.º, cit. DL);
II3-
o transportador actua,
tanto por si, como através de outras pessoas, caso em que mantém a sua
qualidade original e assume a qualidade de expedidor para com a empresa com
quem depois ajustou o transporte (cfr., artigo 367.º do Código Comercial e 1.º
do Decreto-Lei n.º 352/86)[5];
III
- por seu turno, o contrato de expedição
ou de trânsito[6]
“constitui
uma figura mista, na medida em que integra vários elementos distintos,
designadamente de organização, mediação, agência e prestação de serviço. Em
sentido estrito, já se pode definir este contrato de expedição como um mandato
pelo qual o transitário se obriga a celebrar um ou mais contratos de transporte
por conta do expedidor”[7];
IV
- nas suas intervenções processuais[8], a
Autora descreve a relação contratual nos exactos termos avançados pelo Tribunal
a quo (ou seja, afirmando que a Ré,
no seu relacionamento consigo, actuou sempre em nome e por conta de outrem[9], na execução do
mandato com representação que lhe
foi conferido no âmbito de um contrato de expedição[10]);
V
- no BL respeitante ao contrato de transporte marítimo em causa nos autos (emitido pela Autora/Recorrente enquanto transportadora),
a Ré nele não consta, estando aí, sim, identificados[11]:
V1 - como shipper (carregadora/expedidora),
a “Q, SA.”;
V2
- como consignatária, a “G”;
V3
- como transportadora, a ora Autora C;
VI
- a Autora assume saber e ter consciência da qualidade em que a Ré lhe surgia
nesta relação contratual (em nome de terceiro, o seu cliente/expedidor).
Com
isto assente, não há a mínima e razoável dúvida de que, tal como configurada
foi a acção, não foi com a Ré
que a Autora celebrou o contrato de transporte, mas sim que foi através da Ré que tal ocorreu.
A
Autora defende nas suas Alegações que, em face do artigo 15.º do Decreto-Lei
n.º 255/99[12], a Ré sempre seria
responsável. Mas sem razão, pois lavra num claro equívoco, uma vez que essa
norma apenas protege o/a cliente do transitário (a contraparte do transitário
num contrato de expedição ou trânsito) - ou seja, a cliente da ora Ré - e não o
transportador (Autora).
O
outro argumento agora usado pela Autora passa por defender que a Ré celebrou consigo
um contrato a favor de terceiro: com isso salvaria a sua legitimidade, só que a
Autora - ao dizê-lo – contradiz a sua alegação inicial no sentido de a Ré ter
celebrado um contrato em nome de
terceiro…
Não
se trata de mera semântica, trata-se de respeitar o alegado e o Direito a ele
inerente.
De
facto, o que se trata nestes autos é de um contrato celebrado com uma empresa
que nesta acção não foi demandada (sendo nela, por isso, um “terceiro”).
Aliás,
diga-se, esta tese da Autora prima pela incoerência uma vez que não só alegou e
articulou nos termos já referidos, como em momento algum afirmou que o terceiro
destinatário da mercadoria (terceiro a favor de quem o contrato teria sido
feito) era cliente da Recorrida (e esse terceiro – a “G” – não é parte do
contrato).
Nesta
base, a conclusão que o Tribunal a quo
tira, no sentido de que não se “vislumbra em que medida é que um transitário que actuou
em nome e por conta do expedidor pode ser responsabilizado pelo não cumprimento
de um contrato de transporte marítimo internacional de mercadorias decorrente
do não levantamento atempado da carga no porto de destino por banda de um
sujeito (consignatário) que não foi parte no contrato de expedição, mas antes
no sobredito contrato de transporte” é uma conclusão acertada.
**
Colocada
está assim, a questão da legitimidade das partes, importando começar por
verificar o texto da lei para - em conformidade - decidir (e se definir) se estão
no processo - para usar uma expressão de Henckel
- "como
Autor e como Réu as partes exactas"[13], o que é o
mesmo que dizer, ou verificar, se "o autor e o réu são os sujeitos que
podem discutir a procedência da acção"[14]: a “legitimidade processual destina-se a
assegurar que estão em juízo, como autor e como réu, sujeitos que têm uma
relação com esse objecto. Noutros termos: a legitimidade processual define quem
pode exercer e contra quem pode ser exercido o direito de acção"[15].
Assim, um/a
Autor/a "só
tem legitimidade, só é parte legítima, quando propondo a acção tem um
benefício se a vir julgada
procedente" e
"um réu só tem legitimidade, só
é parte legítima, quando sendo contra
ele proposta uma acção tem um prejuízo
se a vir julgada procedente"[16],
tudo isto verificado em face do que é alegado no inicial articulado.
Estamos no
âmbito da legitimidade passiva, pelo
que se dirá que tem legitimidade como Réu, quem – juridicamente – tenha
interesse directo em demandar e em contradizer, interesse esse que se exprime
pela utilidade derivada da procedência da acção e pelo prejuízo directo que
dela advenha: é o critério que a lei processual civil fornece, nos n.ºs 1 e 2
do artigo 30.º[17] do Código de Processo Civil.
Por outro
lado, o n.º 3 do mesmo normativo, sublinha que, a não ser que haja lei em
contrário, serão titulares de interesse relevante para aferição de
legitimidade, os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo/a Autor/a[18].
“Assim,
hoje, a legitimidade processual é analisada segundo os seguintes vetores:
-
o autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar;
-
o réu é parte legitima quando tem interesse direto em contradizer;
-
o autor e o réu têm interesse direto na causa quando são sujeitos da relação
material controvertida tal como ela é configurada pelo autor”[19].
Neste
contexto, tem de se ter como assente que é face à forma e ao conteúdo da
articulação factual com que um/a Autor/a, na Petição Inicial e de forma
unilateral[20], delimita a relação
material que tem como controvertida, que a acção fica configurada[21],
sendo a partir desta base[22], que
a legitimidade, enquanto pressuposto processual, será aferida[23].
Esta
é a responsabilidade de um/a Autor/a quando recorre a Tribunal.
E,
se falha, só de si se pode queixar.
Em
concreto, está em causa a verificação de um pressuposto processual essencial,
que constitui uma excepção dilatória
(artigos 576.º, n.º 2[24],
577.º, alínea e), do Código de Processo Civil), a qual é, diga-se, de conhecimento oficioso (artigo 578.º[25]) e que,
como tal, tem como consequência a absolvição
do réu da instância[26]
(artigo 278.º, n.º 1, alínea d) [27]).
Foi
essa a decisão do Tribunal a quo, tem
essa de ser também a decisão deste Tribunal, à face de tudo o que atrás já
ficou dito: a Ré não é parte legítima nesta acção, tal qual a Autora configurou
a relação material controvertida (se actuou em nome e por conta do seu cliente,
o contrato foi celebrado com o cliente).
Tudo visto e ponderado,
in casu, e uma vez
que nos movemos no âmbito da ilegitimidade singular, para a qual “a lei não prevê
nenhum mecanismo de sanação”[28], quando ela
ocorre, tal implica a sua insanabilidade[29] ou insupribilidade[30] e
mesmo a impossibilidade de convite a um qualquer aperfeiçoamento[31],
pelo que só podemos concluir que o Tribunal a
quo decidiu de forma correcta, prolatando uma decisão clara, criteriosa,
justificada e com uma fundamentação a merecer os maiores encómios.
Em
conformidade, a decisão sob recurso, será confirmada in totum.
* *
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação,
confirmando a Sentença recorrida.
Custas
a cargo da Recorrente.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa,
26 de Abril de 2022
Edgar
Taborda Lopes
Luís
Filipe Pires de Sousa
José
Capacete
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo
Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Assinada em Bruxelas
em 25/08/1924 e à qual Portugal aderiu por Carta de 05/12/1931, publicada no
Diário do Governo, I Série, de 2 de Junho de 1932, tendo sido tornada direito
interno através do Decreto Lei n.º 37.748, de 01 de Fevereiro de 1950.
[3] Assim, STJ 26/09/2008
(Processo n.º 08A2433-Sebastião Póvoas),
20/04/2006 (Processo n.º 06B628-Oliveira
Barros) e 20/03/2003 (Processo n.º 03A3624-Ponce de Leão). Também, RL 19/10/2017 (Processo n.º
79/12.2TNLSB.L1-2-Ondina Alves) e RL
03/03/2016 (Processo n.º 293-07.2TNLSB.L1-6-Regina
Almeida).
[4] De forma mais
completa, “o contrato de transporte é um negócio jurídico representativo de uma
prestação de serviços por meio do qual o transportador compromete-se a
deslocar, de forma organizada e mediante o controle da atividade, pessoas ou
mercadorias de um lugar para outro, em favor de outrem (passageiro ou
expedidor) ou de terceiros (destinatário), mediante uma vantagem econômica” - Alessandro Meliso Rodrigues, O contrato
de transporte marítimo de mercadorias e o regime especial exonerativo e
limitativo da responsabilidade civil do transportador no ordenamento jurídico
português, in Revista Jurídica
Luso-Brasileira, Ano 1 (2015), n.º 1, páginas 265-381(270), disponível em https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2015/1/2015_01_0265_0381.pdf
[consultado a 13/04/2022].
[5] Assim, STJ 26/09/2008
(Processo n.º 08A2433, cit.).
[6] Que releva para a
compreensão do papel da Ré.
[7] Menezes Cordeiro, Introdução ao direito dos transportes, Revista da
Ordem dos Advogados, Ano 68, vol. I, 2008, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2008/ano-68-vol-i/doutrina/antonio-menezes-cordeiro-introducao-ao-direito-dos-transportes/
[consultado a 12/04/2022].
[8] Como é visível:
- nos artigos 3.º e 7.º do
Requerimento de Injunção;
- nos artigos 7.º e 9.º do
articulado que se seguiu à Oposição.
[9] Mesmo nas suas
Alegações de recurso, e apesar do que defende a final, mantém um discurso dúbio
e mesmo contraditório, como se vislumbra quer:
-
do artigo 11.º (onde define o contrato de expedição, referindo que é “o contrato mediante o qual uma parte (o
transitário, aqui Recorrida) se obriga perante a outra (o expedidor, seu
Cliente) à prestação de certos serviços - que tanto podem ser actos materiais
ou jurídicos - ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou
mais contratos de transporte em nome e representação do cliente”,
reconhecendo, assim, que a Recorrida interveio em nome do seu cliente/expedidor, um terceiro, portanto);
-
quer do artigo 12.º (onde recorre a uma figura jurídica distinta – a
subcontratação – mas confirmando que a ora Recorrida, enquanto transitária,
actuou “por conta do seu cliente”);
-
quer do artigo 17.º, quando assume que não põe em causa que a Recorrida se
dedica à actividade transitária e que foi nessa qualidade que contactou com a
recorrente para com ela celebrar o contrato de transporte em causa (o que,
conjugadamente, com o resto do exposto, sabendo que o foi por conta de
terceiro, nos leva à mesma conclusão).
[10] O que, aliás, decorre
directamente do título de transporte junto com a Oposição, documento que todos
aceitam como válido.
[11] Nos termos do artigo
376.º, n.º 1, do Código Civil, este documento tem a autoria reconhecida e não
tendo sido posta em causa a sua veracidade (não foi impugnado nem foi invocada
a sua falsidade) “faz prova plena quanto às declarações atribuídas do seu
autor” (ou seja, à ora Autora…).
[12] Que, sob a epígrafe
“Responsabilidade das empresas transitárias”, dispõe no seu n.º 1 que estas
respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem
como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem
prejuízo do direito de regresso.
[13] Antunes Varela-Sampaio e Nora-José Miguel Bezerra, Manual de
Processo Civil, 2.ª edição, 1985, Coimbra Editora, página 129.
[14] Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção
declarativa, LEX, 1995, página 45.
[15] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo
Civil, Volume I, CIDP-AAFDL, 2022, página 335.
Já em 1979 o mesmo Miguel Teixeira de Sousa escrevia que a legitimidade, é "uma
qualidade da parte definível pela titularidade de um conteúdo referido a um
certo pedido(...). É a titularidade
de duma posição subjectiva para um certo objecto processual inicial" (Miguel Teixeira de Sousa, A Legitimidade
Singular
[16] Fernando Ferreira Pinto, Lições de Direito Processual Civil, ELCLA,
1997, página 126)
[17] Artigo 30.º (Conceito de legitimidade)
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse
direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar
exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em
contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da
legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo
autor.
[18] E foi no entendimento
deste conceito (de relação material controvertida) que, durante longos anos, se
digladiaram duas correntes, moldadas fundamentalmente, nas posições de ilustres
processualistas como Barbosa de Magalhães
e José Alberto dos Reis, sendo que,
agora - com a redacção dada ao n.º 3, do artigo 30.º do Código de Processo
Civil (que foi introduzida no anterior regime processual civil, pelo
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) - o legislador tomou uma clara
opção pela posição do primeiro: refere-se no Preâmbulo do citado Decreto-Lei,
que se partiu "de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no
DL 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material
controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a
Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos
Reis".
Para este último, eram legítimas as partes
quando, pressupondo-se a existência da relação jurídica controvertida, elas
sejam suas titulares, ou seja, quando os sujeitos da relação controvertida -
admitindo a sua existência - sejam as pessoas a que a relação diz respeito.
Para Barbosa de Magalhães, por seu turno, eram legítimos os sujeitos da
pretensa relação material controvertida, tal como o Autor a configurava, a
desenhava.
[19] Joana Lopes Pereira, Legitimidade Civil – uma abordagem atualista, [em linha], Dissertação de Mestrado em
Ciências Jurídicas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Junho de
2018, página 35, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37646/1/ulfd137612_tese.pdf
[consultado a 13/04/2022].
[20] RP 18/09/2017
(Processo n.º 5968/16.2T8VNG.P1-Ana Paula
Amorim): em face do artigo 30.º do CPC, para efeitos de aferir da
legitimidade, interessa apenas a relação jurídica controvertida com a
configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
[21] Só com este
entendimento aliás, se consegue colocar a legitimidade no mesmo plano dos
restantes pressupostos processuais, apreciando-a tal como a estes, à luz da
relação controvertida tal como os autores a apresentam (até porque são os
autores que determinam o objecto do processo - assim, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil Declarativo, II,
AAFDL, 1987, página 291).
[22] RP 20/09/2018
(Processo n.º 3756/12.4TBGMR.G2-Eugénia
Cunha): a legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação
material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial e
é nestes termos que tem que ser apreciada.
[23] No "nosso
ordenamento jurídico-processual(...)
este pressuposto processual tem de ser averiguado em face das afirmações
concludentes do autor, atendendo-se à configuração subjectiva dada pelo autor à
situação material controvertida" (Maria
José Oliveira Capelo, Interesse Processual e Legitimidade Singular nas
Acções de Filiação, Studia Iuridica n.º 15, Coimbra Editora, 1996, página 192).
[24] Artigo 576.º (Exceções dilatórias e perentórias – Noção)
1 - As exceções são dilatórias ou
perentórias.
2 - As exceções dilatórias obstam a que
o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou
à remessa do processo para outro tribunal.
3 - As exceções perentórias
importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de
factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos
articulados pelo autor.
[25] Artigo 578.º (Conhecimento das exceções dilatórias)
O tribunal deve conhecer oficiosamente
das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação
de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral
voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto
no artigo 104.º.
[26] A “legitimidade
processual, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, que se
afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material
controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a
verificação da correspondente exceção dilatória” dá “lugar à absolvição do Réu
da instância” (RL 19/02/2015 - Processo n.º 143148/13.OYIPRT.L1 -2-Ezagüy
Martins).
[27] Artigo 278.º (Casos de absolvição da instância)
1 - O juiz deve abster-se de conhecer do
pedido e absolver o réu da instância:
a) Quando julgue procedente a
exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b) Quando anule todo o processo;
c) Quando entenda que alguma das
partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está
devidamente representada ou autorizada;
d) Quando considere ilegítima alguma
das partes;
e) Quando julgue procedente
alguma outra exceção dilatória.
2 - Cessa o disposto no número
anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a
falta ou a irregularidade tenha sido sanada.
3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou
irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que
subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a
tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da
apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser
integralmente favorável a essa parte.
[28] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual…, cit.,
página 340.
[29] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa,
Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página
64.
Também, Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado
- Volume 2.º Artigos 362.º a 626.º, 4.ª Edição, Almedina, 2019, página 581.
[30] “A ilegitimidade
singular é insuprível, pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte, não pode
deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação
material controvertida” - RG 10/09/2020 (Processo n.º 559/20.2T8GMR.G1-Rosália Cunha). Também, RC 06/12/2011
(Processo n.º 1223/10.0TBTMR.C1-Carlos
Querido: o “mecanismo de sanação previsto no n.º 2 in fine do
artigo 265.º do[do anterior]CPC,
aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas
situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações
de ilegitimidade singular”).
[31] “O suprimento de
excepções dilatórias, a determinar pelo juiz nos termos dos artigos 6.º, n.º 2
e 590.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, apenas é possível em
relação aos pressupostos processuais susceptíveis de sanação” - RE 07/12/2017
(Processo n.º 4035/15.0T8LLE-A.E2-Mário
Coelho).
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