domingo, 13 de março de 2022

COVID e Lojistas de Centro Comercial - o âmbito do artigo 12.ºA da Lei n.º 4-C/2020 (e um bocadinho de inversão do contencioso)

Este Acórdão não chegou a ver a luz do dia, uma vez que na véspera da sessão, as partes chegaram a um acordo...

De todo o modo creio que a abordagem e a informação que deste projecto consta pode ser útil a muitos/as!

            Sumário:

I – A pandemia de COVID-19 que nos afecta é e tem sido, verdadeiramente, um teste à resistência, flexibilidade, equilíbrio e Justiça, das e nas relações contratuais estabelecidas na Ordem Jurídica pré-existente, levando a que - dado o seu carácter absolutamente emergencial, excepcional e único - o legislador assumisse a necessidade de publicar legislação adequada a fazer frente a este Desafio e procurar minorar as suas nefastas consequências.

II – Na sequência do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18/03 (que declarou o estado de emergência), o Decreto n.º 2-A/2020, de 20/03, aprovou um conjunto de medidas excepcionais e extraordinárias, que limitaram de forma que a nossa contemporaneidade nunca vira, a normal actividade de cidadãos, empresas e instituições.

III - A infinitude de situações que implicavam tratamento específico levou a que o legislador aprovasse depois vários diplomas legais, adequados a áreas e sectores específicos, como ocorreu com a Lei n.º 4-C/2020, de 06/04, que veio estabelecer um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, alargando o regime – artigo 1.º, n.º 2 – com  as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis.

IV – Os contratos de utilização/instalação/cedência de loja em espaço comercial (vulgo contratos de lojista em centro comercial) constituem uma das “outras formas de exploração de imóveis”, previstas pelo n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4-C/2020, uma vez que para além de elementos da locação e da prestação de serviços, têm um clausulado adaptado à realidade económica do Centro Comercial, consistindo, do lado da entidade que o cria e explora, uma forma de explorar o imóvel onde funciona.

V - O artigo 12.ºA da Lei n.º 4-C/2020 (que impede o senhorio de executar garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento de rendas não habitacionais no decurso da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19) tem também aplicação aos contratos de utilização de loja em espaço comercial (em face da face da abrangência dada pelo artigo 1.º, n.º 2, do mesmo diploma), pelo que a empresa titular do centro comercial está impedida de executar garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento da contraprestação dos lojistas nos contratos de cedência/utilização de loja.

VI – O artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 4-C/2020 (que exclui a aplicabilidade dos artigos 7.º a 10.º do diploma aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem do regime previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho) tem subjacente uma lógica de restrição e exclusão.

VII – O artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 4-C/2020 tem subjacente uma perspectiva de abrangência e de inclusão do maior número de situações contratuais e abarca a previsão do artigo 12.ºA, por aplicação directa e sem necessidade de recurso a qualquer analogia.

VIII – Numa situação em que factualmente não há divergências entre as partes, em termos de Direito a solução se tem como linear e segura e se pode afirmar uma convicção segura sobre a existência do direito que se pretende acautelar, sendo a providência decretada (proibição do accionamento da garantia) adequada a realizar a composição definitiva do litígio, deve ser decretada a inversão do contencioso, nos termos do artigo 369.º do Código de Processo Civil.

 

 

 

 

 

 

 

 

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

 

Relatório

Zt Two Image, Comércio de Calçado, S.A intentou procedimento cautelar não especificado contra

            - MUNDICENTER II – Gestão de Espaços Comerciais, S.A. e

            - CAIXA GERAL DE DEPOSITOS S.A.

peticionando que:

                                                - seja ordenado à primeira Requerida que se abstenha de solicitar o pagamento da Garantia Bancária com o n.º 2503.008262.093, prestada pela segunda Requerida;

                                                - seja ordenado à Requerida CGD que se abstenha de pagar o montante garantido pela Garantia Bancária n.º 2503.008262.093;

                                                - seja determinada a inversão do contencioso, sendo ordenado o impedimento de acionamento e pagamento da Garantia enquanto se encontrar em vigor o artigo 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, ou legislação análoga.

Em síntese, alega a Requerente:

                                   - que celebrou um contrato de utilização de uma loja em centro comercial (“ALDO”, no Centro Comercial Oeiras Parque) com a primeira Requerida e que, por conta desse contrato e para garantia das obrigações nele assumidas, solicitou à segunda Requerida a emissão de uma Garantia Bancária, tendo como beneficiária aquela primeira Requerida;

                                   - que tal garantia foi accionada pela Mundicenter II, sendo que - entende a Requerente - tal não podia ter acontecido por força da aplicação aos arrendamentos não habitacionais do regime da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril (sendo que a CGD, apesar de ainda não ter procedido ao pagamento, se encontra a realizar diligências no sentido de a ele proceder);

                                   - que este procedimento cautelar é necessário já que, caso a Requerida CGD proceda ao pagamento da garantia à Requerida MDC, a Requerente não terá, por sua vez, forma de entregar esse valor à CGD, o que implicará que a mesma entre em incumprimento e mora, tendo como consequência o aumento do spread sobre os seus créditos e, por via da comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal, dificultará o futuro acesso a crédito.

 

            Citada, a Requerida Mundicenter II veio opor-se à procedência deste procedimento cautelar invocando:

                                               - a sua inutilidade, já que não pode agora ser determinado que se abstenha de accionar uma garantia que já accionou;

                                               - que a Requerente não alega factos dos quais se extraia o requisito do periculum in mora;

                                               - que o regime legal invocado ao caso dos autos é inaplicável, já que o incumprimento do contrato por parte da Requerente é anterior à situação especial provocada pela Covid-19, não sendo, por isso, subsumível ao regime da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril.

            Também citada, a Requerida CGD veio informar que, até à decisão do presente processo, se absterá de proceder ao pagamento da garantia.

 

Por Decisão datada de 29/09/2021 o Tribunal a quo proferiu decisão julgando “o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por provado, e, em consequência:

               A) Condeno a Requerida MDC a abster-se de solicitar o pagamento da Garantia Bancária com o n.º 2503.008262.093, enquanto não for revogado o artigo 12.º-A da lei n.º 4/2020 de 6 de abril.

               B) Condeno a Requerida CGD a abster-se de proceder ao pagamento à Requerida MDC da quantia de €17.590,74 (Dezassete Mil, Quinhentos e Noventa Euros e Setenta e Quatro Cêntimos), a título de Garantia Bancária n.º 2503.008262.093, nos termos do disposto do art. 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, até à revogação deste artigo.

               C) Determino a inversão do contencioso, dispensando-se a Requerente do ónus de propositura da ação principal”.

 

A Requerida Mundicenter II veio apresentar Recurso da Decisão lavrando as seguintes Conclusões:

 A) O Meritíssimo Juiz a quo errou ao julgar parcialmente procedente o presente provimento cautelar, com fundamento na aplicação da Lei nº4-C/2020, de 6 de abril, dada a distinção efetuada pelo próprio legislador quanto à aplicação do referido art. 12º-A ao “senhorio” e ao pagamento de “rendas”, ou seja, aos contratos de arrendamento.

 

B) Na eventualidade de ser intenção do Legislador estender a limitação prevista nesta mesma disposição aos “estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais”, o mesmo teria, seguramente, a prudência de recorrer a expressões/terminologias que evitassem quaisquer ambiguidades, tal como o fez respeito da isenção de pagamento da “remuneração mensal fixa ou mínima”, a qual tendo natureza excecional está vedada de aplicação por analogia, por força do disposto no Artigo 11.º do Código Civil.

 

C) O legislador determinou a prevalência do regime de isenção previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020 e a consequente exclusão, expressa, da aplicação do regime excecional de mora no pagamento da renda previsto na Lei 4-C/2020 (para os arrendamentos para fins não habitacionais) aos estabelecimentos localizados em centros comerciais, e claro a medida adicional quanto às garantias bancárias.

 

D) Não identificamos qualquer razão para que o legislador conceda aos lojistas em centros comerciais o regime de isenção de pagamento de remunerações mínimas mensais e, ao mesmo tempo, determine a aplicação

                             (i) da Lei nº 4-C/2020 de 6 de abril, e

                             (ii) do regime previsto no citado art. 12ºA (garantias bancárias), uma vez que, caso assim fosse, criar-se-ia uma situação de desigualdade injustificada de regimes consagrados, por força da pandemia, para arrendatários e lojistas.

 

E) Considerando que, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, a Requerente beneficiou de uma isenção de pagamento de remunerações mínimas mensais até 31 de dezembro de 2020, é manifesto que em caso algum lhe pode ser aplicável a Lei n.º 4-C/2020 de 06 de abril e, por conseguinte, não pode beneficiar do regime previsto no citado normativo: art. 12.º-A (garantias bancárias).

 

F) Entender o contrário implicaria admitir um (ainda maior) agravamento, injustificado, da desigualdade de regimes consagrados, por força da pandemia, para arrendatários e lojistas em centros comerciais.

 

G) É manifestamente antagónico que se defenda a impossibilidade de acionar garantias no âmbito de contratos de exploração em centro comercial e, simultaneamente, se admita, como é o caso, que esses contratos possam ser resolvidos com fundamento na falta de pagamento de remunerações mensais!

 

H) Sucede que, a impossibilidade de acionamento de garantias bancárias, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020 de 06 de abril, apenas é aplicável às rendas que se venceriam até dezembro de 2020 e que, por força das moratórias, apenas se venceram e vencerão no decorrer do presente ano, conforme decorre do seu art. 8.º, n.º 2 alínea a) da mesma Lei.

 

I) Note-se que, nos termos da garantia bancária acionada, está a ser exigido o pagamento de remunerações mensais vencidas e não pagas de janeiro a maio do ano de 2021 e uma remuneração variável do mês de outubro de 2020 referentes à loja n.º 1038 do centro comercial “Oeiras Parque”, circunstancialismo que, igualmente, não está abrangido na letra e espírito da Lei n.º 4-C/2020 de 06 de abril. A ratio daquele art. 12º-A, não é aplicável à situação sub judice.

 

J) Cabe, ainda, notar que, se equivoca o Tribunal a quo ao afirmar que a Lei n.º 4-C/2020 de 06 de abril se aplica às rendas vencidas a partir do dia 01 de abril de 2020, “sem delimitação de termo”, concluindo-se pela impercetibilidade da proposição alcançada.

 

K) O Meritíssimo Juiz a quo errou, também, ao julgar cumprido o requisito do periculum in mora com fundamento na aplicação de um regime legal transitório.

 

L) Com o devido respeito, o Tribunal a quo confunde a existência de legislação transitória com a existência de periculum in mora, cuja análise deve ser autónoma.

 

M) A transitoriedade de um diploma legal não é, nem pode ser, fundamento para a dispensa de prova de um receio justificado de lesão dificilmente reparável que o direito visa acautelar. Sendo certo que, o Tribunal a quo contradiz-se ao invocar que o diploma legal em apreço “não tem delimitação de termo” e simultaneamente sustenta que estamos perante um regime legal transitório.

 

N) Aceitar o entendimento do Tribunal a quo implica aceitar que o julgador tome uma decisão a partir de um facto meramente eventual (possível risco da verificação de danos futuros), em manifesto prejuízo Requerida, aqui Recorrente, não podendo considerar o requisito cumprido sob pena de se estar a afastar a razão de ser do justo receio (que a existir passaria a ser irrelevante) e, por consequência, a descaracterizar totalmente o escopo da tutela cautelar.

 

O) A verdade é que, a Recorrida, não logrou demonstrar a existência do periculum in mora, limitando-se a sustentar o seu receio na consideração de inúmeros cenários hipotéticos decorrentes do pagamento do montante da garantia acionada aqui Recorrente, que levaria a que, se fosse acionada, a mesma dificultaria o futuro acesso a crédito. Além do mais a Recorrida, nem sequer logrou a demonstrar que não possuía forma de entregar esse valor à CGD, uma vez que sustenta a sua possível não entrega com adventos futuros imprecisos, incertos e supostos pela mesma.

 

P) O Meritíssimo Juiz a quo errou ao julgar parcialmente procedente o presente provimento cautelar, ao determinar a inversão do contencioso, uma vez que não basta a verificação de um fumus boni iuris, mas a conclusão por parte do juiz que o estado do processo permite a apreciação do pedido, sem ser necessária a apresentação de mais provas.

 

Q) Prova essa que não foi cumprida por parte da Requerente, aqui Recorrida, manifestando a total ausência de fundamento, bastando-se em juízos meramente conclusivos quanto ao periculum in mora, não se encontrando minimamente demonstrados.

 

A Requerente-Recorrida apresentou  Contra-Alegações nas quais concluiu que:

I. Vem a presente Requerida Mundicenter apelar à revogação da sentença recorrida, pedindo a substituição por outra que julgue improcedente a providência cautelar apresentada pela Requerente.

 

II. Assentam as Alegações da Requerida nos fundamentos que ora se passam a expor sinteticamente:

             a. Não se encontra preenchido o requisito do Fumus Boni Juris.

             b. Não se encontra preenchido o requisito do Periculum In Mora.

             c. Não se encontram reunidos os requisitos para se determinar a Inversão do Contencioso.

DO FUMUS BONIS JURIS

 

III. Estabelece a actual redacção da Lei 4-C/2020, de 6 de Abril, mais concretamente, no seu Art. 10.º, n.º1 que o disposto naquele capítulo – Capítulo III – aplica-se, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais.

 

IV. De facto, o n.º 2 do Art. 10.º, determina que: “O presente capítulo não se aplica aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem do regime previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.”

 

V. A questão regulada neste específico capítulo da Lei 4-C/2020 respeita e circunscreve-se à determinação de moratórias e cálculo da remuneração mínima mensal dos Contratos de Utilização de Loja inserida em Centro Comercial.

 

VI. É um facto que o estabelecimento Aldo, cuja utilização é titulada pelo “Contrato”, BENEFICIOU do n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, benefício que reporta ao exercício de 2020.

 

VII. Contudo, a norma invocada pela Recorrente Mundicenter (Art. 10.º, n.º 2) tem de ser interpretada e circunscrita de acordo com o capítulo onde se insere – Capítulo III.

 

VIII. Ou seja, o que o n.º 2 do Art. 10.º, veio determinar é que os Art. 7.º a 10.º não se aplicam a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais.

 

IX. Julgamos que a decisão recorrida fez a correcta subsunção dos factos ao direito.

 

X. O Art. 12.º-A encontra-se inserido no Capítulo V e não no Capítulo III.

 

XI. Não se encontrando nenhum artigo de teor ou alcance semelhante ao do n.º 2 do Art. 10.º, no Capítulo V, é igualmente factual e objectivamente correcto concluir que o Art.º 12.º-A (neste capítulo inserido) se aplica a outras formas de exploração de imóveis, leia-se, contratos de utilização de loja inserida em Centro Comercial.

 

XII. Não existe nenhuma exceção à aplicação da referida legislação excecional.

 

XIII. Face à luz da legislação actualmente em vigor, o acionamento e pagamento da Garantia viola manifestamente os limites impostos pela legislação que tutela este período excecional que atravessamos.

 

XIV. Ao contrário do alegado pela Recorrente Mundicenter, é factual a existência do direito invocado pela Recorrente.

 

Do perigo da demora/Periculum In Mora

XV. Verificando-se a existência do direito invocado, atentemos à questão do periculum in mora.

 

XVI. Considera a Recorrente Mundicenter que não se encontra preenchido o pressuposto do perigo da demora, motivo pelo qual deverá improceder o presente procedimento cautelar.

 

XVII. Ora, o que aqui está em causa, é a manifestada violação da uma lei.

 

XVIII. Atento o carácter da Garantia Bancária (primeira solicitação), analisados os documentos juntos aos presentes autos, e a Oposição à Providência apresentada, a recorrente Mundicenter demonstra que considera que, com o seu conjunto de acções, não viola nem violou qualquer disposição legal.

 

XIX. Por outro lado, não se conhece da CGD qualquer comunicação que ateste que não irá liquidar a Garantia Bancária.

 

XX. A verificar-se o pagamento da quantia requerida à Mundicenter, a CDG irá violar de forma grave as disposições que impendem sobre si.

 

XXI. Pelo que, estão reunidas as condições para que, sem tutela jurisdicional, se viole de forma grave e grosseira a legislação que tutela as Garantias Bancárias.

 

XXII. Portanto, a decisão judicial recorrida reconhece, e bem, que as posições manifestadas pelas Requeridas, Mundicenter e Caixa Geral de Depósitos, violam o dispositivo legal ora em apreço.

 

XXIII. Bem decidiu o Tribunal a quo atenta a posição das Requeridas, é manifesta e expressa a intenção em violar a legislação em vigor, assim como o perigo que acarreta a não procedência do presente requerimento cautelar.

 

A acrescer,

XXIV. É igualmente facto notório que a violação da Lei 4-C/2020 terá um impacto financeiro na esfera da Recorrente.

 

XXV. A Recorrida ZT Two irá ter designadamente um prejuízo, mas sem limitar, no

valor de €17.590,74.

 

XXVI. Pelo que, é também este interesse merecedor de tutela jurisdicional.

 

Inversão do Contencioso

XXVII. A solução da inversão do contencioso surge na sequência da observação de uma espécie de duplicação de ações, dado que a referida instrumentalidade e dependência da ação principal leva, muitas vezes, a que nela se repitam os fundamentos e os elementos já trazidos ao procedimento cautelar, correspondendo, frequentemente, à controvérsia antes apreciada com menor ou maior segurança naquele procedimento.

XXVIII. Como bem refere a decisão recorrida, “Verificando-se que a questão concretamente discutida nos autos se prende, essencialmente, com a aplicação de Direito, não existindo, em sentido próprio, uma discussão de facto entre as partes, entende-se que a propositura de uma ação principal subsequente seria inútil.”

 

XXIX. E Conclui: “Considerando que o direito da Requerente apenas existe por aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, que se trata de um regime excecional e transitório; que não existe verdadeiramente uma questão material (fáctica) controvertida entre as partes; que foi assegurado o contraditório às Requeridas; e que a providência ora decretada, desde que se determine a sua manutenção até à revogação do diploma do qual emerge, é idónea a compor definitivamente o litígio, entende-se que deve ser decretada a inversão do contencioso, dispensando-se a Requerente do ónus de propor ação principal.”

 

XXX. Nos termos do artigo 369.º, nº 1 do CPC, a inversão do contencioso pode ocorrer caso o juiz, na decisão que decrete a providência, entenda que a matéria adquirida no procedimento lhe permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

 

XXXI. Da análise desta norma verifica-se que, para que o requerente seja dispensado do ónus de propor a ação principal, terão de estar verificados dois pressupostos cumulativos, a saber:

                       a. Que a matéria adquirida no procedimento permite ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado; e

                       b. Que a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

 

XXXII. Ora, conforme vem plenamente demonstrado nos autos e confirmado na decisão ora recorrida, é liquido que:

                                      a. A legislação actualmente em vigor impede o acionamento e o pagamento da garantia bancária.

                                      b. O acionamento da Garantia Bancária, nos termos em que foi efectuado, configura manifesto abuso de direito.

 

 XXXIII. A inversão do contencioso foi assim bem decidida, razão pela qual deverá ser

o recurso apresentado improceder.

 

XXXIV. Apenas desta forma se poderá garantir a tutela jurisdicional do disposto no Art. 12.º-A da Lei 4-C/2020 de 6 de Abril.

 

 

Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, há que verificar:

            I - da ausência do preenchimento dos requisitos do decretamento da providência cautelar:

                       Ia – o fumus boni iuris;

                        Ib – o periculum in mora.

            II – Se devia ter sido decidida a inversão do contencioso.

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

 

***

 

Fundamentação de Facto

A Decisão sob recurso considerou como indiciariamente provada a seguinte factualidade:

1. A Requerente é uma sociedade anónima, que se dedica ao comércio a retalho de calçado, vestuário e acessórios e importação dos mesmos artigos.

2. A Requerida MUNDICENTER II – Gestão de Espaços Comerciais, S.A. (MDC), dedica-se à actividade de exploração e gestão, por conta própria ou alheia, de centros comerciais ou estabelecimentos congéneres, nomeadamente, parques comerciais, parques mistos de diversão e comércio, outlets comerciais e parques de estacionamento, bem como a prestação de serviços nessas áreas e ainda o exercício da actividade de animação turística.

3. A Requerida MDC explora o Centro Comercial Oeiras Parque, sito na Avenida António Bernardo Cabral de Macedo, 2770-219 Oeiras, (Oeiras Parque).

4. O Oeiras Parque é constituído por um conjunto de lojas e espaços destinados ao exercício de actividades comerciais de retalho, de prestação de serviços, de restauração e actividades complementares.

5. No dia 01/04/2008, no âmbito das respectivas actividades comerciais, a Requerente e a Requerida MDC, apuseram as suas assinaturas num documento que denominaram «Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial – Oeiras Parque – ALDO, Loja n.º 1038».

6. O acordo referido em 5. tem como objecto a loja identificada pelo n.º. 1038, com uma área de cerca de 66m², sita no piso 1 (um), do Oeiras Parque, onde a Requerente instalou estabelecimento denominado ALDO.

7. Do acordo resulta que a Requerente se obrigou ao pagamento mensal à Requerida MDC de uma contrapartida pela utilização e fruição do espaço em causa, denominada «remuneração mínima mensal» no valor de € 5.394,84, acrescida de e uma remuneração percentual correspondente à aplicação da percentagem de 7% ao valor da facturação mensal bruta da loja, deduzido do preço mensal da «retribuição mínima mensal», e acrescido de IVA.

8. Valor esse sujeito a actualizações anuais de acordo com o índice total de preços ao consumidor – com habitação, publicado pelo I.N.E..

9. Emergem do acordo celebrado, para a Requerida MDC, as obrigações de permitir a utilização do espaço identificado, e «prestar os serviços logísticos indispensáveis ao funcionamento» das lojas, como sendo assegurar a limpeza, manutenção, obras, segurança, conservação, modernização, fiscalização, bem como promover o centro comercial e melhorar a sua imagem.

10. Para garantia do cumprimento das obrigações por si assumidas, a Requerente entregou à MDC a Garantia Bancária, à primeira solicitação, com o n.º 2503.006016.393, no valor de € 47.441,63 emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A..

11. A Requerida Caixa Geral de Depósitos, S.A. (CGD) é uma instituição financeira, que se dedica ao exercício da actividade bancária.

12. A Garantia Bancária emitida pela Requerida CGD tem como beneficiária a Requerida MDC.

13. Do convénio celebrado entre a Requerente e a MDC consta que a Garantia Bancária prestada se encontra associada ao cumprimento do acordo.

14. Em 24/06/2021 a Requerida MDC accionou a garantia prestada pelo valor de € 17.590,74.

15. A garantia foi accionada pela Requerida MDC pelo não pagamento de «remunerações mensais» vencidas de Janeiro a Maio do ano de 2021 e uma remuneração variável do mês de Outubro de 2020.

16. A Requerida CGD não procedeu ao pagamento da Garantia Bancária.

*

               Inexiste Factualidade não provada

*

 

Fundamentação de Direito

O artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.

Por outro lado, nos termos do artigo 368.º, n.º 1, do mesmo Código, “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”, a não ser que o prejuízo para o requerido, resultante do seu deferimento, exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (n.º 2).

Assim, nos termos deste artigo 368.º são requisitos cumulativos para decretar uma providência cautelar:

                        I - a probabilidade séria da existência do direito que se pretende acautelar (fumus boni iuris);

                        II - mostrar-se suficientemente fundado o receio da sua lesão (grave e dificilmente reparável) (periculum in mora);

                        III - o prejuízo dela resultante não exceder consideravelmente o dano que se pretenda evitar (numa dimensão de adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito).

Assim, partimos desta base, sublinhada por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, quando afirmam que para “o decretamento das providências basta que sumariamente (summaria cognitio) se conclua pela probabilidade séria da existência do direito (fumus boni iuris) e pelo receio justificado de que a demora cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). O pressuposto da probabilidade séria supera os meros indícios, mas fica aquém do nível de convicção necessário para decretar a inversão do contencioso (art. 369.º, n.º 1) e ainda mais longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na acção principal”[2].

 

O Tribunal a quo produziu a decisão recorrida de acordo com o seguinte processo de raciocínio:

                        - está em causa um procedimento cautelar, onde se exige uma antecipação ou garantia de eficácia do resultado de uma posterior ação principal, se assenta numa summaria cognitio, se conclui por uma provável existência do direito invocado (fumus boni iuris) e se constata um receio justificado de que esse direito seja seriamente afetado sem a intervenção da tutela cautelar (periculum in mora);

                             - a summaria cognitio não traduz uma análise leviana ou mais branda que no processo comum, mas apenas um grau de convicção distinto;

                             - quanto ao fumus boni iurisin casu, a aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril ao Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado entre a Requerente e a Requerida MDC, o qual incorpora elementos dos contratos de arrendamento não habitacional e do contrato de prestação de serviços - conclui-se que está por ela abrangido (em face dos artigos 7.º, a) - aplicabilidade aos estabelecimentos abertos ao público, de comércio a retalho, que foram encerrados por força do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março; e 8.º, n.º 1 – por ter determinado a suspensão da atividade de comércio a retalho);

                                            - o art. 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (aditado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho), não afasta a aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 Abril, uma vez que se complementam, ao tratarem de protecções diferentes (num caso trata-se do diferimento dos pagamentos devidos e no outro trata-se da isenção desse pagamento):

                                                                          - na Lei n.º 4/2020 regulam-se os casos de mora no pagamento das rendas, mesmo em contratos atípicos de exploração de imóveis, aplicando-se às rendas vencidas a partir do dia 1 de Abril de 2020, sem delimitação de termo (para o contrato em causa nos autos), nos termos do art. 14.º, n.º 1, ou seja, aplica-se às rendas vencidas a partir do dia 1 de Abril de 2020 e até à revogação desta Lei;

                                                                          - o art. 168.º-A da Lei 2/2020 consagra a isenção dos valores devidos a título de rendas mínimas, apenas até ao dia 31 de Dezembro de 2020;

                                            - a Requerida MDC accionou a garantia em causa pelo não pagamento de «remunerações mensais» vencidas de Janeiro a Maio do ano de 2021 e uma remuneração variável do mês de Outubro de 2020, as quais não estão abrangidas pelo art. 168.º-A, embora o estejam pela Lei n.º 4-C/2020.

                                            - quanto ao periculum in mora, é facto notório que a legislação produzida com vista à mitigação e controlo dos efeitos da pandemia é, necessariamente, transitória (circunstância que, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. c). do CPC, não carece de alegação das partes para ser considerado pelo Tribunal), pelo que, alicerçando-se os pedidos da Requerida num regime transitório, maxime, na aplicação do art. 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, considera-se que existe um real perigo de, caso o presente procedimento cautelar fosse indeferido e, em consequência, fosse executado o pagamento da garantia em causa, a Requerente perder o direito de ver suspenso esse mesmo pagamento.

                                            - embora a Requerida MDC tenha já accionado a garantia, o certo é que ainda não foi paga pela CGD, pelo que continua a fazer sentido que se condene a abster-se de solicitar o seu pagamento e que seja ordenado à Requerida CGD que se abstenha de pagar o montante garantido;

                             - quanto à Inversão do Contencioso, sendo a tutela cautelar, por natureza, provisória e verificando-se que a questão concretamente discutida nos autos se prende, essencialmente, com a aplicação de Direito, não existindo, em sentido próprio, uma discussão de facto entre as partes, estando em causa um regime excepcional e transitório; tendo sido assegurado o contraditório às Requeridas; e que a providência ora decretada, desde que se determine a sua manutenção até à revogação do diploma do qual emerge, é idónea a compor definitivamente o litígio, entende-se que deve ser decretada a inversão do contencioso, dispensando-se a Requerente do ónus de propor acção principal.

 

* *

No que concerne aos acima referidos requisitos para o decretamento de uma providência cautelar, o primeiro deles (o fumus boni iuris) é, desde logo, colocado em causa pela Recorrente.

Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Chama-se ao primeiro fumus boni juris e da sua prova se diz que basta ser sumária ou constituir uma simples justificação(…) ou um juízo de verosimilhança(…); é a summaria cognitio do antigo direito, designação que os autores italianos continuam ainda a usar, todas estas designações inculcando a ideia de que o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista”[3].

Vejamos o que quanto a este requisito se pode dizer, em face do que consta dos autos.

 

Escreve Oliveira Ascensão que “Toda a situação jurídica assenta sobre uma realidade histórica, que dela passa a ser constituinte. Assim acontece também com os negócios que se celebram: estão historicamente situados. Por isso a alteração das situações fácticas que são o pressuposto deles não pode deixar de os atingir”[4].

Ora a pandemia de COVID-19 que nos afecta é e tem sido, verdadeiramente, um teste à resistência, flexibilidade, equilíbrio e Justiça, das e nas relações contratuais estabelecidas na Ordem Jurídica pré-existente, levando a que - dado o seu carácter absolutamente emergencial, excepcional e único - o legislador assumisse a necessidade de publicar legislação adequada a fazer frente a este Desafio e procurar minorar as suas nefastas consequências[5].

E é esta legislação (feita sob pressão) que, à medida que a situação vai estabilizando provoca depois novos problemas, nomeadamente de interpretação.

É Mariana Fontes da Costa que sublinha que a “pandemia de Covid-19 é, indubitavelmente, uma perturbação de largo espectro, que afetou e afeta de modo particularmente violento todo o equilíbrio da vida social, pondo em causa o modo de vida das comunidades, com reflexos numa multiplicidade de sujeitos, setores económicos e relações negociais”[6], acrescentando – e reconhecendo – de seguida, que “a maior adequação tendencial de uma intervenção legislativa específica em fenómenos com repercussões alargadas sobre diversas relações contratuais, como é o caso da presente pandemia, este não pode ser um argumento suficiente para eximir os tribunais da apreciação casuística” dos concretos problemas, desde logo porque “é impossível ao legislador assegurar uma intervenção legislativa exaustiva na regulação de todos os possíveis impactos da pandemia sobre os contratos em curso”[7].

 

Neste enquadramento, a situação que os autos reflectem, implicam a apreciação da legislação excepcional publicada para fazer face – nomeadamente - à situação dos lojistas dos centros comerciais.

Assim, na sequência da declaração da situação de pandemia por parte da Organização Mundial de Saúde a 11 de Março de 2020, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, foi declarado o estado de emergência em Portugal, o qual começou por ser regulamentado através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março.

Foi este último que aprovou um conjunto de medidas excepcionais e extraordinárias, que limitaram de forma que a nossa contemporaneidade nunca vira, a normal actividade de cidadãos, empresas e instituições.

A infinitude de situações que implicavam tratamento específico levou a que o legislador aprovasse depois vários diplomas legais, adequados a áreas e sectores específicos.

 

Assim, e visando a “contenção dos diferendos brotados em face da situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19”[8], a 6 de Abril de 2020, é publicada a Lei n.º 4-C/2020, que vem estabelecer um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, acrescentando o n.º 2 do seu artigo 1.º, que o disposto nesta Lei “é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis”[9] (norma esta que é repetida ou reafirmada no n.º 1 do artigo 10.º[10]).

Nesta categoria residual, como diz Miguel Pestana Vasconcelos, “têm especial relevo os contratos de lojista em centro comercial. Estes negócios não podem ser qualificados como contratos de arrendamento comercial, porque têm igualmente elementos – de grande relevo, até – de prestação de serviços, e um conjunto de cláusulas que visam conformar esses contratos à realidade económica do funcionamento do centro comercial, como ente complexo. Mas, por parte da entidade que cria e explora o centro, consiste numa forma de explorar o imóvel onde ele funciona para fins comerciais”[11].  

Não há, pois, que suscitar dúvidas sobre a circunstância de entre as “outras formas contratuais de exploração de imóveis”, se encontrarem os contratos de utilização de loja em espaço comercial[12]!

 

Por seu turno, o artigo 12.ºA desta mesma Lei (que foi aditado pelo artigo 3.º da Lei n.º 45/2020, de 20 de Agosto, vigora desde o dia seguinte e se inclui no seu Capítulo V – Disposições Complementares), veio consagrar que no “decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o senhorio não pode executar garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento de rendas não habitacionais”, norma que, em face da abrangência dada pelo artigo 1.º, n.º 2, tem também aplicação aos contratos de utilização de loja em espaço comercial.

 

Na síntese feita por Inês de Barros Dias Duarte,este regime das moratórias procurou proteger particularmente a posição jurídica e financeira dos centros comerciais, uma vez que as retribuições a pagar pelos lojistas seriam, de todo o modo integralmente devidas, podendo apenas ser pagas em prestações, algo que na altura foi muito bem recebido pelos gestores dos centros.

Aqui chegados, os lojistas fizeram ver que não só continuavam a pagar as despesas e encargos comuns, como continuavam obrigados ao pagamento da retribuição na sua totalidade, enquanto o seu rendimento, na maior parte dos casos, foi reduzido a zero. Sensível a esta realidade, o legislador decide estabelecer, em sede de orçamento retificativo, de forma excecional e provisória que, neste tipo de contratos, não mais deveria ser cobrada a quantia mínima da retribuição, sendo apenas devida a componente variável da mesma[13].

 

É nesta sequência e com este contexto que surge a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho (Lei que aprovou um Orçamento suplementar), em cujo artigo 3.º se adita à Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, o artigo 168.º-A[14], que, no seu n.º 5, prevê que “Nos casos em que sejam aplicáveis formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, não são devidos quaisquer valores a título de rendas mínimas, até 31 de dezembro de 2020, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista, mantendo-se ainda a responsabilidade, da parte dos lojistas, pelo pagamento de todas as despesas contratualmente acordadas, designadamente as referentes a despesas e encargos comuns”[15].

 

Em termos de legislação relevante, importa ainda levar em consideração a Lei n.º 45/2020[16], de 20 de Agosto, onde se adiciona o n.º 2 do 10.º, “em conformidade com o regime entretanto estabelecido pela Lei n.º 27-A/2020. O n.º 2 do art. 10.º dispõe então que, os estabelecimentos que beneficiem do regime previsto no art. 168.º-A/5 da Lei n.º 27-A/2020 não podem beneficiar do regime das moratórias previsto na Lei n.º 4-C/2020”, com o qual se pretendeu “impedir que os estabelecimentos beneficiem de dois regimes de exceção e de uma dupla proteção que seria desnecessária e até injusta, dado que a intenção, bem como a finalidade subjacente aos dois diplomas é a mesma. Esta alteração confere, então, a possibilidade aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais, isto é, aos lojistas, de optar por um dos apoios existentes: ou a «lei das moratórias» ou a «lei das rendas variáveis», na medida em que o legislador exclui, expressamente, a aplicação do regime das moratórias aos lojistas que optem pelo regime das rendas variáveis”[17].

 

Ora, dito isto, o primeiro argumento utilizado pela recorrente vai no sentido de que ao artigo 12.ºA da Lei 4-C/2020 se refere apenas à execução de garantias bancárias pelo incumprimento de “rendas não habitacionais”, estando restringido – portanto – ao “senhorio” e ao pagamento de “rendas” em contratos de arrendamento (e que se o legislador quisesse ir mais longe, teria feito referência aos “estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais”, ou tido a “prudência de recorrer a expressões/terminologias que evitassem quaisquer ambiguidades, tal como o fez respeito da isenção de pagamento da “remuneração mensal fixa ou mínima”).

 

Trata-se – efectivamente – de um fraco argumento, pois faz por esquecer quer o contexto em que a norma foi criada e os seus objectivos (a situação emergencial de pandemia e a concreta situação dos arrendatários e dos lojistas dos centros comerciais que os vários confinamentos obrigaram a encerrar), quer – e principalmente – que o diploma em causa (Lei n.º 4-C/2020, de 06 de Abril) se aplica, por via expressa do seu n.º 2 do artigo 1.º, “com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis”. E estas “outras formas” estão precisamente aqui para incluir esta, abrangendo os contratos que os lojistas fazem com os proprietários dos centros comerciais (como já atrás se aventou).

Sublinhe-se que nos autos se não coloca em questão a tipologia do contrato em causa, pelo que não se vê que se possa dizer que ele não constitua uma “outra forma” contratual de “exploração de imóvel”.

Independentemente da sua natureza (mais próxima do arrendamento, da locação de estabelecimento, da atipicidade), esta Lei não quis entrar por essa discussão, resolvendo a questão com uma fórmula que, pelo carácter genérico e abrangente que assume, não pode deixar de abarcar os contratos em que:

            a) o objecto do contrato não é um estabelecimento comercial, mas uma "loja nua";

               b) essa "loja nua" se encontra integrada num centro comercial;

               c) o centro comercial é gerido unitariamente pelo "organizador do centro", que é ou proprietário ou locatário do imóvel onde o mesmo é instalado;

               d) o organizador do centro não se limita a proporcionar o gozo do espaço da loja, mas presta vários serviços que viabilizam ou pelo menos potenciam a exploração de um estabelecimento comercial no espaço em causa"[18].

Ou seja, o contrato de instalação dos lojistas em centros comerciais assumindo um carácter "socialmente típico mas legalmente atípico" e realizando "uma específica fórmula de integração empresarial”[19], pelas suas características, corresponde a uma forma de exploração do imóvel em que se integra o centro comercial e, como tal, preenche os requisitos para ser integrado no âmbito de aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 16 de Abril[20], nomeadamente do seu artigo 12.ºA.

 

Afirmar o contrário roçaria mesmo o absurdo.

Repare-se que a Loja da ora Requerente (em face do que consta do artigo 7.º, alínea a)[21], da Lei n.º 4-C/2020) é um estabelecimento de comércio aberto ao público, de comércio a retalho, daqueles que foram encerrados por força do artigo 8.º, n.º 1[22], do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, pelo que o diploma se aplica em pleno à situação destes autos.

 

A Recorrente afirma ainda que se o legislador tivesse querido aplicar este regime aos contratos dos lojistas em centro comercial teria feito a expressa referência a “estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais”, como veio a fazer no n.º 2 do artigo 10.º, que foi acrescentado pela já citada Lei n.º 45/2020, de 20 de Agosto.

Mais uma vez sem razão.

Repare-se que o artigo 12.ºA é indissociável do objecto do diploma fixado no artigo 1.º, n.º 1 (alargado – para todo o diploma – pelo seu n.º 2, este numa perspectiva de abrangência e de inclusão do maior número de situações contratuais).

Não faria qualquer sentido que o artigo especificasse qualquer situação de alargamento, porque ela já resulta do alargamento directo (e não por via de qualquer analogia), feito pelo referido n.º 2 do artigo 1.º.

Quando a Recorrente alude nas suas alegações ao facto de no n.º 2 do artigo 10.º se fazer a referência aos “estabelecimentos inseridos em estabelecimentos comerciais” (pretendendo com isso dizer que ao não o fazer no artigo 12.ºA estaria a excluir essas situações do seu âmbito) erra, ao não percepcionar que a lógica subjacente ao referido artigo 12.ºA (conjugado com o n.º 2 do artigo 1.º) é uma lógica de extensão, alargamento e de abrangência, ao passo que a que subjaz ao artigo 10.º é de restrição e de concreta escolha do que se pretende colocar de fora do regime de benefício instituído (pelo que, aí sim, faz sentido concretizar especificamente o que se pretende excluir).

No que concerne à referência expressa feita no já citado n.º 5 do artigo 168.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento suplementar), às formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais”, tal resulta da história do preceito (vd. nota de rodapé 9) e da expressa vontade de satisfazer a situação dos lojistas (que muita pressão para o efeito fizeram), e que não pode ser aqui trazida como exemplo, pois que se trata de um normativo que está fora do Decreto n.º 4-C/2020 e, portanto, não se encaixa na estrutura e concatenação interna própria deste último.

O legislador, muitas vezes criticado de forma justa, neste caso, seguiu uma técnica correcta e que permite a adaptação às circunstâncias emergenciais que visa apoiar (ou deixar de apoiar).

 

Podemos dizer mesmo que é temerário afirmar – como faz a Recorrente – que quando o artigo 10.º, n.º 2, alínea a), refere que o “presente capítulo não se aplica aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem do regime previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho”, excluiu, expressamente, a aplicação do regime excepcional de mora no pagamento da renda previsto na Lei n.º 4-C/2020 (para os arrendamentos para fins não habitacionais) aos estabelecimentos localizados em centros comerciais e, claro, a medida adicional quanto às garantias bancárias.

É que o legislador é claro e assertivo quando delimita esta exclusão ao “presente capítulo”, ou seja, ao Capítulo III-“Arrendamento não habitacional”, da Lei n.º 4-C/2020 (artigos 7.º a 10.º), assim deixando de fora quer o Capítulo I-“Objeto” (onde se encontra o artigo 1.º, n.º 2), quer o Capítulo V-“Disposições complementares” (onde se encontra o artigo 12.ºA): outro entendimento seria contra legem.

 

Assim sendo, nada obsta a que se considere que o artigo 12.ºA da Lei 4-C/2020 se considere aplicável a outras formas contratuais de exploração de imóveis e, como tal, a que se considere impedido que a empresa titular do centro comercial (assim alargando o âmbito da expressão “senhorio”, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º), execute garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento da contra-prestação dos lojistas nos contratos de cedência/utilização de loja em centro comercial.

 

Acresce ao exposto, que a Recorrente mistura todas as normas e todos os capítulos da Lei para atingir a sua conclusão, que – assim – se torna errada: uma coisa é o que respeita às moratórias no pagamento de remunerações por exploração de imóveis em centros comerciais e, outra, a que concerne ao accionamento das garantias[23].

O legislador, no caso do artigo 12.º-A pretende claramente que as questões sejam resolvidas inter partes sem envolver terceiros (os “garantes”), pelo que apenas fez depender o seu funcionamento da circunstância de a Garantia Bancária se reportar a um contrato de cedência utilização de loja em centro comercial (reportado ao n.º 2, do artigo 1.º).

 

Neste contexto, a interpretação feita pelo Tribunal a quo, a este respeito está não só correcta, como particularmente bem fundamentada, nomeadamente quando afirma não haver incompatibilidade entre o n.º 5 do artigo 168.º-A e a Lei n.º 4.º-C/2020, de 6 de Abril, mas sim um complemento: “a aplicação de ambos os diplomas não é incompatível, desde logo porque se tratam de proteções diferentes. Num caso trata-se do diferimento dos pagamentos devidos e no outro trata-se da isenção desse pagamento.

Em sede da Lei n.º 4/2020 regula-se os casos de mora no pagamento das rendas, mesmo em contratos atípicos de exploração de imóveis, aplicando-se às rendas vencidas a partir do dia 1 de Abril de 2020, sem delimitação de termo (para o contrato em causa nos autos), nos termos do art. 14.º, n.º 1, ou seja, aplica-se às rendas vencidas a partir do dia 1 de Abril de 2020 e até à revogação desta Lei. Já em sede do art. 168.º-A da Lei 2/2020, consagra-se uma isenção dos valores devidos a título de rendas mínimas apenas até ao dia 31 de Dezembro de 2020.

Veio a Requerida MDC invocar que acionou a garantia em causa no presente procedimento cautelar pelo não pagamento de «remunerações mensais» vencidas de Janeiro a Maio do ano de 2021 e uma remuneração variável do mês de Outubro de 2020. De harmonia com os argumentos aduzidos supra, sucede que nenhuma das prestações em causa estaria abrangida pelo art. 168.º-A da Lei n.º 2/2020. Encontrando-se, no entanto, abrangidas pela Lei n.º 4-C/2020.

Neste conspecto, conclui-se pela aplicabilidade da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril ao contrato em causa nos autos, e, portanto, pela verificação do requisito do fumus boni juris no presente procedimento cautelar”.

 

Conclusão com a qual só se pode concordar!

Refira-se que a Recorrente entende que o Tribunal a quo erra quando afirma que a Lei n.º 4-C/2020, de 06 de Abril, se aplica às rendas vencidas a partir do dia 01 de Abril de 2020, “sem delimitação de termo”, mas não se compreende sequer este entendimento, uma vez que – efectivamemente – não estando em causa nestes autos situações previstas pelos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 14.º deste diploma, vale o nº 1, em que apenas se delimita o termo inicial (01/01/2020).

 

Sublinhe-se que, para uma situação de decretamento de uma providência cautelar inibitória do accionamento de uma garantia bancária, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 16 de Fevereiro de 2016 (Processo n.º 20236/15.9T8LSB.L1-1-Paulo Rijo Ferreira), referiu com pertinência que o requerente tem de demonstrar, “através de prova pronta e inequívoca, fraude, abuso de direito, ofensa de ordem pública ou a extinção da garantia (e.g. pelo cumprimento, dação em cumprimento ou compensação)”, uma vez que a “garantia bancária à primeira solicitação, pela sua automaticidade e autonomia relativamente ao negócio subjacente, é um importante instrumento de facilitação negocial, enquanto instrumento de transferência de risco, potenciador do desenvolvimento da actividade económica. E enquanto relevante instrumento económico assume-se como um valor jurídico a ser defendido. Consequentemente, na interpretação das regras jurídicas, deve-se atentar, preservar e defender esse valor; maxime, e tendo especificamente em consideração as providências cautelares, os requisitos da sua concessão não podem redundar no esvaziamento do papel económico da garantia bancária à primeira solicitação(…).

Tendo-se como objectivo impedir o funcionamento da garantia bancária à primeira solicitação e em função da sua reconhecida autonomia face ao negócio subjacente é manifesto que o direito a acautelar tenha de ser um direito atinente à própria garantia bancária à primeira solicitação e não ao negócio subjacente. O direito a acautelar não é, pois, um eventual crédito que resulte da execução/inexecução do negócio subjacente, mas sim o próprio funcionamento da garantia bancária à primeira solicitação. A providência cautelar é instrumento processual adequado e admissível a defender o direito a um correcto funcionamento da garantia bancária à primeira solicitação; que esta seja utilizada dentro dos limites de honestidade e boa-fé em que a sua utilização é legítima”.

Também o Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2021[24] (Processo n.º 14917/21.5T8LSB.L1-8-Maria do Céu Silva), para uma situação semelhante à dos presentes autos, ainda que reportada directamente a um arrendamento, concluiu no mesmo sentido aqui decidido.

 

In casu, todo o contexto acabado de expor está presente e reunido, uma vez que a Lei (artigo 12.ºA da Lei 4-C/2020, de 06 de Abril), impede o accionamento da garantia em causa nos autos, prestada pela Caixa Geral de Depósitos e, como tal, utilizá-la constituiria uma violação expressa desse normativo.

 

Assim sendo e por tudo o exposto, no que concerne ao fumus boni iuris, o requisito está presente (bem mais do que perfunctoriamente), nada havendo a censurar ao entendimento do Tribunal a quo.

**

 

Vejamos agora o que respeita ao segundo requisito que a Recorrente-Requerida Mundicenter também coloca em causa.

E isto porque – entende – o Tribunal a quo fez a ligação entre o periculum in mora e a transitoriedade da legislação aplicável, contradizendo-se quando num lado diz que a norma não tem termo e, noutro, que é transitória.

E a isto acresce que a situação eventual de a Requerente não vir a dispor dos € 10.623,03 para pagar à CGD não pode fundamentar este periculum.

 

Está aqui em causa um requisito que implica para um requerente, a existência de um “fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável. Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a ação de que é dependência, bastar-lhe-á fazer prova sumária da existência do direito ameaçado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 368), sem prejuízo de poder fazer prova completa de tal existência, caso em que, se estiverem reunidos os demais requisitos da inversão do contencioso, pode obter o decretamento desta; mas já não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”[25].

No caso dos autos, não se vê como não possa dar-se este requisito como presente.

Repare-se que está em causa uma situação em que o direito da Requerente é cristalino: a garantia não podia legalmente ser accionada.

Sendo-o, é evidente o prejuízo da Requerente, a quem seria exigido o seu ressarcimento por parte do garante (e sê-lo-ia na base de um accionamento que contraria a lei e que a afectaria de uma forma que seria tudo menos uma conjectura…), e também o é que de forma alguma se poderia dizer que o prejuízo da Mundicenter (Requerida) excederia consideravelmente o que se pretende evitar (desde logo porque, mesmo que assim fosse, a Mundicenter poderia beneficiar de um direito – accionar a garantia – que a lei lhe impede de utilizar).

 

Estas considerações bastariam para considerar presente o requisito, mas não deixa de ser verdade que o Tribunal a quo, assinalou na decisão sob recurso, que “constitui facto notório que a legislação produzida com vista à mitigação e controlo dos efeitos da pandemia é, necessariamente, transitória. O que, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. c) do CPC, não carece de alegação das partes para ser considerado pelo Tribunal”, acrescentando que “alicerçando-se os pedidos da Requerida num regime transitório, maxime, na aplicação do art. 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, considera-se que existe um real perigo de, caso o presente procedimento cautelar fosse indeferido e, em consequência, fosse executado o pagamento da garantia em causa, a Requerente perder o direito de ver suspenso esse mesmo pagamento”.

Não deixa de ser verdade, mas o essencial para se considerar presente o requisito é poder concluir pelo relevante perigo de danos da Requerente em ver a garantia (ilegalmente) accionada (sem que o perigo de danos da Requerente Mundicenter seja superior).

O Tribunal a quo decidiu bem.

 

***

Resta, por fim, a apreciação da última matéria que a Recorrente-Requerida aborda nas suas conclusões: a sua discordância quanto à decidida inversão do contencioso.

O Tribunal a quo, quanto a isto e reportando-se ao artigo 369.º do Código de Processo Civil, assinalou que “o direito que a Requerida pretende acautelar com o presente procedimento cautelar encontra o seu alicerce em legislação excecional e necessariamente transitória. Verificando-se que a questão concretamente discutida nos autos se prende, essencialmente, com a aplicação de Direito, não existindo, em sentido próprio, uma discussão de facto entre as partes, entende-se que a propositura de uma ação principal subsequente seria inútil”, pelo que, “Considerando que o direito da Requerente apenas existe por aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, que se trata de um regime excecional e transitório; que não existe verdadeiramente uma questão material (fáctica) controvertida entre as partes; que foi assegurado o contraditório às Requeridas; e que a providência ora decretada, desde que se determine a sua manutenção até à revogação do diploma do qual emerge, é idónea a compor definitivamente o litígio, entende-se que deve ser decretada a inversão do contencioso, dispensando-se a Requerente do ónus de propor ação principal”.

De facto, o artigo 369.º do Código de Processo Civil permite que o juiz na decisão dispense o requerente do ónus de propositura da ação principal se:

                        i) - a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado; e

                        ii) - se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Com base em tudo o que já foi dito e dos autos ressalta, podemos assinalar que:

                                    - factualmente não há divergências entre as partes (o que, não sendo requisito específico, nos parece ser contextualizador e facilitador dos requisitos reais);

                                    - em termos de Direito a solução tem-se como linear e segura, podendo afirmar-se uma convicção segura sobre a existência do direito que se pretende acautelar (como resulta de tudo o antes exposto);

                                    - a providência decretada (proibição do accionamento da garantia) é adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Como referem Paulo Ramos de Faria e Luísa Loureiro admite “agora a lei que se extraia uma consequência desta reunião de fatores, apresentando o potencial de definitividade da providência decretada”[26].

Assim, só pode concluir-se que o Tribunal a quo decidiu e justificou bem a inversão do contencioso, soçobrando também, deste modo, a pretensão da Recorrente.

 

*

 

Concluindo, a Decisão sob recurso nada tem que se mostre afectado pelo recurso interposto, pelo que haverá de ser totalmente confirmada.

 

**

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

 

Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

Lisboa, 08 de Fevereiro de 2022

 

 

Edgar Taborda Lopes

 [1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.

[2] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, página 448.

[3] José Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Vol. 2.º, 4.ª edição, 2019, Almedina, página 40.

Vd., também, Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 4.ª edição, Almedina, 2021, páginas 183-197.

[4] Oliveira Ascensão, Alteração das Circunstâncias e Justiça Contratual no novo Código Civil, [em linha], Portal da Faculdade de Direito da Universidade de Direito, disponível em https://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Ascensao-Jose-Oliveira-ALTERACAO-DAS-CIRCUNSTANCIAS-E-JUSTICA-CONTRATUAL-NO-NOVO-CODIGO-CIVIL.pdf (consultado a 30/01/2022).

[5] Para a contextualização desta matéria, no âmbito do Direito das Obrigações, vd. Catarina Monteiro Pires, Direito das Obrigações em Tempo de Calamidade-reflexões durante um ano de pandemia, Almedina, 2021.

[6] Mariana Fontes da Costa, COVID-19 e Alteração Superveniente das Circunstâncias, [em linha], Revista da Ordem dos Advogados, Ano 81, Vol. I/II, Jan./Jun. 2021, página 358, disponível em https://portal.oa.pt/media/133314/mariana-fontes-da-costa.pdf  (consultado a 30/01/2022).

[7] “Não só é impossível ao legislador assegurar uma intervenção legislativa exaustiva na regulação de todos os possíveis impactos da pandemia sobre os contratos em curso, como deve prevalecer sobre as preocupações de instabilidade económica e social que uma decisão judicial possa gerar — veja-se o exemplo paradigmático da recente jurisprudência em matéria de swaps na sequência da crise económico-financeira de 2007 — a tarefa de assegurar a cada cidadão o acesso pleno à justiça no seu caso particular, nas situações em que a legislação excecional não fornece, à data em que o problema se coloca e o afeta, soluções especialmente ajustadas” (ob. cit., página 359).

[8] Miguel Osório de Castro, Impacto das medidas de combate ao coronavírus (sars-cov-2) no cumprimento dos contratos [em linha], in COVID 19 e o Direito (Coordenação de Inês Fernandes Godinho-Miguel Osório de Castro), [em linha], Edições Universitárias Lusófonas, 2020, página 23, disponível em https://recil.ensinolusofona.pt/bitstream/10437/10302/1/COVID%2019%20E%20DIREITO.pdf (consultado a 30/01/2022).

[9] Excluídos deste regime de apoio e auxílio ficaram, todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º deste diploma, “os estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem do regime previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho” (alínea a)) bem como, no caso das situações reguladas no artigo 8.º-B (estabelecimentos que permaneciam encerrados a 01/01/2021), “aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem, para o ano de 2021, de um regime de redução ou desconto na remuneração devida nos termos do contrato”.

[10] Integrado no Capítulo III – Arrendamento não habitacional.

[11] Miguel Pestana de Vasconcelos, Legislação de emergência e contratos. O regime excecional dos contratos de arrendamento e bancários, in Revista do Ministério Público, Número Especial COVID 19, 2020, páginas 266-267.

[12] Miguel Osório de Castro, Impacto …, páginas 23-25; Inês de Barros Dias Duarte, As consequências dos Decretos n.º 2-A/2020, n.º 2-B/2020 e n.º 2-C/2020 nos contratos de utilização de loja em espaço comercial, [em linha], Dissertação de Mestrado na Faculdade de Direito da Escola do Porto da Universidade Católica Portuguesa, 2021, página 40, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/35733/1/202764419.pdf (consultado a 30/01/2022); Sandra dos Reis Luís, A alteração anormal das circunstâncias: o artigo 437.º do Código Civil e a situação pandémica: reflexos contratuais, [em linha], Julgar on line, Julho de 2020, disponível em http://julgar.pt/a-alteracao-anormal-das-circunstancias-o-artigo-437-o-do-codigo-civil-e-a-situacao-pandemica-reflexos-contratuais/ [consultado a 31/01/2022]. 

[13] Inês de Barros Dias Duarte, As consequências…, página 41.

[14]

Artigo 168.º-A

(Apoio ao pagamento das rendas habitacionais e não habitacionais)

1 - Os arrendatários habitacionais, bem como, no caso dos estudantes que não aufiram rendimentos do trabalho, os respetivos fiadores, que tenham, comprovadamente, quebra de rendimentos nos termos previstos no artigo 3.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, e se vejam incapacitados de pagar a renda das habitações que constituem a sua residência permanente, podem solicitar a moratória da renda ao IHRU, I. P.

2 - Os senhorios habitacionais que tenham, comprovadamente, quebra de rendimentos nos termos previstos no artigo 3.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, cujos arrendatários não recorram ao IHRU, I. P., nos termos do presente artigo, podem solicitar ao IHRU, I. P., a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por essa razão, abaixo do valor do IAS.

3 - As moratórias e os empréstimos previstos no presente artigo são concedidos pelo IHRU, I. P., ao abrigo das suas atribuições, em particular da competência prevista na alínea k) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 175/2012, de 2 de agosto, e têm, como primeiras fontes de financiamento, as verbas inscritas no seu orçamento para 2020 provenientes da consignação de receita de impostos sobre o rendimento e, se necessário, das verbas a transferir para o IHRU, I. P., pela DGTF no âmbito de políticas de promoção de habitação, financiadas por receitas de impostos inscritas no capítulo 60, ambas nos termos previstos na presente lei, bem como nos saldos transitados do Programa SOLARH, criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2001, de 9 de fevereiro.

4 - O regulamento a ser elaborado pelo IHRU, I. P., com as condições de concessão da moratória, atendendo à urgência e ao seu especial fim, produz todos os seus efeitos a contar da data da sua divulgação no Portal da Habitação, na sequência de aprovação pelo conselho diretivo do IHRU, I.P., sujeita a homologação do membro do Governo responsável pela área da habitação.

5 - Nos casos em que sejam aplicáveis formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, não são devidos quaisquer valores a título de rendas mínimas, até 31 de dezembro de 2020, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista, mantendo-se ainda a responsabilidade, da parte dos lojistas, pelo pagamento de todas as despesas contratualmente acordadas, designadamente as referentes a despesas e encargos comuns.

[15] Com efeito, a Lei n.º 27-A/2020, ao prever um regime de rendas variáveis, vem modificar temporariamente o sistema atrás consignado, característico deste tipo de contratos, isentando os lojistas do pagamento da quantia mínima da retribuição até ao dia 31 de dezembro de 2020. Passa, então, a ser devida apenas a componente variável da mesma, ou seja, a remuneração estabelecida em função de um percentual da faturação da loja. Esta intervenção do legislador, apesar de pontual, excecional e transitória, causou uma enorme polémica, pondo em confronto lojistas e gestores dos centros, essencialmente por questões relacionadas com a aplicação da lei no tempo, mais especificamente, a sua possível eficácia retroativa” (Inês de Barros Dias Duarte, ob. cit., página 42).

[16] “Altera o regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda nos contratos de arrendamento não habitacional, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril”.

[17] Inês de Barros Dias Duarte, ob. cit., página 42.

[18] Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Almedina, 2000, página 160.

Autor que, mais à frente, assinala que, "se é verdade que na figura são identificáveis os essentialia da locação, não é menos verdade é que na figura são simultaneamente identificáveis vários outros elementos, também essenciais" (página 164), envolvimento esse que cria e justifica uma nova realidade sócio-económico-cultural, que tem mais elementos que não são acessórios ou complementares, mas sim - também - essenciais, determinantes e caracterizadores (o centro comercial afasta-se "da mera cedência de espaço, por criar uma relação complexa, onde, por exemplo, a prestação de serviços se torna um elemento um elemento essencial da relação comercial" - Saldanha Sanches, O Regime Fiscal dos Centros Comerciais, Fisco, n.º 34, Setembro/91, página 6).

Estão aqui em causa dois factores:

                                       - por um lado, os serviços prestados pelo organizador/empreendedor (a gestão global do centro, a coordenação das actividades dos lojistas, o fornecimento de água, electricidade, gás, ar condicionado, limpeza, segurança/vigilância, promoção/publicidade) e,

                                       - por outro, a integração do espaço cedido num centro comercial.

A função do arrendamento é apenas a de proporcionar o gozo de um espaço, mediante uma retribuição, ao passo que, neste género de contratos, se lhe junta "a integração no centro comercial e os vários serviços  que o organizador se obriga a prestar", sendo ainda certo, que num normal contrato de arrendamento, "o desenvolvimento de uma actividade económica pelo arrendatário é, sobretudo, uma faculdade, enquanto os contratos entre os organizadores dos centros e lojistas, impõem, normalmente, a estes, a obrigação de levarem a cabo uma actividade [sublinhados e carregados nossos] - aliás - bem determinada" (Rui Pinto Duarte, ob. cit., página 164) .

Oliveira Ascensão chama a atenção - fundamentalmente - para o enquadramento do lojista num conjunto organizado de actividades comerciais, caracterizando-o como um contrato necessariamente comercial, em que o concedente é empresário (e assume a obrigação de fazer funcionar a empresa que caracteriza o centro) e o empresário assume a obrigação de fazer funcionar a empresa singular, situando-nos, portanto, no domínio do chamado comércio integrado, no qual o comércio da concessionária se caracteriza “essencialmente por ser exercido no conjunto empresarial do concedente", pelo que tem de vigorar, "o estatuto dinâmico das relações empresariais e não o estatuto estático da afectação de um local", pois isso seria "fechar os olhos à realidade" e "considerar acessório o conteúdo do contrato de empresa, que é essencial para essa figura" (José de Oliveira Ascensão, “Lojas em Centros Comerciais; Integração Empresarial; Forma”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 54, Dezembro de 1984, página 838 (835 a 842); e “Integração Empresarial e Centros Comerciais”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1991, páginas 29 e seguintes).

A isto acrescenta Antunes Varela, que a "integração do lojista no conjunto organizado das actividades comerciais exercidas no centro, que lhe proporciona vantagens patrimoniais desconhecidas no simples arrendamento, justifica, sem dúvida, a fixação da retribuição devida pelo lojista, em termos diferentes dos que regem a determinação da renda no contrato de arrendamento", podendo "obviamente, reflectir-se em muitos outros aspectos" (Comentário ao Ac. STJ de 12/04/1994, Centros Comerciais : natureza jurídica dos contratos de instalação dos lojistas, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 127.º, n.º 3843, páginas 185-186).

O tenant mix, a aludida existência de espaços de lazer, a possibilidade de utilização das coisas ou dos serviços de interesse comum inseridas no centro (escadarias, escadas rolantes, salas de repouso, balcões bancários, correios, etc.), pelo seu efeito de atracção, caracterizam e constituem factores extraordinários de valorização comercial do centro e das lojas, mas não se traduzem em prestações contratuais de serviços, realizados a favor dos titulares das lojas beneficiárias, "porque não há aí nenhum comportamento positivo (serviço) a que o organizador se tenha previamente vinculado e a que corresponda um verdadeiro direito subjectivo (de crédito), como é próprio do contrato de prestação de serviço descrito no art. 1154º do Código Civil" (Antunes Varela, ob. cit., página 184), sendo certo, todavia, que tudo isto acaba por se traduzir em benefícios de carácter patrimonial, daqui resultando que todo este conjunto de benefícios "exorbita claramente, na sua totalidade, quer da estreita e limitada função económico-social do arrendamento do prédio urbano ou da locação do estabelecimento comercial (da loja ou do botequim da esquina), quer da figura ainda bastante raquítica (no plano estrutural) do contrato misto (de locação e de prestação de serviços)" (ob. cit., páginas 184-185).

Acrescenta Pedro Romano Soares Martinez que o “centro comercial, para além de prestar inúmeros serviços, ele próprio constitui uma empresa em funcionamento. A actividade dos lojistas não teria o mesmo sentido sem as infraestruturas da empresa em que se instalou, como seja, os parques de estacionamento, os elevadores, as escadas rolantes ou a decoração. Para além disso, o centro foi concebido em termos de distribuição de lojas por zonas e andares, de enquadramento do comércio com a restauração (fixando zonas para restaurantes, bares, etc.) e actividades lúdicas, nomeadamente salas de cinema. A este aspecto acresce que a propaganda realizada pelo centro beneficia os vários lojistas” (Direito das Obrigações (Parte Especial)-Contratos, Almedina, 2000, páginas 268 e 269; cfr., também, Rui Pinto Duarte, ob. cit., página 161).

Assim, também, Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais. Qualificação e Forma, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 56, Agosto de 1996, II, páginas 535 a 549; Fernando Luso Soares, em prefácio a “Espaços Comerciais-Natureza e Regime Jurídico do Contrato de Utilização”, Cosmos, 1998, páginas XI a XVI; Pedro Malta da Silveira, A Empresa nos Centros Comerciais e a Pluralidade de Estabelecimentos - Os centros comerciais como realidade juridicamente relevante, Almedina, 1999.

Vd., ainda, Wilson Daniel Vieira Ávila, O contrato  de cedência de loja em  centro comercial:  a  necessidade de atender  aos  (novos) interesses do  gestor sem  descurar a devida protecção do  lojista, [em linha], Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Ciências Jurídico-Forenses, 2015, disponível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/28704/2/Contrato%20de%20cedencia%20da%20loja%20em%20centro%20comercial.pdf  [consultado a 31/01/2022); Filipe  Cassiano  dos Santos,  O  Contrato  de  Instalação  de  Lojista  em  Centro Comercial  (e  a  aplicação  do  artigo  394.º  do  Código  Civil  quando  celebrado  por adesão), Cadernos de  Direito Privado, n.º 24, 2008; Ana Isabel  Afonso, Os contratos de instalação de lojistas em centros comerciais – Qualificação e Regime, Universidade Católica Portuguesa, 2003, e O contrato  de cedência de loja em  centro comercial, [em linha], Direito e Justiça, Volume XIX, tomo II, 2005, páginas 49 a 68 [consultado a 31/10/2022].

[19] Pedro Malta da Silveira, ob. cit., páginas 187-188.

Trata-se, pois, assume Pedro Pais de Vasconcelos, de “um tipo social, extralegal, de contrato de centro comercial, ainda não completamente formado mas já claramente identificável, que abrange num só complexo os contratos celebrados com os lojistas e o regulamento interno, em que avultam como índices do tipo até agora a integração empresarial, o carácter oneroso com contrapartida que pode ser parciária, mas também o pode não ser, que pode ser fixa ou variável, que pode incluir ou não, a partilha das despesas comuns, e ao qual repugna o vinculismo do arrendamento e a sua forma solene" (Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais. Qualificação e Forma, ROA, Ano 56, Agosto 1996, II, páginas 545-546, também em linha no Portal da Ordem dos Advogados, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B4c44e661-e9bb-458b-a6b1-59175c5e5114%7D.pdf [consultado a 31/01/2022); Contratos Atípicos, Almedina, 1995, páginas 60-61).

[20] Neste sentido, Miguel Osório de Castro, Impacto …, página 24.

[21] “O presente capítulo aplica-se:

a) Aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, bem como, após a sua cessação, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19 que determine o encerramento de instalações ou suspensão de atividades, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica;(…)”.

[22] “1 - São suspensas as atividades de comércio a retalho, com exceção daquelas que disponibilizem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura, as quais se encontram elencadas no anexo II ao presente decreto e que dele faz parte integrante”.

[23] Repare-se, desde logo, que nada obsta à ocorrência de situações em que há várias normas com aplicabilidade, cada uma com as suas funções e objectivos (como, aliás, sucede com o regime geral das obrigações – por exemplo, o artigo 437.º do Código Civil – que não deixa de se aplicar nos casos em que a Lei n.º 4-C/2020 também funciona – Miguel Pestana de Vasconcelos, Legislação de emergência e contratos. O regime excecional dos contratos de arrendamento e bancários, in Revista do Ministério Público, Número Especial COVID 19, 2020, páginas 268-269). 

[24] RL 18/11/2021 (Processo n.º 14917/21.5T8LSB.L1-8-Maria do Céu Silva): o accionamento das garantias bancárias pela requerida é abusivo por ser contrário ao disposto no artigo 12.º-A da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, aditado pela Lei n.º 45/2020, de 20 de Agosto, segundo o qual, “no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o senhorio não pode executar garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento de rendas não habitacionais”, sendo de salientar que tal disposição abrange as garantias bancárias autónomas, pois onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir.

[25] José Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Vol. 2.º, 4.ª edição, 2019, Almedina, páginas 7-8.

Vd., também, Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 4.ª edição, Almedina, 2021, páginas 198-216.

[26] Paulo Ramos de Faria-Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I, 2.ª edição, Almedina, 2014, página 322.

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