Sumário:
I – A usucapião é um instituto jurídico do qual
decorre a aquisição originária de um direito real, a favor de quem detenha a
sua posse (com “corpus” e “animus possidendi”) e por seu impulso,
por um período de tempo determinado (dependendo de ser bem móvel ou imóvel, de
boa ou de má fé), perante a total inacção do proprietário, sendo, como tal, não
um ataque à propriedade, mas um tributo à posse.
II – A usucapião tem funções de consolidação de
uma situação de facto, de regularização da ordem jurídica e de prova, não sendo
confundível com a expropriação, na qual o Estado surge com poderes de
autoridade e por motivos de utilidade pública, tendo de pagar uma “justa
indemnização”.
III – No caso da usucapião, o Estado está ao
nível de qualquer particular, sujeito exactamente às mesmas regras.
IV – Pode usucapir quem possa possuir, pelo que o
Estado, como qualquer particular ou pessoa colectiva, pode ser beneficiário de
usucapião, desde que reúna todos os seus requisitos (praticando os actos de
posse adequados pelo tempo necessário), sem que isso torne os artigos 1287.º e
seguintes do Código Civil inconstitucionais.
V – A usucapião está justificada por interesses
de ordem pública, ligados à certeza, definição, estabilidade e segurança
jurídicas, permitindo harmonizar o direito com a realidade.
Acordam
na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
J………… intentou a presente acção declarativa
contra o Réu Município………..,
peticionando a sua condenação:
a) a reconhecer o
direito de propriedade do Autor sobre o prédio rústico, com área de 35.493 m2,
sito no ……….., prédio está inscrito em nome do Autor na matriz predial rústica
daquela freguesia sob o artigo 2493, descrito, também em seu nome na
Conservatória do Registo Predial sob o n.º ………..;
b)
a entregar-lhe a parcela de 934m2 que ocupa e detém, sem qualquer título ou
utilidade, no limite Sul/Poente do prédio, confrontando com a estrada ………, duma
área total de 1216 m2, onde está implantado um reservatório de água visando o
abastecimento da vila ………….., reservatório esse que ocupa uma área não superior
a 282m2, incluindo zona de proteção, sendo os 934 m2 a restituir a área
sobrante e não necessária para aqueles fins tal como ilustrado no documento 10;
c)
a abster-se da prática de todo e qualquer acto que possa vir a ofender a
propriedade do Autor sobre o identificado prédio e parcela de terreno;
d)
a demolir e retirar, por completo, qualquer vedação muro e portão que existe no
terreno do Autor, na referida área, concedendo de imediato também o acesso
pleno do autor ao seu terreno e circunscrevendo a vedação do reservatório de
água ao estritamente necessário para a sua protecção, concretamente ocupando
uma área de 282m2, como devidamente ilustrado na planta topográfica doc. 10.;
e)
o que deverá ser feito no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da
sentença destes autos;
f)
a pagar-lhe uma compensação pelo uso que indevido e ilegítimo que fez do seu
prédio, no valor de 100€ mensais desde janeiro de 2017, e até ao trânsito em
julgado da sentença a proferir nestes autos;
g)
a pagar-lhe, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50
(cinquenta euros) por cada dia de atraso, no cumprimento efectivo e integral da
sua obrigação de entrega do prédio e da demolição ordenada em d);
h)
a pagar as custas do a cargo da Ré.
O Réu
apresentou Contestação-Reconvenção,
terminando por peticionar que:
A) a acção seja julgada improcedente,
por não provada, absolvendo-se o Réu dos pedidos;
B)
a reconvenção seja admitida e julgada procedente e, consequentemente:
B.1-
seja o Réu declarado o único e exclusivo proprietário do prédio em causa, dada
a sua aquisição por usucapião;
B.2-
seja condenado o Autor no reconhecimento desse direito;
C)
seja ordenado o registo na Conservatória do Registo Predial do referido prédio,
a favor do Réu.
Contestando
a Reconvenção, o Autor veio na Réplica
excepcionar com a “excepção dilatória inominada” de ausência de direito do
Reconvinte, por impossibilidade de o Estado ser beneficiário de Usucapião e de
ter apenas direito de expropriar.
Admitida
a Reconvenção, foi saneada a acção e julgada improcedente a excepção de a
inexistência do direito do Reconvinte Município por impossibilidade de adquirir
por usucapião.
O
Autor-Reconvindo recorreu desta decisão
e apresentou as suas Alegações,
onde lavrou as seguintes Conclusões:
1 - O Despacho
Saneador em crise nasce num raciocínio fechado, que parte de uma surpreendente
inversão de princípios e valores jurídicos, assente na cândida reflexão de que
"(...) a nossa Lei Fundamental propositadamente não pretendeu abordar a
questão da usucapião", porquanto sendo a Constituição da República
Portuguesa posterior ao Código Civil, se não o alterou quanto à problemática da
usucapião (excluindo expressamente o Estado de tal figura) é porque permitiu
tal realidade e a mesma se enquadra em princípios e valores constitucionais.
2 - Nada mais errado
e juridicamente despropositado, atento inclusive a substancial alteração que o
Artigo 2.º da CRP teve ao longo do tempo, sobejamente conhecido pelo seu forte
conteúdo programático até à revisão de 1989,
3 - Pois o legislador
constitucional de 1975, que nos deu a CRP de 1976, não previu, nem tinha de
prever, todas as consequências e alterações que uma Lei Fundamental nova iria
conduzir e produzir na ordem jurídica ordinária então vigente. Aliás, nem tinha
capacidade para tal.
4 - Tal tarefa cabia,
coube e ainda cabe, em primeira e última instância, aos agentes judiciais,
Advogados, M.P. e Juízes, intérpretes do direito (Advogados e M.P.) e decisores
do mesmo/juízes). Ou seja, cabe aos tribunais (como um todo) dilucidarem o que
é na Lei Ordinária, Constitucional ou não.
5 - Daí que é o
Código Civil que deve ser interpretado de acordo com os princípios
constitucionais vigentes, e não o contrário, e daqueles, com relevo para a
causa, ressaltam dois em particular: o princípio da Protecção da Propriedade
Privada e, acima de tudo, o Princípio do Estado de Direito.
6 - E se o Tribunal
"a quo" expandiu o seu raciocínio sobre ao Art.º 62º da
C.R.Portugesa, nem uma palavra ou vírgula escreveu sobre o Art.º 2º da
Constituição da República Portuguesa e sobre o Princípio do Estado de Direito,
o que revela uma visão toldada dos princípios constitucionais garante de todo o
Estado de Direito, visão essa partilhada pela doutrina e única jurisprudência
que refere, nomeadamente:
-
o Princípio Universal e fundamental da Propriedade Privada, que tem face ao
Estado as suas limitações constitucionalmente previstas no Art.º 62º, nº 2 da
CRP;
-
e o Princípio do Estado de Direito, Art.º 2º da CRP, que, entre outras e para o
que interessa, se subdivide em dois: o Princípio da Segurança Jurídica e o
Princípio da Protecção da Confiança dos Cidadãos, vedando este último que o
Estado aja de má-fé perante qualquer cidadão ou quem quer se seja.
7 - Ora a figura da
usucapião admite a má-fé por parte de quem adquire, pelo que se se admite que o
Estado pode adquirir por usucapião então está-se a admitir que o Estado pode
agir de má-fé perante terceiros e, mais grave, que possa - sem mais -
beneficiar disso sem qualquer responsabilidade e problema, sem indemnizar
justamente o particular como o Art. 62º nº 2 da CRP impõe.
8 - A assim se
considerar, o Princípio da Confiança no Estado de Direito é obliterado e ferido
de morte, e com ele é varrido e destruído o Princípio de Propriedade Privada
passando a estar nas mãos do Estado que, de má-fé, passa a poder adquirir os
nossos bens por usucapião, e sem pagar qualquer devida indemnização prevista no
Art. 62º n.º 2 da CRP, norma que passa a ser de fácil contorno...
9 - O Princípio do
Estado de Direito Democrático (umbilicalmente ligado ao "Rule of
Law", universal e supraconstitucional, mas que não se confunde com este)
impõe necessárias condutas ao Estado como pessoa de bem, não tendo os seus
representantes, órgãos, organismos ou afins (incluindo concessionários) a
liberdade de acção que o sujeito privado (pessoa singular ou colectiva) tem
para agir como bem entender.
10 - Ao Estado não
lhe é concedido o Livre Arbítrio que é concedido ao Particular, que pode de má
fé apoderar-se de bens de terceiro via usucapião, pelo contrário o Estado está
limitado na sua actuação discricionária por princípios de legalidade, boa-fé,
lealdade, adequabilidade e outros, e é ao assumir tais princípios nas suas
condutas que confere ao Cidadão o Princípio da Confiança no Estado de Direito,
princípio que o Estado não pode obliterar.
11 - Ora o Art.º. 2º
da C. R. Portuguesa, Princípio do Estado de Direito Democrático, consagra essa
ideia da protecção da confiança dos cidadãos e na actuação do Estado. Ver,
entre outras, STA de 13-11-2007,164/2004, relatado pelo distinto Juiz Cons. São
Pedro.
12 - Como se escreveu
no Ac. Do Tribunal Constitucional 17/84 (in Ac. Tribunal Constitucional vol. 2,
pág. 375) "O Cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado possa
levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele
deve poder confiar em que a sua actuação, de acordo com o direito, seja
reconhecida pela ordem jurídica (...)".
13 - Essa ordem
jurídica é vista como um todo, onde a base são os princípios constitucionais
informadores de toda uma sociedade democrática, que tutela e protege os
direitos, as liberdades e as garantias do cidadão.
14 - E nesta tutela
esta o os seus direitos patrimoniais e as garantias que tai direito têm perante
o Estado, nomeadamente o Art. 62º da CRP, Princípio da Propriedade Privada,
cuja interpretação não pode ser feita sem se ter por base o Art.º 2º da C.R. P.
e o Princípio da Confiança no Estado de Direito, também na sua vertente da
Actuação do Estado de boa fé perante tudo e todos os seus cidadãos ou empresas.
15 - Ao se aceitar
que o Estado possa usucapir, estaríamos a aceitar que o Estado pode agir de
má-fé e a instituir o confisco de bens particulares (sem que a estes fosse pago
qualquer justo valor) o que é constitucionalmente proibido nos termos do art.º
2º da Constituição da República Portuguesa, Princípio da Confiança no Estado de
Direito e do art.º 62º Princípio da Propriedade Privada.
16 - O art.º 62º nº 2
da CRP, consagra que a "A requisição e a expropriação por utilidade
pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa
indemnização".
17 - A Lei confere ao
Estado todas as formas contratuais de aquisição, conferindo-lhe ainda o direito
residual de propriedade sobre "imóveis sem dono conhecido" as res nullius nos termos do art.º 1345º do
Código Civil (princípio que se expande ao Direito Sucessório sendo o Estado
classe sucessível).
18 - Os termos em que
a C. R. P. no seu art.º 62º consagra a propriedade privada e a forma do Estado
(via nº 2) pode atingir a mesma (via requisição ou expropriação), aliada à forma
de como o legislador ordinário consagrou que o Estado só tem o património das res nullis, leva-nos a concluir,
necessariamente, que o preceito constitucional referido afastou qualquer
possibilidade de interpretação legal de que o Estado pode adquirir por
usucapião.
19 - Sendo
inconstitucional, e socialmente intolerável, aceitar-se que, apesar de tudo, o
Estado pode contornar tais imposições constitucionais adquirindo por usucapião,
figura que, em si, impõe a consciência de que se esta a retirar a propriedade
de algo a alguém, sem lhe pagar qualquer justa indemnização...
20 - In casu existindo alguém que prova a
existência de um seu direito sobre a coisa inicial em si, nomeadamente através
do registo de propriedade e título de transferência da mesma para seu nome,
como refere o Prof. Oliveira Ascensão in Direitos Reais pág. 432/433, a
existência de dono/proprietário do imóvel afasta todas as pretensões do Estado
pois dele somente são as terras «sem dono conhecido».
21 - As demais só
serão dele dentro dos limites do princípio constitucional da propriedade
privada, Art.º 62º da CRP e da justa indemnização por expropriação.
22 - Nesse sentido
vejam-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05/02/201, proc.
742/10.2TBSJM.P1.S, 7ª SECÇÃO, Relator: Cons. GRANJA DA FONSECA dgsi.pt, cujo sumário refere:
"I - A
procedência da acção de reivindicação encontra-se sujeita à demonstração
cumulativa de três condições: (i) ser o autor titular do direito real de gozo
invocado; (ii) o réu ter a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor; e
(iii) não provar o réu ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa
consigo.
II - O direito de
propriedade, consagrado constitucionalmente, bem como na DUDH (art. 17.°), não
é garantido em termos absolutos, mas sim, atendendo à sua função social, dentro
dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da CRP.
III - A expropriação
é um instituto de direito público, sujeito, não obstante, a vários limites que
funcionam como seus pressupostos, de tal forma que só dentro desses limites é
que aquele poder expropriativo se pode entender como jurídico.
IV - A figura da «via
de facto» - oriunda da teoria geral do direito administrativo - caracteriza-se
pelo ataque grosseiro à propriedade de um particular, por meio de factos, à
margem de qualquer processo legal; por seu turno, a «apropriação irregular e/ou
expropriação indirecta caracteriza-se pela tomada de posse, por parte da
administração, de um bem imóvel de um particular, com base num título que
enferma de uma ilegalidade, não de uma ilegalidade grave e grosseira, mas de
uma ilegalidade simples e leve." (...)
23 - O corpo de tal
aresto é paradigmático quanto ao valor da propriedade privada face ao Estado
donde se destaca, com a devida vénia, e em sumula útil:
24 - "Os
preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são
directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".
25 - "Os
preceitos constitucionais e legais, nesta matéria, devem ser interpretados e
integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, razão
pela qual convém ter presente que o artigo 17° dessa mesma Declaração estatui
que «1. Todas as pessoas, individual e colectivamente, têm direito à
propriedade», acrescentando o n.° 2 que «Ninguém pode ser arbitrariamente
privado da sua propriedade»".
26 - "É
semelhante o sentido do artigo 62° da CRP e dos instrumentos internacionais,
isto é, ambos proclamam a garantia institucional da propriedade e dos concretos
direitos de propriedade, os quais se impõem perante o poder, não ficando
dependentes de nenhuma concretização."
27 - "Não
obstante a sua categoria de direito fundamental, tal não impede que em certos
casos a propriedade possa e deva ser sacrificada’.
28 - "A
trave-mestra desse sacrifício encontra-se, pois, prevista no artigo 62°, n.° 2,
da CRP, ao esclarecer que a expropriação por utilidade pública representa um
limite à garantia do direito de propriedade, que só pode ser efectuada com base
na lei e que implica, fora dos casos estabelecidos na Constituição, o pagamento
de justa indemnização."
29 - Como referem os
citados Mestres (Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República
Portuguesa Anotada; Volume I, 4- Edição, página 807), "esta norma
consagradora da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma
norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder
expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade e, por
outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui
designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da
indemnização".
30 - Assim as normas
contidas nos Arts. 1316º e 1287º e segs. do Código Civil, se interpretadas como
conferindo ao Estado o poder adquirir por usucapião, são normas inconstitucionais
por violação dos Artigos 2.° e 62º da C. R. P. e que como tal não podem ser
aplicadas, o que se alega desde já para todos os devidos efeitos legais.
31 - Pelo que se
conclui que, não tendo o Reconvinte o direito de adquirir por usucapião, não
tem adequada acção judicial para fazê-lo reconhecer em juízo, nos termos do
Art.º 2 nº 2 do CPCvil, pois que a lei de processo só tutela o recurso aos
tribunais quando se tem um direito legal.
32 - Simplificando:
Para se recorrer ao Tribunal há que se ser titular de um direito. Se não se tem
esse direito não se pode recorrer a Tribunal.
33 – O Município de …..,
Reconvinte, não tem o direito de adquirir por usucapião. Assim não tem
legitimidade nem processo adequado para fazer valer tal direito porque a lei
não o contempla.
34 - O direito que o
Município de …… se pode arrogar é o de expropriar o A., nunca adquirir por
usucapião das terras destes.
35 - Assim sendo o
processo desencadeado é indevido e inadequado (o adequado séria a expropriação
litigiosa) o que acaba por obstar ao conhecimento do mérito da acção, dado não
se mostrarem reunidos, os pressupostos legais exigidos para a eventual acção
adequada (a expropriação) e não ser possível suprir tal por meio de qualquer
adaptação processual ou convite ao aperfeiçoamento, pois, na base, tudo cai:
ausência total de direito por parte da Reconvinte, logo impossibilidade de
pedir em juízo seja o que for com base a sua alegada causa de pedir.
36 - Estando-se
perante uma excepção dilatória inominada, o que se alega para todos os efeitos
legais, existindo uma ausência de direito do Reconvinte Município de ………, em
virtude dos Artigos 2º e 62º da Constituição da República Portuguesa, proibirem
a aplicação dos arts. 1316º e 1287º e segs. do C. Civil quanto a aquisição por
usucapião pelo Estado, o que se requer seja devidamente declarado por este
Tribunal.
37 - Consequentemente
nada mais resta do que, nesta sede de Recurso, o Tribunal declarar a existência
de excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos Arts. 278º e art.
576º nºs l e 2, art. 577º e 578º todos do C. P. Civil, o que obsta ao
conhecimento do mérito da acção levando à absolvição do Autor Reconvindo da
instância para todos os efeitos legais.
O Réu-Reconvinte veio apresentar Contra-Alegações,
concluindo que:
1. O recurso dos Recorrentes não tem qualquer
fundamento, sendo que o Despacho recorrido não merece reparo.
2.
O Autor/Reconvindo confunde claramente os conceitos de requisição, expropriação
e usucapião, ignorando que as respectivas naturezas são profundamente
distintas…
3.
Olvida o Autor/Reconvindo que - tal como referido na douta decisão recorrida, a
que se adere - “a usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade,
prevista no artº 1287º do Código Civil.
4.
Não existe qualquer impedimento legal para que o Estado possa adquirir por
usucapião (verificados os pressupostos legais para o efeito, naturalmente).
5.
A Constituição da República Portuguesa não se refere, no seu artº 62º,
expressamente ao instituto da usucapião.
6.
Nos termos da lei civil (artº 1287º e ss. do código Civil), a usucapião não
pressupõe qualquer atribuição de compensação ou indemnização ao particular que
fica forçadamente privado do seu direito de propriedade.
7.
Além do mais, a aquisição originária (uma vez que o direito adquirido surge ex
novo na esfera jurídica do possuidor independentemente do direito do anterior
titular) do direito de propriedade pelo Estado tem sido aceite pela nossa
doutrina e jurisprudência. (cfr. Dias Marques, Prescrição Aquisitiva, Volume I,
páginas 136-137, e cfr. Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 31 de
Maio de 2016, proc. nº 1786/14.0TBVIS.C1).
8.
Do mesmo modo, a temática da possibilidade de aquisição pelo Estado da
propriedade através da usucapião tem sido objecto de diversas decisões dos
nossos tribunais superiores, sem que a sua incapacidade para o efeito tenha
alguma vez sido arguida (e julgada) – cfr. acórdãos referidos na fundamentação
da douta decisão do Tribunal a quo.
9.
A usucapião como modo de aquisição originária tem características próprias que
a diferenciam das formas de aquisição como a expropriativa e a por via do
direito privado, pois trata-se de uma forma de constituição de direitos reais e
não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na
usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo
juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só
aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos;
porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à
sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo
eventualmente possam ter surgido.
10.
O instituto da usucapião visa – também – satisfazer interesses públicos (cf.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2018, proc nº
1011/16.0T8STB.E1.S2).
11.
Não existe qualquer fundamento para negar a possibilidade de aquisição pelo
Estado, e por usucapião, da propriedade de um bem (neste caso, imóvel), com
vista inclusivamente à satisfação de interesses públicos (na utilização do bem)
“quando tal possibilidade é conferida, ope
legis, a qualquer particular, mesmo que – neste caso – se encontrem em
causa a satisfação de interesse particular do usucapiente”.
12.
E tal não viola qualquer preceito constitucional, como é sabido.
13.
Neste caso, o Município assume as vestes de um qualquer particular, sujeito aos
mesmos condicionalismos, - “há que relembrar a distinção entre actos de gestão
pública, que são aqueles em que a Administração Pública actua no exercício de
poderes de autoridade, vinculada às normas de direito administrativo, de actos
de gestão privada, nos quais a Administração está em situação de paridade com
os particulares, regendo-se pelas mesmas regras e destituída do ius imperii, que a caracteriza”.
14.
Nestas situações, é o Estado tratado como qualquer particular, podendo, nessa
medida, adquirir bens por usucapião desde que reunidos os respectivos
pressupostos previstos no citado art. 1287º”
15.
Sobre as coisas do domínio privado das pessoas e entidades privadas podem as
Pessoas Colectivas Públicas exercer posse e beneficiar da usucapião, quer as
destinem ao domínio privado dessas Pessoas, quer as destinem ao domínio
público, como também sobre as coisas do domínio privado dessas mesmas Pessoas
Colectivas podem os particulares exercer posse e beneficiar da usucapião”
(Fernando Pereira Rodrigues, in Usucapião, Constituição Originária de Direitos
Através da Posse, Coimbra, 2008), apud
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7ª Seção, no âmbito do processo n.º
49/20.7T8VLS-A.L1, Acórdão datado de 6 de Julho de 2021.
16.
Deve ser mantida a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo a respeito da
matéria de facto, atentos os fundamentos que da mesma constam, a qual não
merece reparo quanto ao objecto do recurso, assim como quanto a matéria de
direito.
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma
função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina,
2018, pág. 115), sendo certo que tal limitação já não
abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código
de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação
de questões de conhecimento oficioso.
Configurada como está
a acção e configurado como está o Recurso, de forma a saber se há um direito
susceptível de poder ser exercido em Tribunal, importa saber se é legal e constitucionalmente admissível que o Estado (em
sentido amplo, de forma a abranger o Município) possa adquirir um bem por usucapião (tese do
Réu/Reconvinte/Recorrido adoptada pelo Tribunal a quo na decisão da excepção), ou
se, pelo contrário, o Estado está impedido de usucapir (tese do
Autor/Reconvindo/Recorrente).
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
de Facto
Para
a decisão do recurso releva o seguinte:
1
- A acção mostra-se intentada contra o Município de……….., para que este, entre
outros pedidos:
-
reconheça
o direito de propriedade do Autor sobre o prédio rústico, com área de 35.493
m2, sito no …………, prédio que está inscrito em nome do Autor na matriz predial
rústica daquela freguesia sob o artigo 2493, descrito, também em seu nome na
Conservatória do Registo Predial sob o n.º …………….;
b) lhe entregue a parcela de
934m2 que ocupa e detém, sem qualquer título ou utilidade, no limite Sul/Poente
do prédio, confrontando com a estrada regional, duma área total de 1216 m2,
onde está implantado um reservatório de água visando o abastecimento da vila …………,
reservatório esse que ocupa uma área não superior a 282m2, incluindo zona de
proteção, sendo os 934 m2 a restituir a área sobrante e não necessária para
aqueles fins tal como ilustrado no documento 10.
2 - O Réu
apresentou Contestação-Reconvenção
peticionando que:
A) a acção seja julgada
improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu dos pedidos;
B)
a reconvenção seja admitida e julgada procedente e, consequentemente:
B.1-
seja o Réu declarado o único e exclusivo proprietário do prédio em causa, dada
a sua aquisição por usucapião;
B.2-
seja condenado o Autor no reconhecimento desse direito;
C)
seja ordenado o registo na Conservatória do Registo Predial do referido prédio,
a favor do Réu.
**
FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO
A Decisão sob recurso julgou
improcedente a excepção dilatória inominada
de inexistência do direito do Reconvinte Município, por inadmissibilidade de o
Estado poder ser beneficiário de usucapião.
O
Tribunal a quo seguiu o seguinte
processo de raciocínio:
-
A usucapião é uma forma
de aquisição originária da propriedade, prevista no artigo 1287.º do Código
Civil;
-
o Autor entende que a aquisição do direito de propriedade pelo Estado sobre
imóvel de privado só poderá ser realizado através de processo de expropriação
[cf. artº 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – que nos remete
para o procedimento previsto no Código das Expropriações (168/99, de 18 de
Setembro, com a redacção em vigor)], mas nada autoriza este entendimento, por
inexistir qualquer impedimento;
-
o artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa não refere voluntária e
expressamente a usucapião;
-
o artigo 1287º e seguintes do Código Civil não prevêem nem pressupõem qualquer
atribuição de compensação ou indemnização ao particular que fica forçadamente
privado do seu direito de propriedade:
-
trata-se de uma aquisição originária (uma vez que o direito adquirido surge ex novo na esfera jurídica do possuidor
independentemente do direito do anterior titular) do direito de propriedade
pelo Estado tem sido aceite pela nossa doutrina e jurisprudência.
-
a usucapião visa – também – satisfazer interesses públicos (e, por isso, não
haver pagamento de qualquer indemnização), nomeadamente o de assegurar, no
tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo
sobre elas e de quem é o seu titular, quer a proteção do valor da
publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse;
-
não há fundamento para negar a possibilidade de aquisição por usucapião, pelo
Estado, da propriedade de um bem, com vista inclusivamente à satisfação de
interesses públicos (na utilização do bem) quando tal possibilidade é
conferida, ope legis, a qualquer
particular.
**
A
decisão do Tribunal a quo está clara
e muito bem fundamentada e estruturada.
Mas
importa verificar da sua correcção em face da argumentação interessante e com
algum carácter inovador apresentada
pelo Recorrente.
“A posse do direito de propriedade, ou de
outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao
possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo
exercício corresponde à sua actuação : é o que se chama usucapião”[1]: eis
o artigo 1287.º do Código Civil, que define o que é a usucapião, a figura jurídica que está em causa no presente
litígio e que impõe uma apreciação que a enquadre, para permitir conclusões
sólidas.
Menezes
Cordeiro,
aponta - com pertinência – que a definição deveria ser corrigida, porque “não
se possuem direitos, mas sim coisas”, definindo este instituto, como “a
constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua
posse, desde que esta, dotada de certas características, se tenha mantido pelo
lapso de tempo determinado na lei”[2].
Puig Brutau define-o
como “a aquisição do domínio ou de outro direito real susceptível de posse,
mediante o uso da coisa como se fosse própria durante o tempo fixado pela Lei”[3], sublinhando
Luís Carvalho Fernandes[4] que a “aquisição
por usucapião é (…) um efeito da posse
reiterada de um direito real”[5].
Acresce
aqui dizer – e este é um factor decisivo – que a “usucapião determina a aquisição originária do direito
correspondente à posse exercida”[6], uma
vez que “’o direito’ que se adquire é originário, ‘novo’ neste sentido. Pois a
sua causa é a posse”[7]: ou
seja, “o direito usucapido surge ex novo
na esfera jurídica do possuidor, independentemente e apesar do titular
anterior, que se extingue por incompatibilidade, uma vez corrido o prazo
legalmente exigido”[8].
Jose Antonio
Alvarez-Caperochipi assinala que a “usucapião é um meio de
identificação (…) da propriedade e dos direitos reais pela concatenação de dois
elementos”[9]: “a
posse a título de proprietário e o tempo”[10],
podendo definir-se como “uma investidura
formal mediante a qual uma posse se transforma em propriedade. É, pois, algo
mais que um mero meio de prova da propriedade ou um mero instrumento ao serviço
da segurança do tráfego jurídico, é a identidade mesma da propriedade como
investidura formal ligada à posse”[11],
assumindo assim duas funções particularmente relevantes, assim descritas por José Alberto C. Vieira:
-
uma “função consolidativa da
situação fáctica em que as coisas se encontram, sempre que o possuidor
usucapiente não é o titular do direito a que a posse se reporta”, que se traduz
num “papel regularizador na ordem
jurídica, dando azo a que a exteriorização de um direito através da posse possa
vir a consolidar-se com a aquisição do direito exteriorizado e evitando a
multiplicação de actos de disposição feridos de ilegitimidade, cuja nulidade
poderia ser arguida a todo o tempo (art. 286º), com a forte insegurança
jurídica daí decorrente”;
-
e uma função probatória ”permitindo
ao possuidor titular do direito real de gozo provar este por um facto jurídico
diverso daquele através do qual o adquiriu”[12] (carregados
nossos).
Na
síntese de Fernando Pereira Rodrigues,
a usucapião é, pois, “a constituição facultativa do direito de propriedade, ou
de outro direito real de gozo, a favor de quem detenha a correspondente posse,
durante certo lapso de tempo, em determinadas condições, dentro dos limites
previstos na lei e por via de triunfante invocação.
A
usucapião pressupõe a verificação, em termos gerais, dos seguintes requisitos:
-
Uma posse – com “corpus” e com “animus possidendi”;
-
Uma posse à semelhança do direito de propriedade ou de outro direito real de
gozo;
-
Uma posse prolongada – durante relevante espaço de tempo, maior ou menor,
consoante o bem possuído seja imóvel ou móvel, e atentas as características que
aquela revista;
-
Uma posse vencedora – que aniquile ou restrinja o eventual direito de outro
titular do bem”[13].
Há
ainda acrescentar um outro pressuposto, lembrado por Durval Ferreira, “resultante do seu conteúdo normativo e da sua
razão de ser. Qual seja o de que “ao titular do direito que vai ser aniquilado
(ou restringido parcialmente) pelo direito originado por usucapião lhe possa
ser imputável a inércia de não ter reivindicado a restituição da coisa ao
possuidor” (dormientibus non sucurrit jus)”[14]: é
por isso que, por exemplo, Santos Justo,
afirma que “o usucapiente adquire o seu direito não por causa do direito do
proprietário anterior, mas apesar dele”[15].
É,
pois, neste enquadramento, que se pergunta se há algum obstáculo a que o Estado
possa ser sujeito activo da usucapião, ou seja, se pode usucapir bens de
privados.
O
Código Civil de Seabra, tinha um artigo - o 516.º - que, expressamente, dizia
que o “estado, as camaras municipaes e quaesquer estabelecimentos publicos ou
pessoas moraes, são considerados como particulares, relativamente à prescripção
dos bens e direitos susceptíveis de domínio privado”, sendo que essa norma não
passou qua tale para o Código Civil
vigente.
Mas
apenas por desnecessidade e redundância, porque nenhuma especificidade têm
estas entidades que as coloque de fora da possibilidade de usucapir, motivo
pelo qual o artigo 1289.º, n.º 1, dispõe que a “usucapião aproveita a todos os
que podem adquirir”.
A
questão coloca-se, portanto, a montante: se têm possibilidade de ter posse, têm
possibilidade de usucapir.
E
não se vê que – mesmo com muita imaginação – se possa dizer que o Estado não
pode possuir…[16]
O
Recorrente faz uma enorme confusão entre a usucapião e a expropriação.
Mistura
os regimes para tirar conclusões que são inaceitáveis.
Esquece,
ou faz por esquecer, que não há qualquer comparação entre ambas: na
expropriação, o Estado não tem a posse do bem, no caso da usucapião há muito
tempo que tem essa posse e com as características necessárias (pública, pacífica,
de boa ou de má-fé, por tempo determinado); na expropriação o Estado surge com ius imperii e, em nome do interesse
público, fica com o bem do particular, pagando por ele uma justa indemnização,
no caso da usucapião, o Estado está ao nível de qualquer particular, sujeito
exactamente às mesmas regras.
É
por estas diferenças, aliás, que a Constituição consagra no n.º 2 do artigo
62.º a necessidade de a requisição e a expropriação, respeitarem os requisitos
legais e originarem o pagamento de uma justa indemnização. Porque aí, o Estado
actua por acto de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, ficando
com a propriedade dos bens (de forma permanente na expropriação; de forma
temporária na requisição).
A
usucapião não está aqui prevista, nem tinha que estar, porque a usucapião é um
instituto de direito civil, surgindo como uma forma de aquisição originária[17],
como acima se referiu[18].
E é originária
porque decorre do uso (e da falta dele…).
A propriedade só é
protegida se é exercida e, no caso da usucapião, só o é por quem dela
beneficia.
“A
aquisição originária de um direito real reclama publicidade, de forma a
proteger o interesse do verdadeiro titular. Nas palavras da lei (cfr. art. 1262.º),
a posse é pública quando puder ser conhecida pelos interessados; a posse
adquire-se pela prática reiterada, com publicidade (cfr. art. 1263.º, al.a)),
isto é, à vista de toda a gente. Em ambos os casos, embora não apenas nestes, a
publicidade é feita através da posse”[19].
A usucapião não é
uma expropriação sem direito a indemnização.
A usucapião faz
com que alguém adquira um bem sobre o qual exerce posse publicamente, como se
proprietário fosse (quando se reporta ao direito de propriedade, claro),
durante um largo período de tempo e perante uma total
inacção/desinteresse/apagamento do proprietário.
Comparar esta
situação com a da expropriação em que apenas o proprietário exerce plenamente
os seus direitos sobre o bem que lhe é retirado por utilidade pública, é –
portanto – comparar o incomparável.
O Recorrente toma
a usucapião como um ataque ao seu direito de propriedade e é por isso que acha
que o Estado não tem esse direito e se lhe fosse concedido isso seria
inconstitucional e tornaria inconstitucionais os artigos 1316.º e 1287.º e
seguintes do Código Civil.
Só que, como diz
lapidarmente Fernando
Pereira Rodrigues,
a “usucapião não pode ser vista como um ataque ao direito de
propriedade, mas antes como um tributo à posse, tanto assim que apenas opera na
condução de se verificar uma posse de longa duração, exercida contra quem,
embora titular do direito de propriedade, se colocou em relação a ela numa
posição de inércia, deixando que outrem lhe desse uso, conferindo-lhe função
social e económica mais relevante”[20].
Tudo
começa, assim, pela exteriorização dada pela posse: a “usucapião
baseia-se numa situação de posse”[21],
pelo que se começa por exigir a posse
da coisa[22] nos termos de um direito
real de gozo (artigo 1287.º do Código Civil e os artigos 1316º - respeitante à
propriedade; 1417.º, n.º 1 – respeitante à propriedade horizontal; 1440.º -
respeitante ao usufruto; 1528.º - respeitante à superfície; e 1547.º, n.º 1 –
respeitantes às servidões prediais) - a chamada “posse boa para a usucapião”[23] -
sendo que, para “poder conduzir à
usucapião exige-se uma posse pública e pacífica, sendo por isso a posse oculta
ou violenta inidónea para a usucapião”[24],
como resulta dos artigos 1297.º (quanto a imóveis) e 1300.º, n.º 1, do Código Civil
(quanto a móveis).
E isto vale para
particulares, para pessoas colectivas e para o Estado.
Ou seja, se o
Estado tem a posse de um terreno e sobre ele actua publicamente como se
proprietário fosse, durante largo período de tempo, sem qualquer reacção do
proprietário (registal, por exemplo), está exactamente na mesma situação que um
qualquer particular que tenha a posse de um terreno e sobre ele actue como
proprietário, sem reacção do proprietário, durante o mesmo largo período de
tempo.
Em face do já citado artigo 1289.º, n.º 1, do Código Civil,
a usucapião aproveita, sem distinções, a todos/as os/as que podem adquirir[25],
pelo que, o poder potestativo de usucapir (como lhe chama José Alberto C. Vieira[26])
é simplesmente “atribuído ao possuidor que tenha uma posse boa para usucapião e
haja mantido a mesma ininterruptamente durante o prazo estabelecido. O
exercício deste poder, que está unicamente dependente da vontade do seu
titular, ocorre com a invocação da usucapião”[27], não
havendo razão curial para fazer qualquer diferenciação, pelo que, dentro da
capacidade de gozo do Estado e outras entidades públicas, nada impede o
”ingresso de bens particulares no domínio do Estado e das Pessoas Coletivas
Públicas através da usucapião”[28].
J.Dias
Marques afirma-o expressamente, no sentido de nada obstar a que,
nesse quadro da capacidade de gozo, “venham elas a ter a autoria da posse
prescricional ou a adquirir ou perder direitos por via de aquisição”[29],
concluindo, mais à frente, que “ao Estado não está vedada a aquisição do
direito de propriedade por prescrição aquisitiva (usucapião), praticando actos
de posse susceptíveis de a ela conduzir”[30].
Por fim, Fernando
Pereira Rodrigues, é ainda mais expressivo, quando afirma que “pode
verificar-se o ingresso de bens privados no domínio público através de
usucapião se tiver havido uma convergência de actos administrativos que revelem
a intenção de destinar os bens ao uso público. Designadamente o Estado e as
pessoas colectivas de direito público podem adquirir bens particulares através
da usucapião.
Quer dizer: sobre as coisas do domínio privado das pessoas e
entidades privadas podem as Pessoas Colectivas Públicas exercer posse e
beneficiar da usucapião, quer as destinem ao domínio privado dessas Pessoas,
quer as destinem ao domínio público, como também sobre as coisas do domínio
privado dessas mesmas Pessoas Colectivas podem os particulares exercer posse e
beneficiar da usucapião”[31].
É
por tudo isto que a assertiva posição do Recorrente nestes autos, não encontra
qualquer apoio - ou sequer eco longínquo - nem na Doutrina, nem na
Jurisprudência[32]. Nenhum[33]!
Aliás, os
argumentos usados pelo Recorrente são de enorme fragilidade:
-dizer
que Estado não pode usucapir porque não é admissível pensar que o Estado possa
ser possuidor de má fé, não só é excessivo (porque o mais que poderia dizer ou
fazer era uma restrição a que, então, poderia haver aquisição por usucapião,
mas apenas de boa fé), como não se vislumbra qualquer problema se tal ocorresse
(tal como sucede com a litigância de má fé, porque o Estado pode perfeitamente
ser condenado como tal), como, por fim, é querer fazer relevar um requisito – a
má fé (da posse) – que não é essencial, nem definidor da usucapião (a boa fé e o
justo título não são “elementos de usucapião, mas apenas aparências de
legitimidade que aconselham a redução ou o encurtamento do tempo para a
investidura formal da posse”[34],
relevando apenas os caracteres da posse (titulada, de boa ou má fé, etc.)
apenas quanto ao prazo[35]: o “tempo
encurta-se (…) com a existência de justo título e
boa fé, pela maior aparência de legitimidade com que o título e a boa fé
rodeiam a posse”[36], pois, seguindo Gayo, “a propriedade das coisas não
há-de ficar na incerteza demasiado tempo”[37]).
-colocar
a questão no plano da constitucionalidade esquecendo o que é a usucapião e o
que implica de desinteresse do proprietário durante 20 anos, diante de uma
posse pública de outrem (seja o particular, seja o Estado) é apenas descabido,
seja à luz da Constituição, seja à luz da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos (o artigo 17.º só obsta a privações arbitrárias da propriedade e o
artigo 1287.º do Código Civil é tudo menos arbitrário);
-considerar
a usucapião pelo Estado uma espécie de atentado ao Estado de Direito é esquecer
que, nesta situação, o caso o Estado está exactamente no mesmo plano que um
qualquer particular (e se fosse esse particular a invocar a usucapião também não
teria de lhe pagar qualquer indemnização).
O Recorrente
encara a usucapião como uma acção gratuita, desregrada, ou arbitrária.
E a usucapião é
tudo menos isso, pois não só tem as regras bem definidas, como está
justificada, como sublinha Rodrigues Bastos, por interesses
de ordem pública[38] ligados à certeza e segurança jurídicas[39], que Durval Ferreira melhor concretiza, no “assegurar, no tráfego das
coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de
quem é o seu titular, quer em proteger o valor da publicidade/confiança que
nesse tráfego lhe é aduzido pela posse, quer em fornecer, através do usucapião,
um meio de prova seguro, de fácil utilização e consentâneo com a confiança,
quanto à existência do direito e à sua titularidade”[40].
Este
tem sido também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça:
-
a “usucapião
visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a
certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu
titular, quer a proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego
lhe é aduzido pela posse” – STJ 01/03/2018 (Rosa Tching),
disponível em www.dgsi.pt;
- “a usucapião serve também, além do
mais, para «“legalizar” situações de facto ilegais» mantidas durante longos
períodos de tempo (…) inclusive
até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa” – STJ 06/04/2017 (Nunes Ribeiro),
disponível em www.dgsi.pt.
A usucapião, pode dizer-se, é um espelho do que é viver
em sociedade, com o que isso implica em termos de inter-relacionamentos,
adaptações e confiança. Para gerar segurança. Como diz João Manuel Coelho Baptista, a
“dúvida sobre a titularidade ou identidade dos direitos sobre as coisas é algo com
que a sociedade humana não convive bem, já que, as relações sócio-económicas devem
ser tão estáveis e claras quanto possível e como se sabe a dúvida cria instabilidade
e indefinição.
A indefinição criada pela dúvida sobre matéria tão relevante
como seja o estatuto dos bens, é algo que, dificilmente, a dinâmica sócio-económica
em que os mesmos se integram, permitiria que subsistisse a longo prazo, pois a
estabilidade de que as relações sócio-económicas carecem para progredirem não
se compatibiliza facilmente, ou de todo, com indefinições ad aeternum
relativamente à titularidade ou identidade dos direitos sobre as coisas”[41].
Lucidamente, Luís
Filipe Pires de Sousa conclui que subjacente “a
esta orientação está a prevalência de interesses ligados à estabilidade e
segurança jurídica que conduzem à consideração de que não faz sentido que,
perante um longo período de tempo, se eternizem situações de incerteza pelo que
se permite a realização das expectativas criadas à luz de uma prolongada
configuração factual. Em suma, o sistema jurídico admite que certas situações
de facto adquiram tutela jurídica e possam dar lugar ao reconhecimento de
direitos em homenagem a interesses de natureza social e económica que acolhe
como relevantes”[42].
Relembre-se que, para justificar todas estas gravosas
consequências e retirar qualquer sombra de arbitrariedade, só haverá usucapião
se a posse sobre o bem for verdadeiramente demonstrativa do exercício desse
poder: na linha de Paula Costa e Silva,
podemos dizer que “a posse, pela sua natureza, mais do que supor comportamentos
significativos integrados por símbolos supõe comportamentos não integrados por
esses símbolos. A posse não vive de palavras, mas de actuações, conforme
resulta claramente, dos artigos 1251.º a 1263.º, alínea a). Sabemos quem tem
posse das coisas não por aquilo que alguém nos diga, mas antes por aquilo que
vemos. O que equivale a dizer que é da natureza das coisas que o comportamento
significativo por excelência, na posse, não seja a declaração integrada por
signos, mas o comportamento concludente”[43].
O poder de facto (corpus)
consolida-se assim como uma acção sobre a coisa disputada (ou sua parcela na
zona de disponibilidade do interessado), com determinada estabilidade
condizente com a afectação funcional concreta do bem (nomeadamente se de
utilização esporádica ou precária se tratar).
A chamada “intenção de domínio” (animus), vem-se a inferir do próprio modo de actuação ou da
utilização que o mesmo interessado dará a essa mesma coisa ou parcela, com referência
aos poderes correspondentes ao exercício de um dado direito real.
Nesta lógica, os actos materiais praticados sobre um imóvel
poderão consubstanciar uma aquisição originária da posse por prática reiterada
ou aquisição paulatina, na previsão do artigo 1263.º, alínea a], do Código
Civil[44].
Permitindo a invocação da usucapião, o legislador fomenta a
segurança jurídica, “harmonizando o direito com a realidade física”[45].
***
Face a tudo o exposto, não nos parece restarem dúvidas
quanto à não inconstitucionalidade das normas reguladores da usucapião, no que
concerne à possibilidade de o Estado usucapir, pelo que não se acolhe a arguição
de inconstitucionalidade efectuada pelo apelante, por totalmente desprovida de
fundamento.
Daí que a excepção invocada sempre teria de improceder: se o
Estado vier a lograr comprovar os factos susceptíveis de fazer funcionar a
usucapião, poderá usucapir.
O
Tribunal a quo decidiu bem.
O
Recurso tem de improceder.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação,
confirmando a Decisão recorrida.
Custas
a cargo do Recorrente.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa, 09 de Novembro de 2021
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1]
“Usucapião,
etimologicamente, significa, precisamente, uma aquisição (capio) pela posse (usu)”
(Durval Ferreira, Posse e Usucapião,
Almedina, 2002, página 439), continuando, em face da definição legal,
transcrita, a manter “indiscutível actualidade a clássica definição do
jurisconsulto romano Modestino que ensinou consistir a usucapio na adjectio domini
per continuationem possessionis temporis lege difinti” (Penha Gonçalves, Curso de Direitos
Reais, Universidade Lusíada, Lisboa,
1992, página 291.
[2] Direitos Reais, II,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1979, página 670; também, A Posse:
Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina, 1997, páginas 128-131.
[3]
Caducidad,
Prescripción Extintiva y Usucapión, 3ª edición actualizada y ampliada, Bosch,
1996, página 12.
[4]
Lições de
Direitos Reais, Quid Juris, 1996, páginas 202 e 203.
[5]
Não “existindo no domínio dos direitos de crédito qualquer
possibilidade de usucapião” (Mota Pinto,
Direitos Reais -prelecções ao 4.º ano Jurídico de 1970-71, recolhidas por Álvaro Moreira-Carlos Fraga-, Almedina,
página 89), uma vez que nestes, “ao contrário do que sobrevém nos direitos
reais, não existe qualquer esfera de domínio sobre uma coisa, não existe,
portanto, corpus. Os direitos de
crédito não traduzem uma relação de soberania exclusiva de uma pessoa sobre uma
coisa, como ocorre nos direitos reais, baseiam-se, antes, numa relação
intersubjectiva que confere a faculdade ao credor de exigir do devedor uma
prestação, de conteúdo positivo ou negativo (relação essa que não existe na usucapião!).
Também não há animus juridicamente
relevante, não há qualquer intenção jurídico-real (estamos no pólo oposto ao da
realidade)” (Luciana Ribau Lourenço, O
Instituto da Usucapião: produto imutável o passado ou necessária reavaliação no
presente, on line, Dissertação de
Mestrado em Direito Civil, Coimbra 201, página 57 [consultado a 04/11/2021]
disponível na internet em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/41804/2/O%20Instituto%20da%20Usucapi%C3%A3o_pdf.pdf.
[6] Luís Carvalho Fernandes,
Lições…, cit., página 207; Oliveira
Ascensão, Direito Civil-Reais, 4.ª edição refundida, Coimbra Editora, 1983,
páginas 294-295.
[7] Durval Ferreira,
Posse…, cit., página 462.
[8] Penha Gonçalves, Curso…, cit., página 295.
Assinalando que só será um facto aquisitivo originário,
“quando beneficia um possuidor formal, permitindo-lhe justamente constituir a
seu favor um direito que até aí não existia na ordem jurídica”, vd., José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Direitos
Reais, Coimbra Editora, 2008, página 432.
[9]
Curso de Derechos Reales, I, Propiedad y Posesion, Civitas,
1986, página 147.
[11] Jose Antonio
Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 143.
[12]
José Alberto C.
Vieira, Direitos Reais, cit., páginas 430-431.
[13]
Fernando Pereira
Rodrigues, Usucapião-Constituição Originária de
Direitos Através da Posse, Almedina, 2008, páginas 12-13.
[14]
Durval Ferreira, Posse…, cit., páginas 436 e 451-452.
[15]
Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2007,
página 273.
[16]
Há ainda a situação dos imóveis sem dono conhecido que, nos
termos do artigo 1345.º do Código Civil, se consideram automaticamente (ex lege) integrados no património do Estado.
A diferença aqui é que nem é necessária a posse e o seu
exercício para o efeito.
[17] “O novo titular recebe o seu direito independentemente do
direito do titular antigo” – Oliveira
Ascensão, Direitos Reais…, cit., páginas 294-295.
[18]
Com um entendimento distinto, embora apenas em termos
dogmáticos, o recente Manual de Direitos Reais, de José Luís Bonifácio Ramos (2.ª edição, AAFDL, 2020, páginas
177-184) defende que se trata de um “tertium
genus aquisitivo”: “Também a identificamos na usucapião, dado que os seus
requisitos, designadamente o decurso de período temporal e a prescrição
positiva, revelam extrema dificuldade, senão mesmo impossibilidade, de a
prefigurar enquanto aquisição originária. Na verdade, além da verificação da
posse, em detrimento da mera detenção, sequer basta o decurso do tempo para
adquirir o direito real correspondente. Será necessário invocar,
potestativamente, o direito, atendendo às regras da capacidade de exercício, ao
invés do simples uso da razão, susceptível de fundar a aquisição por ocupação
ou por achamento. Acresce que nem toda a posse será boa para usucapião. Também
nem todos os direitos de gozo são adquiríveis por usucapião, de acordo com o
artigo 1293º CC. Ademais, interessa referir que os efeitos aquisitivos da usucapião
não implicam a correlativa extinção de outros direitos, entretanto constituídos
sobre a mesma coisa, ao contrário do que sucede na ocupação ou no achamento.
Destarte, os direitos menores que, eventualmente, incidam sobre a coisa e
subsistam aquando do momento aquisitivo, podem caracterizar a usucapião,
enquanto figura intermédia entre uma aquisição originária e uma aquisição
derivada” (ob. cit., página 179).
[19]
Luciana Ribau
Lourenço, O Instituto…, cit., página 45.
[20]
Usucapião…, cit., página 14.
[21]
STJ 24/06/2010, Alberto
Sobrinho, disponível in www.dgsj.pt.
[22] E quando falamos em posse, falamos numa situação de facto,
materialmente estruturada, de corpus, caracterizada legalmente como “o poder
que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de outro direito real” (artigo 1251.º e que, nos
termos do artigo 1258.º “pode ser
titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou
oculta”.
[23]
José Alberto C. Vieira, Direitos
Reais, cit., página 409; Carvalho
Fernandes, Lições…, cit., página 203.
[24] Luís Menezes Leitão,
Direitos Reais, Almedina, 2009, página 234; Também, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, cit., página 676; Manuel Henrique Mesquita, Direitos
Reais, Coimbra, 1967, página 112.
[25]
“Quanto às pessoas colectivas, deve entender-se que podem
aproveitar da usucapião todas as que tenham capacidade de gozo” – Miguel Ricardo Machado Oliveira, A Posse
na Doutrina e na Jurisprudência, Portugal Jurídico Económico, Porto, 1981,
página 97.
[26]
Direitos Reais, ob. cit., páginas 427-428.
[27]
Ob. loc. cit..
[28]
Luciana Ribau
Lourenço, O Instituto…, cit., páginas 56-57;
expressamente, também, Luís Menezes
Leitão, Direitos Reais, cit., páginas 302-303.
[29]
Prescrição Aquisitiva, Volume I, Lisboa, 1960, páginas
130-131.
[30]
Ob. cit., páginas 136-137.
[31]
Fernando Pereira
Rodrigues, Usucapião…, cit., páginas 34 e 35.
[32]
Recentemente, nesta mesma Secção da Relação de Lisboa, foi
prolatado um Acórdão no Processo n.º 49/20.7T8VLS-A.L1 (Ana Rodrigues da Silva-Relatora/Micaela
Sousa/Cristina Maximiano) - que não se mostra publicado no site www.dgsi.pt - no qual, se abordou exactamente a
mesma questão (supondo-se que corresponderá ao outro processo que, na decisão
do Tribunal a quo, o Exmo. Juiz
refere ter decidido em termos similares e que estava sob recurso). Neste
Acórdão, confirmou-se a decisão de primeira instância, com argumentação
semelhante à usada no presente recurso.
Já antes, admitindo que ao domínio público “possam sobrevir
bens adquiridos pelos modos previstos no comércio jurídico-privado (como seja a
usucapião)”, os acórdãos da Relação de Guimarães de 02/11/2005 (Manso Raínho), Relação do Porto de
20/05/2014 (Márcia Portela) e Relação
de Coimbra de 31/05/2016 (Maria Domingas
Simões), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido aqui desenvolvido, por seu turno, tem ido
toda a jurisprudência publicada, directa ou indirectamente (são inúmeros os
processos em que se logra perceber que a entidade que exerce o poder de
usucapir é o Estado, uma Autarquia Local, ou uma entidade pública e em que a
questão não chega a ser objecto de discussão, como se vê dos exemplos
assinalados na decisão recorrida, que tornam desnecessária pesquisa acrescida:
acórdãos do “Tribunal da Relação de
Lisboa de 29 de Junho de 2006, proc. nº 6863/2005-6 (Município), do Supremo
Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2016, proc. nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1
(Município), e de 15 de Setembro de 2011, proc. nº 243/08.9TBPTL.G1.S1
(Município), do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Fevereiro de 2018,
proc. nº 1721/12.0TBMGR.C2”).
[33] Mesmo considerando a
a voz de quem tem uma visão mais crítica do instituto e o considera desactualizado,
como J. A. Mouteira Guerreiro (vd.,
por exemplo, Equívocos mais frequentes
a propósito do
registo predial, in
Direito Registal-2.ªedição, on line, e-book CEJ, Abril de 2019
[consultado a 04/11/2021], disponível in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_DireitoRegistal_2.pdf
; e A usucapião e o registo: devemos repensar o tema?, Revista Electrónica de
Direito, n.º 2, Outubro de 2013, on line
[consultado a 04/11/2021], disponível in
http://hdl.handle.net/11328/745).
[34]
Jose Antonio
Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 149; também, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais,
cit., página 407.
[35]
Assim, STJ 05/03/2009 (Santos
Bernardino) e STJ 09/12/2008 (Azevedo
Ramos), ambos disponíveis in www.dgsi.pt; também, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, cit., página 112).
[36]
Jose Antonio
Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 149.
[37]
Puig Brutau, ob. cit., página 12.
[38] Rodrigues Bastos,
Notas ao Código Civil, II, Lisboa, 1988, página 63.
[39]
"Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a
qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito
tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de
vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antijurídicas" - Manuel de Andrade, Teoria Geral da
Relação Jurídica, Volume II, Coimbra, 1987 (7.ª reimpressão), página 446.
[40]
Durval Ferreira, Posse…, cit., página 440.
[41]
A usucapião e o registo predial na sociedade da informação,
a (in)alteração do epicentro da ordem jurídica imobiliária, Dissertação de
Mestrado em Direito Civil, on line,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, página 46 [consultado a
04/11/2021], disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/38378/1/ulfd138265_tese.pdf
.
E acrescenta: é “neste contexto, de falibilidade ou de
imperfeição da ordem dominial definitiva, em que o direito se apresenta
subtraído do poder de facto que lhe é inerente, que a posse se afirma com
autonomia face ao direito, prosseguindo uma função que tende a ordenar o
domínio provisoriamente, evitando por um lado a capitulação da ordenação
dominial definitiva e por outro, trilhando o caminho para o seu reatamento,
proporcionando a criação do próprio direito ex
novo” (ob. loc. cit).
[42] Acções Especiais de
Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora,
2011, página 62.
[43]
Paula Costa e
Silva, Posse ou Posses?, Coimbra Editora,
2004, página 47.
[44]
Vd., por todos, Orlando Carvalho, Introdução à Posse,
cit., Revista de Legislação e Jurisprudência, 123.º e 124.º, páginas 354-355 e
259-261.
[45]
Expressão usada por João
Manuel Coelho Pereira (ob. cit., páginas 47, 70 e 141).
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