Processo n.º 3522/19.6T8CSC.L1
Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste– Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3
Sumário:
I – O
princípio da equiparação do contrato-promessa ao contrato prometido, consagrado
no artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil, exclui as regras que pela sua ratio não lhe possam ser aplicáveis,
como é o caso paradigmático do que respeita aos efeitos do contrato de compra e
venda e da venda de bens alheios.
II – É
válido um contrato-promessa de venda de bens ou direitos que, no momento da
celebração do contrato-promessa, não pertençam ao promitente-vendedor.
III – No
caso de incumprimento de um contrato-promessa por parte do promitente vendedor,
sem tradição da coisa e com um sinal recebido, o promitente comprador tem
direito a receber o sinal em dobro, nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do
Código Civil.
IV – O
promitente comprador só terá direito a receber do promitente vendedor
incumpridor uma indemnização pelos danos não patrimoniais que a não celebração
do contrato-prometido lhe ocasionou, se essa possibilidade tiver sido
inicialmente convencionada entre as partes, no contrato-promessa, com a
estipulação de uma cláusula penal acessória. Se o contrato-promessa nada disser
a este respeito, nos termos do n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil, o
promitente comprador terá apenas direito a receber o sinal em dobro.
V – O apoio judiciário concedido num processo vigora até essa decisão ser alterada, pelo que a falta de referência na condenação em custas à existência desse benefício, não significa que ele tenha sido retirado.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
S… intentou
a presente acção de condenação
com processo comum contra
I…
peticionando que:
i.Seja
declarado o incumprimento definitivo do Réu, resolvendo-se o contrato promessa de compra venda, tendo
lugar à devolução do valor pago a título de sinal pelo Autor, em dobro (€
146.000), nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil;
ii.
Seja o Réu condenado a indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos
no montante de € 54.000;
iii. Seja o Réu
condenado a indemnizar o Autor pelos danos patrimoniais sofridos, em montante a
ser apurado em liquidação de sentença.
Em
síntese, o Autor alega que (na qualidade de promitente-comprador) celebrou com
o Réu (na de promitente vendedor) um contrato-promessa de compra e venda
relativo um terreno e a uma parte de um prédio urbano, no âmbito do qual
entregou a este último um valor correspondente a sinal e princípio de pagamento.
Sucede que o Réu não outorgou a escritura de compra e venda prometida (nem após
interpelação para o efeito) vendendo o terreno a terceiros antes mesmo de
celebrar o contrato de promessa, não estando o prédio urbano em condições de
ser vendido, tudo tendo originado danos patrimoniais e não patrimoniais cujo
ressarcimento e peticionado.
Citado, o
Réu não deduziu contestação sendo declarados confessados os factos alegados
pelo Autor (artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Notificados
Autor e Réu para os efeitos do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do mesmo
diploma, o primeiro veio reiterar o peticionado e o segundo pugnou pela
improcedência da acção, sustentando que foi aquele que incumpriu
definitivamente o contrato ao não efectuar o pagamento do sinal nos prazos
acordados, que o contrato de promessa de compra e venda na parte relativa ao
terreno, era nulo (o que o Autor sabia) e que não lhe pode ser exigida qualquer
indemnização para além do sinal em dobro.
Saneado
o processo, foi proferida Sentença que:
a)
Declarou definitivamente incumprido, por facto imputável ao Réu, o contrato de
promessa de compra e venda celebrado em 04 de Outubro de 2018 entre este e o Autor,
relativo ao prédio urbano inscrito sob o artigo 14546 e a 15% do prédio urbano
inscrito sob o artigo n.º xxxx, descritos na Conservatória do Registo Predial
de ---, respectivamente, sob o n.º …. e sob o n.º ….., ambos, da freguesia de …..,
declarando-o, em consequência, resolvido;
b)
Condenou o Réu no pagamento ao Autor, do sinal constituído, em dobro, pelo
montante total de € 146.000 (cento e quarenta e seis mil euros), acrescido de
juros de mora à taxa legal dos juros civis, a contar da data da sentença, até
integral cumprimento;
c)
Condenou o Réu no pagamento ao Autor, de indemnização por danos não
patrimoniais, no montante de € 2.000 (dois mil euros), acrescida de justos de
mora, à taxa dos juros civis, a contar da data sentença e até integral
cumprimento.
d) Absolveu
o Réu do mais peticionado;
e)
Condenou Autor e Réu, no pagamento das custas do processo, na proporção do
respectivo decaimento de 26% e de 74% (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código
de Processo Civil).
O Réu-Reconvinte
recorreu da Sentença lavrando as seguintes Conclusões:
I-
O presente recurso tem por objecto apenas matéria de Direito, mais concretamente,
a violação do disposto nos arts. 442º nº2 e 4 e 892º do CC, bem como do nº 3 do
art. 5º do CPC, considerando que, por não ter havido contestação, a
factualidade dada como provada assenta fundamentalmente na confissão dos factos
alegados na petição inicial.
II-
Sem prejuízo de não incidir sobre matéria de facto, o presente recurso não pode
ser alheio a indagação de factos que não resultaram provados nos termos da
fundamentação da douta sentença, porquanto, é aos factos que o Direito deve ser
aplicado e, havendo dúvidas, resultantes da própria sentença, o Tribunal de
recurso deverá tê-las em consideração, porque já não é propriamente a petição
inicial que se está a impugnar.
III-O
Recorrente não se conforma fundamentalmente com a decisão de resolução do contrato-promessa
de compra e venda por si celebrado com fundamento em incumprimento que lhe é
atribuído, porquanto, considera que esse incumprimento deve antes ser atribuído
ao Recorrido.
IV-E,
não se conforma com a consequente restituição do sinal em dobro, uma vez que,
em seu entender, é ao Recorrido que deve ser imputado o não cumprimento do
contrato.
V-Finalmente,
não se conforma com a condenação no pagamento de uma indemnização ao Recorrido
por danos não patrimoniais, uma vez que esta, não pode ter lugar nos termos do
art. 442º Nº4 do CC, por haver condenação no pagamento do sinal em dobro.
VI-Sendo
certo que a falta de menção à concessão do apoio judiciário ao Recorrente é uma
omissão facilmente corrigível pelo Tribunal recorrido, sem necessidade de intervenção
do Tribunal de recurso, o que, de qualquer forma, não se exclui, caso a
correcção em causa não seja feita pela primeira instância.
VII-Assim,
no que respeita à resolução do contrato-promessa de compra e venda, entende o
Recorrente que, a mesma a ser determinada, o deveria ter sido com base no
incumprimento imputável, não a si, mas, ao Recorrido.
VIII-Isto
porque, de acordo com a factualidade dada como provada nos pontos 5 e 6 da
fundamentação de facto da douta sentença recorrida, o Recorrido não pagou ao
Recorrente o montante global que estava acordado pagar até à escritura de
compra e venda, de modo a perfazer o valor de € 80,000,00, mais concretamente,
o Recorrido não pagou o montante de € 7,000,00
IX-
Na realidade, nos termos do art. 442º nº2 do CC, havendo incumprimento do
contrato-promessa por parte do Recorrido, como foi o caso, o Recorrente pode
reter a quantia que lhe foi entregue a título de sinal, no valor de € 73,000 sendo
certo que é o próprio Tribunal a quo que atribui essa natureza de sinal ao
montante de € 73.000 que Recorrido entregou ao Recorrente.
X-
Não sendo de todo despiciendo o facto de, independentemente do embargo –
eventualmente das obras realizadas pelo Recorrente nos termos contratuais – o
Recorrente ter realizado obras num dos imóveis prometidos vender e, o valor
total de € 80.000 fosse para custear essas obras, como pode resultar da troca
de mensagens dada como provada na própria sentença (ponto 6 da fundamentação de
facto da decisão recorrida transcrito supra).
XI-Mais,
da factualidade dada como provada na douta sentença recorrida não resulta
demonstrado ter existido qualquer orçamento e, em bom rigor, não se sabe qual a
natureza e o objecto do embargo registado nos termos do doc. Nº2 junto com a
p.i., podendo o mesmo até incidir sobre uma parte do imóvel não vendida ou não
prometida vender pelo Recorrente (85% restante do imóvel em que o Recorrente
reside).
XII-Razão
pela qual, o Recorrente deveria ter sido absolvido do pedido de restituir o que
quer que seja ao Recorrido, podendo, inclusivamente, nos termos da supracitada
disposição legal, reter o valor de € 73.000 que lhe foi entregue pelo Recorrido
a título de sinal.
Sem
prescindir,
XIII-De
acordo com a douta sentença, a venda prévia do terreno por parte do Recorrente
a uma empresa, mais concretamente, em 09/07/2018 e o registo do embargo da
moradia são apenas «circunstanciadores da conduta do Réu» (ora Recorrente), uma
vez que o ora Recorrido não atribui a estes factos relevância jurídica própria
– como sejam qualquer situação de nulidade, anulabilidade ou redução do
negócio.
XIV-Porém,
salvo o devido respeito, contrariamente ao decidido na douta sentença, não é ao
Autor, ora Recorrido que incumbe fazer o enquadramento jurídico dos factos
alegados e dados como provados na acção, com base no princípio segundo o qual
juris novit curia, previsto no art. 5º nº3 do CPC e, que implica que, é ao Juiz
que incumbe a indagação do direito aplicável, bem como a respectiva
interpretação e aplicação, não às partes.
XV-Assim,
sustenta o Recorrente que, caso não se entenda que houve incumprimento do
contrato-promessa de compra e venda pelo Recorrido – o que apenas por mera
cautela de patrocínio se concede – o contrato-promessa de compra e venda
celebrado entre as partes deveria ter sido declarado parcialmente nulo, no que
respeita à venda do terreno, por se tratar de venda de coisa alheia, nos termos
do art. 892º do CC.
XVI-Essa
nulidade parcial seria oponível ao Recorrido enquanto comprador que,
dificilmente se pode considerar de boa-fé, na medida em que, não resultou
provado que o mesmo não soubesse que o terreno tinha sido vendido antes da
celebração do contrato-promessa, ou, pelo menos, em que data é que tomou
conhecimento dessa venda, o mesmo sucedendo com o embargo da moradia.
XVII-
Antes pelo contrário, do teor da mensagem transcrita no ponto 6 da
fundamentação de facto da sentença recorrida e também supra, nas presentes
alegações de recurso demonstra que o Recorrido sabia da situação do terreno e
da moradia ou, pelo menos, teria dúvidas sobre a sua propriedade, antes da
realização da escritura, senão mesmo, à data da celebração do
contrato-promessa, o que facilmente se conclui pela alusão do Recorrente à
desnecessidade de apresentar projecto na Câmara e, em “fazer tudo para passar
as coisas para o nome do Recorrido”.
XVIII-O
regime da nulidade respeitante à venda de coisa alheia é aplicável ao contrato
promessa, nos termos do art. 410º Nº1 do CC, pelo que, são aplicáveis os
efeitos previstos no art. 289º do mesmo diploma legal.
XIX-Todavia,
no caso vertente, não foi possível apurar qual o valor concretamente atribuído
ao terreno, nem o valor concretamente atribuído à parte da moradia que foi
prometida vender (15% do total do imóvel em causa), tendo ambos os imóveis sido
vendidos pelo preço global de € 100.000 e o Recorrido pago a título de sinal o
montante global de € 73.000 (pontos 2 e 4 da factualidade dada como provada na
douta sentença), não sendo possível apurar qual a parte do sinal correspondente
ao terreno.
XX-
E, nessa medida, nem sequer é possível exigir ao Recorrente, nos termos da
presente acção a restituição em singelo do sinal pela nulidade ainda que
parcial do contrato-promessa, porque não foi possível apurar qual a parte
concreta do sinal respeitante ao terreno e, relativamente à parte de 15% da
moradia o Recorrente nada teria de restituir, por não ter sido ele a incumprir
o contrato-promessa nem haver qualquer vício do negócio, relativamente a esta
parte.
XXI-Sob
pena de se violar o disposto nos arts. 442º nº2, 1ª parte e 892º do CC, bem
como o art. 5º nº3 do CPC, se se mantiver a decisão recorrida, o que não se
concede.
XXII-Termos
em que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão
que absolva o Recorrente do pedido de resolução do contrato-promessa com base
no incumprimento por parte deste, bem como da restituição do sinal em dobro e,
pelo contrário, condene o Recorrido na resolução do mesmo contrato, determinado
a retenção do sinal por parte do Recorrente.
XXIII
-Se assim não se entender, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída
por outra que declare a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, sem
restituição do que quer que seja, por parte do Recorrente.
XXIV-
Por último, nos termos do Nº4 do art. 442º do CC, o Recorrente não deveria ter
sido condenado no pagamento de uma indemnização ao Recorrido por danos não
patrimoniais, uma vez que o fundamento dessa condenação é o suposto
incumprimento pelo Recorrente do contrato-promessa que, nem sequer se verifica
e, houve lugar a pedido e condenação em restituição do sinal em dobro, o que é
contrário ao previsto naquela disposição legal.
XXV-O
que resulta da própria jurisprudência a este respeito, como é o caso do Ac. RC
de 27/04/2017 – Proc. Nº3/14.8T8VIS.C1 in www.dgsi.pt:
XXVI-
Razão pela qual deve ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que
condena o Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização por danos não
patrimoniais, substituindo-se a mesma por outra decisão que absolva o
Recorrente do pedido de indemnização a esse título.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma
função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
A
factualidade apurada na 1.ª Instância não foi colocada em causa no recurso.
Em causa estará, assim:
I - a verificação da
eventual nulidade do contrato promessa de compra e venda;
II
- a verificação do incumprimento
definitivo do contrato de promessa de compra e venda por parte:
IIa - do Autor
(promitente comprador) – pretendida pelo Réu;
IIb
- do Réu (promitente vendedor) – pretendida pelo Autor (e sancionada pelo
Tribunal a quo);
III
- o direito do Autor a receber o sinal em dobro e uma indemnização por danos não
patrimoniais;
IV
- a questão da condenação em custas sem a referência ao apoio judiciário.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
de Facto
A
sentença sob recurso considerou como provada e não provada a seguinte
factualidade:
1.
Autor e Réu são primos;
2.
Datado de 04 de Outubro de 2018 foi celebrado entre as partes um contrato
denominado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual:
“PRIMEIRO OUTORGANTE:
I…, solteiro, maior, titular do cartão de autorização de residência n.º --------,
residente na Rua ------------------, n.º -, ----, --------, e adiante designado
por PRIMEIRO OUTORGANTE;
SEGUNDO OUTORGANTE: S…,
solteiro, maior, titular do cartão de cidadão de n.° ---------, residente na --------------------
Inglaterra e adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE;
Entre o Primeiro
Outorgante, na qualidade de Promitente Vendedor e o Segundo Outorgante, na
qualidade de Promitente Comprador é celebrado o presente Contrato Promessa de
Compra e Venda, nos termos e condições das Cláusulas seguintes: ---
CLÁUSULA PRIMEIRA
O PRIMEIRO OUTORGANTE
é dono e legítimo proprietário de terreno urbano e uma casa, sito n---------------------
inscritos com as Matrizes sob os artigos ----- e ---- respectivamente. ----
CLÁUSULA SEGUNDA
Pelo presente
Contrato-Promessa, o PRIMEIRO OUTORGANTE promete vender ao SEGUNDO OUTORGANTE o
imóvel acima com o artigo ----- na totalidade e 15% do imóvel com o artigo n.º ----
de que é proprietário e identificado na Cláusula Primeira, e este promete
comprar-lhes, livre de quaisquer hipotecas, ónus, encargos ou direitos de
terceiros, devoluto e no estado de conservação em que se encontra à presente
data.--------------------
CLÁUSULA TERCEIRA
1. O preço contratado
para a prometida venda é de €100.000,00€ (cem mil euros) e será pago da
seguinte forma: -----------------------------------------------------------
a) A quantia de
€35.000,00€ (trinta e dois mil e quinhentos euros) a título de sinal e
princípio de pagamento, na data de assinatura do presente contrato, quantia
essa que o PRIMEIRO OUTORGANTES dá, desde já, a respectiva
quitação.--------------
b) A quantia de
€30.000,00€ (trinta mil euros) no dia 5 de Outubro de 2019.-------------
c) Os restantes
35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), serão diluídos em prestações a combinar.
CLÁUSULA QUARTA
A escritura pública
de compra e venda realizar-se-á a data combinar, cabendo ao SEGUNDO OUTORGANTE
a sua marcação, e informar os PRIMEIROS OUTORGANTES do dia, hora e local onde
ela se irá realizar, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à
data da escritura, comprometendo-se os PRIMEIROS OUTORGANTES a fornecer todos
os elementos necessários para o efeito relativos à suas pessoas e ao imóvel
prometido vender.---------------------------
CLÁUSULA QUINTA
Todas as despesas que
resultam da lei, relacionadas com a transmissão do imóvel ora prometido vender
são da responsabilidade do SEGUNDO OUTORGANTE.----------------------
CLÁUSULA SEXTA
Para qualquer questão
emergente do presente contrato é designado o tribunal da comarca de --------”.
3.
O terreno destinado à construção (doravante designado por “terreno”), inscrito
na matriz predial urbana sob o artigo n.º -----, mostra-se descrito na
Conservatória do Registo Predial de ----- sob o n.º ----, e, a moradia
(doravante designada por “moradia”), inscrito na matriz predial urbana sob o
artigo n.º ----, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ------
sob o nº ------, ambos da freguesia de -----------.
4.
O autor entregou ao autor € 73.000 (setenta e três mil euros), em execução do
contrato de promessa.
5.
O autor tentou, por diversas vezes, contacto com o réu, no sentido de agendar
uma data para a outorga da escritura pública de compra e venda, todas essas
tentativas fracassadas.
6.
A essa interpelação, o réu respondeu como se transcreve: “06/05/2019, 10:29 - ---
2017: Quando te convidei para este negócio, foi no intuito familiar, como te
tinha dito preferia ter alguém ao lado em quem confia se de preferência um
familiar e se não fosse esse o meu objectivo não te venderia uma vivenda em ……por
100mil euros, agradeço desde já a tua ajuda financeira e a tua disponibilidade
ao longo deste processo, mas sem dúvida que os benefícios foram maiores para ti
do que para mim, e passo a sitar alguns: 1° jamais alguém te permitiria pagar
uma casa em prestações sem qualquer tipo de juro
06/05/2019,
10:30 - --- 2017: 2° Ficaste sem qualquer responsabilidade jurídica ao longo de
todo o processo, mesmo tendo o conhecimento do risco do mesmo.
06/05/2019,
10:30 - --- 2017: 3° Custo de obra de baixo Valor 06/05/2019, 10:31 - --- 2017:
3° Custo de aquisição muito abaixo do valor de mercado.
06/05/2019,
10:32 - --- 2017: 4° Possibilidade de arrendamento da casa sem a conclusão de
pagamento.
06/05/2019,
10:34 - --- 2017: Todos estes benefícios tudo pelo laço familiar que hoje
descartas, antes de mandares aquela mensagem tinhamos falado 2 dias antes,
assumo parte da falta de comunicação, mas ainda assim ligar pelo whatsap não é
o mais correcto pk mesmo estando sem net o telefone chama .
06/05/2019,
10:36 - --- 2017: Neste momento eu não preciso de colocar projecto na Câmara,
mas ainda assim estou a faze lo pelo compromisso, pk ja estou a viver lá e não
preciso do projecto aprovado, mas faço para passar as coisas para o teu nome.
06/05/2019,
10:39 - --- 2017: Agora segundo em relação às obras, o valor que te foi cobrado
inicialmente foi para um tipo de casa e neste momento a casa esta maior logo o
custo não será o mesmo ainda assim em momento algum te cobrei mais, mas agora
tudo mudou, aproveita os dias que vais estar em Portugal e pede um orçamento
para a conclusão da obra e faremos um outro orçamento para custear o que ja
esta feito e a diferença se existir será devolvida.
06/05/2019,
10:40 - --- 2017: Em relação a reunião que quer marcar, terei disponibilidade
amanhã as 15h.
06/05/2019,
10:41 - --- 2017: Em relação aos pagamentos das próximas prestações aceito um
próximo pagamento de 7mil euros para fazer os 80mil e um último de 20 mil com a
escritura.
06/05/2019,
10:42 - --- 2017: E não esquecer um pagamento de 2000 euros que ficou acordado.
06/05/2019,
10:42 - --- 2017: Cumps
06/05/2019,
10:42 - --- 2017: --------- -----”.
7.
Após a conversa em parte transcrita, o réu nunca mais respondeu a qualquer
contacto levado a cabo pelo Autor, principalmente no que respeita à designação
de uma data para outorga da escritura de compra e venda;
8.
Após as tentativas de contacto para marcação da escritura pública de compra e
venda dos referidos imóveis frustradas, o autor requereu a notificação judicial
avulsa do réu nos seguintes termos:
“(…) o Requerente
requer, em consequência do supra referido, a notificação avulsa do Requerido, a
dar-lhe conhecimento da:
MARCAÇÃO DA ESCRITURA
PÚBLICA DE COMPRA E VENDA,
i. Ficando
expressamente o Requerido notificado que a escritura pública de compra e venda
terá lugar no dia 07 de Agosto de 2019 às 14h00 no Cartório Notarial a cargo do
Dr. ---------------, sito na ………….., --- andar - sala ---, em ……..s, nos termos
e em cumprimento do disposto na Cláusula Quarta do Contrato-Promessa de Compra
e Venda assinado no dia 04.10.2018.
ii. Na
impossibilidade de comparecer na supra referida data, pode o Requerido informar
uma data de sua conveniência, não podendo esta ser em momento posterior a 15 de
setembro de 2019, em virtude do lapso de tempo já decorrido e a evitar maiores
prejuízos ao Requerente, para a celebração da escritura pública de compra e
venda. Devendo, assim, contactar o Requerente por e-mail -----------------------@hotmail.com,
com cópia para -----------------------@gmail.com e via whatsapp pelo nº +……………,
podendo, ainda, remeter carta com A/R para a Avenida ………………, -------------.
iii. A não
comparência do Requerido, de forma injustificada será considerada a obrigação
definitivamente incumprida, tendo lugar à devolução do valor pago a título de
sinal, em dobro, que perfaz € 140.000,00, nos termos do n.º 2 do artigo 442º do
Código Civil”.
9.
O réu foi pessoalmente notificado no dia 18 de Julho de 2019, pela Agente de
Execução;
10.
O Réu não compareceu ao Notário na data marcada, nem justificou a sua não
comparência;
11.
Tendo comparecido unicamente a gestora de negócios do Autor para o representar
na outorga da escritura pública de compra e venda marcada e que não foi
possível outorgar;
12.
O terreno já havia sido vendido, pelo réu, a uma sociedade, conforme registo de
aquisição de 09 de Julho de 2018, que, por sua vez, também já o havia vendido,
a um terceiro, conforme registo de aquisição de 12 de Fevereiro de 2019;
13.
A moradia havia sido embargada por despacho com a data de 20 de Dezembro de
2018;
14.
Foi prometido pelo réu, ao autor, que o mesmo teria, com os 15% da moradia
prometidos vender, desmembrado um T2 e, do mesmo, iria tirar proveito com
investimento em arrendamento e/ou alojamento local, assim como iria construir
no terreno para obtenção de lucro;
15.
Com a sua conduta, o réu causou no autor uma sensação de angústia e de ter sido
enganado pelo próprio primo;
16.
Em consequência da conduta do réu, o autor viu as suas expectativas pessoais
frustradas com a alteração de um projecto que tinha para a sua vida e da sua
companheira, o que lhe causou incómodos, angústia, mal-estar e desgosto,
sentindo-se enganado;
17.
O Autor fica cada vez mais nervoso à medida que as semanas passam e tenta
absorver que não conseguirá concretizar os seus planos;
18.
O Autor ao celebrar o contrato-promessa de compra e venda com o seu primo, ora
Réu, teve em conta as promessas que o mesmo anteriormente havia feito,
nomeadamente a de poder construir no terreno que prometeu comprar – como forma
de investimento – e também a de ter os 15% da moradia, que corresponderia a um
T2, para arrendamento pelo montante mínimo de 1000 €, por mês;
19.
Com a conduta do Réu, o Autor perdeu a possibilidade de investir com os imóveis
que lhe foram prometidos vender e de recuperar os € 73.000, já investidos.
*
Factos não
provados
Com
interesse para a decisão da causa, não há factos não provados.
***
Fundamentação
de Direito
A
sentença sob recurso julgou parcialmente procedente a acção com base no
seguinte processo de raciocínio:
a-
Autor e Réu celebraram um contrato promessa de compra e de venda de totalidade
e parte, respectivamente, de dois prédios urbanos;
b-
na cláusula Quarta do contrato clausularam que a escritura notarial seria
celebrada em data combinar, cabendo ao autor a sua marcação, e informar o réu
do dia, hora e local onde ela se irá realizar, com uma antecedência mínima de
10 dias úteis em relação à data da escritura;
c- observando o prazo
mínimo de antecedência de 10 dias úteis em relação à data da escritura, em
18/07/2019, o Réu foi notificado pelo Autor, através de notificação judicial
avulsa:
- para a outorga
da escritura a ter lugar a 07 de Agosto de 2019, às 14h, no Cartório Notarial
do Dr. ……………………, em -----;
-
para que, na impossibilidade de comparecer nessa data, o Réu informasse uma
data de sua conveniência (não podendo esta ser em momento posterior a
15/09/2019) e que, na sua não comparência de forma injustificada, seria
considerada a obrigação definitivamente incumprida, havendo lugar à devolução
do valor pago a título de sinal, em dobro;
d-
na data da escritura o Réu não compareceu, não justificou a falta e não
informou de outra data de sua conveniência, nem colocou em causa a
razoabilidade do prazo concedido;
e-
o contrato-promessa é um contrato de natureza obrigacional e aplicam-se-lhe as
regras gerais sobre o cumprimento/incumprimento contratual, com as devidas
adaptações decorrentes da sua natureza;
f-
a resolução do contrato (artigos 432.º e seguintes do Código Civil), consiste
na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos
contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do vínculo,
e receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao
contrato, independentemente da vontade desta, a qual, pela sua eficácia
retroactiva, é equiparada à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos;
g-
um dos fundamentos legais para a resolução do contrato é o incumprimento
definitivo da outra parte, decorrente da conversão da mora em incumprimento
definitivo (cfr. artigos 801.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 1 e 808.º, n.º 1, do
Código Civil);
h-
o prazo de 1 mês e 12 dias sobre a data designada para a escritura – tendo em
conta o negócio prometido e as circunstâncias dos autos – é um prazo razoável,
nenhuma circunstância ficando provada nos autos que permita concluir que o réu
se empenhou na sua outorga/marcação ou que tenham ocorrido quaisquer factos a
ele não imputáveis, que não lhe permitiram concretizar essa outorga/ marcação;
i-
constituído o Réu em mora (pela sua ausência na data da escritura em 07 de
Agosto de 2019), tal mora constituiu-se em incumprimento definitivo em 15 de
Setembro de 2019, fundamentando assim a consideração como resolvido do contrato
de promessa de compra e venda em causa nos autos (artigos 801.º, n.ºs 1 e 2,
805.º, n.º 1 e 808.º, n.º 1, do Código Civil), por facto imputável ao Réu,
culpa esta que a lei presume, nos termos do artigo 799.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo
Código;
j-
tendo sido convencionado um preço de € 100.000 e sido entregues pelo Autor ao
Réu € 73.000 a título de sinal e de princípio de pagamento, nos termos do
disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, sendo o não cumprimento
imputável a quem os recebeu, tem o outro contraente a faculdade de exigir o
dobro do que prestou;
k-
como a falta de cumprimento do contrato é imputável ao Réu (promitente
vendedor) terá ele de pagar ao Autor o dobro do sinal entregue (€ 73.000), não
se fixando o pagamento de juros a contar da citação, porquanto não peticionados;
l-
quanto à petição de uma indemnização por danos não patrimoniais (pela
frustração de expectativas pessoais, angústia, mal-estar, desgosto, sensação de
ter sido enganado e nervosismo, decorrentes da conduta do mesmo no âmbito do
negócio dos autos), sendo essa ressarcibilidade admissível na responsabilidade
contratual, o relevante e decisivo é mesmo o critério da sua gravidade, pressupondo
sempre o incumprimento da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo causal;
m-
o Autor viu frustradas as expectativas pessoais, sofreu de angústia, mal-estar,
desgosto, sensação de ter sido enganado e nervosismo, sendo que esse estado de
espírito resultou directa e necessariamente do incumprimento definitivo do réu,
nas circunstâncias
em que o foi (designadamente, por serem primos e por ter o réu vendido a
terceiro o terreno que prometeu vender), danos não patrimoniais que merecem a
tutela do direito e que devem ser indemnizados em termos pecuniários, em
montante a fixar segundo critérios de equidade, que se quantifica em € 2.000;
n-
por fim, o Autor peticiona ainda a condenação do Réu a indemnizá-lo pelos danos
patrimoniais sofridos, em montante a ser apurado em liquidação de sentença,
correspondendo tais danos à perda da chance de rentabilizar os bens prometidos
vender (nomeadamente a de poder construir no terreno que prometeu comprar –
como forma de investimento – e também a de ter os 15% da moradia, que
corresponderia a um T2, para arrendamento pelo montante mínimo de € 1.000 por
mês e recuperar os € 73.000 já investidos, valores estes que não podem ser
ressarcidos uma vez que, tendo sido prestado sinal, este assume a “natureza de
arras penitenciais, correspectivo da faculdade de desistir do contrato («ius
poenitendi») e sanção ou montante indemnizatório predeterminado para o seu
incumprimento definitivo”, nos termos do artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil.
*
Os
presentes autos ficaram marcados pela falta de contestação do Réu à Petição
Inicial do Autor que teve as respectivas consequências legais ao nível do
apuramento dos factos e a consequência indirecta de o Réu ter tentado – pelas
vias processuais possíveis – superar ou mitigar essa situação para – apesar de
tudo – evitar a sua condenação.
É
neste contexto que surge o presente recurso e a sua pretensão de considerar que
perante a factualidade apurada, fora o próprio Autor a incumprir o contrato-promessa,
com base na falta de pagamento de uma das prestações de sinal acordadas.
E
ainda a pretensão de considerar nulo o próprio contrato-promessa.
Por
uma questão cronológica, resolve-se desde já esta questão da putativa nulidade
do contrato-promessa por – no entender do Réu – respeitar (parcialmente) a um
bem alheio (o terreno), o que o inquinaria.
O
Réu pretende que esta questão seja apreciada apenas para o caso de não ser
considerado que foi o Autor a incumprir o contrato, mas, como é evidente, o
contrato ou é nulo ou não o é e só se o não for é que pode ser incumprido…
Mas
o contrato-promessa não padece de qualquer nulidade!
Trata-se
sim de uma alegação que confunde contrato-promessa com contrato definitivo,
esquecendo as suas naturais diferenças (não podendo a conjugação do n.º 1 do
artigo 410.º do Código Civil com o 892.º do mesmo diploma, ser feita como
pretendido pelo Réu).
Certo
que o princípio da equiparação que decorre do referido n.º 1 do artigo 410.º,
obriga a aplicar ao contrato-promessa todas as disposições legais relativas ao
contrato prometido, mas a parte final deste normativo tem o cuidado de
salvaguardar as regras que, pela sua ratio,
não se devam considerar aplicáveis.
E
entre essas regras estão - para o que essencialmente releva nestes autos - os
efeitos essenciais da compra e venda (artigo 879.º) e a da nulidade da venda de
bens alheios (artigo 892.º).
Como
refere Ana Prata, que “a excepção
enunciada na parte final do n.º 1 do artigo 410.º recobre as regras que definem
a eficácia própria do contrato prometido é entendimento pacífico na doutrina. A
excepção comporta, porém, um alcance mais vasto, só identificável casuisticamente,
isto é, em relação a cada tipo de contrato promessa (entendido o tipo como
integrador do respectivo objecto) e em relação a cada norma do contrato
prometido. Não são desde logo, aplicáveis à promessa aquelas regras que, não
definindo os efeitos do contrato prometido, tenham a sua razão de ser nesses
efeitos.
Daí
que, por exemplo, quanto ao contrato promessa de compra e venda de bem alheio,
seja opinião doutrinária praticamente pacífica a de que a nulidade cominada no
artigo 892.º não deve considerar-se extensiva a ele, porque a ratio de tal nulidade reside justamente
no efeito real da compra e venda, que a promessa não partilha. É porque a
compra e venda provoca a transmissão do direito de propriedade sobre o bem,
como seu efeito necessário e automático que, inexistindo o direito na esfera do
alienante, e ficando ela, consequentemente provada desse efeito (impossível), é
nula. Caracterizando-se o contrato-promessa por uma eficácia meramente
obrigacional (em princípio), não pode, pois, operar-se a extensão daquela norma
ao respectivo regime”[2].
Assim,
podemos concluir ser “válida, e não nula, conforme o artigo 892.º, a promessa
da venda de bens alheios”[3], uma
vez que o vício afectar(ia) “a compra
e venda de
coisa alheia não é
comunicável ao contrato-promessa. É certo que o promitente
vendedor não tem legitimidade para dispor do bem no momento em que celebra o
contrato-promessa. Contudo, a translatividade não é um efeito necessário deste
tipo contratual, já que o promitente não a propriedade do bem, apenas se obriga
a vendê-lo. Por outro lado, como sublinha Vaz Serra, o objeto do
contrato-promessa não é legalmente impossível, visto que, até à celebração do
contrato de compra e venda, pode o promitente adquirir legitimidade para o
vender. Se, pelo contrário, tal aquisição não se efetivar, o promitente
vendedor fica impossibilitado de alienar o bem. Esta impossibilidade é
meramente subjetiva, o que, à luz do direito português, não afeta a validade
do contrato”[4].
Neste
contexto, dúvidas não podem restar sobre a validade do contrato-promessa em
causa nestes autos: independentemente de respeitar em parte a um bem ou direito
que não estava, ou já não estava, na propriedade do promitente vendedor, não
havendo com a sua celebração (do contrato-promessa) a transmissão de qualquer direito
e sendo o seu objecto legalmente admissível (venda), até à celebração do
contrato definitivo (compra e venda), nada impedia este promitente-vendedor de
adquirir (ou readquirir) o bem ou direito para poder ter legitimidade para o
vender (e não incumprir o contrato-promessa sujeitando-se às consequências
desse incumprimento)[5].
O
contrato promessa em causa nos autos é, pois, válido, improcedendo a pretensão
do Réu.
*
Seguindo
em frente no objecto do recurso, vejamos agora se – ao contrário do que decidiu
o Tribunal a quo – foi o Autor
(promitente-comprador) quem incumpriu o contrato-promessa (IIb).
Entende
o Réu que o Autor incumpriu o contrato-promessa por ter falhado o pagamento de
€ 7.000.
Começa por se dizer que, apesar
da divergência entre o que consta escrito no contrato promessa, na sua Cláusula
3.ª (em que após se ter escrito € 35.000, se coloca entre parêntesis, por
extenso, “trinta e dois mil e quinhentos euros”), não há dúvidas de que eram
trinta e cinco mil euros que estavam em causa e de que se trata de um simples lapsus calami, o que decorre da
circunstância de se estar a acordar um preço final de € 100.000 e de as
respectivas parcelas se decomporem em “€ 35.000”, 30.000-a 5/10/2019, e “os
restantes 35.000 (trinta e cinco mil euros)”, “diluídos em prestações a
combinar”.
Assim,
logo no contrato-promessa dão-se como recebidos € 35.000 e no Facto 4. deu-se
como assente que, efectivamente, o Autor entregou ao Réu, no âmbito do mesmo
contrato, € 73.000, como sinal e princípio de pagamento.
Daqui
resulta que não se vislumbra de onde é que possa resultar qualquer falta de
pagamento por parte do Autor.
Repare-se
que resulta do contrato-promessa o acordo para que o Autor (promitente
comprador) pagasse ao Réu:
-
inicialmente (leia-se, na data do contrato promessa – 04 de Outubro de 2018) €
35.000 (o que efectivamente foi feito e disso deu logo o aqui Réu quitação,
como sinal e princípio de pagamento):
-
um ano depois (a 05 de Outubro de 2019), mais € 30.000;
-
em datas que seriam posteriormente acordadas,
os restantes € 35.000.
Por
outro lado, a 18 de Julho de 2019 o Réu foi notificado para a realização da
escritura (Facto 9.) e, nesta data, já € 73.000 lhe haviam sido entregues.
Assim,
os € 7.000 euros pretensamente em falta por parte do Autor não têm consistência
factual que lhe permitam configurar qualquer indício de incumprimento da sua parte.
Factualmente,
sublinha-se, estes € 7.000 correspondem a um valor que vem apenas referido numa
conversa por mensagem electrónica surgida numa conversa entre Autor e Réu,
datada de 06 de Maio de 2019
e na qual este último diz aceitar “um próximo pagamento de 7 mil euros para
fazer os 80 mil” (o que nos permite concluir que o Réu aceita que - nessa data
- o Autor já lhe tinha entregue € 73.000) “e um último de 20 mil com a
escritura”.
Em
momento algum resulta comprovada a existência de qualquer acordo no sentido de
alterar o clausulado no contrato-promessa para acrescentar esse pagamento
intercalar de € 7.000.
O
Réu-Recorrente comete - várias vezes - no decurso das suas alegações, o erro de
confundir as suas mensagens transcritas, com Factos provados: é que uma coisa é
considerar-se provado que uma mensagem com um determinado texto foi enviada e
recebida e outra, bem distinta, é considerar-se provado que o seu conteúdo
corresponde à realidade e está assente (assim, nem o acordo de pagamento
acrescido em relação ao inicialmente acordado de € 7.000, nem a circunstância
de o Recorrente ter realizado obras num dos imóveis prometidos vender, ou o
destino do valor de € 80.000 a que se refere, são Factos provados, constituindo
apenas referências feitas em mensagens de uma das partes à outra).
Não
pode, pois, o Réu afirmar - como afirma nas suas Alegações de Recurso - que o
Autor incumpriu o acordado no contrato promessa: os montantes referidos no
contrato-promessa foram todos entregues pelo Autor, atempadamente (€ 35.000 foram
entregues a 04/10/2018 e os € 30.000 que deviam ser entregues a 05/10/2019 já o
tinham sido a 06/05/2019).
Soçobra,
também, esta pretensão recursória do Réu.
**
Segue-se
a verificação do incumprimento definitivo do contrato de
promessa de compra e venda por parte do Réu (promitente vendedor) – pretendida
pelo Autor (e sancionada pelo Tribunal a
quo).
De
tudo o já exposto e em face da expressividade dos factos apurados, não nos
parece poderem subsistir quaisquer dúvidas quanto a esta conclusão.
Perante
um contrato-promessa em que o promitente-comprador cumpriu atempadamente todas
as obrigações acordadas e no qual se clausulou que a escritura notarial do
contrato prometido seria celebrada em data combinar, cabendo ao ora Autor a sua
marcação e a informação ao ora Réu do dia, hora e local onde ela se irá
realizar, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis (Cláusula 4.ª referida
no Facto 1.), assim foi feito e, a 18/07/2019, o ora Réu foi notificado através
de uma notificação judicial avulsa para outorgar na escritura pública a ter
lugar em 07 de Agosto de 2019 (às 14h, no Cartório Notarial do Dr. ----------------,
em ------) (Facto 9.)
Era ao
ora Autor que cabia fazer esta marcação e foi o Autor que a promoveu.
Tinha
de observar um prazo mínimo de antecedência de 10 dias úteis em relação à data
da escritura e, entre o dia da notificação e o dia da escritura, mediaram
catorze dias úteis (ou seja, não só foi fixado o prazo previsto, como se
excedeu, fixando-se um prazo absolutamente razoável e adequado, respeitando o
n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil).
O Autor
teve ainda o cuidado de dar conta ao ora Réu que, na impossibilidade de
comparecer na data designada, poderia este indicar outra que fosse da sua conveniência
(desde que até 15 de setembro de 2019), advertindo ainda, que na sua não
comparência injustificada seria considerado que a obrigação estaria definitivamente
incumprida, havendo lugar à devolução do valor pago a título de sinal, em dobro
(Facto 8.).
Ora,
apesar de tudo isto, o Réu (promitente-vendedor), sem ter dado qualquer
indicação de preferência por oura data, não compareceu à escritura na data
fixada, nem para tal deu qualquer justificação (Facto 10.).
A
apreciação que o Tribunal a quo faz
neste ponto é pouco menos que irrepreensível, sendo certo que o próprio
Réu-Recorrente a não põe em causa (o Réu discordava do pressuposto do qual o
Tribunal parte, mas não coloca em causa a apreciação jurídica do incumprimento
por parte do promitente-vendedor, assumido que fosse este o incumpridor), não
havendo necessidade de lhe acrescentar outros elementos:
“Sendo o contrato-promessa um contrato
de natureza obrigacional, é-lhe aplicável o regime geral dos contratos e do
cumprimento/incumprimento contratual, em tudo o que não se mostre afastado
pelas normas que regem tal tipo de contrato, assim como as estabelecidas para o
tipo de contrato prometido – cfr. artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil.
A resolução do contrato, prevista nos
arts. 432.º e seguintes, do Código Civil, consiste na extinção da relação
contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num
fundamento ocorrido posteriormente à celebração do vínculo, e receptícia pela
qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao contrato,
independentemente da vontade desta, a qual, pela sua eficácia retroactiva, é
equiparada à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos.
A resolução caracteriza-se por ser
normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), só podendo ocorrer
caso se verifique um fundamento legal ou convencional que autorize o seu
exercício (cfr. art. 432.º, n.º 1, do Código Civil).
Um dos fundamentos legais para a
resolução do contrato, aquele invocado na situação sub iudice, é o incumprimento definitivo da outra parte, decorrente
da conversão da mora em incumprimento definitivo - cfr. art. 801.º, n.ºs 1 e 2,
art. 805.º, n.º 1, e art. 808.º, n.º 1, todos, do Código Civil.
Nos termos do disposto no art. 801.º,
n.ºs 1 e 2 do Código Civil:
1
- Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este
responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
2.
Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente
do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a
sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.
Por seu turno, e com interesse para a
situação dos autos, uma vez que não foi estipulada data concreta para a
escritura, nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 1, do Código Civil: O
devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou
extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Por fim, dispõe o art. 808.º, n.º 1,
do Código Civil que: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse
que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que
razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não
cumprida a obrigação.” (o destaque é nosso).
Independentemente da perda do
interesse do credor, a lei permite que este, no caso de mora, fixe ao devedor
um prazo razoável para cumprir, sob pena, igualmente, de se considerar impossível
o cumprimento.
Como sustentam Pires de Lima e Antunes
Varela, in Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, 2ª edição, página
60 e seguintes: “A interpelação admonitória, com fixação de prazo peremptório
para o cumprimento (…) está longe de constituir uma violência para o devedor,
que apenas de si próprio se pode queixar, por não ter cumprido, nem quando
inicialmente devia fazê-lo, nem dentro do prazo que para o efeito
posteriormente lhe foi fixado. O mais que ele poderá fazer é discutir a razoabilidade
do prazo suplementar que o credor fixou, uma vez que a lei alude a prazo que
razoavelmente for fixado.
O prazo limite que o credor pode fixar
ao devedor é um prazo especial, estipulado ad hoc, que tanto vale para as
obrigações puras, como para aquelas a que ab initio ou a posteriori, foi
imposto um prazo, conquanto nada obste a que o prazo suplementar surja logo no
momento constitutivo da obrigação.”
Prazo razoável será o que foi fixado segundo
um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e
função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar. A
razoabilidade do prazo a que se refere o artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil,
deve ser aferido pelo tribunal em função da concreta prestação a satisfazer,
levando em consideração a natureza, o circunstancialismo do contrato e os
ditames da boa – fé – cfr., designadamente, Acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça de 15.05.2013, Proc. n.º 7439/10.1T2SNT.L1.S1, de 26.03.2015, Proc. n.º
125/05.6TBVFL.P1.S1 e de 25.02.2021.
Proc. n.º 854/18.4T8FNC.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Na situação vertente, e pela análise
da matéria provada, releva que o contrato de promessa de compra e venda foi
celebrado em 4 de Outubro de 2018: Após interpelação verbal do autor, com vista
à celebração da escritura, malograda, em 18 de Julho de 2019 (9 meses e 14 dias
após a celebração do contrato de promessa) é definida como data da escritura o
dia 7 de Agosto de 2019 (14 dias úteis após) e, como data limite peremptória o
dia 15 de setembro de 2019 (2 meses e 1 dias sobre a interpelação e 1 mês e 12
dias sobre a data designada para a escritura), data a partir da qual o autor
consideraria o contrato definitivamente incumprido.
O réu não compareceu na escritura para
a qual foi pessoalmente notificado, não justificou a sua ausência, nem há
evidência nos autos de que tenha, ele próprio, indicado outra data de sua
conveniência até 15 de Setembro de 2019 ou, sequer, que tenha refutado a
razoabilidade do prazo concedido.
O prazo de 1 mês e 12 dias sobre a
data designada para a escritura afigura-se, tendo em conta o negócio prometido
e as circunstâncias dos autos, como razoável quer se analise sob o ponto de
vista de uma, ou da outra, parte, nenhuma circunstância ficando provada nos
autos que nos permita avaliar da falta de razoabilidade de tal prazo ou,
sequer, que permita concluir que o réu se empenhou na outorga/marcação da
escritura pública ou que tenham ocorrido quaisquer factos a ele não imputáveis,
que não lhe permitiram concretizar essa outorga/marcação nesse prazo.
Constituído o réu em mora, pela sua
ausência na data da escritura em 07 de Agosto de 2019, tal mora constituiu-se
em incumprimento definitivo em 15 de Setembro de 2019, fundamentando assim a
consideração como resolvido do contrato de promessa de compra e venda celebrado
em 04 de Outubro de 2018, nos termos e para os efeitos dos arts. 801.º, n.ºs 1
e 2, art. 805.º, n.º 1, e art. 808.º, n.º 1, todos do Código Civil, por facto
imputável ao réu, culpa esta que a lei presume, nos termos do art. 799.º, n.ºs
1 e 2 do Código Civil. (…)
Na situação em apreço, o preço
convencionado foi de 100 000 €, tendo o autor entregue 73 000 € ao réu, em
execução do contrato de promessa, valor este a que, em parte, os contratantes
atribuíram expressamente a natureza de sinal e princípio de pagamento (cfr.
pontos 2. e 4. dos factos provados) e que, de todo o modo sempre se presumiria
como consubstanciando sinal, de harmonia com o preceituado no art. 441.º do
Código Civil, nos termos do qual: No contrato-promessa de compra e venda
presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo
promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação
ou princípio de pagamento do preço.
A natureza de sinal dos 73 000 €
entregues releva para os efeitos do art. 442.º, n.ºs 2 e 4, do Código Civil,
com interesse para a decisão da presente causa, o qual dispõe que: (…)
2 - Se quem constitui o sinal deixar
de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente
a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for
devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou,
ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu
valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado
objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço
convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que
tenha pago. (…)
4 - Na ausência de estipulação em
contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra
indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do
aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.
Assim, nos termos do disposto no
artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil se, quem constitui o sinal deixar de
cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a
faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento for devido a este
último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou.
Ora na situação dos autos, como se
deixou expendido a falta de cumprimento é imputável ao réu, promitente
vendedor, contratante que recebeu o sinal.
Tem, assim, o réu o dever de pagar ao
autor o dobro do sinal entregue, sendo o crédito do autor, a este título, no
montante de 146 000 € (cento e quarenta e seis mil euros), como peticionado
(não sendo fixado o pagamento de juros a contar da citação, porquanto não
peticionados)”.
Assim sendo, e na
sequência do exposto no que concerne ao (não) incumprimento do
promitente-comprador, fica assente a falta de razão do Réu-Recorrente quanto a
esta matéria, confirmado o seu próprio incumprimento do contrato e a também falta
de razão no seu recurso no que a este aspecto concerne.
***
Prosseguindo
na apreciação do Recurso, deparamo-nos com a questão do direito do Autor a
receber o sinal em dobro e uma indemnização por danos não patrimoniais (III).
Foi
isso que foi peticionado pelo Autor e foi nisso que o Tribunal a quo condenou o Réu.
No
que ao sinal em dobro respeita, a situação é pacífica e não gera quaisquer
dúvidas em face da segunda parte do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, dos
factos apurados, do que já foi dito, e mesmo da parte transcrita da Sentença em
apreciação: aquele que recebeu o sinal (€ 73.000) incumpriu o contrato e, sendo
tal peticionado (como foi), tem de o entregar em dobro (€ 146.000 = € 73.000x2).
Já
quanto aos danos não patrimoniais a
questão é distinta.
De
facto, o Tribunal a quo, considerando
os danos apurados como relevantes, condenou o Réu no pagamento ao Autor, de uma
indemnização – a este título – no montante de € 2.000.
E
é também contra esta condenação que o Réu se insurge no Recurso, entendendo que
tal contraria o disposto no n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil.
E
assiste total razão neste ponto ao Réu-Recorrente.
O
aqui convocado artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil preceitua que na “ausência
de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a
qualquer outra indemnização, nos casos de perda de sinal ou de pagamento do
dobro deste ou do aumento do valor da coisa à data do não cumprimento”.
Januário
Gomes,
a seu propósito, sublinha que sem “margem para dúvidas, pode-se afirmar que a
primeira parte do n.º 4 do art.º 442.º tem aplicação sempre que, em qualquer
contrato – incluindo os contratos-promessa – o contraente fiel, seja ele o accipiens ou o tradens, faça funcionar o mecanismo do sinal. Em tal caso,
inexistindo convenção em contrário, não pode ele exigir indemnização
suplementar, ainda que alegue e prove que os prejuízos sofridos excedem em
valor a indemnização ditada “a forfait” pelo mecanismo do sinal”[6].
E
acrescenta: “inexistindo convenção em sentido diverso, é de entender que a
indemnização correspondente ao sinal – embora só despoletável em caso de
incumprimento definitivo – cobre todos os danos sofridos pelo contraente fiel,
ainda que deixe “descobertos” os danos excedentes sofridos pelo mesmo ou que,
abstractamente, possam ser isolados dois tipos de danos e, logo dois tipos de
indemnização”[7].
Repare-se,
como ponto base da análise desta questão que, no caso dos autos, nem houve
“tradição da coisa”, nem no contrato-promessa foi estipulado o que quer que
seja em especial sobre a matéria, pelo que o n.º 4 do artigo 442.º tem aqui
pleno funcionamento: usando as palavras de Gravato
Morais, na “falta de convenção em contrário [à indemnização], os critérios
assinalados que têm na sua base o sinal são, portanto, o único mecanismo
ressarcitório possível desde que nada tenha sido convencionado.
Por
isso, quando um dos promitentes exige o pagamento de outras quantias que visam
o ressarcimento dos danos causados, o tribunal rejeita linearmente tais
pretensões”[8].
De
tudo isto resulta que está “excluída a possibilidade de se exigir o pagamento
de outra indemnização compensatória, além das previstas nesta norma, para
reparar os danos resultantes do não cumprimento”[9].
Isto
permite concluir - como no Acórdão da Relação de Lisboa de 28/02/2019 (Processo
n.º 427/15.3T8SSB.E1-Ana Margarida Leite[10]) – que, “não tendo
havido tradição do bem imóvel prometido vender, havendo sinal e tendo a
promitente-vendedora incumprido definitivamente o contrato-promessa celebrado,
têm os promitentes-compradores direito à exigida restituição do sinal em dobro,
não lhes assistindo direito a qualquer outra indemnização pelo incumprimento do
contrato, salvo convenção em contrário, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 442.º
do Código Civil”.
Ou
seja, e seguindo o que com clareza se afirmou no Acórdão da mesma Relação de 19/12/2007
(Processo n.º 10344/2007-6-Pereira
Rodrigues[11]), isto quer dizer que “se
no contrato-promessa dos autos, para além do sinal, as partes tivessem
ressalvado através de cláusula penal acessória a ressarcibilidade de danos não
patrimoniais que eventualmente se viessem a produzir, teriam os apelantes apoio
legal para o pedido que formulam de indemnização pelos danos morais que
invocam. Como assim não sucedeu, tal pedido tinha de soçobrar”.
Face
ao exposto e assistindo razão ao Réu-Recorrente, terá de ser alterada a decisão
do Tribunal a quo, absolvendo-se este
do pagamento ao Autor dos € 2.000 em que foi condenado a título de danos não
patrimoniais.
****
Resta, por fim, a
apreciação da questão da condenação em custas sem a referência ao apoio
judiciário (IV).
Trata-se de uma não
questão.
O apoio judiciário
concedido vigora no processo até ser alterada a decisão.
De facto, na parte da
decisória da decisão em apreciação não foi feita a referência a “sem prejuízo
do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido”, mas não é por isso que
tal benefício foi retirado (no momento em que se fizesse a conta do processo
ele sempre seria considerado).
Essa referência
ficará agora feita, sem que, todavia, constitua uma alteração de fundo ao
decidido.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar parcialmente procedente a
apelação e, em consequência:
a)
Condenar o Réu no pagamento ao Autor do sinal constituído, em dobro, no o
montante de € 146.000 (cento e quarenta e seis mil euros), acrescido de juros
de mora à taxa legal dos juros civis, a contar da sentença, até integral
cumprimento;
b)
Absolver o Réu do demais peticionado nos autos.
e)
Condenar Autor e Réu, no pagamento das custas do processo, na proporção do
respectivo decaimento, sem prejuízo do concedido benefício de apoio judiciário.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 25 de Janeiro de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa
[1]
Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu regime civil,
Almedina, 1995, páginas 444 a 448 (onde se fazem desenvolvidas referências
doutrinárias e jurisprudenciais e se desmontam - com eficácia - as raras
posições em sentido distinto).
[3]
Ana Afonso, in
Comentário ao Código Civil-Direito das Obrigações-Das Obrigações em Geral (coordenação
de José Brandão Proença),
Universidade Católica Editora, 2021, página 84.
Assim, vd. STJ 18/06/2009 (Processo n.º
246/09.6YFLSB.S1-Oliveira Rocha, disponível em www.dgsi.pt) e 10/01/2008 (Revista n.º 3088/07-1.ª
Secção-Moreira Alves, sumário
disponível em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=25677&codarea=1);
STJ 25/02/2003 (Processo n.º 03A200-Afonso Correia, disponível em www.dgsi.pt)
e RE 20/10/2010 (Processo n.º 2766/03.7TBPTM.E1-Mário Serrano), RE 15/12/2016 (Processo n.º 82/14.8T8VRS.E1-Mata Ribeiro) e RC 14/12/2020 (Processo
n.º 234/18.3T8LRA.C1-Moreira do Carmo),
todos disponíveis em www.dgsi.pt.
De sublinhar que já em 1965 (ainda
antes da vigência do actual Código Civil, circunstância que, para o caso,
irreleva) o Supremo Tribunal de Justiça dizia que “o contrato promessa de venda
de coisa alheia é inteiramente válido, uma vez que comporta conteúdo
exclusivamente obrigacional de mera prestação de facto; e é igualmente válido o
contrato-promessa de venda de coisa em parte alheia” (STJ 29/10/1965, publicado
na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 99.º, página 85).
[4]
Yara Miranda, A venda de coisa alheia (em linha), Themis: Revista de Direito. ISSN 2182-9438, Ano 6, n.º
11 (2005), páginas 111-144, disponível em https://pdfcoffee.com/venda-de-coisa-alheiayaramiranda-pdf-free.html
[consultado a 11/01/2022]. Neste
ponto, transcrita sem citação, também em Francisca Oliveira
Pimentel Castro Manso, Algumas questões jurídicas da venda de bens
alheios (em linha), Dissertação apresentada
à Universidade Católica Portuguesa, 2014, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16424/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Francisca%20Manso.pdf
[consultado a 11/01/2022].
[5]
Estão, como tal,
correctas as considerações expostas pelo Tribunal a quo no sentido de que o “autor refere que o réu havia alienado o
terreno a uma sociedade em 09.07.2018 e que, portanto, o não podia vender ao
autor como prometido.
Alude ainda ao registo do embargo sobre
a moradia que impediria o cumprimento de promessa de venda livre de ónus e
encargos.
Alude o autor a estes factos para
circunstanciar os termos do incumprimento definitivo resultante do não
comparecimento do réu na escritura, não justificação da sua ausência e não
designação de nova data no prazo concedido, não assacando o autor a estes
factos relevância jurídica própria – como sejam qualquer situação de nulidade,
anulabilidade ou redução do negócio.
Assim, tais factos são considerados
como circunstanciadores da conduta do réu”.
[6]
Manuel Januário da Costa Gomes, Em tema de
contrato-promessa, AAFDL, 1990, páginas 37-38.
[7]
Manuel Januário da Costa Gomes, ob. cit., página 38.
Em
sentido semelhante, Ana Prata, in
Código Civil Anotado (Coordenação de Ana
Prata), volume I, Almedina, 2017, página 566.
[8] Fernando de Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral –
Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, página 228.
[9]
Ana Afonso, Comentário…, cit., página 169.
Repare-se
que, mesmo que se quisesse seguir o entendimento mais flexível (e minoritário)
de Nuno Pinto Oliveira (Ensaio sobre
o sinal, Coimbra Editora, 2008, páginas 287, 289 e 291; Princípios de Direito
dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, páginas 954, 955, 959) - que defende uma
interpretação restritiva do artigo 442.º, n.º 4, para o conciliar e harmonizar
com o princípio da não exclusão e não limitação da responsabilidade por dolo ou
por culpa grave, permitindo, portanto que o credor pudesse nesse caso, exigir
indemnização por todos os danos resultantes do não cumprimento - não teríamos
no nosso processo factos que nos permitissem concluir por tal dolo/culpa grave.
[10]
Disponível em www.dgsi.pt.
[11]
Disponível em www.dgsi.pt.
No
Acórdão do STJ de 09/03/2004 (Processo n.º 04B691-Salvador da Costa), em que, numa situação semelhante estava também
pedida indemnização por danos não patrimoniais, foi também entendido que o
promitente-comprador só tem direito a exigir da promitente-compradora faltosa o
pagamento do sinal em dobro “se for de concluir no sentido do incumprimento
definitivo pela última do contrato de compra e venda”.
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