domingo, 13 de março de 2022

O regresso ao contrato-promessa: contrato promessa de bem alheio; incumprimento por parte do promitente-vendedor e restituição do sinal em dobro; danos não patrimoniais só se expressamente acordados - RL 11/01/2022

 Processo n.º   3522/19.6T8CSC.L1

Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste– Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3

Sumário:

I – O princípio da equiparação do contrato-promessa ao contrato prometido, consagrado no artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil, exclui as regras que pela sua ratio não lhe possam ser aplicáveis, como é o caso paradigmático do que respeita aos efeitos do contrato de compra e venda e da venda de bens alheios.

II – É válido um contrato-promessa de venda de bens ou direitos que, no momento da celebração do contrato-promessa, não pertençam ao promitente-vendedor.

III – No caso de incumprimento de um contrato-promessa por parte do promitente vendedor, sem tradição da coisa e com um sinal recebido, o promitente comprador tem direito a receber o sinal em dobro, nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil.

IV – O promitente comprador só terá direito a receber do promitente vendedor incumpridor uma indemnização pelos danos não patrimoniais que a não celebração do contrato-prometido lhe ocasionou, se essa possibilidade tiver sido inicialmente convencionada entre as partes, no contrato-promessa, com a estipulação de uma cláusula penal acessória. Se o contrato-promessa nada disser a este respeito, nos termos do n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil, o promitente comprador terá apenas direito a receber o sinal em dobro.

V – O apoio judiciário concedido num processo vigora até essa decisão ser alterada, pelo que a falta de referência na condenação em custas à existência desse benefício, não significa que ele tenha sido retirado.


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

S… intentou a presente acção de condenação com processo comum contra

I… peticionando que:

i.Seja declarado o incumprimento definitivo do Réu, resolvendo-se o  contrato promessa de compra venda, tendo lugar à devolução do valor pago a título de sinal pelo Autor, em dobro (€ 146.000), nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil;

ii. Seja o Réu condenado a indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 54.000;

iii. Seja o Réu condenado a indemnizar o Autor pelos danos patrimoniais sofridos, em montante a ser apurado em liquidação de sentença.

 

Em síntese, o Autor alega que (na qualidade de promitente-comprador) celebrou com o Réu (na de promitente vendedor) um contrato-promessa de compra e venda relativo um terreno e a uma parte de um prédio urbano, no âmbito do qual entregou a este último um valor correspondente a sinal e princípio de pagamento. Sucede que o Réu não outorgou a escritura de compra e venda prometida (nem após interpelação para o efeito) vendendo o terreno a terceiros antes mesmo de celebrar o contrato de promessa, não estando o prédio urbano em condições de ser vendido, tudo tendo originado danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento e peticionado.

 

Citado, o Réu não deduziu contestação sendo declarados confessados os factos alegados pelo Autor (artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

 

Notificados Autor e Réu para os efeitos do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do mesmo diploma, o primeiro veio reiterar o peticionado e o segundo pugnou pela improcedência da acção, sustentando que foi aquele que incumpriu definitivamente o contrato ao não efectuar o pagamento do sinal nos prazos acordados, que o contrato de promessa de compra e venda na parte relativa ao terreno, era nulo (o que o Autor sabia) e que não lhe pode ser exigida qualquer indemnização para além do sinal em dobro.

 

Saneado o processo, foi proferida Sentença que:

a) Declarou definitivamente incumprido, por facto imputável ao Réu, o contrato de promessa de compra e venda celebrado em 04 de Outubro de 2018 entre este e o Autor, relativo ao prédio urbano inscrito sob o artigo 14546 e a 15% do prédio urbano inscrito sob o artigo n.º xxxx, descritos na Conservatória do Registo Predial de ---, respectivamente, sob o n.º …. e sob o n.º ….., ambos, da freguesia de ….., declarando-o, em consequência, resolvido;

b) Condenou o Réu no pagamento ao Autor, do sinal constituído, em dobro, pelo montante total de € 146.000 (cento e quarenta e seis mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal dos juros civis, a contar da data da sentença, até integral cumprimento;

c) Condenou o Réu no pagamento ao Autor, de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 2.000 (dois mil euros), acrescida de justos de mora, à taxa dos juros civis, a contar da data sentença e até integral cumprimento.

d) Absolveu o Réu do mais peticionado;

e) Condenou Autor e Réu, no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento de 26% e de 74% (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).

 

O Réu-Reconvinte recorreu da Sentença lavrando as seguintes Conclusões:

I- O presente recurso tem por objecto apenas matéria de Direito, mais concretamente, a violação do disposto nos arts. 442º nº2 e 4 e 892º do CC, bem como do nº 3 do art. 5º do CPC, considerando que, por não ter havido contestação, a factualidade dada como provada assenta fundamentalmente na confissão dos factos alegados na petição inicial.

II- Sem prejuízo de não incidir sobre matéria de facto, o presente recurso não pode ser alheio a indagação de factos que não resultaram provados nos termos da fundamentação da douta sentença, porquanto, é aos factos que o Direito deve ser aplicado e, havendo dúvidas, resultantes da própria sentença, o Tribunal de recurso deverá tê-las em consideração, porque já não é propriamente a petição inicial que se está a impugnar.

III-O Recorrente não se conforma fundamentalmente com a decisão de resolução do contrato-promessa de compra e venda por si celebrado com fundamento em incumprimento que lhe é atribuído, porquanto, considera que esse incumprimento deve antes ser atribuído ao Recorrido.

IV-E, não se conforma com a consequente restituição do sinal em dobro, uma vez que, em seu entender, é ao Recorrido que deve ser imputado o não cumprimento do contrato.

V-Finalmente, não se conforma com a condenação no pagamento de uma indemnização ao Recorrido por danos não patrimoniais, uma vez que esta, não pode ter lugar nos termos do art. 442º Nº4 do CC, por haver condenação no pagamento do sinal em dobro.

VI-Sendo certo que a falta de menção à concessão do apoio judiciário ao Recorrente é uma omissão facilmente corrigível pelo Tribunal recorrido, sem necessidade de intervenção do Tribunal de recurso, o que, de qualquer forma, não se exclui, caso a correcção em causa não seja feita pela primeira instância.

VII-Assim, no que respeita à resolução do contrato-promessa de compra e venda, entende o Recorrente que, a mesma a ser determinada, o deveria ter sido com base no incumprimento imputável, não a si, mas, ao Recorrido.

VIII-Isto porque, de acordo com a factualidade dada como provada nos pontos 5 e 6 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, o Recorrido não pagou ao Recorrente o montante global que estava acordado pagar até à escritura de compra e venda, de modo a perfazer o valor de € 80,000,00, mais concretamente, o Recorrido não pagou o montante de € 7,000,00

IX- Na realidade, nos termos do art. 442º nº2 do CC, havendo incumprimento do contrato-promessa por parte do Recorrido, como foi o caso, o Recorrente pode reter a quantia que lhe foi entregue a título de sinal, no valor de € 73,000 sendo certo que é o próprio Tribunal a quo que atribui essa natureza de sinal ao montante de € 73.000 que Recorrido entregou ao Recorrente.

X- Não sendo de todo despiciendo o facto de, independentemente do embargo – eventualmente das obras realizadas pelo Recorrente nos termos contratuais – o Recorrente ter realizado obras num dos imóveis prometidos vender e, o valor total de € 80.000 fosse para custear essas obras, como pode resultar da troca de mensagens dada como provada na própria sentença (ponto 6 da fundamentação de facto da decisão recorrida transcrito supra).

XI-Mais, da factualidade dada como provada na douta sentença recorrida não resulta demonstrado ter existido qualquer orçamento e, em bom rigor, não se sabe qual a natureza e o objecto do embargo registado nos termos do doc. Nº2 junto com a p.i., podendo o mesmo até incidir sobre uma parte do imóvel não vendida ou não prometida vender pelo Recorrente (85% restante do imóvel em que o Recorrente reside).

XII-Razão pela qual, o Recorrente deveria ter sido absolvido do pedido de restituir o que quer que seja ao Recorrido, podendo, inclusivamente, nos termos da supracitada disposição legal, reter o valor de € 73.000 que lhe foi entregue pelo Recorrido a título de sinal.

Sem prescindir,

XIII-De acordo com a douta sentença, a venda prévia do terreno por parte do Recorrente a uma empresa, mais concretamente, em 09/07/2018 e o registo do embargo da moradia são apenas «circunstanciadores da conduta do Réu» (ora Recorrente), uma vez que o ora Recorrido não atribui a estes factos relevância jurídica própria – como sejam qualquer situação de nulidade, anulabilidade ou redução do negócio.

XIV-Porém, salvo o devido respeito, contrariamente ao decidido na douta sentença, não é ao Autor, ora Recorrido que incumbe fazer o enquadramento jurídico dos factos alegados e dados como provados na acção, com base no princípio segundo o qual juris novit curia, previsto no art. 5º nº3 do CPC e, que implica que, é ao Juiz que incumbe a indagação do direito aplicável, bem como a respectiva interpretação e aplicação, não às partes.

XV-Assim, sustenta o Recorrente que, caso não se entenda que houve incumprimento do contrato-promessa de compra e venda pelo Recorrido – o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede – o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes deveria ter sido declarado parcialmente nulo, no que respeita à venda do terreno, por se tratar de venda de coisa alheia, nos termos do art. 892º do CC.

XVI-Essa nulidade parcial seria oponível ao Recorrido enquanto comprador que, dificilmente se pode considerar de boa-fé, na medida em que, não resultou provado que o mesmo não soubesse que o terreno tinha sido vendido antes da celebração do contrato-promessa, ou, pelo menos, em que data é que tomou conhecimento dessa venda, o mesmo sucedendo com o embargo da moradia.

XVII- Antes pelo contrário, do teor da mensagem transcrita no ponto 6 da fundamentação de facto da sentença recorrida e também supra, nas presentes alegações de recurso demonstra que o Recorrido sabia da situação do terreno e da moradia ou, pelo menos, teria dúvidas sobre a sua propriedade, antes da realização da escritura, senão mesmo, à data da celebração do contrato-promessa, o que facilmente se conclui pela alusão do Recorrente à desnecessidade de apresentar projecto na Câmara e, em “fazer tudo para passar as coisas para o nome do Recorrido”.

XVIII-O regime da nulidade respeitante à venda de coisa alheia é aplicável ao contrato promessa, nos termos do art. 410º Nº1 do CC, pelo que, são aplicáveis os efeitos previstos no art. 289º do mesmo diploma legal.

XIX-Todavia, no caso vertente, não foi possível apurar qual o valor concretamente atribuído ao terreno, nem o valor concretamente atribuído à parte da moradia que foi prometida vender (15% do total do imóvel em causa), tendo ambos os imóveis sido vendidos pelo preço global de € 100.000 e o Recorrido pago a título de sinal o montante global de € 73.000 (pontos 2 e 4 da factualidade dada como provada na douta sentença), não sendo possível apurar qual a parte do sinal correspondente ao terreno.

XX- E, nessa medida, nem sequer é possível exigir ao Recorrente, nos termos da presente acção a restituição em singelo do sinal pela nulidade ainda que parcial do contrato-promessa, porque não foi possível apurar qual a parte concreta do sinal respeitante ao terreno e, relativamente à parte de 15% da moradia o Recorrente nada teria de restituir, por não ter sido ele a incumprir o contrato-promessa nem haver qualquer vício do negócio, relativamente a esta parte.

XXI-Sob pena de se violar o disposto nos arts. 442º nº2, 1ª parte e 892º do CC, bem como o art. 5º nº3 do CPC, se se mantiver a decisão recorrida, o que não se concede.

XXII-Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que absolva o Recorrente do pedido de resolução do contrato-promessa com base no incumprimento por parte deste, bem como da restituição do sinal em dobro e, pelo contrário, condene o Recorrido na resolução do mesmo contrato, determinado a retenção do sinal por parte do Recorrente.

XXIII -Se assim não se entender, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, sem restituição do que quer que seja, por parte do Recorrente.

XXIV- Por último, nos termos do Nº4 do art. 442º do CC, o Recorrente não deveria ter sido condenado no pagamento de uma indemnização ao Recorrido por danos não patrimoniais, uma vez que o fundamento dessa condenação é o suposto incumprimento pelo Recorrente do contrato-promessa que, nem sequer se verifica e, houve lugar a pedido e condenação em restituição do sinal em dobro, o que é contrário ao previsto naquela disposição legal.

XXV-O que resulta da própria jurisprudência a este respeito, como é o caso do Ac. RC de 27/04/2017 – Proc. Nº3/14.8T8VIS.C1 in www.dgsi.pt:

XXVI- Razão pela qual deve ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que condena o Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização por danos não patrimoniais, substituindo-se a mesma por outra decisão que absolva o Recorrente do pedido de indemnização a esse título.

 

Não foram apresentadas contra-alegações.

 

 

Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

 

A factualidade apurada na 1.ª Instância não foi colocada em causa no recurso.

 

Em causa estará, assim:

                                    I - a verificação da eventual nulidade do contrato promessa de compra e venda;

                        II - a verificação do incumprimento definitivo do contrato de promessa de compra e venda por parte:

                                    IIa - do Autor (promitente comprador) – pretendida pelo Réu;

                                   IIb - do Réu (promitente vendedor) – pretendida pelo Autor (e sancionada pelo Tribunal a quo);

                        III - o direito do Autor a receber o sinal em dobro e uma indemnização por danos não patrimoniais;

                        IV - a questão da condenação em custas sem a referência ao apoio judiciário.

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

 

 

Fundamentação de Facto

A sentença sob recurso considerou como provada e não provada a seguinte factualidade:

1. Autor e Réu são primos;

2. Datado de 04 de Outubro de 2018 foi celebrado entre as partes um contrato denominado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual:

“PRIMEIRO OUTORGANTE: I…, solteiro, maior, titular do cartão de autorização de residência n.º --------, residente na Rua ------------------, n.º -, ----, --------, e adiante designado por PRIMEIRO OUTORGANTE;

SEGUNDO OUTORGANTE: S…, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão de n.° ---------, residente na -------------------- Inglaterra e adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE;

Entre o Primeiro Outorgante, na qualidade de Promitente Vendedor e o Segundo Outorgante, na qualidade de Promitente Comprador é celebrado o presente Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos e condições das Cláusulas seguintes: ---

CLÁUSULA PRIMEIRA

O PRIMEIRO OUTORGANTE é dono e legítimo proprietário de terreno urbano e uma casa, sito n--------------------- inscritos com as Matrizes sob os artigos ----- e ---- respectivamente. ----

CLÁUSULA SEGUNDA

Pelo presente Contrato-Promessa, o PRIMEIRO OUTORGANTE promete vender ao SEGUNDO OUTORGANTE o imóvel acima com o artigo ----- na totalidade e 15% do imóvel com o artigo n.º ---- de que é proprietário e identificado na Cláusula Primeira, e este promete comprar-lhes, livre de quaisquer hipotecas, ónus, encargos ou direitos de terceiros, devoluto e no estado de conservação em que se encontra à presente data.--------------------

CLÁUSULA TERCEIRA

1. O preço contratado para a prometida venda é de €100.000,00€ (cem mil euros) e será pago da seguinte forma: -----------------------------------------------------------

a) A quantia de €35.000,00€ (trinta e dois mil e quinhentos euros) a título de sinal e princípio de pagamento, na data de assinatura do presente contrato, quantia essa que o PRIMEIRO OUTORGANTES dá, desde já, a respectiva quitação.--------------

b) A quantia de €30.000,00€ (trinta mil euros) no dia 5 de Outubro de 2019.-------------

c) Os restantes 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), serão diluídos em prestações a combinar.

CLÁUSULA QUARTA

A escritura pública de compra e venda realizar-se-á a data combinar, cabendo ao SEGUNDO OUTORGANTE a sua marcação, e informar os PRIMEIROS OUTORGANTES do dia, hora e local onde ela se irá realizar, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data da escritura, comprometendo-se os PRIMEIROS OUTORGANTES a fornecer todos os elementos necessários para o efeito relativos à suas pessoas e ao imóvel prometido vender.---------------------------

CLÁUSULA QUINTA

Todas as despesas que resultam da lei, relacionadas com a transmissão do imóvel ora prometido vender são da responsabilidade do SEGUNDO OUTORGANTE.----------------------

CLÁUSULA SEXTA

Para qualquer questão emergente do presente contrato é designado o tribunal da comarca de --------”.

3. O terreno destinado à construção (doravante designado por “terreno”), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º -----, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ----- sob o n.º ----, e, a moradia (doravante designada por “moradia”), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ----, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ------ sob o nº ------, ambos da freguesia de -----------.

4. O autor entregou ao autor € 73.000 (setenta e três mil euros), em execução do contrato de promessa.

5. O autor tentou, por diversas vezes, contacto com o réu, no sentido de agendar uma data para a outorga da escritura pública de compra e venda, todas essas tentativas fracassadas.

6. A essa interpelação, o réu respondeu como se transcreve: “06/05/2019, 10:29 - --- 2017: Quando te convidei para este negócio, foi no intuito familiar, como te tinha dito preferia ter alguém ao lado em quem confia se de preferência um familiar e se não fosse esse o meu objectivo não te venderia uma vivenda em ……por 100mil euros, agradeço desde já a tua ajuda financeira e a tua disponibilidade ao longo deste processo, mas sem dúvida que os benefícios foram maiores para ti do que para mim, e passo a sitar alguns: 1° jamais alguém te permitiria pagar uma casa em prestações sem qualquer tipo de juro

06/05/2019, 10:30 - --- 2017: 2° Ficaste sem qualquer responsabilidade jurídica ao longo de todo o processo, mesmo tendo o conhecimento do risco do mesmo.

06/05/2019, 10:30 - --- 2017: 3° Custo de obra de baixo Valor 06/05/2019, 10:31 - --- 2017: 3° Custo de aquisição muito abaixo do valor de mercado.

06/05/2019, 10:32 - --- 2017: 4° Possibilidade de arrendamento da casa sem a conclusão de pagamento.

06/05/2019, 10:34 - --- 2017: Todos estes benefícios tudo pelo laço familiar que hoje descartas, antes de mandares aquela mensagem tinhamos falado 2 dias antes, assumo parte da falta de comunicação, mas ainda assim ligar pelo whatsap não é o mais correcto pk mesmo estando sem net o telefone chama .

06/05/2019, 10:36 - --- 2017: Neste momento eu não preciso de colocar projecto na Câmara, mas ainda assim estou a faze lo pelo compromisso, pk ja estou a viver lá e não preciso do projecto aprovado, mas faço para passar as coisas para o teu nome.

06/05/2019, 10:39 - --- 2017: Agora segundo em relação às obras, o valor que te foi cobrado inicialmente foi para um tipo de casa e neste momento a casa esta maior logo o custo não será o mesmo ainda assim em momento algum te cobrei mais, mas agora tudo mudou, aproveita os dias que vais estar em Portugal e pede um orçamento para a conclusão da obra e faremos um outro orçamento para custear o que ja esta feito e a diferença se existir será devolvida.

06/05/2019, 10:40 - --- 2017: Em relação a reunião que quer marcar, terei disponibilidade amanhã as 15h.

06/05/2019, 10:41 - --- 2017: Em relação aos pagamentos das próximas prestações aceito um próximo pagamento de 7mil euros para fazer os 80mil e um último de 20 mil com a escritura.

06/05/2019, 10:42 - --- 2017: E não esquecer um pagamento de 2000 euros que ficou acordado.

06/05/2019, 10:42 - --- 2017: Cumps

06/05/2019, 10:42 - --- 2017: --------- -----”.

7. Após a conversa em parte transcrita, o réu nunca mais respondeu a qualquer contacto levado a cabo pelo Autor, principalmente no que respeita à designação de uma data para outorga da escritura de compra e venda;

8. Após as tentativas de contacto para marcação da escritura pública de compra e venda dos referidos imóveis frustradas, o autor requereu a notificação judicial avulsa do réu nos seguintes termos:

“(…) o Requerente requer, em consequência do supra referido, a notificação avulsa do Requerido, a dar-lhe conhecimento da:

MARCAÇÃO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA,

i. Ficando expressamente o Requerido notificado que a escritura pública de compra e venda terá lugar no dia 07 de Agosto de 2019 às 14h00 no Cartório Notarial a cargo do Dr. ---------------, sito na ………….., --- andar - sala ---, em ……..s, nos termos e em cumprimento do disposto na Cláusula Quarta do Contrato-Promessa de Compra e Venda assinado no dia 04.10.2018.

ii. Na impossibilidade de comparecer na supra referida data, pode o Requerido informar uma data de sua conveniência, não podendo esta ser em momento posterior a 15 de setembro de 2019, em virtude do lapso de tempo já decorrido e a evitar maiores prejuízos ao Requerente, para a celebração da escritura pública de compra e venda. Devendo, assim, contactar o Requerente por e-mail -----------------------@hotmail.com, com cópia para -----------------------@gmail.com e via whatsapp pelo nº +……………, podendo, ainda, remeter carta com A/R para a Avenida ………………, -------------.

iii. A não comparência do Requerido, de forma injustificada será considerada a obrigação definitivamente incumprida, tendo lugar à devolução do valor pago a título de sinal, em dobro, que perfaz € 140.000,00, nos termos do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil”.

9. O réu foi pessoalmente notificado no dia 18 de Julho de 2019, pela Agente de Execução;

10. O Réu não compareceu ao Notário na data marcada, nem justificou a sua não comparência;

11. Tendo comparecido unicamente a gestora de negócios do Autor para o representar na outorga da escritura pública de compra e venda marcada e que não foi possível outorgar;

12. O terreno já havia sido vendido, pelo réu, a uma sociedade, conforme registo de aquisição de 09 de Julho de 2018, que, por sua vez, também já o havia vendido, a um terceiro, conforme registo de aquisição de 12 de Fevereiro de 2019;

13. A moradia havia sido embargada por despacho com a data de 20 de Dezembro de 2018;

14. Foi prometido pelo réu, ao autor, que o mesmo teria, com os 15% da moradia prometidos vender, desmembrado um T2 e, do mesmo, iria tirar proveito com investimento em arrendamento e/ou alojamento local, assim como iria construir no terreno para obtenção de lucro;

15. Com a sua conduta, o réu causou no autor uma sensação de angústia e de ter sido enganado pelo próprio primo;

16. Em consequência da conduta do réu, o autor viu as suas expectativas pessoais frustradas com a alteração de um projecto que tinha para a sua vida e da sua companheira, o que lhe causou incómodos, angústia, mal-estar e desgosto, sentindo-se enganado;

17. O Autor fica cada vez mais nervoso à medida que as semanas passam e tenta absorver que não conseguirá concretizar os seus planos;

18. O Autor ao celebrar o contrato-promessa de compra e venda com o seu primo, ora Réu, teve em conta as promessas que o mesmo anteriormente havia feito, nomeadamente a de poder construir no terreno que prometeu comprar – como forma de investimento – e também a de ter os 15% da moradia, que corresponderia a um T2, para arrendamento pelo montante mínimo de 1000 €, por mês;

19. Com a conduta do Réu, o Autor perdeu a possibilidade de investir com os imóveis que lhe foram prometidos vender e de recuperar os € 73.000, já investidos.

 

*

Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa, não há factos não provados.

 

 

***

Fundamentação de Direito

A sentença sob recurso julgou parcialmente procedente a acção com base no seguinte processo de raciocínio:

                             a- Autor e Réu celebraram um contrato promessa de compra e de venda de totalidade e parte, respectivamente, de dois prédios urbanos;

                             b- na cláusula Quarta do contrato clausularam que a escritura notarial seria celebrada em data combinar, cabendo ao autor a sua marcação, e informar o réu do dia, hora e local onde ela se irá realizar, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data da escritura;

                             c- observando o prazo mínimo de antecedência de 10 dias úteis em relação à data da escritura, em 18/07/2019, o Réu foi notificado pelo Autor, através de notificação judicial avulsa:

                                                           - para a outorga da escritura a ter lugar a 07 de Agosto de 2019, às 14h, no Cartório Notarial do Dr. ……………………, em -----;

                                                           - para que, na impossibilidade de comparecer nessa data, o Réu informasse uma data de sua conveniência (não podendo esta ser em momento posterior a 15/09/2019) e que, na sua não comparência de forma injustificada, seria considerada a obrigação definitivamente incumprida, havendo lugar à devolução do valor pago a título de sinal, em dobro;

                             d- na data da escritura o Réu não compareceu, não justificou a falta e não informou de outra data de sua conveniência, nem colocou em causa a razoabilidade do prazo concedido;

                             e- o contrato-promessa é um contrato de natureza obrigacional e aplicam-se-lhe as regras gerais sobre o cumprimento/incumprimento contratual, com as devidas adaptações decorrentes da sua natureza;

                             f- a resolução do contrato (artigos 432.º e seguintes do Código Civil), consiste na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do vínculo, e receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao contrato, independentemente da vontade desta, a qual, pela sua eficácia retroactiva, é equiparada à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos;

                             g- um dos fundamentos legais para a resolução do contrato é o incumprimento definitivo da outra parte, decorrente da conversão da mora em incumprimento definitivo (cfr. artigos 801.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 1 e 808.º, n.º 1, do Código Civil);

                             h- o prazo de 1 mês e 12 dias sobre a data designada para a escritura – tendo em conta o negócio prometido e as circunstâncias dos autos – é um prazo razoável, nenhuma circunstância ficando provada nos autos que permita concluir que o réu se empenhou na sua outorga/marcação ou que tenham ocorrido quaisquer factos a ele não imputáveis, que não lhe permitiram concretizar essa outorga/ marcação;

                             i- constituído o Réu em mora (pela sua ausência na data da escritura em 07 de Agosto de 2019), tal mora constituiu-se em incumprimento definitivo em 15 de Setembro de 2019, fundamentando assim a consideração como resolvido do contrato de promessa de compra e venda em causa nos autos (artigos 801.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 1 e 808.º, n.º 1, do Código Civil), por facto imputável ao Réu, culpa esta que a lei presume, nos termos do artigo 799.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código;

                             j- tendo sido convencionado um preço de € 100.000 e sido entregues pelo Autor ao Réu € 73.000 a título de sinal e de princípio de pagamento, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, sendo o não cumprimento imputável a quem os recebeu, tem o outro contraente a faculdade de exigir o dobro do que prestou;

                             k- como a falta de cumprimento do contrato é imputável ao Réu (promitente vendedor) terá ele de pagar ao Autor o dobro do sinal entregue (€ 73.000), não se fixando o pagamento de juros a contar da citação, porquanto não peticionados;

                             l- quanto à petição de uma indemnização por danos não patrimoniais (pela frustração de expectativas pessoais, angústia, mal-estar, desgosto, sensação de ter sido enganado e nervosismo, decorrentes da conduta do mesmo no âmbito do negócio dos autos), sendo essa ressarcibilidade admissível na responsabilidade contratual, o relevante e decisivo é mesmo o critério da sua gravidade, pressupondo sempre o incumprimento da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo causal;

                             m- o Autor viu frustradas as expectativas pessoais, sofreu de angústia, mal-estar, desgosto, sensação de ter sido enganado e nervosismo, sendo que esse estado de espírito resultou directa e necessariamente do incumprimento definitivo do réu, nas circunstâncias em que o foi (designadamente, por serem primos e por ter o réu vendido a terceiro o terreno que prometeu vender), danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito e que devem ser indemnizados em termos pecuniários, em montante a fixar segundo critérios de equidade, que se quantifica em € 2.000;

                                       n- por fim, o Autor peticiona ainda a condenação do Réu a indemnizá-lo pelos danos patrimoniais sofridos, em montante a ser apurado em liquidação de sentença, correspondendo tais danos à perda da chance de rentabilizar os bens prometidos vender (nomeadamente a de poder construir no terreno que prometeu comprar – como forma de investimento – e também a de ter os 15% da moradia, que corresponderia a um T2, para arrendamento pelo montante mínimo de € 1.000 por mês e recuperar os € 73.000 já investidos, valores estes que não podem ser ressarcidos uma vez que, tendo sido prestado sinal, este assume a “natureza de arras penitenciais, correspectivo da faculdade de desistir do contrato («ius poenitendi») e sanção ou montante indemnizatório predeterminado para o seu incumprimento definitivo”, nos termos do artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil.

 

*

Os presentes autos ficaram marcados pela falta de contestação do Réu à Petição Inicial do Autor que teve as respectivas consequências legais ao nível do apuramento dos factos e a consequência indirecta de o Réu ter tentado – pelas vias processuais possíveis – superar ou mitigar essa situação para – apesar de tudo – evitar a sua condenação.

 

É neste contexto que surge o presente recurso e a sua pretensão de considerar que perante a factualidade apurada, fora o próprio Autor a incumprir o contrato-promessa, com base na falta de pagamento de uma das prestações de sinal acordadas.

E ainda a pretensão de considerar nulo o próprio contrato-promessa.

 

Por uma questão cronológica, resolve-se desde já esta questão da putativa nulidade do contrato-promessa por – no entender do Réu – respeitar (parcialmente) a um bem alheio (o terreno), o que o inquinaria.

O Réu pretende que esta questão seja apreciada apenas para o caso de não ser considerado que foi o Autor a incumprir o contrato, mas, como é evidente, o contrato ou é nulo ou não o é e só se o não for é que pode ser incumprido…

 

Mas o contrato-promessa não padece de qualquer nulidade!

Trata-se sim de uma alegação que confunde contrato-promessa com contrato definitivo, esquecendo as suas naturais diferenças (não podendo a conjugação do n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil com o 892.º do mesmo diploma, ser feita como pretendido pelo Réu).

Certo que o princípio da equiparação que decorre do referido n.º 1 do artigo 410.º, obriga a aplicar ao contrato-promessa todas as disposições legais relativas ao contrato prometido, mas a parte final deste normativo tem o cuidado de salvaguardar as regras que, pela sua ratio, não se devam considerar aplicáveis.

E entre essas regras estão - para o que essencialmente releva nestes autos - os efeitos essenciais da compra e venda (artigo 879.º) e a da nulidade da venda de bens alheios (artigo 892.º).

Como refere Ana Prata, que “a excepção enunciada na parte final do n.º 1 do artigo 410.º recobre as regras que definem a eficácia própria do contrato prometido é entendimento pacífico na doutrina. A excepção comporta, porém, um alcance mais vasto, só identificável casuisticamente, isto é, em relação a cada tipo de contrato promessa (entendido o tipo como integrador do respectivo objecto) e em relação a cada norma do contrato prometido. Não são desde logo, aplicáveis à promessa aquelas regras que, não definindo os efeitos do contrato prometido, tenham a sua razão de ser nesses efeitos.

Daí que, por exemplo, quanto ao contrato promessa de compra e venda de bem alheio, seja opinião doutrinária praticamente pacífica a de que a nulidade cominada no artigo 892.º não deve considerar-se extensiva a ele, porque a ratio de tal nulidade reside justamente no efeito real da compra e venda, que a promessa não partilha. É porque a compra e venda provoca a transmissão do direito de propriedade sobre o bem, como seu efeito necessário e automático que, inexistindo o direito na esfera do alienante, e ficando ela, consequentemente provada desse efeito (impossível), é nula. Caracterizando-se o contrato-promessa por uma eficácia meramente obrigacional (em princípio), não pode, pois, operar-se a extensão daquela norma ao respectivo regime”[2].

Assim, podemos concluir ser “válida, e não nula, conforme o artigo 892.º, a promessa da venda de bens alheios”[3], uma vez que o  vício  afectar(ia) “a  compra  e  venda  de  coisa  alheia  não  é comunicável  ao  contrato-promessa. É certo que o promitente vendedor não tem legitimidade para dispor do bem no momento em que celebra o contrato-promessa. Contudo, a translatividade não é um efeito necessário deste tipo contratual, já que o promitente não a propriedade do bem, apenas se obriga a vendê-lo. Por outro lado, como sublinha Vaz Serra, o objeto do contrato-promessa não é legalmente impossível, visto que, até à celebração do contrato de compra e venda, pode o promitente adquirir legitimidade para o vender. Se, pelo contrário, tal aquisição não se efetivar, o promitente vendedor fica impossibilitado de alienar o bem. Esta impossibilidade é meramente subjetiva, o que, à luz do direito português, não afeta a  validade  do contrato”[4]. 

Neste contexto, dúvidas não podem restar sobre a validade do contrato-promessa em causa nestes autos: independentemente de respeitar em parte a um bem ou direito que não estava, ou já não estava, na propriedade do promitente vendedor, não havendo com a sua celebração (do contrato-promessa) a transmissão de qualquer direito e sendo o seu objecto legalmente admissível (venda), até à celebração do contrato definitivo (compra e venda), nada impedia este promitente-vendedor de adquirir (ou readquirir) o bem ou direito para poder ter legitimidade para o vender (e não incumprir o contrato-promessa sujeitando-se às consequências desse incumprimento)[5].

O contrato promessa em causa nos autos é, pois, válido, improcedendo a pretensão do Réu.

 

*

Seguindo em frente no objecto do recurso, vejamos agora se – ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo – foi o Autor (promitente-comprador) quem incumpriu o contrato-promessa (IIb).

Entende o Réu que o Autor incumpriu o contrato-promessa por ter falhado o pagamento de € 7.000.

Começa por se dizer que, apesar da divergência entre o que consta escrito no contrato promessa, na sua Cláusula 3.ª (em que após se ter escrito € 35.000, se coloca entre parêntesis, por extenso, “trinta e dois mil e quinhentos euros”), não há dúvidas de que eram trinta e cinco mil euros que estavam em causa e de que se trata de um simples lapsus calami, o que decorre da circunstância de se estar a acordar um preço final de € 100.000 e de as respectivas parcelas se decomporem em “€ 35.000”, 30.000-a 5/10/2019, e “os restantes 35.000 (trinta e cinco mil euros)”, “diluídos em prestações a combinar”.

Assim, logo no contrato-promessa dão-se como recebidos € 35.000 e no Facto 4. deu-se como assente que, efectivamente, o Autor entregou ao Réu, no âmbito do mesmo contrato, € 73.000, como sinal e princípio de pagamento.

Daqui resulta que não se vislumbra de onde é que possa resultar qualquer falta de pagamento por parte do Autor.

Repare-se que resulta do contrato-promessa o acordo para que o Autor (promitente comprador) pagasse ao Réu:

            - inicialmente (leia-se, na data do contrato promessa – 04 de Outubro de 2018) € 35.000 (o que efectivamente foi feito e disso deu logo o aqui Réu quitação, como sinal e princípio de pagamento):

            - um ano depois (a 05 de Outubro de 2019), mais € 30.000;

            - em datas que seriam posteriormente acordadas, os restantes € 35.000.

 

Por outro lado, a 18 de Julho de 2019 o Réu foi notificado para a realização da escritura (Facto 9.) e, nesta data, já € 73.000 lhe haviam sido entregues.

 

Assim, os € 7.000 euros pretensamente em falta por parte do Autor não têm consistência factual que lhe permitam configurar qualquer indício de incumprimento da sua parte.

Factualmente, sublinha-se, estes € 7.000 correspondem a um valor que vem apenas referido numa conversa por mensagem electrónica surgida numa conversa entre Autor e Réu, datada de 06 de Maio de 2019 e na qual este último diz aceitar “um próximo pagamento de 7 mil euros para fazer os 80 mil” (o que nos permite concluir que o Réu aceita que - nessa data - o Autor já lhe tinha entregue € 73.000) “e um último de 20 mil com a escritura”.

Em momento algum resulta comprovada a existência de qualquer acordo no sentido de alterar o clausulado no contrato-promessa para acrescentar esse pagamento intercalar de € 7.000.

O Réu-Recorrente comete - várias vezes - no decurso das suas alegações, o erro de confundir as suas mensagens transcritas, com Factos provados: é que uma coisa é considerar-se provado que uma mensagem com um determinado texto foi enviada e recebida e outra, bem distinta, é considerar-se provado que o seu conteúdo corresponde à realidade e está assente (assim, nem o acordo de pagamento acrescido em relação ao inicialmente acordado de € 7.000, nem a circunstância de o Recorrente ter realizado obras num dos imóveis prometidos vender, ou o destino do valor de € 80.000 a que se refere, são Factos provados, constituindo apenas referências feitas em mensagens de uma das partes à outra).

Não pode, pois, o Réu afirmar - como afirma nas suas Alegações de Recurso - que o Autor incumpriu o acordado no contrato promessa: os montantes referidos no contrato-promessa foram todos entregues pelo Autor, atempadamente (€ 35.000 foram entregues a 04/10/2018 e os € 30.000 que deviam ser entregues a 05/10/2019 já o tinham sido a 06/05/2019).

Soçobra, também, esta pretensão recursória do Réu.

 

**

Segue-se a verificação do incumprimento definitivo do contrato de promessa de compra e venda por parte do Réu (promitente vendedor) – pretendida pelo Autor (e sancionada pelo Tribunal a quo).

De tudo o já exposto e em face da expressividade dos factos apurados, não nos parece poderem subsistir quaisquer dúvidas quanto a esta conclusão.

Perante um contrato-promessa em que o promitente-comprador cumpriu atempadamente todas as obrigações acordadas e no qual se clausulou que a escritura notarial do contrato prometido seria celebrada em data combinar, cabendo ao ora Autor a sua marcação e a informação ao ora Réu do dia, hora e local onde ela se irá realizar, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis (Cláusula 4.ª referida no Facto 1.), assim foi feito e, a 18/07/2019, o ora Réu foi notificado através de uma notificação judicial avulsa para outorgar na escritura pública a ter lugar em 07 de Agosto de 2019 (às 14h, no Cartório Notarial do Dr. ----------------, em ------) (Facto 9.)

Era ao ora Autor que cabia fazer esta marcação e foi o Autor que a promoveu.

Tinha de observar um prazo mínimo de antecedência de 10 dias úteis em relação à data da escritura e, entre o dia da notificação e o dia da escritura, mediaram catorze dias úteis (ou seja, não só foi fixado o prazo previsto, como se excedeu, fixando-se um prazo absolutamente razoável e adequado, respeitando o n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil).

O Autor teve ainda o cuidado de dar conta ao ora Réu que, na impossibilidade de comparecer na data designada, poderia este indicar outra que fosse da sua conveniência (desde que até 15 de setembro de 2019), advertindo ainda, que na sua não comparência injustificada seria considerado que a obrigação estaria definitivamente incumprida, havendo lugar à devolução do valor pago a título de sinal, em dobro (Facto 8.).

Ora, apesar de tudo isto, o Réu (promitente-vendedor), sem ter dado qualquer indicação de preferência por oura data, não compareceu à escritura na data fixada, nem para tal deu qualquer justificação (Facto 10.).

A apreciação que o Tribunal a quo faz neste ponto é pouco menos que irrepreensível, sendo certo que o próprio Réu-Recorrente a não põe em causa (o Réu discordava do pressuposto do qual o Tribunal parte, mas não coloca em causa a apreciação jurídica do incumprimento por parte do promitente-vendedor, assumido que fosse este o incumpridor), não havendo necessidade de lhe acrescentar outros elementos:

“Sendo o contrato-promessa um contrato de natureza obrigacional, é-lhe aplicável o regime geral dos contratos e do cumprimento/incumprimento contratual, em tudo o que não se mostre afastado pelas normas que regem tal tipo de contrato, assim como as estabelecidas para o tipo de contrato prometido – cfr. artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil.

A resolução do contrato, prevista nos arts. 432.º e seguintes, do Código Civil, consiste na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do vínculo, e receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao contrato, independentemente da vontade desta, a qual, pela sua eficácia retroactiva, é equiparada à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos.

A resolução caracteriza-se por ser normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), só podendo ocorrer caso se verifique um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (cfr. art. 432.º, n.º 1, do Código Civil).

Um dos fundamentos legais para a resolução do contrato, aquele invocado na situação sub iudice, é o incumprimento definitivo da outra parte, decorrente da conversão da mora em incumprimento definitivo - cfr. art. 801.º, n.ºs 1 e 2, art. 805.º, n.º 1, e art. 808.º, n.º 1, todos, do Código Civil.

Nos termos do disposto no art. 801.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil:

               1 - Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.

               2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.

Por seu turno, e com interesse para a situação dos autos, uma vez que não foi estipulada data concreta para a escritura, nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 1, do Código Civil: O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Por fim, dispõe o art. 808.º, n.º 1, do Código Civil que: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.” (o destaque é nosso).

Independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite que este, no caso de mora, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena, igualmente, de se considerar impossível o cumprimento.

Como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, 2ª edição, página 60 e seguintes: “A interpelação admonitória, com fixação de prazo peremptório para o cumprimento (…) está longe de constituir uma violência para o devedor, que apenas de si próprio se pode queixar, por não ter cumprido, nem quando inicialmente devia fazê-lo, nem dentro do prazo que para o efeito posteriormente lhe foi fixado. O mais que ele poderá fazer é discutir a razoabilidade do prazo suplementar que o credor fixou, uma vez que a lei alude a prazo que razoavelmente for fixado.

O prazo limite que o credor pode fixar ao devedor é um prazo especial, estipulado ad hoc, que tanto vale para as obrigações puras, como para aquelas a que ab initio ou a posteriori, foi imposto um prazo, conquanto nada obste a que o prazo suplementar surja logo no momento constitutivo da obrigação.”

 Prazo razoável será o que foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar. A razoabilidade do prazo a que se refere o artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, deve ser aferido pelo tribunal em função da concreta prestação a satisfazer, levando em consideração a natureza, o circunstancialismo do contrato e os ditames da boa – fé – cfr., designadamente, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2013, Proc. n.º 7439/10.1T2SNT.L1.S1, de 26.03.2015, Proc. n.º 125/05.6TBVFL.P1.S1 e de 25.02.2021.  Proc. n.º 854/18.4T8FNC.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Na situação vertente, e pela análise da matéria provada, releva que o contrato de promessa de compra e venda foi celebrado em 4 de Outubro de 2018: Após interpelação verbal do autor, com vista à celebração da escritura, malograda, em 18 de Julho de 2019 (9 meses e 14 dias após a celebração do contrato de promessa) é definida como data da escritura o dia 7 de Agosto de 2019 (14 dias úteis após) e, como data limite peremptória o dia 15 de setembro de 2019 (2 meses e 1 dias sobre a interpelação e 1 mês e 12 dias sobre a data designada para a escritura), data a partir da qual o autor consideraria o contrato definitivamente incumprido.

O réu não compareceu na escritura para a qual foi pessoalmente notificado, não justificou a sua ausência, nem há evidência nos autos de que tenha, ele próprio, indicado outra data de sua conveniência até 15 de Setembro de 2019 ou, sequer, que tenha refutado a razoabilidade do prazo concedido.

O prazo de 1 mês e 12 dias sobre a data designada para a escritura afigura-se, tendo em conta o negócio prometido e as circunstâncias dos autos, como razoável quer se analise sob o ponto de vista de uma, ou da outra, parte, nenhuma circunstância ficando provada nos autos que nos permita avaliar da falta de razoabilidade de tal prazo ou, sequer, que permita concluir que o réu se empenhou na outorga/marcação da escritura pública ou que tenham ocorrido quaisquer factos a ele não imputáveis, que não lhe permitiram concretizar essa outorga/marcação nesse prazo.

Constituído o réu em mora, pela sua ausência na data da escritura em 07 de Agosto de 2019, tal mora constituiu-se em incumprimento definitivo em 15 de Setembro de 2019, fundamentando assim a consideração como resolvido do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 04 de Outubro de 2018, nos termos e para os efeitos dos arts. 801.º, n.ºs 1 e 2, art. 805.º, n.º 1, e art. 808.º, n.º 1, todos do Código Civil, por facto imputável ao réu, culpa esta que a lei presume, nos termos do art. 799.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. (…)

Na situação em apreço, o preço convencionado foi de 100 000 €, tendo o autor entregue 73 000 € ao réu, em execução do contrato de promessa, valor este a que, em parte, os contratantes atribuíram expressamente a natureza de sinal e princípio de pagamento (cfr. pontos 2. e 4. dos factos provados) e que, de todo o modo sempre se presumiria como consubstanciando sinal, de harmonia com o preceituado no art. 441.º do Código Civil, nos termos do qual: No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

A natureza de sinal dos 73 000 € entregues releva para os efeitos do art. 442.º, n.ºs 2 e 4, do Código Civil, com interesse para a decisão da presente causa, o qual dispõe que: (…)

2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago. (…)

4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.

Assim, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil se, quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou.

Ora na situação dos autos, como se deixou expendido a falta de cumprimento é imputável ao réu, promitente vendedor, contratante que recebeu o sinal.

Tem, assim, o réu o dever de pagar ao autor o dobro do sinal entregue, sendo o crédito do autor, a este título, no montante de 146 000 € (cento e quarenta e seis mil euros), como peticionado (não sendo fixado o pagamento de juros a contar da citação, porquanto não peticionados)”.

Assim sendo, e na sequência do exposto no que concerne ao (não) incumprimento do promitente-comprador, fica assente a falta de razão do Réu-Recorrente quanto a esta matéria, confirmado o seu próprio incumprimento do contrato e a também falta de razão no seu recurso no que a este aspecto concerne.

 

***

 

Prosseguindo na apreciação do Recurso, deparamo-nos com a questão do direito do Autor a receber o sinal em dobro e uma indemnização por danos não patrimoniais (III).

Foi isso que foi peticionado pelo Autor e foi nisso que o Tribunal a quo condenou o Réu.

No que ao sinal em dobro respeita, a situação é pacífica e não gera quaisquer dúvidas em face da segunda parte do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, dos factos apurados, do que já foi dito, e mesmo da parte transcrita da Sentença em apreciação: aquele que recebeu o sinal (€ 73.000) incumpriu o contrato e, sendo tal peticionado (como foi), tem de o entregar em dobro (€ 146.000 = € 73.000x2).

 

Já quanto aos danos não patrimoniais a questão é distinta.

De facto, o Tribunal a quo, considerando os danos apurados como relevantes, condenou o Réu no pagamento ao Autor, de uma indemnização – a este título – no montante de € 2.000.

E é também contra esta condenação que o Réu se insurge no Recurso, entendendo que tal contraria o disposto no n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil.

 

E assiste total razão neste ponto ao Réu-Recorrente.

O aqui convocado artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil preceitua que na “ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda de sinal ou de pagamento do dobro deste ou do aumento do valor da coisa à data do não cumprimento”.

Januário Gomes, a seu propósito, sublinha que sem “margem para dúvidas, pode-se afirmar que a primeira parte do n.º 4 do art.º 442.º tem aplicação sempre que, em qualquer contrato – incluindo os contratos-promessa – o contraente fiel, seja ele o accipiens ou o tradens, faça funcionar o mecanismo do sinal. Em tal caso, inexistindo convenção em contrário, não pode ele exigir indemnização suplementar, ainda que alegue e prove que os prejuízos sofridos excedem em valor a indemnização ditada “a forfait” pelo mecanismo do sinal”[6].

E acrescenta: “inexistindo convenção em sentido diverso, é de entender que a indemnização correspondente ao sinal – embora só despoletável em caso de incumprimento definitivo – cobre todos os danos sofridos pelo contraente fiel, ainda que deixe “descobertos” os danos excedentes sofridos pelo mesmo ou que, abstractamente, possam ser isolados dois tipos de danos e, logo dois tipos de indemnização”[7].

 

Repare-se, como ponto base da análise desta questão que, no caso dos autos, nem houve “tradição da coisa”, nem no contrato-promessa foi estipulado o que quer que seja em especial sobre a matéria, pelo que o n.º 4 do artigo 442.º tem aqui pleno funcionamento: usando as palavras de Gravato Morais, na “falta de convenção em contrário [à indemnização], os critérios assinalados que têm na sua base o sinal são, portanto, o único mecanismo ressarcitório possível desde que nada tenha sido convencionado.

Por isso, quando um dos promitentes exige o pagamento de outras quantias que visam o ressarcimento dos danos causados, o tribunal rejeita linearmente tais pretensões”[8].

De tudo isto resulta que está “excluída a possibilidade de se exigir o pagamento de outra indemnização compensatória, além das previstas nesta norma, para reparar os danos resultantes do não cumprimento”[9].

Isto permite concluir - como no Acórdão da Relação de Lisboa de 28/02/2019 (Processo n.º 427/15.3T8SSB.E1-Ana Margarida Leite[10]) – que, “não tendo havido tradição do bem imóvel prometido vender, havendo sinal e tendo a promitente-vendedora incumprido definitivamente o contrato-promessa celebrado, têm os promitentes-compradores direito à exigida restituição do sinal em dobro, não lhes assistindo direito a qualquer outra indemnização pelo incumprimento do contrato, salvo convenção em contrário, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil”.

Ou seja, e seguindo o que com clareza se afirmou no Acórdão da mesma Relação de 19/12/2007 (Processo n.º 10344/2007-6-Pereira Rodrigues[11]), isto quer dizer que “se no contrato-promessa dos autos, para além do sinal, as partes tivessem ressalvado através de cláusula penal acessória a ressarcibilidade de danos não patrimoniais que eventualmente se viessem a produzir, teriam os apelantes apoio legal para o pedido que formulam de indemnização pelos danos morais que invocam. Como assim não sucedeu, tal pedido tinha de soçobrar”.

 

Face ao exposto e assistindo razão ao Réu-Recorrente, terá de ser alterada a decisão do Tribunal a quo, absolvendo-se este do pagamento ao Autor dos € 2.000 em que foi condenado a título de danos não patrimoniais.

 

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Resta, por fim, a apreciação da questão da condenação em custas sem a referência ao apoio judiciário (IV).

Trata-se de uma não questão.

O apoio judiciário concedido vigora no processo até ser alterada a decisão.

De facto, na parte da decisória da decisão em apreciação não foi feita a referência a “sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido”, mas não é por isso que tal benefício foi retirado (no momento em que se fizesse a conta do processo ele sempre seria considerado).

Essa referência ficará agora feita, sem que, todavia, constitua uma alteração de fundo ao decidido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

            a) Condenar o Réu no pagamento ao Autor do sinal constituído, em dobro, no o montante de € 146.000 (cento e quarenta e seis mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal dos juros civis, a contar da sentença, até integral cumprimento;

            b) Absolver o Réu do demais peticionado nos autos.

            e) Condenar Autor e Réu, no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do concedido benefício de apoio judiciário.

 

Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

Lisboa, 25 de Janeiro de 2022

 

 

Edgar Taborda Lopes

 

 

 

Luís Filipe Sousa

 

 

 

José Capacete


[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.

[2] Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu regime civil, Almedina, 1995, páginas 444 a 448 (onde se fazem desenvolvidas referências doutrinárias e jurisprudenciais e se desmontam - com eficácia - as raras posições em sentido distinto).

[3] Ana Afonso, in Comentário ao Código Civil-Direito das Obrigações-Das Obrigações em Geral (coordenação de José Brandão Proença), Universidade Católica Editora, 2021, página 84.

Assim, vd. STJ 18/06/2009 (Processo n.º 246/09.6YFLSB.S1-Oliveira Rocha, disponível em www.dgsi.pt) e 10/01/2008 (Revista n.º 3088/07-1.ª Secção-Moreira Alves, sumário disponível em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=25677&codarea=1); STJ 25/02/2003 (Processo n.º                     03A200-Afonso Correia, disponível em www.dgsi.pt) e RE 20/10/2010 (Processo n.º 2766/03.7TBPTM.E1-Mário Serrano), RE 15/12/2016 (Processo n.º 82/14.8T8VRS.E1-Mata Ribeiro) e RC 14/12/2020 (Processo n.º 234/18.3T8LRA.C1-Moreira do Carmo), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

De sublinhar que já em 1965 (ainda antes da vigência do actual Código Civil, circunstância que, para o caso, irreleva) o Supremo Tribunal de Justiça dizia que “o contrato promessa de venda de coisa alheia é inteiramente válido, uma vez que comporta conteúdo exclusivamente obrigacional de mera prestação de facto; e é igualmente válido o contrato-promessa de venda de coisa em parte alheia” (STJ 29/10/1965, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 99.º, página 85).

[4] Yara Miranda, A venda de coisa alheia (em linha), Themis: Revista de Direito. ISSN 2182-9438, Ano 6, n.º 11 (2005), páginas 111-144, disponível em https://pdfcoffee.com/venda-de-coisa-alheiayaramiranda-pdf-free.html [consultado a 11/01/2022]. Neste ponto, transcrita sem citação, também em Francisca  Oliveira  Pimentel Castro Manso, Algumas questões jurídicas da venda de bens alheios (em linha), Dissertação  apresentada  à  Universidade  Católica Portuguesa, 2014, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16424/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Francisca%20Manso.pdf [consultado a 11/01/2022].

[5] Estão, como tal, correctas as considerações expostas pelo Tribunal a quo no sentido de que o “autor refere que o réu havia alienado o terreno a uma sociedade em 09.07.2018 e que, portanto, o não podia vender ao autor como prometido.

Alude ainda ao registo do embargo sobre a moradia que impediria o cumprimento de promessa de venda livre de ónus e encargos.

Alude o autor a estes factos para circunstanciar os termos do incumprimento definitivo resultante do não comparecimento do réu na escritura, não justificação da sua ausência e não designação de nova data no prazo concedido, não assacando o autor a estes factos relevância jurídica própria – como sejam qualquer situação de nulidade, anulabilidade ou redução do negócio.

Assim, tais factos são considerados como circunstanciadores da conduta do réu”.

[6] Manuel Januário da Costa Gomes, Em tema de contrato-promessa, AAFDL, 1990, páginas 37-38.

[7] Manuel Januário da Costa Gomes, ob. cit., página 38.

Em sentido semelhante, Ana Prata, in Código Civil Anotado (Coordenação de Ana Prata), volume I, Almedina, 2017, página 566.

[8] Fernando de Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral – Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, página 228.

[9] Ana Afonso, Comentário…, cit., página 169.

Repare-se que, mesmo que se quisesse seguir o entendimento mais flexível (e minoritário) de Nuno Pinto Oliveira (Ensaio sobre o sinal, Coimbra Editora, 2008, páginas 287, 289 e 291; Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, páginas 954, 955, 959) - que defende uma interpretação restritiva do artigo 442.º, n.º 4, para o conciliar e harmonizar com o princípio da não exclusão e não limitação da responsabilidade por dolo ou por culpa grave, permitindo, portanto que o credor pudesse nesse caso, exigir indemnização por todos os danos resultantes do não cumprimento - não teríamos no nosso processo factos que nos permitissem concluir por tal dolo/culpa grave.

[10] Disponível em www.dgsi.pt.

[11] Disponível em www.dgsi.pt.

No Acórdão do STJ de 09/03/2004 (Processo n.º 04B691-Salvador da Costa), em que, numa situação semelhante estava também pedida indemnização por danos não patrimoniais, foi também entendido que o promitente-comprador só tem direito a exigir da promitente-compradora faltosa o pagamento do sinal em dobro “se for de concluir no sentido do incumprimento definitivo pela última do contrato de compra e venda”.

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