terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Conservatória ou Tribunal: a competência alternativa para regulação do exercício das responsabilidades parentais

Sumário:

I - Da conjugação do artigo 274.ºA, n.º 1, do Código do Registo Civil, com o artigo 1909.º, n.º 2, do Código Civil, resulta que, quando os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores ou proceder à alteração de acordo já homologado, têm uma opção alternativa:

                   - podem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil; ou

                   - podem requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais.

II – Só esta alternatividade permite concatenar essas normas obstando à criação de situações discriminatórias determinadas pelo estatuto civil dos pais (casados ou não casados).

III – O n.º 1 do artigo 274.º do Código do Registo Civil encontra-se numa relação de subordinação material relativamente ao n.º 2 do artigo 1909.º do Código Civil, pelo que a expressão “devem requerê-lo” (circunscrita aos procedimentos a adoptar pelos progenitores uma vez feita a opção pela regulação do exercício das responsabilidades parentais junto das conservatórias), cede perante a alternativa de competência que decorre das expressões “podem requerê-lo” e “ou requerer”.

  

Processo n.º   6481/21.1T8LRS.L1 - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Família e Menores de Loures-Juiz 3

  Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

 Relatório

T………………. e J…………… requereram no Juízo de Família e Menores de Loures a homologação do acordo a que chegaram (e que juntaram), referente à regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos (A……………..).

 

O Ministério Público veio promover o indeferimento da pretensão dos Requerentes visto que a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais por mútuo acordo deverá ser apresentada na Conservatória do Registo Civil, nos termos dos artigos 1909.º, n.º 2, do Código Civil e 274.ºA do Código do Registo Civil, na redacção da Lei n.º 5/2017, de 02 de Março.

 

Por decisão de 22 de Setembro de 2021, o Juízo de Família e Menores de Loures entendeu que, por “força do disposto no artº 274º-A do Código do Registo Civil (aditado pela Lei nº 5/2007, de 2 de março), a competência (exclusiva) para a homologação de acordo extrajudicial de regulação das responsabilidades parentais cabe em exclusivo à respetiva Conservatória do Registo Civil, onde, aliás, deve ser apresentado o respetivo requerimento.

Assim, carece o Tribunal de competência para apreciar do formulado pedido de homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais.

Pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento inicial e determino o oportuno arquivamento dos autos”.

 

A Requerente veio recorrer desta decisão, apresentando as seguintes Conclusões:

A- Nos presentes autos os Requerentes dirigindo-se ao Tribunal à Quo, por já terem obtido um consenso sobre a regulação das responsabilidades parentais da sua filha Menor, A…………, peticionaram nos termos do disposto no artº. 43º nº3, do RGPTC, a homologação do respectivo acordo sobre aquela regulação, para o que juntaram o mesmo, devidamente assinado por ambos.

B- O Tribunal a quo, erradamente, considerou ser incompetente para o efeito, e indeferiu liminarmente o requerimento supra referido.

C- Porém, o que a Lei 5/2017 de 2 de Março estipulou, foi apenas a possibilidade das partes poderem requerer, também, junto das Conservatórias do Registo Civil, tal homologação relativa ao acordo sobre a Regulação das Responsabilidades Parentais.

D- Na verdade, jamais tal Lei retirou aos Tribunais a competência para homologação de acordos extra-judiciais de Regulação das Responsabilidades Parentais dos Menores, que continua a ser sua, por via do RGPTC, v.g. artºs. artºs 6º, 7º e 8º e 34º, respectivamente.

E- Cabendo, todavia, aos respectivos Progenitores, a simples opção de o requererem junto das Conservatórias do Registo Civil, ou, junto dos Tribunais, como é o presente caso.

F- De acordo com o disposto no art.º 1909 n.º2 do Código Civil, os Pais podem requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais de os seus filhos menores, nos termos previstos no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, pelo que os Tribunais de Família e Menores têm competência em razão da matéria para a homologação desses acordos.

G- Assim dispõem os artigos 37º nº1 e 123 nº1 d) da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.

H- A decisão recorrida é ilegal por violação dos preceitos legais supra referidos, devendo a mesma ser revogada e substituída por uma outra em que admita o requerimento inicial destinado à homologação dos respectivos acordos de Regulação das Responsabilidades Parentais da Menor, devendo os autos prosseguirem os seus respectivos termos.

 

O Ministério Público veio, de seguida, apresentar Contra-Alegações, concluindo que:

a) Os recorrentes sustentam que, nos termos do art.º 1909/2 do C. Civil, na redacção da Lei n.º 5/2007, de 02-03, os progenitores podem optar por apresentar o pedido de homologação do acordo sobre as responsabilidades parentais dos filhos menores na Conservatória do Registo Civil ou no Juízo de Família e Menores competente.

b) Porém, tal preceito legal deverá conjugar-se com o disposto no art.º 274-A/1 do C. R. Civil, na redacção da referida Lei, o qual impõe que o pedido de homologação do acordo sobre a RERP dos menores corra termos na Conservatória do Registo Civil.

c) Logo, o JFM de Loures carece de competência para apreciar o pedido dos requerentes, cabendo tal competência à C. R. Civil, pelo que a douta sentença recorrida não nos merece qualquer reparo.

 

 

Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

 

Configurado como está o Recurso, em causa nestes autos estará o saber se é a Conservatória do Registo Civil a competente para tramitar o pedido de homologação do acordo sobre as responsabilidades parentais dos filhos menores, ou se essa competência pertence também ao Juízo de Família e Menores.

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

 

Fundamentação de Facto

Sendo a questão a apreciar apenas jurídica, os elementos factuais com relevo para a decisão são os que constam do Relatório.

*

Fundamentação de Direito

A Lei Orgânica do Sistema Judicial (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), no seu artigo 37.º, n.º 1, preceitua que, na “ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território”, fixando-se – artigo 38.º - no momento em que a acção é proposta, sendo irrelevantes as modificações de facto (salvo nos casos especialmente previstos na lei) ou de direito ocorridas na pendência da acção (excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa).

Por outro lado, nos termos do artigo 40.º do referido diploma:

                       - os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (n.º 1);

                       - a competência em razão da matéria é definida por esta Lei, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada (n.º 2).

 

Em sequência, é o artigo 123.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma, que dispõe que aos juízos de família e menores (juízos de competência especializada), incumbe “Regular o exercício das responsabilidades parentais e conhecer das questões a este respeitantes”.

 

O Código Civil, nos artigos 1905.º[2] e 1906.º[3], regula o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento[4], regime este que serve também para os casos de responsabilidades parentais de:

            - filhos de cônjuges separados de facto (artigo 1909.º[5]);

            - progenitores não unidos pelo matrimónio (artigo 1911.º[6] e 1912.º[7]).

 

Para os casos de separação de facto e de dissolução de união de facto, bem como para as situações de pais não casados, nem unidos de facto, a Lei n.º 5/2017, de 2 de Março, aditando ao artigo 1909.º o transcrito n.º 2, estabeleceu um “regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil”, regime que - até aí – estava previsto apenas para os casos de divórcio ou separação de pessoas e bens por mútuo consentimento.

 

Chamado aqui à colação é também o Código do Registo Civil, que viu a mesma Lei aditar-lhe uma subsecção (VII-A), onde se prevê o processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo, definindo – no n.º 1 do artigo 274.ºA[8] – que “os progenitores que pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos, ou proceder à alteração de acordo já homologado devem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil”[9], sendo a decisão destes processos da exclusiva competência do Conservador.

Após a apreciação do acordo, o processo é remetido ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência do menor, para que este se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 30 dias, findo o qual, não existindo oposição, é homologado pelo conservador, em decisão com o valor de sentença judicial (n.ºs 3 a 6 do artigo 274.ºA).

 

Assim, quando se requer a homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais junto da Conservatória de Registo Civil, a intervenção dos Tribunais apenas surge nos casos em que os interesses dos menores não estejam acautelados nos acordos (artigos 274.ºB[10], n.º 3 e 274.ºC[11]), ou seja quando estes acordos não acautelem devidamente os interesses dos menores.

 

É perante estes normativos e na consideração de que as “mutações ocorridas no direito da família e das crianças provocaram, naturalmente, alterações no sistema de resolução dos conflitos familiares levando a que algumas competências e procedimentos, tradicionalmente sob a alçada dos tribunais, viessem a ser transferidos para entidades não judiciais”[12], que a questão da competência decidida pelo Tribunal a quo deve ser colocada.

 

São duas as posições em confronto:

            - por um lado, a que entende que após a entrada em vigor da Lei n.º 5/2017, a competência para a homologação dos acordos de regulação das responsabilidades parentais é exclusiva das conservatórias deixando os juízos de família e menores de ter competência para o efeito;

            - por outro lado, a que defende a possibilidade de – em alternativa – os pais requererem a homologação judicial do acordo da regulação das responsabilidades parentais, ou requererem essa homologação junto da Conservatória do Registo Civil.

 

A primeira (que foi defendida na Decisão sob recurso) e que nunca teve o apoio dos Tribunais superiores, existindo apenas uma nótula subscrita por Rui Alves Pereira e Madalena Sepúlveda[13], onde se refere que a referida Lei n.º 5/2017, de 02 de Março, “procede a uma alteração ao Código Civil, no n.º 2, do artigo 1909.º, e adita, conforme já referido, ao Código do Registo Civil o art.º 274-A, sendo que no primeiro artigo o Legislador utiliza a expressão “os Progenitores podem” e no segundo artigo utiliza a expressão “os Progenitores devem”.

Sabemos que existe uma larga diferença entre estas duas expressões, sendo a primeira uma faculdade e a segunda uma obrigação. Posto isto, pergunta-se: no caso em que haja acordo dos Progenitores, devem aqueles recorrer à Conservatórias do Registo Civil ou podem?

Não obstante a diferente terminologia utilizada nas disposições legais supra mencionadas, parece-nos que a resposta nos leva à obrigatoriedade de recurso das Conservatórias para regular, ou alterar, o exercício das responsabilidades parentais quando haja acordo dos Progenitores”.

 

Não cremos que assista razão a este entendimento.

Vejamos porquê.

Indo aos primórdios da Lei em causa, logo na Exposição de Motivos constante do Projeto de Lei n.º 149/XIII, fez-se constar o seguinte: “Através da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, procedeu-se a uma alteração relevante do Código Civil no domínio do Direito da Família que, entre outras matérias, permitiu a agilização dos procedimentos nos casos de divórcio por mútuo consentimento, assegurando que a efetivação da regulação das responsabilidades parentais se possa fazer também nessa sede, desde que exista acordo dos cônjuges. Presentemente, é, pois, possível aos pais casados que, no âmbito de um processo de divórcio por mútuo consentimento integralmente tramitado junto das Conservatórias do Registo Civil, procedam à fixação do acordo sobre o exercício de responsabilidades parentais, minorando os encargos pessoais do processo e agilizando substancialmente os procedimentos, com inegável vantagem face ao regime anterior.

A experiência de mais de sete anos de aplicação do regime é reveladora de um balanço francamente positivo da medida, cumprindo um desiderato relevante de desburocratização, com vantagem para os cidadãos e para o Estado.

Tal faculdade, porém, não é reconhecida aos pais não casados que pretendam proceder à regulação das responsabilidades parentais, uma vez que não se abre o caminho dessa regulação por via agilizada na ausência de processo análogo ao do divórcio por mútuo consentimento junto das Conservatórias, seja porque as uniões de facto se dissolvem sem necessidade de formalidades adicionais, seja porque não há resposta expressa e agilizada para a regulação de responsabilidades parentais quando as mesmas não surgem enquadradas em casamentos ou uniões de facto. Consequentemente, e apesar da clareza das disposições constantes do Código Civil quanto ao regime substantivo a aplicar, fica inviabilizado o recurso às Conservatórias do Registo Civil para este efeito, mesmo havendo pleno acordo dos pais e os interesses dos menores estando devidamente acautelados.

Paradoxalmente, nos casos em que nos deparamos com relações jurídico-familiares com menor intensidade de formalidade (o caso da união de facto) ou em que não existe entre os titulares do poder parental qualquer relação jurídico-familiar, o regime de regulação das responsabilidades parentais perante acordo das partes é mais oneroso do que nas situações de divórcio por mútuo consentimento.

Em suma, e apesar da clareza do regime substantivo, ainda recentemente objeto de revisão através da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, o regime vigente no plano processual obriga nestes casos ao recurso direto aos meios judiciais o que, por sua vez acarreta encargos adicionais para as partes e uma sobrecarga desnecessária para o sistema judicial, ou, alternativamente, a manutenção de situações de resolução informal da regulação das responsabilidades parentais, com menor certeza e segurança jurídica para os menores e suas famílias”.

Daqui resulta, portanto, que o que se visou foi:

                       - por um lado, possibilitar aos pais não casados o recurso às Conservatórias de Registo Civil, como solução com menos custos para os interessados;

                        - por outro, libertar os Tribunais de processos em que verdadeiramente não existe litígio, eliminando-se a obrigatoriedade do recurso à via judicial, que, todavia, permanece como opção.

 

De facto, as alterações introduzidas no Código Civil e no Código do Registo Civil, o que introduziram foi a possibilidade de progenitores não casados (separados de facto, unidos de facto em processo de separação, ou simplesmente progenitores que não convivem em condições análogas às dos cônjuges) requererem nas Conservatória de Registo Civil, a homologação do acordo de regulação de responsabilidades parentais (ou sua alteração)[14], assim eliminando uma desigualdade entre tipo de progenitores (que a Lei consagrava[15]).

 

Temos sempre a questão semântica e formal das palavras concretamente utilizadas e que poderiam indiciar a competência exclusiva das Conservatórias, mas, mesmo por esta via, essa não poderia ser a conclusão:

                       - “devem requerê-lo” (no n.º 1 do artigo 274.ºA do Código do Registo Civil);

                       - “podem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória(…) ou requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais” (n.º 2 do artigo 1909.º do Código Civil).

 

Concordando com o exposto no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/11/2018 (Processo n.º 12319/18.0T8LSB.L1-7-Ana Rodrigues da Silva)[16], releva “saber qual o alcance do art. 274º-A do Código do Registo Civil quando refere “ou proceder à alteração de acordo já homologado”.

A resposta a esta questão não pode deixar de passar pela já referida necessidade de adequação à realidade de progenitores não casados e por forma a evitar tratamentos diferenciados para situações idênticas. Ou seja, as normas introduzidas no nosso ordenamento jurídico através da Lei 5/2017 de 2 de Março não podem deixar de ser entendidas como um todo, visando a adequação das várias realidades sociológicas em que esteja em causa a necessidade de fixação de acordos sobre as responsabilidades parentais, afastando qualquer tratamento desigual entre as várias situações.

Por este motivo, a possibilidade de peticionar a homologação de um acordo ou a sua alteração apenas pode ser enquadrada no âmbito do art. 1909º do CC e na alternativa ínsita nesta norma[17].

Com efeito, importa não esquecer que o art. 1909º, nº 2 do CC permite aos progenitores optar entre duas vias, não excluindo qualquer uma das hipóteses aí referidas”.

Como complementa o Acórdão da Relação de Lisboa de RL 21/06/2018[18] (Processo n.º 28114/17.0T8LSB.L1-6-Maria de Deus Correia), “da conjugação de ambos os preceitos e especialmente da leitura do art.º 1909.º n.º2 do Código Civil do qual ressalta a disjuntiva “ou”, resulta claramente consagrada, em alternativa, a possibilidade de os pais requererem a homologação judicial do acordo da regulação das responsabilidades parentais, ou requerê-la junto da Conservatória do Registo Civil”[19], sendo certo que o “devem requerê-lo”, se reportará “apenas a regras procedimentais no âmbito deste processo junto das conservatórias, efectivada a prévia opção pelos progenitores”[20].

 

Ainda em reforço da alternatividade, também no Acórdão da Relação de Lisboa de 19-06-2018 (Processo n.º 2524/18.4T8LSB.L1-José Augusto Ramos)[21] se sublinha e assinala que não parece “correcto dar tanto ênfase à expressão devem utilizada no art. 274°-A, n°1, do Código de Registo Civil» porque «desde logo quando na actual redacção do art. 1909°, n°2, do Código Civil a expressão empregada até é pode».

Realmente no despacho recorrido, como se verifica da sua transcrição, não se deu, ou deixou de dar, ênfase à expressão «dever requerer», constante do n.º 1 do artigo 274°-A, do CRC.

Certo que, por si só, tal expressão não tem valor determinativo da competência, é expressão que releva como regra procedimental, desenvolvida nos números seguintes da norma, para tanto frequentemente utilizada em técnica legislativa.

E sendo assim acresce, substancialmente, à desvalorização da expressão como regra determinativa da competência a sua subordinação material à regra do n.° 2 do artigo 1909° do CC que permite a alternativa de competências.

Com efeito as regras dos artigos 34°, n.° 1, e 43°, n.° 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não foram proscritas pela Lei n.° 5/2017, ou, de outro modo, os filhos não têm jurisdição especial determinada pelo estatuto civil dos pais[22].

 

No mesmo sentido aqui defendido, também no Conselho Consultivo do Instituto dos Registo e Notariado, no Parecer n.º 18/CC/2018[23], se conclui que no “âmbito  da  desjudicialização  que  o  legislador  tem  vindo  a  empreender  nesta  matéria”, com a Lei n.º 5/2017, de 2 de Março, “podem ser configuradas três situações:

“I - requerimento de homologação de acordo do exercício das responsabilidades parentais, inicial, pode ser apresentado pelos progenitores referidos no artigo 1º da Lei nº 5/2017, em qualquer conservatória do registo civil – artigos 1909º, nº 2, 1911º, nº 2 e 1912, nº 2, do Código Civil (CC) e 274º-A, nº 1, do Código do Registo Civil (CRC) – ou no tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado – artigos 1909º, referido, 3º, alínea c), 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC);

II - requerimento de alteração de acordo já homologado pela Conservatória do Registo Civil, pode ser apresentado pelos progenitores indicados no aludido artigo 1º, da Lei nº 5/2017, em qualquer conservatória do registo civil – artigos 1909º, nº 2, 1911º, nº 2 e 1912º, nº 2, do CC e 274º-A, nº 1 do CRC – ou no tribunal – artigos 1909º, nº 2, do CC e 42º nºs 1 e 2, alínea a) do RGPTC;

III – requerimento de alteração de acordo já homologado pelo tribunal, pode ser apresentado pelos progenitores indicados no aludido artigo 1º, da Lei nº 5/2017, em qualquer conservatória do registo civil - artigos 1909º, nº 2, 1911º, nº 2 e 1912º, nº 2, do CC e 274º-A, nº 1 do CRC – ou no tribunal – artigos 1909º, nº 2, do CC e 42º nºs 1 e 2, alínea a) do RGPTC”.

 

Por fim, sublinha-se que este é também o entendimento assumido por Maria Oliveira Mendes, no estudo feito sobre a matéria e publicado na Revista do CEJ[24]: a “questão tem gerado controvérsia dado os termos utilizados nas duas normas: devem/podem.

Entendemos, porém, que da conjugação de ambas as normas e, especialmente, da letra do art. 1909.º, n.º 2, do Código Civil, resulta claramente consagrada, em alternativa, a possibilidade de os pais requererem, junto do Tribunal ou junto da Conservatória do Registo Civil, a homologação do acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais ou da sua alteração.

Outra leitura não poderá, a nosso ver, extrair-se da expressão “devem requerê-lo”, inserta no referido n.º 1 do art. 274.º-A, cuja previsão estará circunscrita aos procedimentos a adotar pelos progenitores uma vez feita a opção pela regulação do exercício das responsabilidades parentais junto das conservatórias; tal norma encontra-se, necessariamente, numa relação de subordinação material relativamente à regra do art. 1909.º, n.º 2, do Código Civil, que permite a alternativa de competência.

Cremos, pois, que o quadro legal vigente coloca nas mãos dos interessados a escolha do meio processual, através do qual pretendem a homologação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a sua alteração”[25].

 

Entrando a decidir.

Em face do exaustivamente acabado de referir, dúvidas não restam que a decisão sob recurso corresponde a um entendimento não apenas minoritário, mas errado, por não respeitar, nem a letra, nem a ratio das normas em causa.

Da conjugação do artigo 274.ºA, n.º 1, do Código do Registo Civil, com o artigo 1909.º, n.º 2, do Código Civil, resulta que, quando os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores ou proceder à alteração de acordo já homologado, têm uma opção alternativa:

                       - podem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil; ou

                       - podem requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais.

 

Assim, só pode concluir-se que o Juízo de Família e Menores de Loures é competente para a homologação dos acordos de regulação de responsabilidades parentais dos Requerentes, uma vez que estes manifestaram a opção pela via judicial.

 

O Recurso será considerado procedente e determinado o prosseguimento dos autos, em conformidade.

 

 

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida - considerando competente o tribunal recorrido para a homologação do acordo de regulação de responsabilidades parentais apresentado - e determinando a sua substituição por outra que faça prosseguir a instância.

Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais).

 

Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

***

Lisboa, 07 de Dezembro de 2021

 

 

Edgar Taborda Lopes

 

 

 

Luís Filipe Pires de Sousa

 

 

 

José Capacete



[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.

[2] Artigo 1905.º - “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

[3] Artigo 1906.º - “1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

       2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

       3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

       4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

       5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

       6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

       7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

[4] O que é extensível aos casos de regulação de responsabilidades parentais de filhos de cônjuges separados de facto, de progenitores não unidos pelo matrimónio, de adoptados quando os adoptantes gozem das responsabilidades parentais e dos apadrinhados civilmente, quando os padrinhos cessem a vida em comum - artigos 1909.º, 1911.º e 1912.º.

[5] Artigo 1909.º (Separação de facto) - “1. As disposições dos artigos 1905.º a 1908.º são aplicáveis aos cônjuges separados de facto.

2. Quando os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores ou proceder à alteração de acordo já homologado, podem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil, nos termos previstos nos artigos 274.º-A a 274.º-C do Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho, ou requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais, nos termos previstos no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro”.

[6] Artigo 1911.º (Filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivem em condições análogas às dos cônjuges) – “1 - Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º.

2 - No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a 1908.º”.

[7] Artigo 1912.º (Filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que não vivem em condições análogas às dos cônjuges) – “1. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes não vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1904.º a 1908.º.

 2. No âmbito do exercício em comum das responsabilidades parentais, aplicam-se as disposições dos artigos 1901.º e 1903.º, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 1909.º, sempre que os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais”.

[8] Artigo 274.º-A (Regulação das responsabilidades parentais junto da Conservatória) – “1 - Os progenitores que pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos, ou proceder à alteração de acordo já homologado, devem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil.

       2 - O requerimento previsto no número anterior é assinado pelos próprios ou pelos seus procuradores, acompanhado do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais e sobre alimentos.

       3 - Recebido o requerimento, o conservador aprecia o acordo convidando os progenitores a alterá-lo se este não acautelar os interesses dos filhos, podendo determinar para esse efeito a prática de atos e a produção da prova eventualmente necessária.

       4 - Após apreciação do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais prevista no número anterior, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência do menor, para que este se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 30 dias.

       5 - Não havendo oposição do Ministério Público, o processo é remetido ao conservador do registo civil para homologação.

       6 - As decisões de homologação proferidas pelo conservador do registo civil produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria” (artigo aditado pela Lei n.º 5/2017, de 02 de Março).

[9] Prevendo-se que, após apreciação do acordo, o processo seja remetido ao Ministério Público junto do tribunal competente em razão da matéria, no âmbito da circunscrição da residência do menor, para que este se pronuncie sobre o mesmo, no prazo de 30 dias, findo o qual, não existindo oposição, o Conservador o homologará, em decisão com o valor de sentença judicial (artigo 274.ºA, n.ºs 3 a 6).

[10] Artigo 274.º-B (Apreciação pelo Ministério Público) – “1 - Se o Ministério Público considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores, ou tendo os progenitores alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, emite parecer e remete o exercício das responsabilidades parentais ao conservador do registo civil para homologação.

2 - Caso o Ministério Público considere que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo neste último caso dada nova vista ao Ministério Público, salvo se este optar por convocar os progenitores a fim de suprir as falhas identificadas nos acordos.

3 - Nas situações em que os requerentes não se conformem com as alterações indicadas pelo Ministério Público e mantenham o propósito constante dos acordos, o processo é remetido para tribunal nos termos previstos no artigo seguinte.

4 - O Ministério Público promove a audição do menor para a recolha de elementos que assegurem a salvaguarda do superior interesse da criança, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro”.

[11] Artigo 274.º-C (Remessa para tribunal) – “1 - Se os acordos apresentados não acautelarem suficientemente os interesses dos menores, a homologação é recusada pelo conservador e o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais integralmente remetido ao tribunal competente da residência do menor no momento da instauração do processo.

2 - Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os progenitores tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se os mesmos não acautelarem os interesses dos filhos.

3 - O juiz pode determinar a prática de atos e a produção da prova eventualmente necessária, nos termos gerais.

4 - Os termos da regulação das responsabilidades parentais são decretados em seguida” (artigo aditado pela Lei n.º 5/2017, de 02 de Março).

[12] Maria Oliveira Mendes, Regulação do exercício das responsabilidades parentais por mútuo acordo nas Conservatórias do Registo Civil: as incongruências do sistema e a intervenção do Ministério Público, in Revista do CEJ, 2020-I, CEJ-Almedina, páginas 129-146 (133).

[13] Das responsabilidades parentais e da nova competência das Conservatórias do Registo Civil, em linha, Advogar.pt, 05/04/2017, disponível em https://www.advogar.pt/2017/das-responsabilidades-parentais-e-da-nova-competencia-das-conservatorias-do-registo-civil/ [consultado em 02/12/2021).

[14] E trata-se de uma alteração relevante, uma vez que, até esse momento, existia uma clara situação desigualdade ente progenitores casados e não casados: o recurso às Conservatórias só era possível para progenitores casados e em processo de divórcio ou separação de pessoas e bens.

[15] “Ou seja, as alterações legais foram determinadas por razões de igualdade de tratamento” - RL 21/06/2018 (Processo n.º 28114/17.0T8LSB.L1-6-Maria de Deus Correia), disponível em www.dgsi.pt.

[16] RL 27/11/2018 (Processo n.º 12319/18.0T8LSB.L1-7-Ana Rodrigues da Silva), disponível em www.dgsi.pt.

[17] Carregado nosso.

[18] RL 21/06/2018 (Processo n.º 28114/17.0T8LSB.L1-6-Maria de Deus Correia), cit.; RL 10/10/2019 (Processo n.º 4864/19.6T8LRS.L1-6-Cristina Neves); RL 27/11/2018 (Processo n.º 12319/18.0T8LSB.L1-7-Ana Rodrigues da Silva), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[19] Vd., ainda, em sentido idêntico, Maria Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 7.ª edição Revista, Aumentada e Actualizada, Almedina, 2021, página 17.

[20] RL 10/10/2019 (Processo n.º 4864/19.6T8LRS.L1-6-Cristina Neves), cit..

[21] RL 19/06/2018 (Processo n.º 2524/18.4T8LSB.L1-José Augusto Ramos), disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5485&codarea=58.

[22] Carregado nosso.

[24] Maria Oliveira Mendes, Regulação do exercício das responsabilidades parentais por mútuo acordo nas Conservatórias do Registo Civil: as incongruências do sistema e a intervenção do Ministério Público, in Revista do CEJ, 2020-I, CEJ-Almedina, páginas 129-146 (133).

Também Clara Sottomayor, Regulação…, página 17 e Tomé Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Quid Juris, 2.ª edição, página 102.

[25] Maria Oliveira Mendes, Regulação…, cit., páginas 136-137.

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