Sumário:
I – O
artigo 2016.º, n.º 1, do Código Civil consagra o princípio da auto-suficiência
de cada cônjuge após o divórcio.
II - A filosofia
subjacente à obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges passa pelo
reconhecimento de uma “recíproca solidariedade pós-conjugal”, decorrente da
existência de uma vida em plena comunhão no passado que obriga a – subsidiária,
tendencial, temporária e excepcionalmente – prolongar o
dever de assistência conjugal, como um resto de solidariedade familiar.
III – Esse
dever de prestação de alimentos reporta-se a situações de grande exigência
resultantes de manifesta carência de meios de subsistência em quadros de
impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimentos suficientes
para uma vida minimamente condigna (e não a colocação em posição idêntica, do
ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse
sido dissolvido) e que pode ser recusado por razões de equidade.
IV – A atribuição de uma pensão de
alimentos a ex-cônjuge pressupõe dois momentos sucessivos:
1.º - Verificação da
incapacidade do alimentado para prover à sua subsistência;
2.º - Ponderação das
necessidades do demandante e das possibilidades do demandado.
V – De acordo com
o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, é ao/à requerente dos alimentos que
cabe o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja:
i
- da sua incapacidade para prover à sua subsistência (por exemplo, por força da
sua idade, da sua saúde débil, da impossibilidade de iniciar o exercício de uma
qualquer actividade profissional para prover à sua subsistência, etc.) - artigo
2016.ºA);
ii
- das suas necessidades - artigos 2003.º e 2004.º;
iii
- de o requerido ter possibilidades de os prestar - artigos 2003.º e 2004.º.
VI – Quanto ao
requerido, caber-lhe-á o ónus (nos termos do n.º 2 do artigo 342.º) de provar
as circunstâncias que poderão justificar a não atribuição do direito a
alimentos:
i
- a sua impossibilidade de dar alimentos em face da sua condição económica;
ii- a iniquidade em que se
traduziria ficar com o encargo de pagar uma pensão de alimentos ao ex-cônjuge.
VII – Não tem
direito a alimentos a ex-cônjuge, de 44 anos, saudável, com formação e sem nada
que a impeça de desenvolver qualquer actividade profissional que lhe permita
prover à sua subsistência com mínimos de dignidade.
Processo n.º 869/19.5T8SXL.L1 -Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores do Seixal-Juiz 2
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
H…………….. intentou
a presente acção de
divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra G…………….. peticionando que seja decretada a dissolução do casamento
nos termos do disposto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.
O
Autor alega, em síntese, que casou com a Ré em 17/06/2007, que na constância do matrimónio nasceu uma
filha ainda menor de idade (E…………) e que se verifica uma situação de ruptura da
vida em comum, bem como a inexistência, por parte do Autor, de qualquer
intenção de retomar tal vivência.
Realizadas
tentativas de conciliação e não tendo havido acordo quanto à regulação das
responsabilidades parentais, foi cumprido o artigo 931.º, n.º 5, do Código de
Processo Civil.
Veio, de
seguida, a Ré apresentar Contestação,
defendendo-se por impugnação e deduzindo Reconvenção,
peticionando a final que a ação seja julgada improcedente por não provada e
que:
-
o Autor-Reconvindo seja condenado a pagar-lhe uma indemnização fixada em valor
não inferior a €6.500 (seis mil e quinhentos euros);
-
seja apreciado e julgado procedente o divórcio litigioso com fundamento na
violação dos deveres conjugais do Autor-Reconvindo;
-
seja decretada uma pensão de alimentos mensal de €350 (trezentos e cinquenta
euros);
-
seja atribuído o imóvel onde ambos residem como casa de morada de família da Ré
Reconvinte e filha, E………………...
O
Autor-Reconvindo respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional
e pela sua absolvição de todos os pedidos.
Proferido Despacho
Saneador, nele se decidiu:
-
conhecer da excepção dilatória de conhecimento oficioso, de incompetência
material do Tribunal quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais,
indeferindo-se parcial e liminarmente o pedido reconvencional no atinente a tal
pedido, absolvendo nesta parte o Autor-Reconvindo da instância;
-
admitir a Reconvenção quanto aos alimentos (artigos 555.º, n.º 2 e 266.º, n.º
1, do CPC, a prosseguir na presente ação;
-
convolar a ação para divórcio por mútuo consentimento;
-
atribuir da casa de morada de família ao cônjuge marido;
-
atribuir o animal de companhia (cão) ao cônjuge mulher.
Realizado
o julgamento foi proferida Sentença
que decretou os factos provados
e não provados e, a final, julgou a reconvenção parcialmente
procedente e, em consequência, fixou “uma pensão de alimentos de €175,00 (cento
e cinquenta euros) a pagar pelo Autor Reconvindo à Ré Reconvinte pelo período
de dois anos, por transferência bancária para uma conta cujo NIB a Ré
Reconvinte indicará nos autos em 5 dias, até ao dia 8 do mês a que respeita,
absolvendo o Autor Reconvindo do demais peticionado a título reconvencional no
atinente a alimentos”.
O Réu-Reconvinte
recorreu da Sentença lavrando as seguintes Conclusões:
A) De acordo com a douta sentença ora
recorrida, foi julgada parcialmente procedente a reconvenção e fixada uma
pensão de alimentos no valor de 175,00 euros a pagar pelo Autor Reconvindo à Ré
Reconvinte, pelo período de dois anos, por transferência bancária para um NIB
cuja Ré Reconvinte indicará nos autos em cinco dias, até ao dia 08 de cada mês
a que respeita, absolvendo o Autor Reconvindo do demais peticionado a título
reconvencional, no atinente a alimentos.
B) Alega para tanto, em síntese, a douta
sentença proferida que durante parte significativa da união conjugal a ora
Recorrida se dedicou ao estudo, tendo adquirido qualificação profissional como
terapeuta de medicina chinesa/acupuntura.
C) Que exerceu por conta própria a
actividade que interrompeu por motivos alheios à sua vontade.
D) Que o ora Recorrente não contribui
com qualquer pensão de alimentos para a menor.
E) Que a situação económico-financeira
do ora Recorrente é superior à da ora Recorrida, pelo que, subsistem
fundamentos para que aquele seja obrigado a prestar alimentos a esta.
F) Não pode o ora Recorrente concordar
com tal entendimento, pois
G) Se é verdade que a ora Recorrida se
dedicou a estudar durante parte da vivência conjugal, também é verdade que a
mesma exerceu a sua actividade durante largo período de tempo da vivência em
comum.
H) Tendo, inclusivé, montado um negócio
por conta própria onde exerceu a sua actividade durante vários anos, tendo
ainda trabalhado noutros locais, inclusive na clínica do Dr. P……….., como foi
referido em sede de julgamento pela própria ora Recorrida.
I) Facto que demonstra que a ora
Recorrida é uma pessoa capaz e com formação suficiente para prover o seu
sustento.
J) De salientar que a acção de divórcio
foi instaurada em 04 de Abril de 2019 e a ora Recorrida veio apresentar a sua
contestação em 04 de Dezembro de 2019, onde deduziu logo o pedido de alimentos,
ou seja, já nessa altura, estando a trabalhar a ora Recorrida, veio deduzir o
pedido da pensão de alimentos, facto que prova que a ora Recorrida teve sempre
em mente continuar a viver às custas do ora Recorrente mesmo após a separação,
como sempre fez, pois
K) A ora Recorrida é pessoa jovem,
saudável e com todas as condições para exercer uma actividade com a qual
consiga obter o seu sustento.
L) Sendo, inclusive, de salientar que a
ora Recorrida não juntou aos autos as suas declarações de IRS ou notas de
liquidação, nem qualquer documento emitido pela Autoridade Tributária a atestar
que pela falta de rendimentos estaria dispensada da apresentação do IRS, pelo
que não provou a ora Recorrida, nos presentes autos, a sua incapacidade de
prover ao seu sustento, como defende a douta sentença ora recorrida, não
podendo assim ser considerada a necessidade da mesma auferir de uma pensão de
alimentos.
M) Mesmo que a mesma não pudesse exercer
a sua actividade, o que não sucede, a ora Recorrida poderia sempre procurar
outro trabalho onde pudesse ganhar para o seu sustento, sendo essa a sua
obrigação, dado que cabe a cada cônjuge prover ao seu sustento.
N) Sendo a concessão da pensão de
alimentos algo que só deve ser concedido em situações muito particulares e
excecionais, nomeadamente quando por motivo de doença o cônjuge não pode
trabalhar ou porque durante toda a vivência em comum se dedicou à família não
exercendo qualquer atividade profissional, o que não é o caso, sendo clara a
lei que determina que após a separação o outro cônjuge não tem que manter o
mesmo padrão de vida que vivia na constância do matrimónio.
O) Tem a ora Recorrida todas as
condições para poder subsistir pelos seus próprios
meios e tem condições de prover ao seu
sustento.
P) O ora Recorrente para ter a sua vida
organizada trabalha, arduamente, muitas horas ao longo do dia, não se
compreende agora que vá pagar uma pensão à ora Recorrida que também pode
trabalhar e trabalha, só porque a mesma não se esforça e é desorganizada, que é
em suma o que acontece, na realidade.
Q) Na verdade, o pedido de alimentos da
ora Recorrida não provém sequer da conjuntura que temos vindo a viver no nosso
país porque foi formulado antes disso, mas da vontade que a ora Recorrida tem e
sempre teve, de viver às custas do ora Recorrente, pois
R) Esse foi um dos motivos que levou o
ora Recorrido a pedir o divórcio, a ora Recorrida sempre saiu para trabalhar
mas era sempre o ora Recorrente quem
suportava todas as despesas, não sabendo
o mesmo o que a ora Recorrida fazia ao seu dinheiro, constando isso já do
requerimento do pedido de divórcio instaurado pelo ora Recorrente,
S) Como tal, entende o ora Recorrente
não haver qualquer motivo para ser condenado no pagamento de uma pensão à ora
Recorrida, isto, após a ter sustentado durante todos os anos em que viveram
juntos, sem que a mesma comparticipasse para qualquer despesa, tendo ainda pago
a sua formação profissional.
T) Quanto à pensão de alimentos da
menor, o ora Recorrente só deixou de efectuar o seu pagamento quando o Tribunal
o determinou, pois já foi decretado o regime provisório da guarda partilhada,
que a ora Recorrida incumpriu.
U) Tendo depois sido fixada a entrega da
menor ao progenitor aqui Recorrente face ao incumprimento da ora Recorrida,
regime este que a ora Recorrida voltou a incumprir.
V) Pelo que, neste momento, a ora
Recorrida tem a menor na sua companhia desobedecendo e incumprindo a uma
decisão judicial, logo não pode o facto da Recorrida residir com a menor de 11
anos, servir como fundamento para a auxiliar e obter a pensão de alimentos.
W) Antes pelo contrário, se a ora
Recorrida se recusa a entregar a menor ao pai é porque tem condições para
prover ao seu sustento, sozinha, não carecendo assim da pensão de alimentos que
requer.
X) Face ao exposto, entende-se assim que
viola a douta sentença o disposto no n.º 1
do art.º 2016.º da Lei n.º 61/2008 de 31
de Outubro.
Y) Deve assim ser dado provimento ao
presente recurso e consequentemente ser
alterada a douta sentença, ora recorrida,
no sentido de absolver o ora
Recorrente da totalidade do pedido
reconvencional deduzido pela ora
Recorrida no
que à pensão de alimentos se refere.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição
inicial, como refere, ABRANTES GERALDES ), sendo certo que tal limitação já não
abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código
de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de
questões de conhecimento oficioso.
A
factualidade apurada na 1.ª Instância não foi colocada em causa no recurso.
Em causa estará, assim, a
verificação dos pressupostos para atribuição de uma pensão de alimentos por
parte de um cônjuge ao outro, findo o casamento por divórcio, na base da
factualidade dada como provada.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
de Facto
A
sentença sob recurso considerou como provada e não factualidade que não é
colocada em causa pelo apelante:
1.
Autor e Ré são casados um com o outro no regime da comunhão de bens adquiridos,
tendo celebrado entre si casamento, sem precedência de convenção antenupcial,
no dia 17 de Junho de 2007.
2.
Desse casamento existe uma filha menor: E…….., nascida em 09/04/2010, tendo - à
data - o pai, 33 anos e, a mãe, 31 anos.
3.
A presente acção foi instaurada a 04/04/2019, data em que o Autor-Reconvindo
requereu que fosse decretada a dissolução do casamento e a Ré Reconvinte
contestou a ação em 04/12/2019, apresentando Reconvenção na qual peticiona a
atribuição de uma pensão de alimentos mensal de €350 a pagar pelo Autor
Reconvindo à Ré Reconvinte.
4.
A Ré Reconvinte e o Autor Reconvindo residem em casas separadas desde Março de
2020.
5.
A Ré Reconvinte tem formação em acupuntura.
6.
A Ré Reconvinte efectuou os seus estudos em acupuntura em período em que vivia
com o Autor Reconvindo.
7.
Em Fevereiro de 2020, a Ré Reconvinte, por motivos alheios à sua vontade,
deixou o espaço físico onde exercia a sua profissão.
8.
A Ré Reconvinte beneficiou até Maio de 2021 de um apoio atribuído pelo ISS, no
âmbito da Pandemia por Covid 19, no valor de €219.
9.
A Ré Reconvinte confeciona bolos e salgados, para venda a particulares, estimando
auferir cerca de €80 mensais com esta atividade.
10.
Em maio de 2021 a Ré Reconvinte auferiu cerca de €160 em trabalhos de
acupuntura, executados em regime de domicilio.
11.
A Ré Reconvinte encontra-se na atualidade a desenvolver diligências para
desenvolver a sua atividade profissional de terapeuta de medicina chinesa /
acupuncturista por conta própria.
12.
A Ré Reconvinte apresenta as seguintes despesas mensais fixas:
•
renda de casa – €300 (trezentos euros).
•
condomínio – €119.
•
água / eletricidade / gás – €83,33 (€500 semestrais).
•
Crédito pessoal – €170 euros (cento e setenta euros).
13.
A Ré Reconvinte apresenta 6 mensalidades de renda de casa e 2 mensalidades de
condomínio em atraso.
14.
O Autor Reconvindo exerce a atividade profissional de mecânico de refrigeração.
15.
O Autor Reconvindo aufere aproximadamente €1.432 mensais líquidos no exercício
da sua atividade profissional por conta de outrem.
16.
O montante referido em 14. contempla complemento de isenção de horário e de
responsabilidade por uma unidade operativa.
17.
Pontualmente, o Autor Reconvindo exerce a sua atividade profissional por conta
própria, daí auferindo proventos variáveis e incertos.
18.
O Autor Reconvindo apresenta as seguintes despesas mensais fixas:
•
Crédito habitação – 400.
•
Água – 20.
•
Eletricidade – 70.
•
Crédito pessoal – 187,53 euros.
•
Telefone – 40.
19.
O Autor Reconvindo reside atualmente com uma companheira, em casa desta, a qual
exerce atividade profissional de professora de natação numa autarquia, um filho
menor de idade (11 anos) da companheira e a progenitora da companheira,
reformada.
20.
O Autor Reconvindo comparticipa as despesas comuns do seu atual agregado
familiar.
21.
A Ré Reconvinte reside com a filha comum do casal, de 11 anos de idade.
Factos
não provados
a)
O Réu Reconvinte está obrigado a proceder ao pagamento de uma pensão de
alimentos à sua filha, no valor mensal de 125 euros (cento e vinte e cinco
euros).
b)
O Réu Reconvinte está obrigado a proceder ao pagamento de ¾ das despesas com
ATL, Hip Hop, Balet, Sala de estudo, explicações, despesas médicas e
medicamentosas, na parte não comparticipada, despesas escolares e despesas com
terapias e psicólogos:
•
Ballet e Hip Hop – 45 euros (quarenta e cinco euros);
•
ATL – 150 euros (cento e cinquenta euros) (cfr. Doc. 25);
•
Psicóloga – 26 euros x 4 = 104 euros (cento e quatro euros);
c)
Durante o período em que o casal coabitou, foi sempre o Autor Reconvindo quem
suportou todas as despesas da casa.
Fundamentação
de Direito
A
sentença sob recurso julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção,
com base no seguinte processo de raciocínio:
-
a medida dos alimentos depende da verificação das seguintes condições: possibilidade
do alimentante; necessidade do alimentado; possibilidade de o alimentando
prover à sua subsistência;
-
a obrigação de alimentos mantém-se mesmo após a dissolução do casamento por
divórcio nos termos dos artigos 2009.º, n.º 1, al. a), 2016.º e 2016-A.º do
Código Civil;
-
o artigo 2016.º-A - introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e
vigente a partir de 30 de Novembro de 2008 - introduziu uma importante
alteração em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, estabelecendo a regra de
que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao
ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência
e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente
vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir
ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos
primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de
condições para reorganizar a sua vida;
-
para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge
necessitado, além dos elementos indicados no artigo 2016.º, n.º 3,
acrescentara-se três factores de ponderação: a duração do casamento, a
colaboração prestada à economia do casal e um novo casamento ou união de facto;
-
cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência e só se a
um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos
do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna,
e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge
obrigado a prestá-los;
-
para apuramento das necessidades do cônjuge beneficiário - credor da prestação
de alimentos -, tem o Tribunal de tomar em consideração, em face do custo de
vida, todos os gastos necessários ao seu sustento (alimentação, saúde), para
além dos referentes à habitação (onde se deverão incluir os consumos de
energia, água e telecomunicações) e vestuário, a duração do casamento, a
colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos
cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o
tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus
rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral,
todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe
os alimentos e as possibilidades do que os presta;
-
o casamento dos autos durou cerca de 14 anos, os cônjuges residem em casas
separadas desde Março de 2020;
-
a Ré Reconvinte durante parte significativa da união conjugal dedicou-se ao
estudo, tendo adquirido qualificação profissional como terapeuta de medicina
chinesa / acupuncturista (actividade que ainda exerceu por conta própria mas
que interrompeu por ter recebido ordem de deixar o local onde a desenvolvia -
propriedade de familiares do Autor Reconvindo e por força das medidas
excepcionais decretadas aquando da pandemia de Covid19);
-
os cônjuges são saudáveis e jovens;
-
o Autor Reconvindo é mecânico de refrigeração por conta de outrem (e
irregularmente por conta própria);
-
a filha de ambos, está – em desrespeito pela decisão do Tribunal – a residir
com a mãe e que o pai não se encontra a contribuir com qualquer montante a
título de pensão de alimentos ou para as despesas da menor;
-
estão demonstradas as necessidades da Ré Reconvinte no recebimento de alimentos
(ausência de rendimentos fixos provenientes do trabalho, fracos proventos
decorrentes da confecção caseira de bolos; despesas mensais fixas de cerca de €672);
-
o Reconvindo aufere cerca de €1.432 mensais líquidos, apresentando despesas
(apuradas) na ordem dos €743;
-
a situação económico-financeira do Autor Reconvindo é significativamente
superior à da Ré Reconvinte, pelo que subsistem fundamentos para que aquele
seja obrigado a prestar-lhe alimentos;
-
a Ré Reconvinte cumpriu o ónus da prova das suas necessidades e de que o Autor
Reconvindo tem possibilidades de os prestar;
-
€175[1] é um
valor proporcional aos rendimentos e despesas do Autor Reconvindo e necessária
perante as despesas (e receitas) actuais da Ré Reconvinte, tudo tendo em
consideração que de momento o Autor Reconvindo não se encontra obrigado ao
pagamento de prestação alimentícia devida à filha menor de ambos;
-
não obstante a ideia de solidariedade (pós) conjugal e de um dever de
assistência, o legislador introduziu o carácter temporário da obrigação,
estando em causa apenas a garantia de um mínimo de vida digno e de uma
obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta
carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria
dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida
minimamente condigna;
-
a pensão atribuída será determinada por dois anos, porquanto é expectável que a
Ré Reconvinte consiga começar a obter proventos que garantam a sua subsistência.
Entrando
a decidir.
Convocados para a análise da questão
dos autos temos as normas dos artigos:
- 2003.º (Noção), n.º 1[2];
- 2004.º (Medida dos alimentos)[3];
- 2009.º (Pessoas obrigadas a
alimentos), n.º 1, alínea a)[4];
- 2016.º (Separação judicial de
pessoas e bens e divórcio), n.º 1[5],
2[6],
3[7]
e 4[8];
- 2016.ºA (Montante dos alimentos),
n.º 1[9],
2[10],
3[11]
e 4[12],
todos do Código Civil[13].
A regra que nos guiará na apreciação da
situação dos presentes autos é a que consagra o chamado “princípio da
auto-suficiência”[14]
(cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio) e que decorre
expressamente do n.º 1 do artigo 2016.º.
Os alimentos entre ex-cônjuges têm sido
abordados pelo Código Civil português vigente sobre distintas perspectivas e
que reflectem o contexto sócio-cultural dos respectivos momentos:
- em 1966 (Decreto-Lei n.º 47.334, de
25 de Novembro de 1966, que aprovou o novo Código Civil) começaram por ser
vistos como uma sanção sobre o cônjuge culpado ou principal culpado pelo
divórcio;
- com a Democracia (Decreto-Lei nº
496/77, de 25 de Novembro, que aprovou a reforma do Código Civil), passaram a
ter um carácter essencialmente alimentar;
- desde 2008 (Lei n.º 61/2008, de 31
de Outubro, que aprovou alterações ao Código Civil), restringindo a sua
aplicação, mas mantendo essa natureza alimentar[15],
eliminando mesmo a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de
alimentos nestes casos.
Hoje em dia, portanto, a filosofia
subjacente à obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges - que
decorre fundamentalmente do estatuído nos artigos 2016.º e 2016.ºA - está
imbuída (para usar uma expressão de J.P.
Remédio Marques) de uma ideia de “recíproca solidariedade pós-conjugal”[16],
ou se se preferir, radicada na ideia de um “dever de solidariedade/dever
assistencial imposto em função da vida em comum ocorrida no passado, que a lei
assume verificar-se na generalidade dos casos”[17].
Guilherme de Oliveira
assinala que, nestas situações, estamos perante um “prolongamento do dever de
assistência conjugal, um resto de solidariedade
familiar”[18] (tornado cada vez mais
difícil, por força da banalização do divórcio e sucessão de núpcias e relações),
que constitui uma medida justa e realista, ao conciliar “a aplicação de um
ideal de solidariedade entre os indivíduos que se encontraram numa ‘plena
comunhão de vida’ com a responsabilização individual daqueles que estão a
dissolver esse vínculo e a caminhar no sentido da plena autonomia”[19]
Com
Ana Resende podemos afirmar sem
dúvidas que “o fundamento último, ético e jurídico, da obrigação de alimentos
entre ex-cônjuges encontra-se num princípio de solidariedade pós-conjugal. Não
se pode, com efeito, tratar os ex-cônjuges como se nunca houvessem sido
casados. É que o divórcio não pode apagar o passado nem obstar ao
desenvolvimento actual de determinadas consequências do matrimónio. Trata-se
como que de uma eficácia póstuma do vínculo matrimonial, de um efeito ultra-activo
do casamento”[20].
Ou
seja, dissolvido o vínculo conjugal (e, como tal, também o dever de assistência
previsto no artigo 1675.º do Código Civil), não desaparece necessariamente o
direito a alimentos entre os ex-cônjuges (por qualquer deles, independentemente
do tipo de divórcio e sem que esteja em causa manter o estatuto económico
pré-divórcio[21]): têm é de estar reunidos
os pressupostos (positivos e negativos) prevenidos pelos artigos 2016.º e
2016.ºA do Código Civil.
Assim,
na base do já referido princípio da auto-suficiência, “a solidariedade, por via
da obrigação de alimentos, tende a ser uma exceção. Mas a obrigação não é
afastada radicalmente, porque as realidades sociais não mudam à velocidade da
lei e continua a haver pessoas com necessidades que não lhes permitem
sobreviver sem ajudas”, pelo que, o “ex-cônjuge continua a poder ser chamado a
prestar alguma solidariedade pós-matrimonial, porventura apenas
transitoriamente, num quadro que pode ser designado por “alimentos reabilitadores””[22]
(expressão também usada por Paula Távora
Vítor[23]), a não ser em
situações que rocem a iniquidade (cfr. n.º 3 do artigo 2016.º[24]).
Este direito a alimentos após o
divórcio, como se diz paradigmaticamente no Acórdão da Relação do Porto de
15/09/2011 (Filipe Caroço)[25],
assenta – assim – num “dever assistencial” que perdura para além do casamento e
que “passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação
de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência
de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de
obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente
condigna”.
Por seu turno, o Supremo Tribunal de
Justiça, tem seguido o mesmo entendimento, afirmando que:
-
a obrigação alimentar entre ex-cônjuges na decorrência de divórcio ou de
separação judicial de pessoas e bens se funda no chamado princípio da recíproca
solidariedade pós-conjugal induzido pela anterior comunhão plena de vida e
justificado pelo desequilíbrio que a rutura dessa comunhão possa provocar nas
condições de vida de um dos ex-cônjuges em relação ao outro[26];
-
ao “redigir o artigo 2016.º-A, n.º 1, do CC, não teve o legislador português
como intenção colocar o ex-cônjuge carecido de alimentos numa posição idêntica,
do ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse
sido dissolvido, desmistificando uma certa expectativa jurídica de garantia da
auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, que
consubstanciaria o casamento como um verdadeiro «seguro de vida», por não ser
«concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica
já extinta», até porque não se pode subestimar a ideia básica, hoje vigente
neste âmbito do Direito da Família, de que “cada cônjuge deve prover à sua
subsistência, depois do divórcio”, porquanto o direito a alimentos pode ser
negado, por razões manifestas de equidade.
É que o direito do cônjuge a uma
existência, economicamente, autónoma e condigna, já não é, presentemente, uma
realidade a tomar em consideração nas situações posteriores ao divórcio, pois
que a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a
idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e
possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à
criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou
união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre
as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que
os presta, a que alude o nº 1, do artigo 2016º-A, do CC, são apenas «índices»
do critério da fixação do montante dos alimentos e não a «razão de ser» da
existência do direito do autor do pedido”[27].
Em face de tudo o já exposto, podemos
concluir que o direito a alimentos entre ex-cônjuges é um direito especial e com
uma natureza excepcional e subsidiária, tendo-se como objectivo “prestar um
socorro que atinja um “mínimo decente””[28].
Ou seja, partindo do princípio geral de
que após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens “cada cônjuge
deve prover à sua subsistência” (esta é a regra), só há direito a alimentos se
um dos ex-cônjuges não tiver possibilidades de prover à sua subsistência[29].
Deste modo, quando é pedida (como
ocorre in casu) uma pensão de
alimentos, começa por ser necessário proceder ao apuramento da incapacidade de
quem a pede para subsistir pelos seus próprios meios, só depois se partindo para a verificação dos restantes requisitos.
Como se decidiu no Acórdão da Relação
de Lisboa de 19/12/2013[30],
“pedida pensão de alimentos a ex-cônjuge, importa apurar a incapacidade de o
demandante prover à sua subsistência”, sendo que só “a partir dessa constatação
é que se avança para a verificação dos demais requisitos, i. e., a ponderação
das necessidades de quem os pretende e as possibilidade daquele que os presta”.
Ou seja, e na mesma linha, agora em
concordância com o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/04/2012[31],
“constatada que esteja a qualidade de ex-cônjuge do demandante de alimentos,
tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente
após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos
daquele preceito, i. e, a ponderação das necessidades de quem os pretende e as
possibilidade daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias
ali enumeradas, com a finalidade de fixar o montante respectivo”[32].
Há, pois, assim, dois momentos sucessivos[33]
que importa atender:
1.º - Verificação da incapacidade do
alimentado para prover à sua subsistência;
2.º - Ponderação das necessidades do
demandante e das possibilidades do demandado[34].
Quanto a estes dois momentos, diga-se
que, em termos de ónus da prova, de acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do Código
Civil, é ao/à requerente dos alimentos que cabe o ónus da prova dos elementos
constitutivos do seu direito, ou seja:
- da sua incapacidade
para prover à sua subsistência (por exemplo, por força da sua idade, da sua
saúde débil, da impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer
actividade profissional para prover à sua subsistência, etc.)[35]
(artigo 2016.ºA);
- das suas necessidades
(artigos 2003.º e 2004.º);
- de o requerido ter
possibilidades de os prestar (artigos 2003.º e 2004.º).
Quanto ao requerido, caber-lhe-á o ónus
(nos termos do n.º 2 do artigo 342.º) de provar as circunstâncias que poderão
justificar a não atribuição do direito a alimentos:
- a sua impossibilidade
de dar alimentos em face da sua condição económica;
- a iniquidade em que se traduziria
ficar com o encargo de pagar uma pensão de alimentos ao ex-cônjuge.
No que ao primeiro momento concerne e
seguindo Maria João Vaz Tomé, será
necessário que se mostre comprovado no processo que o ex-cônjuge está
efectivamente com necessidade de alimentos, “qualquer que seja a causa que
produziu o seu estado de necessidade, desde que tal necessidade não seja
susceptível de ser satisfeita mediante um empenhamento diligente.
Encontra-se em necessidade quem não
consegue satisfazer adequadamente as necessidades de uma vida autónoma e digna,
quer com o seu património, quer com a sua força de trabalho. Se a necessidade
do alimentando for susceptível de cessar com o seu trabalho (de acordo com as
suas possibilidades físicas e intelectuais, o seu estado de saúde, etc.), com a
abstenção da prática do jogo, da prodigalidade ou de outros vícios e condutas
impeditivas do desenvolvimento de uma actividade profissional, não deve então
ter direito a alimentos, pois que inexiste uma verdadeira e própria necessidade”[36].
(...)
Acrescenta a mesma Autora que, na
apreciação da capacidade de trabalho do ex-cônjuge carente de alimentos, “relevam
a sua formação, as suas aptidões, a sua idade, o seu estado de saúde, assim
como o tempo requerido pelo cuidado dos filhos após o divórcio. Não basta a
mera aptidão do alimentando para o trabalho, sendo necessária a possibilidade
real de efectivo desempenho do mesmo, dada a dificuldade com que pode deparar
em encontrar um posto de trabalho em virtude de crise económica e desemprego.
Na verdade, no caso de o alimentando dispor de qualificações profissionais, mas
sendo as suas possibilidades de aplicação, deverá esta circunstância ser
apreciada globalmente enquanto impossibilidade real e actual de satisfazer as
suas próprias necessidades. O que não significa, todavia, que ao alimentando
seja consentido abdicar do exercício de outra actividade remunerada em virtude
de esta ser alheia às suas qualificações académicas ou profissionais”[37].
Nestas circunstâncias, como se assinala
no Acórdão da Relação de Guimarães de 12/09/2013[38],
não basta que o alimentando alegue que não dispõe de rendimentos para assegurar
“a sua subsistência, e que precisa de prover ao seu sustento, pois isso é
apanágio de qualquer cidadão, devendo a Autora provar que está impossibilitada
de angariar trabalho para garantir a sua subsistência”.
Este é pois o ponto decisivo para a
análise desta matéria: saber como comprovar que o ex-cônjuge está
impossibilitado de angariar a sua subsistência. E, nas palavras de Jorge Pais do Amaral, ele “só não tem
possibilidades de angariar, pelo seu próprio esforço, os meios de que necessita
para viver, nos casos em que, por exemplo, sofre de alguma limitação que o
impede de trabalhar ou já revela incapacidade para o trabalho devido à avançada
idade ou à falta de habilitações. Estes e outros casos semelhantes fazem surgir
o direito a receber alimentos”[39].
Em face destas considerações, há que começar
por verificar se dos factos dados como provados é possível ultrapassar o
primeiro momento de apreciação acabado de referir e concluir que a
Reconvinte-Recorrida provou estar capaz de prover à sua subsistência.
Assim, para o que nos interessa, temos
provado que:
-
o casamento de Autor e Ré data de 2007 (1);
-
Autor tem actualmente 44 anos (2);
-
Ré-Reconvinte tem actualmente 42 anos /2);
-
a Reconvenção foi apresentada em 04/12/2019 (3);
-
Ré Reconvinte e Autor Reconvindo residem em casas separadas desde Março de 2020
(4);
-
Ré Reconvinte tem formação em acupuntura (6);
-
Ré-Reconvinte efectuou os seus estudos em acupuntura em período em que vivia
com o Autor Reconvindo (6);
-
em Fevereiro de 2020, a Ré Reconvinte, por motivos alheios à sua vontade,
deixou o espaço físico onde exercia a sua profissão (7);
-
Ré Reconvinte beneficiou até Maio de 2021 de um apoio atribuído pelo ISS, no
âmbito da Pandemia por Covid 19, no valor de €219 (8);
-
Ré Reconvinte confeciona bolos e salgados, para venda a particulares, estimando
auferir cerca de €80 mensais com esta actividade (9);
-
em maio de 2021 a Ré Reconvinte auferiu cerca de €160 em trabalhos de
acupuntura, executados em regime de domicilio (10);
-
Ré Reconvinte encontra-se a desenvolver diligências para exercer a sua
atividade profissional de terapeuta de medicina chinesa / acupuncturista por
conta própria (11);
-
Ré Reconvinte apresenta as seguintes despesas mensais fixas: €300 de renda de
casa; €119 de condomínio, €83,33 de água / eletricidade / gás; €170 de crédito
pessoal (12);
-
Ré Reconvinte apresenta 6 mensalidades de renda de casa e 2 mensalidades de
condomínio em atraso (13).
Perante estes factos o Tribunal a quo concluiu que a Ré Reconvinte estava
impossibilitada de prover ao seu sustento.
Compreendendo embora o raciocínio
realizado (ausência de rendimentos fixos provenientes do trabalho,
fracos proventos decorrentes da confecção caseira de bolos; despesas mensais
fixas de cerca de €672),
cremos não lhe assistir razão, por perder a visão de conjunto da matéria.
De facto, não pode esquecer-se que falamos
de uma mulher saudável, jovem (com 42 anos) e com formação como acupunctora.
Nada nos parece justificar que findo o
casamento entre Autor e Ré, aquele tenha de continuar a assegurar a
subsistência desta, dado que a solidariedade (pós) familiar
que aí estaria em causa, teria de assentar em razões factuais claras que
demostrassem a sua excepcionalidade.
A regra, como se disse, é a de que cada
ex-cônjuge deve assegurar a sua subsistência, sendo a fixação de alimentos uma
medida excepcional, subsidiária e tendencialmente temporária[40].
E a situação dos autos nada tem de
excepcional: a Reconvinte, pela idade, pelas condições de saúde, pela formação,
não tem qualquer handicap que lhe
impeça desenvolver qualquer actividade que lhe permita prover à sua
subsistência com mínimos de dignidade.
A Reconvinte tem plena capacidade para
exercer uma actividade profissional que a sustente.
Certo que tem gastos superiores aos
seus proventos, mas disso não pode o Autor ser vítima: é também à Reconvinte
que cabe adequar as suas despesas aos seus proventos.
A atribuição de alimentos a
ex-cônjuges, como se refere no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 23/10/2012, está limitada “pela obrigação de socorro numa situação de grande
exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro
de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à
realização de uma vida minimamente condigna”, que não conseguimos vislumbrar: a
Ré Reconvinte pode – querendo – ter
um empenho diligente e adequado, colocando a sua força de trabalho,
capacidades, inteligência e motivação ao serviço de actividades que lhe
proporcionem rendimentos de subsistência.
E não vale a pena usar a “argumentação
COVID 19”, uma vez que o pedido de alimentos até foi feito antes de decretada a
pandemia e, mesmo em contexto de crise, nada impederia a Reconvinte de
prosseguir a sua actividade de acupunctora como tem feito (ao domicílio,
nomeadamente), ou outra (fazer bolos, como também tem feito).
Não é uma questão de ter aptidões e não
ter emprego por causa da crise. De querer e não poder. É uma questão de fazer
mais, de se esforçar mais.
Consideramos, assim, que a
Ré-Reconvinte não provou a excepcionalidade da sua situação de impossibilidade
de prover à sua subsistência, o que não permite sequer passar ao segundo
momento (de aferição das necessidades da Reconvinte e das possibilidades do
Reconvindo).
A apelação tem de proceder e a sentença
tem de ser revogada, julgando-se o pedido de fixação de alimentos formulado,
improcedente.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar procedente a apelação,
revogando a sentença recorrida e absolvendo o Autor-Reconvindo do pedido de
alimentos formulado.
Custas
a cargo da Ré-Reconvinte.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 07 de Dezembro de 2021
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa
José Capacete
[1] Na parte decisória da
Sentença escreve-se “€175.00 (cento e cinquenta euros)”, num manifesto lapso de
escrita.
[2] “Por alimentos
entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”.
[3] “1. Os alimentos
serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade
daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de
o alimentando prover à sua subsistência”.
[4] “1. Estão vinculados
à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes;
c) Os ascendentes;
d) Os irmãos;
e) Os tios, durante a menoridade
do alimentando;
f) O padrasto e a madrasta,
relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte
do cônjuge, a cargo deste”.
[5] “1. Cada cônjuge deve
prover à sua subsistência, depois do divórcio”.
[6] “2. Qualquer dos
cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”.
[7] “3. Por razões
manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado”.
[8] “4. O disposto nos
números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação
judicial de pessoas e bens”.
[9]
“1. Na fixação
do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do
casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de
saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de
emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos
comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e,
de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do
cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
[10]
“2. O tribunal deve
dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do
cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge”.
[11]
“3. O cônjuge
credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou
na constância do matrimónio”.
[12] “4. O disposto nos
números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação
judicial de pessoas e bens”.
[13] Na redacção que foi
introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e que vigora desde 30 de
Novembro de 2008.
[14]
Guilherme de Oliveira (com a colaboração de Rui Moura Ramos), Manual de Direito da Família, 2.ª edição, Almedina, 2021, página
329.
[15] Vd.,
com interesse, RP 15/9/2011 (Processo n.º 11425/08.3TBVNG.P1-Filipe Caroço), disponível em www.dgsi.pt.
[16]
Expressão usada
em 2000, in Algumas Notas Sobre
Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com
os Filhos (Em Especial Filhos Menores), Coimbra Editora, 2000, páginas 12 (nota
11) e 162 (nota 214);
A expressão é também assumida no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2017 (Processo n.º
1412/14.8T8VNG.P1.S1-Graça Trigo),
disponível em www.dgsi.pt (“Como vem sendo
afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de prestar alimentos
entre ex-cônjuges após o divórcio constitui um efeito jurídico novo, que radica
na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca
solidariedade pós-conjugal”).
[17]
RL 15-09-2015
(Processo n.º 2836/13.3TBCSC.L1-1-Rijo
Ferreira), disponível em www.dgsi.pt.
[18] Guilherme de Oliveira, ob. loc. cit..
[19]
Guilherme de Oliveira, ob. cit., página 333.
[20]
Ana Resende, Alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges, in II Jornadas de Direito da Família e
das Crianças – direito e prática forense, em linha, e-book CEJ-CRLOA, 2018,
página 175 [consultado a 25/11/2021], disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_JornadasFamiliaC2018.pdf.
No mesmo sentido, ainda, Maria João Vaz Tomé, Reflexões sobre a
obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, Textos de Direito de Família, para
Francisco Pereira Coelho, Coordenação de Guilherme de Oliveira, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2016, página 588.
[21] “Na verdade, o
cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível
de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa
que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem
uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos,
quando essa comunhão tiver cessado” - STJ 23/10/2012 (Processo n.º
320/10.6TBTMR.C1.S1-Helder Roque),
disponível em www.dgsi.pt.
[22]
Guilherme de Oliveira, ob. loc. cit..
[23]
Os alimentos
pós-divórcio – entre a solidariedade e a responsabilidade, Julgar, n.º 40,
Janeiro/Abril 2020, ASJP, página 190.
Cfr., também, assinalando a sua
natureza reabilitadora, RL 12/07/2017 (Processo n.º 3070/12.5TBBRR-2-Pedro Martins), disponível em www.dgsi.pt.
[24]
Se for “chocante
onerar o outro com a obrigação correspondente”, referia-se na exposição de motivos
do Projecto de Lei nº 509/X.
Expressivamente, o já citado Acórdão da
Relação de Lisboa de 15-09-2015 (Processo n.º 2836/13.3TBCSC.L1-1-Rijo Ferreira),
sobre esta matéria explica o contexto que leva a que nesses casos, não pode
haver lugar a alimentos: “Na enorme diversidade que a realidade nos oferece
podem ocorrer, porém, situações em que esse dever de solidariedade/dever
assistencial se encontra inibido, esvaziado de conteúdo ou completamente
diluído em face das concretas circunstâncias do caso; situações em que a
obrigação de prestação de alimentos surgiria aos olhos do sentir social, do bom
pai de família, como algo irrazoável, injusto, iníquo”.
“A expressão ‘razões manifestas de
equidade’ significa, em nosso entender, mais do que a mera culpa no divórcio,
situação que na anterior redacção do artº 2016º excluía o direito a alimentos.
O legislador ao abolir a necessidade de
averiguar e imputar a culpa no divórcio com as alterações da Lei 61/2008 não
quis obviamente ‘restaurar’ essa ideia redenominando a culpa em equidade
(presumindo-se que o legislador é conhecedor da diversidade de tais conceitos).
As razões manifestas de equidade têm,
pois, de consistir em circunstâncias de acentuada relevância que tornem
imperioso, segundo o sentir social, o afastamento daquele dever de
solidariedade/dever assistencial.
Como situações em que tal deva ocorrer
vislumbramos:
a) os comportamentos do
requerente de alimentos que atentem gravemente contra a vida ou integridade
física, psíquica ou sexual (v.g. homicídio tentado, maus tratos, coacção,
violação) daquele a quem são pedidos alimentos;
b) os comportamentos,
intencionais ou de grosseira negligência, do requerente de alimentos tendentes
a criar a necessidade de alimentos (v.g. dissipação do património, insolvência
devido a negócios ruinosos ou actividades criminosas);
c) o comprometimento do
requerente noutro projecto de vida em comum (novo casamento, união de facto ou
estabelecimento de parceria);
d) mas também outros padrões
comportamentais ligados a circunstâncias marcadamente aptas a produzir efeitos
jurídicos, como seja o tempo (que determina importantes figuras jurídicas
quanto à aquisição e extinção de direitos, como seja a prescrição, a
caducidade, o não uso, a usucapião)”.
Em sentido concordante, Ana Resende, Alimentos…, cit., páginas
176-177.
[25]
RP 15/09/2011
(Processo n.º 11425/08.3TBVNG.P1-Filipe
Caroço), disponível em www.dgsi.pt.
[26]
STJ 19/06/2019
(Processo n.º 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1-Tomé
Gomes), disponível em www.dgsi.pt.
[27]
STJ 23/10/2012
(Processo n.º 320/10.6TBTMR.C1.S1-Helder Roque), disponível em www.dgsi.pt.
[28] Guilherme de Oliveira, ob. cit., página 333.
[29]
O “legislador
visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do
divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à
sua subsistência» - RC 17/04/2012 (Processo n.º 320/10.6TBTMR.C1-Sílvia Pires), disponível em www.dgsi.pt.
[30]
RL 19/12/2013
(Processo n.º 27156/10.1T2SNT.L1-1-Rui
Torres Vouga), disponível em www.dgsi.pt.
[31]
RC 17/04/2012
(Processo n.º 320/10.6TBTMR.C1-Sílvia
Pires), cit..
[32]
Onde se
acrescenta ainda que “a necessidade do alimentando consiste na impossibilidade
de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens
pessoais seja com o seu trabalho, sendo, pois, a impossibilidade de prover ao
seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho. No
caso de poder prover às suas necessidades através do seu trabalho ou de outros
meios que lhe proporcionem um rendimento suficiente, o direito a alimentos pelo
ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, dado ser um meio subsidiário, só
justificável na ausência de outros meios de subsistência”.
[33] Com uma perspectiva
ligeiramente distinta, mas que chega às mesmas conclusões, no Acórdão da
Relação de Coimbra de 14/12/2020 (Processo n.º 487/18.5T8CLD.C1-Carlos Moreira), defende-se a realização
de duas ponderações:
“a) Ponderação primária tripartida das
necessidades do alimentando/possibilidades do obrigado/possibilidades do
alimentando em prover à sua subsistência;
b) Ponderação subsequente (de afinação)
tendo em conta, entre outras, a duração do casamento, colaboração prestada à
economia do casal, idade e estado de saúde, qualificações profissionais e
possibilidades de emprego, tempo para a criação de filhos comuns, um novo
casamento ou união de facto por parte de cada um dos cônjuges”.
[34] O chamado binómio
necessidade do alimentando-possibilidade do alimentante (Pedro Dias Ferreira, A pensão alimentar na sequência de divórcio,
separação e dissolução da união de facto; sua alteração e cessação, in III Jornadas de Direito da Família e
das Crianças – diálogo teórico-prático, em linha, e-book CEJ-CRLOA, 2019,
página 28 [consultado a 25/11/2021], disponível em https://crlisboa.org/docs/publicacoes/jornadas-familia2019/ebook.pdf.
[35]
“Está fora de
qualquer dúvida que a prova da incapacidade de prover à subsistência, que está
na génese do direito a alimentos entre divorciados, impende, como facto
constitutivo desse direito, àquele que deles pretende beneficiar, sendo assim a
Autora que terá que ter demonstrado os factos donde resulte essa incapacidade,
seja com os seus bens pessoais, rendimentos do trabalho ou de capital” - RC
17/04/2012 (Processo n.º 320/10.6TBTMR.C1-Sílvia
Pires), cit.; RL 19/12/2013 (Processo n.º 27156/10.1T2SNT.L1-1-Rui Torres Vouga), cit..
[36]
Maria João Vaz Tomé, Reflexões…, cit., páginas 596-597.
No mesmo sentido, STJ 14/01/2021
(Processo n.º 5279/17.6T8LSB.L1.S1-Maria
da Graça Trigo), disponível em www.dgsi.pt.
[37]
Ob. loc. cit..
[38]
Processo n.º
228/11.8TMBRG.G1-Estelita de Mendonça,
disponível em www.dgsi.pt.
[39] Jorge Pais do Amaral, Direito da Família e das Sucessões, 4.ª
edição, Almedina, 2017, páginas 201-202.
[40]
Assim, também,
RL 12/07/2017 (Processo n.º 3070/12.5TBBRR-2-Pedro Martins), RL 19/12/2013 (Processo n.º 27156/10.1T2SNT.L1-1-Rui Torres Vouga), RL 17/09/2013
(Processo n.º 13588/13.7T28NT-1-Afonso
Henrique), disponíveis em www.dgsi.pt.
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