domingo, 7 de novembro de 2021

Locação, Obras, Decisão Surpresa, Abuso do Direito e Juros de mora desde quando...

1 - Locação, obras, denúncia do arrendamento e entrega do locado - Ou quando o Estado é inquilino e o senhorio abusa

2 - Decisão surpresa - ou quando o Tribunal acende a luz...

3 - Abuso do Direito - o tu quoque e o benefício do infractor que a Lei permite evitar .

            Sumário:

I – Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto impõe-se-lhe o ónus de indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões; e de especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles

II – O contrato de locação de prédio urbano tem três elementos essenciais: a obrigação de proporcionar a outrem o gozo de um prédio urbano (1), o ter um carácter temporário (2) e o ser mediante retribuição (3)

III – Como reflexo da natureza temporária do contrato o prédio deve ser devolvido no estado em que foi recebido, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, devendo o arrendatário utilizá-lo como, nas concretas circunstâncias, o utilizaria uma “pessoa de bem”

IV – As deteriorações resultantes de uma prudente utilização da coisa locada não são da responsabilidade do arrendatário, sendo que, as por si realizadas voluntariamente para lhe proporcionar conforto, comodidade e bem-estar a si e/ou aos seus clientes já o serão, devendo fazer as reparações necessárias antes da entrega e devolução do prédio

V – O n.º 2 do artigo 1043.º do Código Civil estabelece uma presunção (nos termos do artigo 350.º do mesmo Código) de que a coisa foi entregue em bom estado de conservação

VI – O artigo 1044.º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do arrendatário

VII – As obras efectuadas para adaptação/beneficiação do prédio locado aos fins a que se destine de acordo com o contrato (funcionamento de serviços públicos – Tribunal), realizadas por um inquilino com o conhecimento do senhorio, expressamente autorizado para tal no próprio contrato (“todas as obras de adaptação e beneficiação para instalação dos serviços a que se destina o local arrendado, desde que não afectem a segurança da construção existente”), não podem ser consideradas meras deteriorações e não estão abarcadas pelo regime dos artigos 1043.º e 1073.º

VIII – As obras assim realizadas têm uma natureza originária e (re)fundadora da economia do contrato, inscrevendo-se no seu objecto e conteúdo, passando a incorporar-se na relação de direitos e deveres dos contraentes (alterando-a) e, como tal, o inquilino só terá de as repor, no momento da sua saída, se tal for ou tiver sido expressamente clausulado, o que não ocorre quando apenas se estipulou que, findo o contrato, o inquilino deixaria “o local em perfeitas condições de utilização”

IX – A expressão “perfeitas condições de utilização”, para ter um sentido útil, abarca a reparação, no momento da entrega, de paredes com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas e riscos (que, à partida, não estaria abrangida)

X - O artigo 20.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, reflectidos no artigo 3.º do Código de Processo Civil, obrigam ao cumprimento - ao longo de todo o processo - do princípio do contraditório ou da audiência contraditória, não podendo o tribunal decidir questões de facto ou de direito (mesmo que de conhecimento oficioso), sem conceder às partes – previamente – a possibilidade de apresentarem o seu «ponto de vista», assim obviando à existência de «decisões surpresa»

XI – Sendo certo que existe decisão surpresa quando a solução jurídica definida pelo tribunal não pudesse ter sido perspectivada pelas partes no processo e sobre ela tivessem tomado posição, tal também ocorre quando – podendo tê-la previsto – nenhuma das partes a tenha abordado e o tribunal se veja na contingência de dar uma decisão (também) baseada num instituto jurídico que não foi discutido pelas partes

XII – Se antes da prolação da Sentença o/a julgador/a antever que vai decidir o litígio mediante a aplicação de um regime/instituto jurídico diverso daquele que foi por pelas partes invocado ou discutido no processo, devem estas ser notificadas para sobre a matéria se pronunciarem, sob pena de violação do princípio do contraditório ou da audiência contraditória

XIII – Tendo a Sentença decidido com base no instituto do abuso do direito e não tendo as partes abordado esta matéria no decurso do processo, mas tendo-o feito em sede de alegações, não há necessidade de o processo ser devolvido à 1.ª Instância, em face - desde logo - da regra da substituição consagrada no artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil

XIV – Existe uma situação de abuso do direito quando se constata que este foi exercido - em termos objectivos - inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante, situação que ocorre, na modalidade de tu quoque, quando um senhorio, depois de durante vários anos não ter feito obras no locado que obstassem às infiltrações e inundações por este sofridas (apesar de para tal instado e de tudo ter conhecimento), venha, na sequência da denúncia do contrato pelo inquilino e entrega do locado, a exigir reparação para que o locado fique “em perfeitas condições de utilização”

XV – O artigo 805.º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil não tem aplicação no âmbito da responsabilidade contratual, pelo que só haverá mora relativamente ao pagamento de uma indemnização decorrente do artigo 1044.º do Código Civil, quando o valor desta se tiver tornado líquido, o que apenas ocorre, depois da discussão e produção da prova, no momento da Sentença, onde se constatam, definem e apuram efectivamente os danos ocorridos e o seu valor.

 

 

 

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

 

Relatório

J………………….. intentou a presente ação declarativa contra os Réus

            - I…………………. e o

            - Estado Português,

 peticionando a sua condenação a pagar-lhe

                                               - 66.708,75€ + IVA, correspondentes ao que terá de despender para colocar o locado/as frações em bom estado de conservação;

                                                - a quantia de 144.226€ resultante das rendas que o mesmo deixou de auferir desde Outubro de 2012 até Dezembro de 2015 (inclusivamente);

                                                - os juros vencidos à taxa legal no montante de 15.678€ (sendo que 8.589€ são contados sobre 66.708,75€ desde 11.09.2012 até 08.12.2015 e os restantes 7.089€ são contados sobre o valor de cada renda não auferida desde o final de cada mês a que corresponde até 08.12.2015) e os vincendos até integral pagamento;

                                                - as rendas que deixar de auferir desde janeiro de 2016, inclusivamente, até integral pagamento da quantia peticionada em a).

 

Em síntese, defende o Autor, que quando adquiriu as fracções autónomas designadas pelas letras BB-M e BB-N (descritas na Conservatória do Registo Predial de…………., freguesia de ……….., sob o número 675) incidia já sobre elas um contrato denominado de arrendamento celebrado em 17.01.2000 entre a anterior proprietária (……………) e o Estado Português, contrato esse que, ao abrigo do artigo 1057.º do Código Civil não cessou com a  transmissão (sendo que, a 10.09.2012, após terem as Rés denunciado o contrato até então existente, entregaram as fracções autónomas).

A isto acresce que, à data da entrega, verificou que as fracções não se encontravam em bom estado de conservação e nas mesmas condições em que foram entregues à 2.ª Ré no início do arrendamento, o que mencionou no mesmo auto.

O Autor considera que os danos existentes se devem a uma imprudente utilização do locado, traduzida na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e AVAC no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas, bem como, por outro lado, a uma descuidada remoção dos bens por parte dos Réus aquando da entrega das fracções. Os Réus, no seu entender, não repuseram o/as locado/fracções no estado em que inicialmente se encontrava(m) quando lhe(s) foi(ram) entregue(s) (em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização), designadamente no que respeita à instalação de Telecomunicações, ar condicionado e ventilação e construção civil, computando o valor total das reparações em 66.708,75€ + IVA (valor que peticiona, acrescido do valor das rendas que deixou de receber desde outubro de 2012 até dezembro de 2015 - 144.226,00€ ; dos juros vencidos à taxa legal no montante de 15.678€; e da quantia que deixar de auferir desde janeiro de 2016, inclusivamente, até integral pagamento da quantia peticionada a título de reparações).

 

Na Contestação os Réus excepcionaram com a ilegitimidade passiva do Estado Português (por a gestão do locado ter sido transferida desde 2000, para vários institutos autónomos, até chegar ao Réu I……….).

Os Réus defenderam-se ainda referindo que, feita a entrega do locado, o primeiro Réu se disponibilizou a efetuar ou a custear as reparações dos eventuais estragos e de modo que o locado estivesse em perfeitas condições de utilização, no âmbito daquilo que, na qualidade de arrendatário, lhe seria exigível por lei (tendo em conta o normal uso e o inerente desgaste, sabendo-se que existem obras de conservação e manutenção da obrigação do locador e que não deverá ser o arrendatário a substituir-se nas obrigações que são daquele).

Mais referiram que em face das divergências verificadas se procedeu à vistoria ao locado (a 30/6/2014), tendo a reparação dos danos sido orçamentada no montante global de 14.227,41€ (com IVA), o que foi aceite pelo I…...

Tudo o mais peticionado transcende os danos e valor que podiam ser assumidos pelo I…….

Por outro lado, os Réus ainda se referem às infiltrações de água oriundas da chuva e de uma fração do condomínio onde o locado está localizado, infiltrações das quais resultaram disparos na eletricidade e acumulação de água dentro do locado, ao rebentamento de um cano de esgoto numa sala de audiências (factos de que o senhorio foi alertado sem que nada tivesse feito, impossibilitando o inquilino de fazer as obras), do que conclui que para além do normal desgaste, o estado do locado (com destaque para o estado das paredes) se deve a tais infiltrações e à falta das necessárias obras.

 

Saneada a acção, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade do Estado Português, foi realizada audiência prévia na qual se proferiu despacho saneador, se identificou o objecto do litígio e se fixaram os temas da prova.

 

Realizada a audiência final foi proferida Sentença que decretou os factos provados e não provados e, a final, julgou a acção parcialmente procedente, em consequência do que condenou o réu I…………….. a pagar ao autor J…………… a quantia de oito mil oitocentos e onze euros e três cêntimos (a que acresce IVA) e ainda no pagamento dos juros vencidos desde a prolação da sentença até efectivo e integral pagamento,  absolvendo o Réu do demais peticionado.

 

 

O Réu-Reconvindo recorreu da Sentença e apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:

 

DA CONDENAÇÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DE 8811,03€ EM FACE DA CONFISSÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DE 14.227,41€ e de 2712,00€:

I.             O Tribunal ignorou a confissão do Réu e decidiu, por um lado, condenar a parte em quantia inferior àquela que o Réu expressamente confessou ser devedor e por outro, a não considerar provado a totalidade dos danos que o Réu assumiu ao aceitar o documento n.º 12 junto à P.I. violando, assim, os art.º 574 n. 2 e 607 n.º 5 a final a contrario,

 

II.            Ora,

 

III.           Atendendo a que nos art.ºs 12, 13, 49.º e 51.º da contestação a Ré aceitou a totalidade do documento, de sua autoria, junto à P.I. sob o n.º 12, o Tribunal a quo deveria ter considerado provado como da responsabilidade da Ré os danos que a parte assumiu nesse relatório.

 

IV.          Por outro lado,

 

V.           Uma vez que Ré expressamente confessou ser devedora ao Autor de 14227,41€ acrescida de 2712,00€ mais IVA nos mencionados artigos 12, 13, 49 e 51.º da contestação, o Tribunal a quo não poderia ter condenando o Réu em quantia inferior àquela que confessou ser devedor, devendo, no mínimo, condená-lo pelos valores que a mesma expressamente aceitou pagar ao Autor ou seja 14.227,41acrescidos dos 2712,00+IVA.

 

DA          CONTRADIÇÃO    ENTRE     O           FACTO   PROVADO            N.º 1      (ESCRITURA PÚBLICA DE ARRENDAMENTO) e N.º 9 (O RÉU NÃO REPÕS O LOCADO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRAVA ANTES DAS OBRAS REFERIDAS EM 2), POR UM LADO e do PONTO 2.3 DA SENTENÇA QUE CONSIDEROU QUE A REFERIDA REPOSIÇÃO NÃO ERA DEVIDA ATENTAS AS CLÁUSULAS NEGOCIAIS ACORDADAS, POR OUTRO

VI.          Foi considerado provado o teor do contrato de arrendamento (facto provado n. 1) e o Facto provado n.º 9, (que o Réu não repôs o locado no estado em que se encontrava antes das obras referidas em 2), porém, a sentença entendeu que a pretensa obrigação de reposição do imóvel, atentas as concretas cláusulas negociais acordadas (e tendo em atenção a obrigação de o locador assegurar gozo da coisa locada) carece de fundamento legal e negocial.

 

VII.         Ora, ao considerar provado o clausulado do contrato de arrendamento e o facto provado n.º 9, deveria ter sido condenado o Réu a pagar ao Autor todas as quantias advenientes de reparações/reposições, nomeadamente no que respeita à construção civil e melhor identificadas mais à frente, inerentes à referida reposição do locado ao estado em que se encontrava antes das obras realizadas pela Ré, tendo, por isso, a sentença interpretado e aplicado incorretamente o art.º 1043.ºdo CC,

 

VIII.        O art.º 1043.º do CC dispõe que o locatário obriga-se amanter e restituir no estado em que recebeu o locado, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, salvo convenção em contrário.

 

IX.          No caso em apreço, foi acordada convenção em contrário ao estipular-se, em vez do disposto no art.º 1043.º do CC, que o locado foi entregue em bom estado, devendo o inquilino restituí-lo em perfeitas condições de utilização considerando o estado em que o recebeu, que era bom.

 

X.           Afastando-se, assim, a regra do art.º 1043.º que restringe a responsabilidade de reposição apenas aos casos de imprudente e anormal utilização, pois no clausulado do contrato em apreço nada foi estipulado que afaste a responsabilidade nos casos de prudente utilização ou que as obras ficariam integradas na fração, ainda que tenha sido autorizada a obra de adaptação.

 

XI.          Nesse sentido, pese embora se possa aceitar que, não existindo convenção em contrário, as obras de adaptação possam, eventualmente, estar isentas de reposição por não resultarem de um uso imprudente, foi entendido, referente a cláusula de todo idêntica, pelo Tribunal de Évora no Acórdão de 05.12.2013 (Proc. 1722/12.9TJLSB-E1), que a cláusula segundo a qual o inquilino deveria  entregar o locado em perfeito estado de conservação e limpeza consubstancia uma convenção entre as partes que, por sua vez, afasta a limitação da responsabilidade do inquilino apenas aos casos de imprudente e anormal utilização. (negrito e sublinhado nosso) (...)afigura-se natural que, por um lado a autora tenha autorizado o réu a proceder às adaptações que se mostravam necessárias ao exercício da sua actividade profissional no local, mas que por outro lado tivesse procurado salvaguardar a sua posição, impondo ao inquilino que após o fim do contrato fizesse entregar o locado em perfeito estado de conservação, ou seja, responsabilizando-o pelas deteriorações do locado, incluindo aquelas efetuadas ao abrigo da autorização da autora.

 

XII.         O convencionado entre as partes no sentido de entregar o locado em perfeitas condições tem algum sentido, não tendo servido apenas para enfeitar o contrato, antes pretendendo impor ao recorrido uma obrigação tão exigente quanto a expressão perfeitas o obriga.

 

XIII.        Assim sendo, as matérias, como, por exemplo, da construção civil, que o Tribunal a quo entendeu não considerar provadas ou mesmo considerando, julgou não ser devida a sua reparação por indevida exigência de reposição por parte do recorrido, deveriam ter sido provadas e condenado o recorrido a pagar ao Recorrente o valor indemnizatório para a sua reposição.

 

DAS PERFEITAS CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO

XIV.        O Tribunal a quo não interpretou corretamente, ignorando o verdadeiro alcance, da cláusula convencionada entre as partes no contrato de arrendamento segundo o qual, o locado deveria ser entregue em perfeitas condições de utilização, violando assim o principio da restituição natural plasmada no art.º 562.º do CC.

 

XV.         Entregar o locado em perfeitas condições de utilizaçãonão significa entregar um imóvel novo, mas sim impecável e imaculada, e esse entendimento (entregar o imóvel impecável e imaculado) não afasta a responsabilidade do recorrido em suportar o pagamento das reparações exigidas pelo Autor.

 

XVI.        As reparações exigidas pelo Autor não pretendem repor o locado ao estado de novo mas sim ao estado de perfeitas condições.

 

XVII.       Pelo que, se a sentença tivesse interpretado corretamente o verdadeiro alcance de perfeitas condições de utilização, todas os danos existentes que contribuíram para que o locado não tivesse sido entregue em perfeitas condições, teriam sempre de determinar a condenação do recorrido no pagamento ao Recorrente do valor necessário para as devidas reparações.

 

DA Construção CIVIL

FACTOS 16, 16.1 E 17 DOS FACTOS PROVADOS E FACTO B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

XVIII.      Ao terem sido considerados provados os factos 16, 16.1 e 17 dos Factos Provados, não poderia ter sido considerado não provado o facto b) dos Factos não provados mas antes dado como provado que esse facto.

 

XIX.        Pois não poderia ter sido considerado que a existência de furos, riscos, adesivos e pregos é consentâneo com a actividade exercida no imóvel, mas sim o resultado de um uso imprudente e marcadamente pessoal que nada tem a ver com a adaptação do locado à actividade exercida pela Recorrida,

 

XX.       O que, aliás, foi constatado pela testemunha Eng………….., co-autor do relatório junto à PI com o Doc 10 (Ficheiro áudio n.º 20201019121102 - 09.10.2020) que referiu que os danos resultaram de um mau cuidado do espaço (00:18:20.0 a 00:18:20 e 00:36:12.6)

 

XXI.        O que levaria à condenação da Recorrida no pagamento à Autora do valor para reparação dos danos considerados provados (5424,00).

 

XXII.       Ou de, pelo menos, a metade desse valor que o Recorrido assumiu na contestação pagar ao Recorrente. (art.º 12, 13, 49 e 51 da Contestação).

 

XXIII.      Acresce que,

 

XXIV.      Ainda que não se considerassem esses danos resultantes de um uso imprudente (conforme considerou a sentença ao julgar não provado o facto b) dos Factos não provados), ao terem sido provados os danos, o responsável pelos mesmos e o valor da reparação (facto 16, 16.1 e 17), por si só levaria à condenação da Recorrida no referido pagamento, porquanto,

 

XXV.       Por ter sido convencionado entre Recorrente e Recorrido que o locado deveria ser restituído em perfeitas condições de utilização, afastou-se o art.º 1043.º do CC. mais precisamente na parte em que limita a responsabilidade do inquilino a repara apenas o que resulta de um uso imprudente, sendo obrigado a reparar todos os danos da sua responsabilidade, quer fossem resultantes de um uso imprudente quer não fossem.

 

DO ABUSO DE DIREITO - DECISÃO SURPRESA

XXVI. A sentença da qual ora se recorre violou o princípio do contraditório plasmado no art.º 3ºdo CPC ao julgar verificar-se uma situação de abuso de direito sem que tal instituto ou factos que a ele se subsumissem, em parte algum do processo, tivesse sido aflorado ou invocado.

 

XXVII. Para que a decisão em afastar a pretensão do Recorrente pudesse assentar no abuso de direito, teria de ser sido invocado e alegados factos que sustentassem o uso intolerável dos limites da boa fé, o que não aconteceu.

 

XXVIII. E mesmo que o Tribunal a quo tivesse extraído da prova produzida em julgamento factos que a tal reconduzissem, teria de notificar o Recorrente para se pronunciar, o que não aconteceu, pelo que, a decisão sustentada pelo instituto do abuso de direito é nula, ao abrigo do art.º 615.º n.º 1 do CPC por Violação do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do CPC.

 

Do abuso de direito - Falta de fundamento

XXIX.        Foram considerados provados os factos 23, 24 e 25 dos Factos provados o que sustentou o julgamento do Tribunal a quo no sentido do abuso de direito por parte do Recorrente ao peticionar os montantes relacionados com a reparação dos danos verificados ao nível das paredes.

 

XXX.       Por um lado, os factos provados não são suficientes para sustentar a tese do abuso de direito, em violação do art.º 334.º do CC.

 

XXXI.      Por outro, não poderiam ter sido considerados provados porque a mesma prova produzida em julgamento deixa bem claro que os danos peticionados não se relacionam com os problemas do imóvel causados por terceiros e que a dimensão dos danos provocados pelas infiltrações não se sobrepõem aos danos cuja reparação foi exigida pelo Recorrente.

 

XXXII.     Assim, atenta a ausência de abuso de direito em violação do art.º 334.º do CC e do incorreto julgamento como provados dos factos 23, 24 e 25 que deveriam ter sido julgados não provados, também por esta via, não poderia o Tribunal ter absolvido a Recorrida do pagamento à Recorrente do valor de 5424,00referente a reparações dos danos provocados pela Recorrida e considerados como provados em 16, 16.1 e 17, devendo, ao invés, tê-lo condenado ao mencionado pagamento.

 

XXXIII. Constitui abuso de direito, nos termos do art.º 334.º do CC o “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

 

XXXIV.  O abuso de direito assente no principio da proibição do “tu quoque, modalidade que a sentença considerou verificar-se no caso dos autos” implica que “quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte.” - Ac STJ de 14.03.2019 - proc 1189/15.0T8PVZ.P1.S1 - in www.dgsi.pt.

 

XXXV.    Ora, do facto 25 resulta que o dano verificado no locado foi causado por terceiros, de uma fração do condomínio onde o locado está localizado, o que foi de algum modo confirmado pela testemunha da Recorrida E………… (Ficheiro Audio nº 20201130112135 - 30.11.2020) que referiu ser um problema estrutural do edifício (00:10:58:2 a 00:11:09:5).

 

XXXVI.   Por outro lado, ainda que de um dano não causado pela actuação do Recorrido se tratasse e em relação ao qual não poderia eliminar a sua origem, ainda assim tomou providências para minimizar os seus efeitos, conforme depoimento das testemunhas que sobre esta matéria depuseram:

 

XXXVII.  E………………… (Ficheiro Áudio nº 20201130112135 -depoimento de 30.11.2020), confirmou que o Recorrente efetuou as reparações mas apenas após a parte de fora estar reparada (00:38:27.0 a 00:38:51.4) e confirmou que o Recorrente tentou estancar os danos na parte de dentro do locado, ao substituir o teto ( 00:43:23.2 a 00:44:11.7).

 

XXXVIII.  A testemunha A……………. (FICHEIRO ÁUDIO – DIA 09/11/2020 - Ficheiro áudio n.º 2021109151634 - 01:32:49.9) confirmou a existência de infiltrações mas em relação às quais houve reparações ( 01:37:16.6) antes do Recorrido sair (01:40:00.4 a 01:40:00.4 ; 01:40:06.8 a 01.41.00.7 ; 01:39:24.4 a 01.40.05.1 e 01:40:06.8 a 01:40:34.9).

 

XXXIX. Logo, não se verifica qualquer actuação ilícita por parte do Recorrente que sustente a teoria do abuso de direito e preencha os requisitos do art.º 334.º do CC na modalidade de “Tu Quoque” pois, se por um lado a origem do dano não lhe foi imputável nem a reparação da causa estivesse ao seu alcance por ser em fração de terceiros, por outro, não deixou de intervir no locado para minimizar os danos de infiltrações e inundações.

 

XL. Ademais, não foi provado que a situação das inundações e das infiltrações tenha criado um tal estado de coisas e de forma tão generalizada em todo o Tribunal, durante os anos largos de ocupação da Recorrida, que implicasse a paralisação do direito do Recorrente em peticionar os danos criados pela Recorrida.

 

XLI. O que foi confirmado pela testemunha M……………… (Ficheiro de áudio n.º 20201130153910 - 30.11.2020) que, pese embora tivesse conhecimento das situações de inundações e infiltrações, também referiu que nada viu no locado que fizesse concluir que era um espaço degradado (00:04:59:2 a 00:05:36.8).

 

XLII.        Por sua vez a testemunha do Recorrido E……….. – Ficheiro audio nº 20201130112135 depoimento de 30.11.2020 - pese embora a bem notória animosidade contra o Recorrido, a instâncias do Recorrente acabou por confirmar que, afinal, as infiltrações ocorriam apenas numa parte do locado, com maior incidência apenas em 4 espaços/salas, o que até foi concluído pelo Tribunal no decurso do mencionado depoimento  00:54:04.0).

 

XLIII.       Tal conclusão é corroborado pelo relatório do Eng……………… junto à PI sob o doc 10 no qual se concluir que os espaços com sinais de infiltrações/humidades são pontuais e bem assim do depoimento da perita nomeada pelo Tribunal M………… (Ficheiro áudio n.º 20201109165729 - 09.11.2020 ) que deixou claro que as humidades não era o que mais sobressaia no locado (00:05:48:8).

 

DA INCORRETA PROVA DOS FACTOS 23, 24 E 25 DOS FACTOS PROVADOS

XLIV.      Em relação ao facto 23 nenhuma testemunha confirmou que das infiltrações resultaram disparos na eletricidade.

 

XLV.       Da prova testemunhal enunciada no ponto 4.3.1 e para a qual se dá integralmente reproduzida (depoimento de A……….., depoimento de M…………… e depoimento de E………….) não foi provado quer o Autor quer o seu antecessor, foram alertados, em vão, para tomar as providências no sentido de realizar as obras necessáriaspois provou-se que o Recorrente interveio no locado para minimizar os problemas de infiltrações, logo, não poderia ter sido provado o facto 24 dos factos provados.

 

XLVI.      Quanto ao facto 25, não poderia o Tribunal concluir, pela prova produzida que o estado do locado era calamitosoe em condições péssimas para os utentes que ali trabalhavam pois a testemunha M……………. (Depoimento identificado supra) referiu que o estado em que via o locado não era de degradação e a testemunha E…………, muito embora pretendesse dar a ideia de um caos generalizado, a final teve de admitir que as infiltrações se localizaram apenas numa das parte do locado (conforme depoimento indicado em 4.3.1).

 

XLVII.     Pelo que os mencionados factos 23, 24 e 25 não poderiam ser considerados provados na parte referida e consequentemente não deveria ter sido julgado verificar-se abuso de direito por parte do Recorrente as pretensões peticionadas nos autos.

 

DOS FACTOS NÃO PROVADOS F) E G) (1. 12.) E DOS TEMAS DA PROVA 4, 5 E 6

XLVIII.    Confrontando os temas da prova 4,5 e 6 (Construção civil) com a factualidade não provada F, G (de 1 a 12), conclui-se que incorretamente a sentença não incidiu sobre toda a matéria para prova constante dos temas da prova e foram julgados não provados facto que deveriam ter sido considerados como provados, ora

 

DOS FACTOS NÃO PROVADOS G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8, G9, G10, G11 e G12 E DO TEMA DA PROVA N.º4

 

XLIX.      Ou a sentença considerou implicitamente provado no ponto 9 dos factos provados a factualidade vertida no ponto 4 dos temas da prova ou foi omissão quanto à sua pronuncia, devendo ter considerado provada a referida matéria.

 

L.            Caso a sentença tenha considerado provada a matéria do ponto 4 dos temas da prova implicitamente no ponto 9 dos factos provados e atento o alegado no tema 2 das presentes alegações (obrigação de reposição do locado ao estado inicial), seria devido a colocação das divisórias, paredes, tetos e caixilharia de alumínio e como tal teriam de ser considerados provados os factos G1 a G12 dos factos não provados e condenada a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de 25.899,25+ IVA (matéria 6 dos temas da prova)

 

LI.           Não sendo esse o caso, ou seja, não ser considerado provado o ponto 4 dos temas da prova, de forma implícita no Facto 9 dos Factos provados, sem prejuízo de omissão de pronuncia em relação a um tema da prova essencial ao objeto do litígio, o que desde já se invoca, sempre deveria ter sido provado essa factualidade e provados os factos não provados G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8, G9, G10, G11 e G12, por serem os trabalhos inerentes à referida reposição, bem como os demais trabalhos alegados na PI como essenciais à sua prossecução, condenando-se, neste caso, igualmente o Recorrido pelas mesmas razões (obrigatoriedade de reposição) no mesmo valor de 25.899,25+IVA.

 

LII.          E deveria ter sido considerada como provada a factualidade referente ao tema 4 dos temas da prova e os factos não provados G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8; G9; G10, G11 e G12 atendendo à seguinte prova produzida:

 

LIII.         - documento n.º 10 junto à P.I. e ao relatório pericial.

 

LIV.        - do depoimento da perita M………….. (Ficheiro áudio n.º20201109165729 - 09.11.2020) que confirmou as alterações ao locado por parte do Recorrido, tendo esclarecido quais, que esse conhecimento advém da peritagem e das plantas iniciais do locado, tendo no decurso de todo o seu depoimento esclarecido o que entendia, no relatório do doc. 10 junto a PI, o que eram reparações referentes aos danos provocados e aquelas que se referiam à reposição do locado ao que era antes da recorrida (00:02:35.6 a 00:02:49.7 ; 00:02:52:2 ; 00:03:06.0 ; 00:19:24:8 a 00:19:27:0 e justificado o valor das reparações (00:42:07.1 a 00:43:10.1).

 

LV.         - do depoimento de R…………… (Ficheiro áudio n.º 20201019121102 - de 19.10.2010), co-autor do relatório do doc 10 junto á PI, que confirmou as diferenças entre as plantas iniciais e as alterações implementadas pela planta que lhe foi facultada (00:09:35.0), e reiterou o que foi alterado pelo Recorrido e o que necessita de fazer para a sua reposição (00:12:52.9 a 00:24:42.4) e (00:25:33 a00:27:39.4)

 

LVI.        - Depoimento de A………. (FICHEIRO ÁUDIO – DIA 09/11/2020 - Ficheiro áudio n.º 2021109151634) esclareceu as paredes que existiam e não existiam antes das obras do recorrido, especificando cada uma, as divisões e os materiais (01:20:36.9 a 01:32:40.6)

 

DO FACTO G DOS FACTOS NÃO PROVADOS e FACTO 6 DOS TEMAS DA PROVA

LVII.       Não se alcança de onde foi extraído o facto G dos Factos Não provados (Para reparação do referido em 16 é necessário o valor de 66.708,75+IVA), porquanto, em nenhum momento foi alegado ou consta de algum documento que a reparação referida em 16 dos factos provados importava o total de 66708,75+IVA

 

LVIII.      Ao invés deveria ter o Tribunal se pronunciado quanto à prova do tema da prova 6 (a reparação dos danos referidos em 4 e 5 têm o preço de 25899,25€+ IVA) e considerado provado, atenta a prova produzida pelas testemunhas R………….. (00:31:49.3 a 00:33:06.3) e a perita da construção civil (00:42:42.5 a 00:42:45.1), bem como o documento n.º 10 junto à PI e o relatório pericial.

 

DOS FACTOS NÃO PROVADOS F, G5 e G10 ( DO TEMA DA PROVA 5B)

LIX.         Foi considerado erradamente não provado parte do facto F dos Factos não provados (correspondente ao 5B dos temas da prova), pelo que deveria ter sido considerado provado e consequentemente provado o facto G5 e o facto G10 e consequentemente condenado o recorrido no pagamento à Recorrente dos valores necessários para a reposição destas alterações constantes no orçamento do documento 10 junto à PI.

 

LX.          A prova deveria ter sido retirada do doc. 10 junto à PI (principalmente fls.4) e do depoimento das testemunhas R…………. (Ficheiro áudio n.º 20201019121102 - de 19.10.2010 -00:10:15.4, 00:08:50:01 ; 00:03:12.1 ), a perita M………………( Ficheiro áudio n.º 20201109165729 - 09.11.2020 - 00:39:02.8) e de A……….. (FICHEIRO ÁUDIO – DIA 09/11/2020 - Ficheiro áudio n.º 2021109151634 - 01:25:59.3)

 

DAS INSTALAÇÕES ELÉTRICAS - BASTIDOR - FACTO PROVADO 11.4

LXI.         Foi considerado provado o facto 11.4 (que o bastidor não se encontrava no locado) e bem assim que se encontra nas instalações do Tribunal Judicial, por iniciativa do Recorrido que para lá o levou sem o ter devolvido.

 

LXII.        Ao dar como provado que o bastidor foi retirado pelo Réu e ao não condenar o mesmo no pagamento equivalente a um bastidor, o Tribunal “a quo” omitiu pronunciar-se sobre tal questão, o que determina a nulidade da sentença nessa parte (615, n.º 1 do CPC), sem prejuízo da nulidade ser suprida por decisão que condene o Recorrido no pagamento do valor reclamado pelo Autor pelo dito Bastidor que entendeu, por sua iniciativa, retirá-lo das instalações do Recorrida.

 

DO AVAC

LXIII.       O Tribunal “a quo” absolveu erradamente o Recorrido do pedido relativamente ao equipamento de AVAC em oposição à prova produzida.

 

LXIV.      Nomeadamente ao depoimento do perito M……………. (Ficheiro áudio n.º 20201019100331) que de modo exaustivo referiu que o sistema de ar condicionado estava inoperacional.

 

LXV. Por outro lado resulta, do relatório pericial de fls. 376 a 401 resulta que teriam sido retirados nove equipamentos de ar-condicionado, e que os restantes se encontravam inoperacionais.

 

LXVI. Bem como resultou fixado que faltavam os manípulos de comando de dois aparelhos da sala 5 e sala 15.

 

LXVII. Da apreciação conjuntado relatório pericial e da prova testemunhal supra apontada o tema de prova 3 em todas as suas alíneas teria que ser dado como provado, e não como erradamente sucedeu como não provado.

 

LXVIII. O que, aliás, foi confirmado pela Testemunha G………. (Ficheiro áudio n.º 20201109120331)

 

LXIX. Ou seja, faltavam 7 equipamentos de ar condicionado e outros estariam inoperacionais, conforme depoimento da mesma testemunha:

 

LXX. Inclusivamente a mesma testemunha concluiu que o Réu não deveria fazer a manutenção dos equipamentos, pois nunca tinha sido trocado o gás de refrigeração dos aparelhos.

 

LXXI. Salvo melhor entendimento, o tribunal “a quo” fez uma apreciação errada da prova, impondo-se a alteração de tal apreciação devendo o ponto 3 do tema de prova ser dado como provado e em consequência o Réu condenado na reparação dos danos causados.

 

LXXII. Mais, deveria o tema da matéria de facto quanto ao valor da reparação ser igualmente dado como provado.

 

LXXIII. Desde logo pelo relatório pericial, mas também pelos esclarecimentos prestados pelo perito M………… (Ficheiro áudio n.º 20201019100331 – passagens a 00:02:53; 00:13:11 e 00:18:16), segundo o qual para reparar o sistema de AVAC teria que ser gastos cerca de 30.000,00 €.

 

LXXIV. Finalmente não poderia o tribunal ter dúvidas sobre quem retirou os aparelhos de ar condicionado.

 

LXXV. Na verdade, a testemunha S……………. que tinha estado a trabalhar do edifício em questão tempos antes do Réu arrendar o mesmo (Ficheiro Áudio nº 20201130110620-passagens 00:02:35 e 00:04:10) referiu que antes de sair os aparelhos se encontravam a funcionar.

 

LXXVI. Tal como resulta também depoimento da testemunha E……….. (Ficheiro Áudio nº 20201130112135 passagem 00:11:51) e ainda do depoimento das Testemunhas G…………….. (Ficheiro áudio n.º 20201130101425 –passagens00:10:42 e 00:26:0042) e A………….. (Ficheiro áudio n.º 20201130094617 – passagens 00:09:10, 00:51:06, 01:05:29 e 01:40:34).

 

LXXVII. Este último, inclusivamente, concretizou situações que relevaram a falta de manutenção dos aparelhos que o Réu devia efectuar, mas não o fazia.

 

LXXVIII. Ou seja, destes depoimentos percebe-se perfeitamente que quando o réu ocupou o imóvel os ares condicionados encontravam-se em funcionamento e só quando o réu deixou o locado é que estes foram retirados ou se encontravam inoperacionais.

 

LXXIX. Neste ponto é relevante o depoimento da testemunha G……, que esteve momentos a trabalhar no imóvel antes de o mesmo ser locado ao Recorrido e voltou a estar depois do mesmo ter sido entregue.

 

LXXX. Bem como de A………………, que instalou os ares condicionados e acompanhou o contrato de arrendamento enquanto representante do Recorrente que descreveu em pormenor os modelos e tipos de ares condicionados e o estado em que ficaram depois do imóvel ter sido entregue.

 

 

FACTO A DOS FACTOS NÃO PROVADOS)

LXXXI. Por outro lado o Tribunal não fez uma correcta apreciação da prova a dar como não provado o facto a) dos factos não provados.

 

LXXXII. Isto é, que desde a entrega do locado até ao final das perícias, o autor não alterou o estado de conservação em que o mesmo se encontrava aquando da entrega por parte das Rés.

 

LXXXIII. Tal resultou claramente provado do depoimento de A………….. (Ficheiro áudio n.º 2021109151634 - Passagens 00:26:02 e 00:59:07).

 

LXXXIV. Ou seja, a ter existido qualquer alteração ao imóvel após a entrega do locado pelo réu teria sempre que ser do conhecimento daquela testemunha.

 

LXXXV. Uma vez que era quem tinhas as chaves e sempre que era necessário o acesso ao imóvel era este que se deslocava.

 

LXXXVI. Sendo que o mesmo foi perentório ao afirmar que nada foi alterado.

 

LXXXVII. Assim sendo, deveria ter sido dado como provado que desde a entrega do locado o Autor não alterou o estado de conservação dos imóveis aquando da entrega por parte do Réu.

 

DOS LUCROS CESSANTES E DO FACTO PROVADO N.º14

LXXXVIII. No facto 14 dos factos provados, foi considerado que a não existência de uma rede de ITED de telecomunicações totalmente operacionais dificulta o arrendamento e que apenas seria possível o arrendamento “incorporando o inquilino os custos da reparação técnica das instalações,”

 

LXXXIX. Atendendo a que o Tribunal a quo considerou provado que o Recorrido seccionou as telecomunicações (factos provados 10 e 11), em conformidade com o facto 14 dos factos provados deveria ter condenado o Recorrido no pagamento ao Recorrente dos lucros cessantes peticionados, ou seja, nas rendas que deixou de auferir desde a entrega do locado, com base no valor médio do arrendamento constante no relatório pericial da construção civil, valor esse que nem sequer foi considerado provado, quando deveria tê-lo sido.

 

XC.         O facto do recorrido ter-se disponibilizado a pagar ao Recorrente o valor das telecomunicações seccionadas na condição de não haver recurso ao Tribunal, essa mera intenção ou proposta não pode afastar a responsabilidade no ressarcimento dos prejuízos criados pela sua conduta.

 

XCI.        Por outro lado, atendendo a que, no entendimento sufragado no presente recurso, também a construção civil deveria ter sido objeto de prova e consequente ressarcimento pelo Recorrido ao Recorrente, torna-se mais evidente a responsabilidade do Recorrido quanto aos lucros cessantes.

 

XCII.       Veja-se, nesse sentido, o depoimento de Rodrigo Botelho (Ficheiro áudio n.º 20201019121102-09-10-2020) referiu que o estado das paredes impediam o arrendamento do espaço (01:01:10.8 a 01:01:27.1),

 

XCIII.      A testemunha M…………………. (Ficheiro áudio n.º 20201019154854 -19.10.2020) também confirmou o desinteresse dos potenciais interessados atento o estado do locado (00:04:03.6 ; 00:04:24.0 a 00:04:28.0 ; 00:06:24.2 a 00:06:30.1 ; 00:07:09.0 e 00:07:29.2).

 

XCIV.      A testemunha G…………… (Ficheiro áudio n.º 20201130101425 - 30.11.2020), tendo concluído que o espaço carecia de um investimento de tal ordem, atento o seu estado, que não se justificava avançar com o arrendamento (00:29:28.7 a 00:30:12.7).

 

DOS JUROS

XCV.       Entendeu o Tribunal a quo condenar o Recorrido no pagamento de juros a contar desde a prolação da sentença, o que viola o art.º 805.º do CC.

 

XCVI.      Os juros deveriam ser contados desde a entrega do locado ao Recorrido (2012), atendendo a que, no mencionado dia o Recorrido desde logo manifestou que o locado não tinha sido entregue no mesmo estado (facto 5 dos factos provados) ou, sem conceder, quanto muito, a contar desde 27.05.2014., data em que sem sombra de dúvida o Recorrido estava ciente dos relatórios apresentados pelo Recorrente e do seu próprio relatório quanto aos danos existentes no locado.

 

 

O Réu I………. veio apresentar Contra-Alegações, onde conclui que que a sentença proferida não merece qualquer censura pelo que deve ser mantida nos seus exactos termos.

 

 

Questões a Decidir

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, 2018, pág. 115), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

 

Assim, em causa nestes autos estará a decisão quanto às seguintes questões:

            I - DA CONDENAÇÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DE 8.811,03€ EM FACE DA CONFISSÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DE 14.227,41€ e de 2.712€;

            II - DA   CONTRADIÇÃO    ENTRE     O           FACTO   PROVADO            N.º 1               (ESCRITURA PÚBLICA DE ARRENDAMENTO) e N.º 9 (O RÉU NÃO REPÔS O LOCADO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRAVA ANTES DAS OBRAS REFERIDAS EM 2), POR UM LADO e do PONTO 2.3 DA SENTENÇA QUE CONSIDEROU QUE A REFERIDA REPOSIÇÃO NÃO ERA DEVIDA ATENTAS AS CLÁUSULAS NEGOCIAIS ACORDADAS, POR OUTRO;

            III -  DAS PERFEITAS CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO

            IV - DA CONSTRUÇÃO CIVIL - FACTOS 16, 16.1 E 17 DOS FACTOS PROVADOS E FACTO B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

            V - DO ABUSO DE DIREITO - DECISÃO SURPRESA

            VI - Do abuso de direito - Falta de fundamento

            VII - DA INCORRECTA PROVA DOS FACTOS 23, 24 E 25 DOS FACTOS PROVADOS

            VIII - DOS FACTOS NÃO PROVADOS F) E G) (1. 12.) E DOS TEMAS DA PROVA 4, 5 E 6

            IX - DOS FACTOS NÃO PROVADOS G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8, G9, G10, G11 e G12 E DO TEMA DA PROVA N.º 4

            X - DO FACTO G DOS FACTOS NÃO PROVADOS e FACTO 6 DOS TEMAS DA PROVA

            XI - DOS FACTOS NÃO PROVADOS F, G5 e G10 ( DO TEMA DA PROVA 5B)

            XII - DAS INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS - BASTIDOR - FACTO PROVADO 11.4

            XIII - DO AVAC

            XIV - FACTO A DOS FACTOS NÃO PROVADOS

            XV - DOS LUCROS CESSANTES E DO FACTO PROVADO N.º 14

            XVI - DOS JUROS

 

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

 

Fundamentação de Facto

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:

 

1.      Em 17.01.2000, foi celebrada escritura pública de arrendamento na qual foram:

Primeira Outorgante: M……………. (…) em representação da “………….”;

Segundo Outorgante: L………… (…) em representação do Estado Português (…);

Disse a primeira outorgante que (…) é dona e legítima proprietária do (…) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de …….., freguesia de ………, sob o número 675 (…) frações autónomas designadas pelas letras “M” e “N” (…).

Que nessa qualidade, pela presente escritura de arrendamento a favor do Estado Português, as frações “M” e “N”, contrato que se rege pelas cláusulas seguintes:

1. ª

O presente contrato é feito pelo prazo de 6 meses, renovável por sucessivos e iguais períodos e tem-se por iniciado em 15 de setembro de 1999.

O arrendamento destina-se à instalação e funcionamento de serviços  públicos.

O arrendatário fica desde já autorizado a fazer toda as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que se destina o local arrendado, desde que não afetem a segurança da construção existente.

5. º

O arrendatário declara que recebeu o local arrendado em bom estado de conservação e obriga-se a conservá-lo em bom estado para o uso a que é destinado.

6. ª

O arrendatário obriga-se, quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização.

                            

Tudo que estiver omisso é regulado pelas disposições legais e em vigor.

Disse o Segundo Outorgante: que em nome do Estado aceita o contrato nos termos expostos (escritura  junta  aos  autos  a  fls.  13/15, cujo  conteúdo  aqui  se  por integralmente reproduzido para todos os efeitos).

 

2.  No imóvel referido em 1 foi instalado o Tribunal Administrativo e Fiscal   tendo sido realizadas obras para a instalação do tribunal.

 

3.      Em 06.12.2002 foi celebrada escritura de compra e venda em que foram:

 

Primeira: (…) ………….. (…);

 

Segundo: J………… (…)

 

Disse a primeira outorgante (…): que pela presente escritura, a sua representada, vende ao segundo outorgante pelo preço global de  111.226,20€, quantia que declara haver recebido do comprador, as duas frações seguintes:

 

Primeira: Por 34.236,74€ a fração autónoma designada pelas letras BB – “M” (…) descrita [na conservatória de registo predial] sob o 675 BB “M” (…).

 

Segunda: por 76.989,46€ a fração autónoma  designada pelas  letras  BB  – “N” (…) descrita [na conservatória de registo predial] sob o 675 BB “N” (…).

 

Que ambas as frações encontram-se arrendadas ao Ministério  da  Justiça, onde funciona atualmente o Tribunal Administrativo e Fiscal de …………..

 

Disse o segundo outorgante: que aceita o presente contrato nos termos expostos (documento junto aos autos no documento eletrónico de 10.03.2021, cujo conteúdo se aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos).

 

4.    Em 16.05.2012, o I……………. dirigiu a J…………. a seguinte missiva:

 

Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento das instalações do Tribunal Administrativo na Rua …………….

 

Vimos junto de v. Excia, na qualidade de proprietário das instalações em  epígrafe pelo presente ofício e nos termos estabelecidos no artigo 1100.º do Código Civil, denunciar o contrato de arrendamento celebrado com o Estado em 17.01.2000, o que produzirá efeitos dentro de 120 dias. No entanto, manifestamos a nossa disposição de fazer cessar o contrato em data anterior, por acordo, pelo que se solicita que nos informem com urgência da vossa aceitação (documento junto aos autos a fls. 15v, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).

 

5.    Em 10.09.2012, foi realizada entrega do imóvel tendo sido elaborado termo de entrega com o seguinte conteúdo: em 10.09.2012, procedi à entrega do imóvel e respetivas chaves, onde funcionava o Tribunal Administrativo e Fiscal de………, sito à Rua …………., ao senhorio, senhor J……………. De como recebeu vai assinar.

 

Após encontra-se manuscrito: e informo que as mesmas instalações não se encontram nas mesmas condições em que foram entregues.

J……………..

 

A secretária em exercício de funções, E…. (documento junto aos autos a fls. 16).

 

6.   Após a entrega do imóvel, J………… solicitou estimativa orçamental para refazer as Infraestruturas de Telecomunicações à empresa ……………, SA., elaborado por A……………, o qual ficou concluído em 15.11.2012.

 

7.   Após a entrega do imóvel, J………….. solicitou proposta de ar condicionado e ventilação à empresa A……….., Lda., a qual foi elaborada por G…………… e é datada de 18.10.2012. Desta consta: na sequência do vosso contacto e após visita ao local constatou-se que os equipamentos existentes são obsoletos, com vinte anos, estão descontinuados, utilizando ainda gás refrigerante R22. A instalação aparenta ter sido vandalizada (ver fotos anexas). Nestas condições não é possível recuperar a instalação existente pelo que propomos a remodelação da instalação de ar condicionado com introdução de sistema de ventilação para cumprimento da legislação em vigor no âmbito da qualidade de ar interior DL 79/2006.

 

8.   Em 31.01.2014, foi elaborado documento, subscrito por R……….. e A………, do qual consta: no âmbito do solicitado pelo cliente, foi realizada uma vistoria técnica ao interior de 2 frações acima referidas a fim de se conhecer as mesmas e de verificar os defeitos da construção que segundo informação do cliente, foram provocados pelo rendeiro que esteve nos últimos 12 anos (Tribunal Administrativo e Fiscal de …………). (…) Foi efetuada uma primeira vistoria em 15.10.2013 na presença do Sr. J………. e Eng. ………….. Na 2ª vistoria, de 05.11.2013, as pessoas presentes foram: Sr. J……… e Eng.º T………… e diversos Técnicos do Ministério da Justiça - Tribunal Administrativo e Fiscal de …………, Sr. Dr. J (I……) e Sr.ª D. V…….. (Secretária do Tribunal de …………). O presente relatório é baseado em elementos e informações fornecidas pelo cliente, abaixo descritas, e no que se pôde observar no edifício.

 

9.   O Réu não repôs o locado no estado em que se encontrava antes das obras referidas em 2.

 

10.    A instalação de telecomunicações existente no local não funciona porquanto a cablagem foi seccionada pela Ré.

 

11.   Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente às infraestruturas de telecomunicações:

 

11.1.   Falta a seguinte aparelhagem terminal: 5 unidades de tomadas RJ11, 9 unidades de espelhos de tomada simples, 4 unidades quadro de tomada simples.

 

11.2.    Aparelhagem terminal danificada: 4 unidades de tomadas RJ11 (deslocadas da caixa de aparelhagem com montagem encastrada), 1 tomada RJ45 (deslocada da caixa de aparelhagem com montagem encastrada), 7 tomadas coaxiais (com ausência de terminação coaxial tipo BNC).

 

11.3.   Existência de pontos de rede em locais onde não existiam que não foram removidos: 39 tomadas RJ45.

 

11.4.  O bastidor não se encontra no local.

 

11.5.      Em resultado do referido em 10, terão de ser criadas as infraestruturas de telecomunicações.

 

11.6.    As entradas do operador público em cada fração não estão em condições de utilização pelo que terão de ser corrigidas.

 

11.7.  Existem novos caminhos de cabos de forma disfuncional e inestética.

 

11.8 A cablagem existente no local não obedece ao prescrito no ITED 2.

 

12.  Para reparação do referido em 10 e 11 é necessário:

 

12.1.   remover todos os caminhos de cabos executados com calha técnica, à exceção da calha técnica existente no compartimento do bastidor (para encaminhar os cabos da caixa de terminal para o bastidor).

 

12.2.    Substituir a calha técnica e utilizar acessórios de instalação da mesma no compartimento do bastidor.

 

12.3.  Substituir os cabos UTP seccionados (referidos em 10).

 

12.4.  Transportar (do ……………. para o imóvel em causa nos presentes autos) e realizar a respetiva beneficiação (com tratamento anticorrosivo, pintura, fornecimento e aplicação de réguas terminais de tomadas RJ45) o bastidor (também designado ATE).

 

12.5.   Corrigir a cablagem TVHV (terminar a cablagem em réguas em blocos Krone 10 pares categoria 3).

 

13.    Para reparação do referido em 10, 11 e 12 é necessário o valor de 8.811,03€ (a que acresce IVA).

 

14.   Apesar do referido em 11 e 12 era possível o arrendamento do imóvel (designadamente, incorporando o inquilino os custos da reparação técnica das instalações); mas a não existência de uma rede ITED de telecomunicações totalmente operacional dificulta o arrendamento e reduz o valor potencial do imóvel no mercado de arrendamento.

 

15.   Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente às infraestruturas AVAC:

 

15.1.   Foi retirado (da sala onde estava o bastidor) um equipamento  de  ar condicionado que foi adquirido pelo Estado, durante o contrato de arrendamento.

 

16.   Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente à construção civil:

16.1.  Paredes interiores com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos.

 

17.  Para reparação do referido em 16 é necessário: fornecimento e aplicação de pintura em paredes interiores, incluindo limpeza, reparação e regularização das zonas com fitas adesivas, dos furos, tinta esfolada, pregos, preparação das superfícies, primário adequado e acabamento idêntico ao existente, no valor de 5.424,00€.

 

18.  Em 06.11.2013, o Réu enviou ao autor a seguinte missiva: Na sequência da reunião realizada em …………. no passado dia 25 de outubro e do que nela ficou acordado, ficamos a aguardar um relatório fundamentado dos prejuízos e orçamento das reparações, com vista à reposição do locado, para análise deste instituto, pois foi possível constatar nessa reunião e na visita ao edifício que existem diversas anomalias que não são da responsabilidade do inquilino, como por exemplo as infiltrações em paredes exteriores (documento junto aos autos a fls. 48, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).

 

19.   Em 27.05.2014, a Ilustre Mandatária do Autor enviou ao réu email com o seguinte conteúdo: na sequência da v/ comunicação com data de 25.04.2014, dirigida ao nosso cliente (…) cumpre-me, em resposta ao mesmo, dizer o seguinte: (…) em relação ao convite para uma reunião, salvo o devido respeito e volvidos anos a constantes tentativas de resolução do problema, não estamos mais em tempo de protelar este assunto, pelo que apenas cumpre saber se pretendem assumir a reparação dos danos (…).

Em 30.05.2014, o Réu respondeu: pretendemos formular uma proposta de acordo com o valor fundamentado e justo, que reflita de forma objetiva o que foi possível recolher in loco (…). Para apresentação da proposta inda não nos foi possível apurar os valores finais reativos ao ar condicionado e informática/cablagem. Contudo conseguimos viabilizar a deslocação, na próxima semana, dia 3, de uma técnica da especialidade, contratada por nós. Nessa medida solicitamos desde acesso  ao imóvel.

Em 02.06.2014, a Ilustre Mandatária do Autor respondeu: Bom dia, agradeço que entre em contacto com o Sr. A………..

 

20.              Em 11.07.2014, o Réu remeteu ao autor missiva com o seguinte conteúdo:

 o contrato estipula na cláusula sexta: o arrendatário obriga-se, quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização”. Dito de outro modo, as obras a realizar, da responsabilidade deste instituto, não visam repor o locado nas condições em que o mesmo se encontrava aquando da celebração do contrato. Nessa perspetiva, o I….. acorda apenas em assumir os encargos com a realização dos trabalhos que seguidamente se discriminam, não sendo devidas quaisquer outras quantias decorrentes da cessação do contrato, nomeadamente pelo não arrendamento do locado. Quanto ao sistema de climatização e sistema de telecomunicações foi elaborado o relatório que se anexa, tendo-se apurado o valor de 14.227,51€.

Reportando-nos ao relatório emitido pelo engenheiro …, e em particular ao ponto 4.2. (…) refere a existência de danos não imputáveis a este instituto (…).

Contudo, numa tentativa de obtenção de um acordo, o I…….. suportará 50% do valor orçamentado estimado em 5.424,00, ou seja, 2712,00€.

Face ao exposto e na expectativa de uma proposta positiva à ora apresentada, aguardamos um contacto

Do relatório que se segue consta:

Relatório de serviço externo de 30 de junho

(…) Foi agendada uma visita ao Tribunal Administrativo e Fiscal de …………, com o Sr. A……….., representante do Dono do imóvel. (…)

Este relatório tem como finalidade aferir as patologias relacionadas com o sistema de climatização e sistema de telecomunicações. (…)

2.  Instalações elétricas

 

2.1.  Instalações elétricas:

 

Durante a visita constatou-se, na presença do Senhor A…………que na fração N encontrava-se alimentado com tensão, o  mesmo  não se verificou na fração M.

Na sala 6 Bastidor, local onde se encontrava o operador público o equipamento não está em condições operacionais e de utilização.

2.1.1.    Estimativa

 

Aparelhagem         terminal       inexistente        ou       danificada/10          espaços com Aparelhagem terminal inexistente ou danificada: 1.110€

Correção do sistema de entrada de operador público: 450€ Total com IVA: 1845€

2.2.  Instalações de telecomunicações

 

O local onde estava instalado o bastidor, aquando da sua remoção, os cabos foram indevidamente cortados (…). Os cabos de telecomunicações existentes são de categoria 5 de acordo com o regulamento ITED existente na altura. A calha técnica onde é desenvolvida toda a infraestrutura é de  marca  Legrand,  de  dimensão 100x34e 100x50.

2.2. Estimativa

 

1.   Fornecimento e montagem de cabo telecomunicações de categoria CAT5, desde o bastidor até às tomadas dos postos de trabalho, inclusive a aparelhagens terminais com adaptador e conector (…)

 

2.    Ligações interiores do bastidor com Patch Cord RJ45 Cat 5 com comprimento de 1 metro: 950€

3.   Transporte e montagem do bastidor existente no Palácio de Justiça d…………. e todos os trabalhos inerentes à sua instalação: 1.550€

4.  Testes e ensaios da instalação: 350€.

 

Total com IVA: 5.319,75€.

 

3. Instalações Mecânicas (…)

Os equipamentos são de gás refrigerante R22, sendo que  estes  deixaram de ser comercializados desde o ano 2003. Logo todos os processos de manutenção dos mesmos estavam comprometidos, devido ao ano de fabrico e tempo útil dos mesmos.

As unidades das salas 10, 9, 8, 7 não se conseguiram testar o funcionamento das mesmas devido a falta de energia.

Apesar de não termos energia, a Senhora Secretária E……….. informou que as unidades dos gabinetes dos magistrados (sala 8 e 9) e economato (sala 7), funcionavam em perfeitas condições em aquecimento e arrefecimento.

(…)

 

Não existe unidade exterior da sala de audiências, logo a mesma não está operacional. Segundo a Senhora Secretária E…………  esta  unidade  nunca esteve em funcionamento desde setembro de 1999, ano em que o Tribunal Administrativo e Fiscal foi instalado.

As unidades dos espaços 5, 13 e 14 conseguiu-se colocar em funcionamento. No entanto, quando se colocavam em funcionamento para aquecimento ou arrefecimento estas entravam em proteção e desligavam. (…)

Desta forma, devido às unidades entrarem em proteção, sugere-se uma manutenção das mesmas, retificação de gás R22 ou o que substitui o mesmo ecologicamente aceite, verificação do estado dos compressores.

Na sala 6, onde estava o Bastidor, as infraestruturas de climatização estão no local, rede de cobre isolado e rede elétrica, assim como unidade exterior.

No entanto, a unidade interior foi retirada (…) sendo que está no Palácio da Justiça de……….., conforme a Senhora Secretária informou.

Nas salas abaixo referidas não existe qualquer unidade de climatização, no entanto existem infraestruturas no local (…):

1.  Biblioteca sala 1

 

2.  Gabinete do informático – sala 2

 

3.  Sala de testemunhas sala 3

 

4.  Sala de testemunhas sala 4

 

5.  Zona 2 corredor

 

6.  Sala de advogados sala 11

7.  Secção central sala 12

 

3.1.1. Estimativa

 

Manutenção das unidades, verificação do estado das mesmas, limpeza de permutadores, carga de gás, entre outros trabalhos (…)

7 unidades de climatização 3500€

 

Sala de audiências, sala 10, fornecimento e montagem de unidade interior e exterior de cassete 4 vias. De capacidade nominal de arrefecimento 4kw: 2.042€

Instalação da unidade interior da sala do bastidor, carga de gás R410a, retificação de pressões de funcionamento e limpeza da tubagem: 200€

Total com IVA 7.062,66€

 

Ao nível do sistema de ventilação existente no espaço, tem somente para a zona das casas de banho que é o conjunto com a sala de audiências. Não existe sistema de introdução de ar novo nos espaços.

4. Resumo orçamental:

 

Total estimativa com IVA: 14.227,41€.

Análise do orçamento de construção civil (…)

4.2. De acordo com o indicado no orçamento do Eng. T………………, foi considerada a pintura de todas as paredes para coerência das cores finais. Porém, o relatório/orçamento também assume que danos intrínsecos ao edifício não causados pelo rendeiro, como fissuras e humidades. Pela visita ao local constatou-se facilmente que os chamados danos provocados pelo rendeiro em pinturas de paredes são bastante menores que os da responsabilidade do proprietário, pelo que também por coerência, até deveria ser este a assumir todo o custo das pinturas para coerência das cores finais. Na tentativa de se chegar a um acordo, o que sempre temos privilegiado, achamos justo suportar 50%do valor orçamentado para a pintura das paredes.

Total sem IVA: 2712,00€.

(documento junto aos autos a fls. 48v/61, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido)

 

21. Em 21.01.2015, a Ilustre Mandatária do Autor enviou ao réu email com o seguinte conteúdo: volvidos alguns meses desde o último contacto (…) agradeço o agendamento de reunião para discutir o assunto em apreço (documento junto aos autos pelo autor a fls. 62/63 - e pelo Réu a fls. 124v/125 -, cujo conteúdo considera reproduzido).

 

22. À data da cessação do contrato, a renda que o Réu pagava ao autor era de 3.383,46€.

 

23. O locado foi alvo de inúmeras infiltrações de água oriunda da chuva e de uma fracção do condomínio onde o locado está localizado; infiltrações das quais resultaram disparos na eletricidade e acumulação de água dentro do locado.

 

24. Infiltrações essas que chegaram a ser diárias, entre as quais, esgoto na sala de audiências, de que quer o Autor quer o seu antecessor, foram alertados, em vão, para tomar as providências no sentido realizar as obras necessárias.

 

25. Chegando o Senhor Juiz Presidente da Comarca…………….., perante o estado calamitoso em que o local se encontrava e as condições péssimas para os utentes e para os que ali trabalhavam, proferido despacho dando conta do estado do locado, em  18.12.2003,  que  comunicou  ao  Presidente  da  Assembleia  da República e ao Ministro da  Justiça,  entre  outras  entidades  nacionais  (documento junto aos autos a fls. 116v/117, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).

 

26. Em 09.09.2013, pela AP. 1335 de 2013/09/09, J…………….registou a aquisição, por compra a M…………., da fração autónoma descrita na conservatória de registo predial sob o nº 675 – BB – “M”. Em 09.09.2013, pela AP. 1335 de 2013/09/09, J……………. registou a aquisição, por compra a M……….., da fração autónoma descrita na conservatória de registo predial sob o 675 BB “N”.

 

 

Já quanto aos factos não provados foram estes os considerados pelo Tribunal de 1.ª Instância:

A) Desde a entrega do locado até ao final das perícias, o Autor não alterou o estado de conservação em que o mesmo se encontrava aquando da entrega por parte da Rés.

 

B) Os danos existentes foram causados por uma imprudente utilização do locado, que se traduziu na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas.

 

C) Para reparação do referido no ponto 11 é necessário substituir toda a aparelhagem terminal por tomadas RJ45 duplas.

 

D) Em resultado da conduta do Réu verifica-se ainda o seguinte relativamente às infraestruturas AVAC:

 

D) 1. Foram retirados 7 equipamentos de ar condicionado.

 

D) 2. O sistema AVAC e 7 equipamentos de ar condicionado ficaram inoperacionais.

 

D) 3.       Faltaram              manípulos           de           comandos            em         dois               aparelhos             de ar condicionado.

 

E) Por causa da conduta do Réu, para reparação das infraestruturas AVAC é necessário o valor de 30.177,50€+IVA.

E)1. Fornecimento dos 14 aparelhos de ar condicionado, no valor de 20.577,00€ + IVA.

E)2. Desmantelamento de 9 unidades de ar condicionado existentes;

E)3. Recolha de gás refrigerante por técnicos credenciados;

E)4 Preenchimento  da  ficha  de  intervenção  e  do  guia  de  acompanhamento de transporte rodoviário de resíduos e respetiva entrega a entidade licenciada para o tratamento e eliminação do gás refrigerado, no valor de 1.140,00€ +IVA;

E)5 Fornecimento e instalação na fração N de sistema para introdução de ar novo e sistema de extração de ar, no valor de 5.125,50€ + IVA;

E)6 Fornecimento e instalação na fração M de sistema para introdução de ar novo e sistema de extração de ar, no valor de 3.335,00€ + IVA.

 

F) Em resultado da conduta do Réu verifica-se ainda o seguinte relativamente à construção civil: Zonas dos tetos falsos mexidas, parcialmente removidos e danificadas, bem como luminárias desmontadas nos tetos falsos.

 

G) Para reparação do referido em 16 é necessário o valor de 66.708,75+IVA:

 G)1. Demolição de paredes existentes em pladur, incluindo a estrutura de suporte, repondo nas condições iniciais;

G)2. Demolição da parede existente em alvenaria de bloco de betão leve, incluindo a limpeza e cumprimento das notas gerais;

G)3. Remoção/levantamento de portas existentes em madeira e respetivas ferragens, aros, alisares e todos os materiais complementares;

G)4. Demolição de 50% da área de tetos falsos existentes para reposição de fornecimento de novas instalações de AVAC, telecomunicações, eletricidade ou outras (em forro de pvc, em forro de madeira, em pladur);

G)5. Reposição de duas luminárias incluindo as respetivas ligações e todos os trabalhos inerentes de fornecimento para ficarem em funcionamento;

G)6. Execução de caixilharia de interior (de madeira, vidro e alumínio);

G)7. Fornecimento e assentamento com argamassa  de  cimento  e  areia  ao traço 1:3, de alvenaria de blocos de 0,10m de espessura;

G)8. Esboço, emboço e reboco com argamassa de cimento e  areia ao traço 1:3 com acabamento igual ao existente;

G)9. Reposição de portas removidas anteriormente em madeira, incluindo fornecimento de puxadores, ferragens, nova pintura e todos os trabalhos  e fornecimento necessários;

G)10. Fornecimento de tetos falsos novos para reposição dos demolidos, incluindo a estrutura de suporte e todos  os  materiais  e  fornecimentos  necessários (em forro de pvc, em forro de madeira e em pladur);

G)11. Pintura a tinta de água em paredes de alvenaria interiores na cor branco nas demãos necessárias sobre demão de primário, incluindo preparação das superfícies;

G)12. Fornecimento e aplicação de pintura em tetos falsos de forro de madeira, pvc e pladur, incluindo primário adequado, preparação de superfícies e todos os trabalhos e fornecimentos necessários (em tetos falsos de forro pvc a tinta de água, em tetos falsos de forro de madeira a tinta de esmalte, em tetos falsos de pladur a tinta de água, incluindo lixagem e amassamento).

 

H) Desde janeiro de 2013, o Autor interpelou o Réu.

 

I) O autor não tem condições para suportar o valor das reparações, pelo que, enquanto as Rés não assumirem essa obrigação, não poderá iniciar as reparações necessárias às fracções para poder promover o seu arrendamento.

 

 

 

Apreciação da Matéria de Facto

O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto impõe-se-lhe o ónus de:

            - indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões);

            - especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles.

 

Verificados os autos, no que à prova documental neles inserta, bem como os depoimentos prestados em audiência e devidamente gravados, comecemos então pela apreciação, passo a passo, da factualidade que o Recorrente considera mal decidida.

 

I, II, III – É matéria de subsunção dos factos ao Direito e não contende com qualquer eventual errado apuramento da factualidade adquirida.

 

 

IV – DA CONSTRUÇÃO CIVIL - FACTOS 16, 16.1 E 17 DOS FACTOS PROVADOS E FACTO B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Entende o Recorrente que, tendo sido considerado provados os Factos 16, 16.1 e 17, não poderia ter sido considerado não provado o Facto b) dos Factos não provados, pugnando assim por este ser dado como provado.

E tem parcial razão.

Não há globalmente contradição entre o primeiro grupo de factos (16., 16.1 e 17) e a falta de prova do Facto B dos não provados, uma vez que as duas realidades se situam em diferentes planos que permitem a sua subsistência conjunta.

De facto, o Facto B (que se reporta a falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas) é mais amplo que os 16., 16.1 e 17. (que se reporta apenas às paredes internas).

O que parece ter sucedido é que, por lapso, o Tribunal a quo, não eliminou da factualidade não provada a parte final do facto B, que já tinha – com a basta motivação que formulou - dado como adquirida antes (precisamente nos Factos 16., 16.1 e 17.).

 

Estamos diante de dois planos distintos:

                       - por um lado, apura-se que a conduta do Réu em termos de construção civil foi causal para a existência de paredes interiores com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas e riscos (16.1) e que para o efeito será necessária a sua reparação com fornecimento e aplicação de pintura em paredes interiores, incluindo limpeza, reparação e regularização das zonas com fitas adesivas, dos furos, tinta esfolada, pregos, preparação das superfícies, primário adequado e acabamento idêntico ao existente, no valor de 5.424€ (17.);

                             - por outro, não se apurou que os danos existentes tenham sido causados por uma imprudente utilização do locado, que se traduziu na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas (B).

 

Ora, para além de referido Facto B ter uma redacção que porta consigo elementos conclusivos e de Direito, a verdade é que tem um âmbito muito mais amplo que o dos Factos 16., 16.1 e 17. o que necessariamente, não só pode, como tem, de ser compatibilizado.

O que respeita à conservação das paredes internas abarca o que concerne aos Factos 16., 16.1 e 17, mas também o que diz respeito a humidades e infiltrações e, este aspecto, não está salvaguardado no que ficou a constar em B.

 

Nestes termos, e dando parcial razão ao Recorrente, o Facto B dos factos não provados (retirando-lhe também a expressão conclusiva que de Direito que incluía), deverá passar a ter a seguinte redacção:

            “Os danos existentes foram causados pela utilização do locado traduzida na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas no que vai além do apurado nos Factos 16., 16.1 e 17”.

*

Ainda neste ponto, toda a restante matéria aduzida pelo recorrente refere-se à apreciação jurídica da factualidade apurada e que será, mais à frente abordada.

**

 

V (DO ABUSO DE DIREITO - DECISÃO SURPRESA) - Trata-se de contrapor à abordagem jurídica da Sentença do Tribunal de 1.ª Instância e que não contende com a correcção da factualidade apurada e/ou não apurada.

 

***

VI (Do abuso de direito - Falta de fundamento)

VII - DA INCORRECTA PROVA DOS FACTOS 23, 24 E 25 DOS FACTOS PROVADOS

            Insurge-se o recorrente nestes pontos contra o facto de o Tribunal de 1.ª Instância ter dado como provados os Factos 23., 24. e 25., bem como contra as ilacções jurídicas que deles retira.

           

O Tribunal a quo dá os Factos 23. e 24. como provados, com base nas “declarações de E……………….., de A…………… (também viu os baldes espalhados), dos documentos de fls. 112/114, 114v, 115, 116, 116v/117”.

 

Verificados os depoimentos em causa e a documentação referida não tem, de facto, razão o Recorrente no que concerne aos “disparos na electricidade”, pois tal como bem justificado se encontra na Sentença (vd., a referência ao documento de fls. 115), há  referências à verificação de disparos na electricidade (sendo que se trata de uma questão irrelevante uma vez que, comprovadas as infiltrações e inundações, só o facto  de haver electricidade por perto, comprovaria o que se pretende transmitir, dando a imagem global da situação).

O Facto 23. mantém assim a sua redacção.

 

No que ao Facto 24. respeita a divergência do Recorrente tem que ver com o ter sido ou não alertado para fazer as obras necessárias.

Começa por dizer-se que a divergência é algo estranha, porque é o próprio Recorrente que – da maneira que a expõe – reconhece que foi alertado e até foi fazendo as obras…

Assim, do conjunto da prova produzida e em especial e com expressividade pelo directo conhecimento, do depoimento da testemunha M…………… (não apenas isento, mas repleto de uma sua “sofrida” vivência no locado enquanto lá exerceu funções), conjugado com os documentos de fls. 112vs-113 (ofício do secretário do Tribunal, de 05.11.1999, para a M………….., dando conta – na sequência de contactos telefónicos, que chovia copiosamente no Tribunal), 114vs (carta registada com a/r do Presidente do Conselho Directivo do I…….. de 16.02.2001 dirigida a J…………., dando conta da urgência de como proprietário, providenciar junto do condomínio pela reparação das graves infiltrações que se verificam e afectam o funcionamento do Tribunal), 115 (ofício do secretário do Tribunal para a DGSJ de 05.11.1999, dando conta de que, face à falta de resposta da senhoria, tinha chamado os bombeiros e desligado quase toda a electricidade), 117 (Informação da secretária do Tribunal, de Dezembro de 2003), a conclusão a tirar é precisamente a mesma que o Tribunal a quo tirou. Ou seja, considerar provado o Facto 24.

Deve assinalar-se mesmo, no que concerne ao depoimento da referida testemunha E….., que a pretensão de o desvalorizar e considerar parcial não tem qualquer cabimento, sendo que a referência que é feita a que o próprio Tribunal de 1.ª Instância a teria chamado à atenção, é inapropriada, uma vez que o que sucedeu é que esta testemunha estava a falar muito alto (proporcionado – pelo que se percebe da gravação – pela circunstância de a Ilustre Mandatária do Autor estar presente via Webex o que induzia a que falasse mais alto), tendo a Exma. Juíza que presidia à sessão dado indicação de que devia “baixar os decibéis”. Apenas isso. Em termos de conhecimento, de razão de ciência, de credibilidade e isenção, esta testemunha foi decisiva quer na apreciação feita em 1.ª Instância, quer na feita por este Tribunal de Relação.

 

Conclui-se, pois, que a pretensão do Recorrente enferma de um erro de perspectiva e que o depoimento da própria testemunha que indica não desmente o que apurado resultou.

Repare-se que o que se comprova é que houve insistências junto do senhorio pela realização das obras e que não foram realizadas as necessárias para resolver a situação. E sublinha-se as necessárias, pois, quaisquer que elas fossem, a terem sido realizadas teriam evitado que aquela situação degradante se tivesse alterado. E não alterou.

Isto não contende com a circunstância de o senhorio ter feito algumas obras, apenas assenta em que não fez as que poderia e deveria ter feito para resolver os graves problemas do locado.

O Facto 24. mantém assim a sua redacção.

 

Quanto ao Facto 25. (“Chegando o Senhor Juiz Presidente da Comarca …………. perante o estado calamitoso em que o local se encontrava e as condições péssimas para os utentes e para os que ali trabalhavam, proferido despacho dando conta do estado do locado, em  18.12.2003,  que  comunicou  ao  Presidente  da  Assembleia  da República e ao Ministro da  Justiça,  entre  outras  entidades  nacionais  (documento junto aos autos a fls. 116v/117, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido”).

Aqui tem parcial razão o recorrente, mas apenas porque a expressão “calamitoso” é – como bem refere – conclusiva e, como tal, haveria de ter sido evitada (e, como tal, haverá de ser eliminada).

De resto, nada a obstar até porque o fundamental do facto em causa tem que ver com a posição assumida pelo Presidente do Tribunal perante o estado do arrendado, sendo que, como tal, essa circunstância é insusceptível de ser afectada pelo que quer seja que as testemunhas indicadas tenham dito.

 

Assim e deferindo parcialmente a pretensão do Recorrente, de forma a que este facto fique mais claro, adequado e tecnicamente correcto – sem modificar a sua essência (até porque o recorrente não coloca em causa o documento que o tem como base) -, determina-se que o Facto 25. Passe a ter a seguinte redacção:

“Em face do estado do locado, o Presidente da Comarca enviou, a 18/12/2003, um ofício à Ministra da Justiça, juntando:

                             - uma Informação da Secretária em substituição (onde consta – entre outras referências, que “as inundações nestas instalações têm sido diárias devido à chuva (…) ficando o Tribunal completamente inundado”; que “Todos os dias é solicitado ao senhorio para tomar providências no sentido de mandar efectuar as obras necessárias para a resolução deste problema, mas de nada tem adiantado; que “As águas do cano de  esgoto continuam a cair na sala de audiências e gabinete do Sr. Procurador(…)”; que “Todos os dias tem sido preciso necessário contactar os serviços de limpeza  para aspirar a água”),

                             - um seu Despacho determinando a comunicação da informação antecedente ao Presidente da Assembleia da República, à Ministra da Justiça, ao Ministro ………………… e ao Presidente do CSTAF, acrescentando, “de minha lavra e responsabilidade (…) que esta situação não é nova, já foi comunicada inúmeras vezes à Administração e não pode continuar por muito mais tempo. Para além da dignidade das pessoas que aqui trabalham e a do Estado português, é também a dos cidadãos utentes deste tribunal que está em causa(…)”.

 

 

VIII – DOS FACTOS NÃO PROVADOS F) E G) (1. 12.) E DOS TEMAS DA PROVA 4, 5 E 6

IX – DOS FACTOS NÃO PROVADOS G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8, G9, G10, G11 e G12 E DO TEMA DA PROVA N.º 4

X – DO FACTO G DOS FACTOS NÃO PROVADOS e FACTO 6 DOS TEMAS DA PROVA

A tese do Recorrente quanto a este ponto, passa por dizer que não foi devidamente considerado o Tema da Prova n.º 4 (que diz que o I……. não repôs os elementos demolidos aquando das obras de adaptação do locado, entre as quais as divisórias, paredes, tectos e caixilharia de alumínio), a não ser que essa factualidade se considere incluída no Facto 9. Dos factos provados (o Réu não repôs o locado no estado em que se encontrava antes das obras referidas em 2).

Resolvendo desde já este ponto inicial, embora se compreenda a putativa divergência, parece-nos que o Facto 9. É claro (sem qualquer omissão de pronúncia) quando deixa assente (e sem controvérsia, como resulta do que o próprio Tribunal a quo fundamenta na Sentença a este respeito) que o Réu não repôs o locado no estado antes das obras realizadas para a instalação do Tribunal (Factos 2. E 9.) e que isso necessariamente abrange as divisórias, paredes, tetos e caixilharia de alumínio que lá se encontravam (questão diferente é a conclusão que o Autor prende tirar da prova deste facto, mas essa será matéria para abordar em sede de apreciação de Direito).

O Tema da Prova n.º 4 está ali plenamente vertido e, tudo o mais vem concretizado na restante factualidade provada e não provada, pelo que não há divergência autónoma a resolver.

Nada há a alterar quanto ao Facto 9..

*

Já quanto aos factos não provados G a G 12 a situação tem de ter outra abordagem.

Desde logo no que concerne ao valor indicado no Facto G (66.708,75+IVA), um valor que ali surge – cremos que por lapso – e que corresponde ao alegado no artigo 51 da Petição Inicial, reportado à soma de todas as reparações e não apenas dos factos referidos em G.

O valor correcto – e que se reportará ao que consta do Tema da Prova n.º 6 – haveria (e haverá) de ser o de 25.899,25€+IVA.

 

Mas independentemente disso, o Tribunal a quo entendeu que haveria de dar como não provados estes factos, considerando dever apenas relevar reparações resultantes da conduta do Réu (“o objetivo não é dotar o autor de um imóvel novo, mas de entregar o imóvel em boas condições”).

Ora esta perspectiva não é a correcta, por – na fase da motivação de facto – antecipar a apreciação de direito (mistura sempre perniciosa, mas que in casu, face à complexidade do processo e suas inúmeras cambiantes, se compreende, mais ainda quando, a partir da última reforma do processo civil, factos e direito são decididos e fundamentados na mesma peça processual).

De facto, da prova produzida, a matéria constante em G (em resultado da apreciação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Autor – A………, R……….. – e a Perita M………, conjugada com o Relatório de Vistoria de fls. 68 a 102), pode ser considerada provada, sendo esse, aliás – em face do que escreveu na sua motivação – o entendimento base do próprio Tribunal a quo, e que só não o consagrou assim na Sentença por via do aludido deficiente entendimento quanto à responsabilidade pelas reparações.

Repete-se: as reparações em causa têm aquele valor independentemente de quem tenha de arcar com a responsabilidade as fazer (o Réu se for condenado; o Autor se as quiser vir a fazer).

Estes factos deverão passar a integrar a matéria provada, implicando, em todo o caso uma redacção que compatibilize e complete, permitindo a sua subsistência sem contradições, com o já apurado nos Factos 16., 16.1 e 17..

 

Nestes termos e deferindo parcialmente a pretensão do Autor, altera-se a matéria de facto apurada e não apurada em conformidade com o exposto, determinando que os Factos não provados G a G12, passem a integrar o elenco dos factos provados, como Facto 27. E com a seguinte redacção:

27. Além do referido em 16 e 17 é necessário o valor de 25.899,25+IVA, para:

 27.1. Demolição de paredes existentes em pladur, incluindo a estrutura de suporte, repondo nas condições iniciais;

27.2. Demolição da parede existente em alvenaria de bloco de betão leve, incluindo a limpeza e cumprimento das notas gerais;

27.3. Remoção/levantamento de portas existentes em madeira e respetivas ferragens, aros, alisares e todos os materiais complementares;

27.4. Demolição de 50% da área de tetos falsos existentes para reposição de fornecimento de novas instalações de AVAC, telecomunicações, eletricidade ou outras (em forro de pvc, em forro de madeira, em pladur);

27.5. Reposição de duas luminárias incluindo as respectivas ligações e todos os trabalhos inerentes de fornecimento para ficarem em funcionamento;

27.6. Execução de caixilharia de interior (de madeira, vidro e alumínio);

27.7. Fornecimento e assentamento com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3, de alvenaria de blocos de 0,10m de espessura;

27.8. Esboço, emboço e reboco com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3 com acabamento igual ao existente;

27.9. Reposição de portas removidas anteriormente em madeira, incluindo fornecimento de puxadores, ferragens, nova pintura e todos os trabalhos  e fornecimento necessários;

27.10. Fornecimento de tectos falsos novos para reposição dos demolidos, incluindo a estrutura de suporte e todos os materiais e fornecimentos necessários (em forro de pvc, em forro de madeira e em pladur);

27.11. Pintura a tinta de água em paredes de alvenaria interiores na cor branco nas demãos necessárias sobre demão de primário, incluindo preparação das superfícies;

27.12. Fornecimento e aplicação de pintura em tectos falsos de forro de madeira, pvc e pladur, incluindo primário adequado, preparação de superfícies e todos os trabalhos e fornecimentos necessários (em tetos falsos de forro pvc a tinta de água, em tectos falsos de forro de madeira a tinta de esmalte, em tectos falsos de pladur a tinta de água, incluindo lixagem e amassamento).

 

 

XI – DOS FACTOS NÃO PROVADOS F, G5 e G10 (DO TEMA DA PROVA 5B)

Neste ponto pretende o Recorrente que o Facto F passe a constar dos Factos provados, junto com o G5 e o G10.

 

Sobre a matéria, o Tribunal a quo referiu na Sentença que o “facto f) resultou não provado porquanto não resultou da prova produzida com assertividade que resultem da conduta do réu”, sendo que, “relativamente ao teto ter sido mexido/removido: a senhora perita M…………….  desconhece  qual  a  origem  do  buraco  no  teto; E………….  explicou  que  foi  por  causa  da  intervenção  por causa das inundações que o teto ficou aberto; A……….. explicou que ficaram aberturas no teto para não ter de se partir o teto quando surgissem novamente problemas relacionados com infiltrações”.

 

Assim, o que o Recorrente pretende é que resulte provado que em resultado da conduta do Réu se verificaram danos nas zonas dos tectos falsos, que se apresentavam mexidos, parcialmente removidos e danificados.

Compulsado o documento a que se alude no Facto 8. E ouvidas as gravações das testemunhas referidas pelo Recorrente e pelo tribunal a quo na motivação, entende-se não dar provimento a esta pretensão.

De facto, conjugando os depoimentos em causa e relevando a razão de ciência de cada um dos depoentes, afirmar que foi a conduta do Réu a causadora dos aludidos danos nos tectos falsos seria temerário, considerando toda a contextualização de inundações, infiltrações, limpezas, obras e reparações (e falta delas…) que foram ocorrendo ao longo dos anos (sendo que, o próprio A………….. se refere às aberturas no tecto por causa das infiltrações).

Não há dúvidas sobre a circunstância de os tectos em causa estarem mexidos, parcialmente removidos e danificados, mas o foco deste Tema da Prova n.º 5b está no nexo com a conduta do Réu e nesse aspecto a prova não foi minimamente conclusiva nesse sentido.

Trata-se de uma conclusão que o Tribunal a quo, com lucidez, tirou e é uma conclusão, que, tudo ponderado, este Tribunal sanciona.

Nada se altera, portanto, no que concerne ao Facto não provado F (sendo que, quanto ao G5 e G10, já a situação foi alterada, anotando-se apenas que - nestes - não há referência a qualquer nexo, o que permitiu que passassem para os factos provados).

 

 

 XII – DAS INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS – BASTIDOR – FACTO PROVADO 11.4

Neste ponto entende o Recorrente que estando provados os Factos 10., 11., 12. e 13. Referentes às instalações elétricas e valor para sua reparão, constando dele uma verba para deslocação e instalação do bastidor que foi levado faltou determinar o pagamento do valor que lhe corresponde, valor esse de 2.085,65€ (doc. n.º 5), que substituiria o de 1.550€ constante do Relatório Pericial.

 

Esta matéria, mais que respeitante à apreciação dos factos, respeita à aplicação do Direito, pelo que será aí que será examinada, nada havendo a determinar nesta sede.

 

 

 XIII – DO AVAC (Factos provados 15. E 15.1 e Factos não provados D e E)

Neste ponto, entende o Recorrente que o Tribunal absolveu o Réu do pedido relativamente ao equipamento de AVAC, mas que o fez erradamente e em oposição à prova produzida.

Por outro lado, desconsiderou elementos de prova que impunham que fosse dada resposta positiva ao Tema de prova n.º 3, relativamente ao AVAC.

 

Pretende assim o Recorrente – embora nunca o diga expressa e directamente – que os Factos não provados D e E passem a constar do elenco dos Factos provados.

 

Sobre a matéria o Tribunal a quo fundamentou da seguinte forma:

Relativamente aos aparelhos AVAC: nenhuma das testemunhas ouvidas sabe exatamente quais os aparelhos que existiam no local quando foi arrendado.

Com efeito, a testemunha A………… deixou de ter contacto com o imóvel no fim do Verão de 1998 (tendo o contrato de arrendamento com o Réu iniciado um ano depois, em 15.09.1999, tal como decorre  do  contrato  de arrendamento constante do facto 1) e voltou a ter  contacto  quando  o  autor adquiriu o prédio (em 06.12.2002, tal como decorre  do  facto  3),  sendo  que  neste hiato de tempo (entre 1998 e dezembro de 2002 ou seja quando o réu entrou para o imóvel não tem conhecimento concreto quanto ao que neste existia).

Também a testemunha E……………. começou a trabalhar no imóvel outubro de 2002.

É certo que na perícia AVAC o senhor perito consignou que há evidências de terem sido retirados aparelhos AVAC, mas não sabe quem as retirou: se foi o Réu ou se foram retiradas por outra pessoa antes de o Réu ter iniciado o contrato de arrendamento. Ou se foram retiradas depois do Réu sair do locado: na verdade, consta da proposta constante do facto 7 (elaborada por G……………) que a instalação aparenta ter sido vandalizada (ver fotos anexas).

O que temos por seguro é que entre o período de outubro de 2002 (data em que E…………………… começou a trabalhar no imóvel) e a entrega do imóvel, nenhum aparelho AVAC exceção do que foi adquirido pelo Estado e foi colocado na sala do bastidor) foi retirado do imóvel pelo Réu – tal como explicou de forma assertiva E……………..  (que  procedeu  à entrega do  imóvel ao Réu). E também temos por certo que foi levado para as novas instalações do tribunal o referido equipamento AVAC que foi adquirido pelo Estado e que estava colocado na sala do bastidor (tal como E…………….. explicou) motivo pelo qual resultou provado o facto 15.

Relativamente aos demais aparelhos de ar condicionado (e bem assim manípulos de comandos) ficou o Tribunal com dúvidas acerca da sua existência quando iniciou o contrato (ou se desapareceram depois de o Réu entregar o imóvel), pelo que resultou não provado o facto d)1. Tanto mais que, das plantas que constituem o levantamento do imóvel realizado em 1999 enviadas pelo Secretário Geral do Ministério da Justiça para o Gabinete do Ministro ……………., juntas a fls. 119/124, tendo em atenção a legenda de fls. 122 e verificando as UAC/unidades de ar condicionado tipo cassete e tipo  mural  do imóvel a fls. 121 e 121v, concluímos que estão assinaladas pelo autor da planta o total de 7 unidades de ar condicionado (quando A……………ocupava o espaço existiam mais, que este assinalou acrescentando nessa mesma planta, também a verde); sendo que do documento elaborado por G…... consta a necessidade de desmantelamento de nove unidades – ou seja, existiam ainda mais do que as que estavam quando o Réu entrou para o locado.

No que concerne ao ar condicionado estar a funcionar quando o Réu entrou para o imóvel e não estar a funcionar quando o Réu deixou o imóvel: não resultou da prova produzida com assertividade. Como explicamos supra, nenhuma das pessoas ouvidas tem conhecimento direto do que existia no imóvel quando o réu entrou para o imóvel. As plantas indicam a existência de unidades de ar condicionado, mas não concretiza se essas unidades estão a funcionar ou não. Acresce que a E…………..ocupou o locado desde 2002 até à sua entrega e explicou que algumas unidades não funcionavam. Esta afirmação foi corroborada por A…………… que ouviu os colegas queixarem-se que o ar condicionado não funcionava. Acresce que a testemunha A……….. afirmou que esteve presente durante a realização da perícia ao ar condicionado (ou seja, depois de findo o contrato de arrendamento) e que os equipamentos de ar condicionado estavam a funcionar (ligaram e depois surgiu cheiro a queimado). Mais tarde (o seu depoimento foi prestado ao longo de dois dias) referiu que 2 ou 3 não aqueciam (ou não arrefeciam!?) e um Fnac que quando se ligava deitava o disjuntor abaixo.

Ficou o Tribunal com dúvidas acerca do que existia em termos de equipamento de ar condicionado quando iniciou o contrato (nenhuma testemunha tinha conhecimento direto nesta matéria, sendo certo que quando E……………entrou para o imóvel, em 2002, alguns aparelhos não funcionavam e quando cessou o contrato pelo menos alguns aparelhos de ar condicionado funcionavam (atentas as declarações de A…………..e o que consta do relatório do I…. junto a fls. 54, último parágrafo). Resultaram assim não provados os factos d2 e d3.

O facto e) resultou não provado como corolário do facto não provado d)”.

 

Ainda sobre este ponto, o Réu nas suas contra-alegações refere que “no que concerne ao ar condicionado, basta atentar para a data de instalação e de vida dos aparelhos para se concluir que os equipamentos ali instalados eram obsoletos e a sua deterioração deve-se ao decurso do tempo e não a qualquer uso indevido por parte do Réu, tal como resultou unanimemente da prova produzida”.

 

O Recorrente faz um notável esforço por contrariar o bem desenvolvido raciocíno motivatório exposto pelo Tribunal a quo.

E fez com que este Tribunal ouvisse também os depoimentos a que aludiu.

Mas também o Tribunal a quo o tinha feito e, numa visão global da prova, conjugando com os restantes depoimentos e prova documental, chegou à conclusão que estes dois Factos só podiam considerar-se como não provados.

Não está em causa que as testemunhas referidas pelo Recorrente tenham dito o que resulta transcrito. Está sim em causa a sua visão parcial e o carácter selectivo dos seus depoimentos, sendo certo que a apreciação da prova se faz com todo o material probatório carreado para o processo (incluindo o restante declarado pelas mesmas testemunhas).

Repare-se - e sublinhe-se - que no início do contrato (em Janeiro do ano 2000…) nenhuma das testemunhas sabia ou se lembrava exactamente que aparelhos de ar condicionado lá existiam e a testemunha com mais conhecimento directo de tudo (E….), só cerca de três anos depois foi para o edifício (e nessa altura já alguns não funcionavam), sendo que, quando este foi devolvido ao senhorio também alguns ainda funcionavam (a que não será alheio o facto de a secretária E… sempre ter providenciado pela sua manutenção).

Agora, saber em concreto e com o nexo causal pretendido, se por via da actuação do Réu foram retirados 7 equipamentos de ar condicionado, e o sistema AVAC e sete equipamentos ficaram inoperacionais, e se faltaram (quando e em que momento) os manípulos dos comandos de dois aparelhos (e se estes estavam ou não funcionais), não resulta sequer com clareza das declarações das testemunhas a que o Recorrente alude, tornando-se impossível de concluir com mínimos de probabilidade em face dos timings de intervenção de cada um dos depoentes e do tempo decorrido.

 

Assim, decidiu bem e justificou bem o Tribunal a quo, nada havendo a alterar no que concerne aos Factos não provados D e E.   

 

 

 XIV – FACTO A DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Pretende o Recorrente que o Facto A dos factos não provados passe para o elenco dos factos provados, por o Tribunal não ter feito uma correcta apreciação da prova.

 

Sobre a matéria o Tribunal a quo limita-se a dizer que “O facto a) resultou não provado por falta de prova assertiva quanto ao mesmo”.

 

Está em causa o saber se entre o momento da entrega do locado pelo Réu ao Autor e o da realização das perícias o Autor nele não ter tido qualquer intervenção.

Começa aqui por se dizer que está em causa um facto perfeitamente instrumental, dir-se-á mesmo que inútil, porque o Réu não alegou que o Autor tivesse feito essa(s) intervenção(ções) nesse momento.

O relevante seria – se tal tivesse sido alegado – que se provasse que depois da entrega do locado o Autor tinha alterado o que quer que seja. Mas o Réu não o fez.

Assim ficámos com um facto negativo (não ter feito alterações) invocado pelo Autor e que nem se pode dizer que seja um facto constitutivo do seu direito.

Ao ser alegado por si exigia-se-lhe algum esforço probatório e o único que fez, foi - efectivamente - com a testemunha cujo depoimento transcreve e que seria a pessoa que ficou com a chave (para além do proprietário) e a controlar o edifício.

Mas exigia-se algo mais. Algum depoimento mais distanciado, pelo menos: a testemunha em causa (A….) é pessoa muito próxima do Autor e muito envolvida em todo o processo desde os seus primórdios (antes mesmo do arrendamento) e a simples afirmação intuída de “se tivesse feito eu saberia” é pouco para dar como assente o facto negativo em causa.

Dir-se-á que se trata de um facto negativo e como tal há uma maior dificuldade probatória, mas essa foi a opção do próprio Autor…

Por fim sempre se dirá que a única coisa resulta desta insuficiência de prova é que não se provou que o Autor não fez alterações depois da entrega do locado e até às vistorias, nada autorizando que se conclua que se tenha provado que as fez…

Nestes termos, nada se altera quanto ao Facto A não provado.

 

 

 XV – DOS LUCROS CESSANTES E DO FACTO PROVADO N.º 14

Quanto a este ponto e em sede de Conclusões (tudo o mais antes expressado nas alegações e que não venha aqui vertido irreleva), o Recorrente apenas se refere à circunstância de, perante o Facto 14. Dos factos provados (que considerou que a não existência de uma rede de ITED de telecomunicações totalmente operacionais dificulta o arrendamento e que apenas seria possível o arrendamento incorporando o inquilino os custos da reparação técnica das instalações) e atendendo a que o Tribunal considerou ainda provado que o Recorrido seccionou as telecomunicações (Factos 10. E 11.), deveria ter sido condenado o Recorrido no pagamento ao Recorrente nos peticionados lucros cessantes (rendas que deixou de auferir desde a entrega do locado, com base no valor médio do arrendamento constante no relatório pericial da construção civil, valor esse que nem sequer foi considerado provado, quando deveria tê-lo sido – cfr. Conclusão LXXXIX).

Abstraindo da questão relativa à aplicação do direito aos factos no que aos lucros cessantes se reporta e que será abordada a seu tempo no presente acórdão, acaba aqui o Recorrente por defender que não foi considerado o aludido valor médio e que tal valor (que consta do relatório pericial) devia ter sido considerado provado.

Mas não lhe assiste razão, porque não é isso que o Autor pede… sendo as considerações que faz sobre essa matéria espúrias.

De facto, o pedido que formula nos autos (vd. artigos 62, 63 e 76 a 78 da Petição Inicial) é o do pagamento do valor correspondente à renda que estava a auferir aquando da denúncia do contrato, pelo que foi isso que se reflectiu nos Temas da Prova (n.º 9) e foi o valor que se julgou provado quanto a essa circunstância que ficou a constar do elenco da factualidade apurada (Facto 22.).

Assim sendo, nada há a alterar ou acrescentar quanto à matéria factual dada como assente.

 

 

 XVI – DOS JUROS

 É matéria de subsunção dos factos ao Direito e não contende com qualquer eventual errado apuramento da factualidade adquirida.

**

Em face de tudo o exposto e em síntese, a matéria de facto terá de ser alterada nos seguintes termos:

                       I - Altera-se a redacção do Facto B) dos factos não provados, o qual passa a dizer o seguinte:

B) “Os danos existentes foram causados pela utilização do locado traduzida na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas no que vai além do apurado nos Factos 16., 16.1 e 17”.

 

                       II - Altera-se a redacção do Facto 25. que passa a ter a seguinte redacção:

25. “Em face do estado do locado, o Presidente da Comarca enviou, a 18/12/2003, um ofício à Ministra da Justiça, juntando:

                             - uma Informação da Secretária em substituição (onde consta – entre outras referências, que “as inundações nestas instalações têm sido diárias devido à chuva (…) ficando o Tribunal completamente inundado”; que “Todos os dias é solicitado ao senhorio para tomar providências no sentido de mandar efectuar as obras necessárias para a resolução deste problema, mas de nada tem adiantado; que “As águas do cano de  esgoto continuam a cair na sala de audiências e gabinete do Sr. Procurador(…)”; que “Todos os dias tem sido preciso necessário contactar os serviços de limpeza  para aspirar a água”),

                             - um seu Despacho determinando a comunicação da informação antecedente ao Presidente da Assembleia da República, à Ministra da Justiça, ao Ministro…….. e ao Presidente do CSTAF, acrescentando, “de minha lavra e responsabilidade (…) que esta situação não é nova, já foi comunicada inúmeras vezes à Administração e não pode continuar por muito mais tempo. Para além da dignidade das pessoas que aqui trabalham e a do Estado português, é também a dos cidadãos utentes deste tribunal que está em causa(…)”.

 

                       III - Eliminam-se os Factos não provados G a G12.

 

                        IV - Acrescenta-se aos Factos Provados o Facto 27. com a seguinte redacção:

27. Além do referido em 16 e 17 é necessário o valor de 25.899,25+IVA, para:

27.1. Demolição de paredes existentes em pladur, incluindo a estrutura de suporte, repondo nas condições iniciais;

27.2. Demolição da parede existente em alvenaria de bloco de betão leve, incluindo a limpeza e cumprimento das notas gerais;

27.3. Remoção/levantamento de portas existentes em madeira e respetivas ferragens, aros, alisares e todos os materiais complementares;

27.4. Demolição de 50% da área de tetos falsos existentes para reposição de fornecimento de novas instalações de AVAC, telecomunicações, eletricidade ou outras (em forro de pvc, em forro de madeira, em pladur);

27.5. Reposição de duas luminárias incluindo as respectivas ligações e todos os trabalhos inerentes de fornecimento para ficarem em funcionamento;

27.6. Execução de caixilharia de interior (de madeira, vidro e alumínio);

27.7. Fornecimento e assentamento com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3, de alvenaria de blocos de 0,10m de espessura;

27.8. Esboço, emboço e reboco com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3 com acabamento igual ao existente;

27.9. Reposição de portas removidas anteriormente em madeira, incluindo fornecimento de puxadores, ferragens, nova pintura e todos os trabalhos  e fornecimento necessários;

27.10. Fornecimento de tectos falsos novos para reposição dos demolidos, incluindo a estrutura de suporte e todos os materiais e fornecimentos necessários (em forro de pvc, em forro de madeira e em pladur);

27.11. Pintura a tinta de água em paredes de alvenaria interiores na cor branco nas demãos necessárias sobre demão de primário, incluindo preparação das superfícies;

27.12. Fornecimento e aplicação de pintura em tectos falsos de forro de madeira, pvc e pladur, incluindo primário adequado, preparação de superfícies e todos os trabalhos e fornecimentos necessários (em tetos falsos de forro pvc a tinta de água, em tectos falsos de forro de madeira a tinta de esmalte, em tectos falsos de pladur a tinta de água, incluindo lixagem e amassamento).

 

                              V – Renomeiam-se os Factos não provados H e I, como G e H (em consequência da eliminação do Facto não provado G).

 

**

Por tudo o exposto, a factualidade a considerar para decisão deste processo, passa pela já apurada na Sentença sob recurso, incluindo ainda os factos agora acrescentados (não havendo necessidade de produzir qualquer outra prova nesta ou noutra instância):

Assim:

1.     Em 17.01.2000, foi celebrada escritura pública de arrendamento na qual foram:

Primeira Outorgante: M…………. (…) em representação da “………….”;

Segundo Outorgante: L………………..(…) em representação do Estado Português (…);

Disse a primeira outorgante que (…) é dona e legítima proprietária do (…) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial…………, freguesia de …………., sob o número 675 (…) frações autónomas designadas pelas letras “M” e “N” (…).

Que nessa qualidade, pela presente escritura de arrendamento a favor do Estado Português, as frações “M” e “N”, contrato que se rege pelas cláusulas seguintes:

O presente contrato é feito pelo prazo de 6 meses, renovável por sucessivos e iguais períodos e tem-se por iniciado em 15 de setembro de 1999.

O arrendamento destina-se à instalação e funcionamento de serviços  públicos.

O arrendatário fica desde já autorizado a fazer toda as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que se destina o local arrendado, desde que não afetem a segurança da construção existente.

O arrendatário declara que recebeu o local arrendado em bom estado de conservação e obriga-se a conservá-lo em bom estado para o uso a que é destinado.

O arrendatário obriga-se, quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização.

                      

Tudo que estiver omisso é regulado pelas disposições legais e em vigor.

Disse o Segundo Outorgante: que em nome do Estado aceita o contrato nos termos expostos (escritura  junta  aos  autos  a  fls.  13/15, cujo  conteúdo  aqui  se  por integralmente reproduzido para todos os efeitos).

 

2. No imóvel referido em 1 foi instalado o Tribunal Administrativo e Fiscal   tendo sido realizadas obras para a instalação do tribunal.

 

3.Em 06.12.2002 foi celebrada escritura de compra e venda em que foram:

 

Primeira: (…) ……………….. (…);

 

Segundo: J……………….. (…)

 

Disse a primeira outorgante (…): que pela presente escritura, a sua representada, vende ao segundo outorgante pelo preço global de  111.226,20€, quantia que declara haver recebido do comprador, as duas frações seguintes:

 

Primeira: Por 34.236,74€ a fração autónoma designada pelas letras BB – “M” (…) descrita [na conservatória de registo predial] sob o 675 BB “M” (…).

 

Segunda: por 76.989,46€ a fração autónoma  designada pelas  letras  BB  – “N” (…) descrita [na conservatória de registo predial] sob o 675 BB “N” (…).

 

Que ambas as frações encontram-se arrendadas ao Ministério  da  Justiça, onde funciona atualmente o Tribunal Administrativo e Fiscal de…………….

 

Disse o segundo outorgante: que aceita o presente contrato nos termos expostos (documento junto aos autos no documento eletrónico de 10.03.2021, cujo conteúdo se aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos).

 

4.Em 16.05.2012, o I…………… dirigiu a J………….. a seguinte missiva:

 

Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento das instalações do Tribunal Administrativo na Rua ……………..

 

Vimos junto de v. Excia, na qualidade de proprietário das instalações em  epígrafe pelo presente ofício e nos termos estabelecidos no artigo 1100.º do Código Civil, denunciar o contrato de arrendamento celebrado com o Estado em 17.01.2000, o que produzirá efeitos dentro de 120 dias. No entanto, manifestamos a nossa disposição de fazer cessar o contrato em data anterior, por acordo, pelo que se solicita que nos informem com urgência da vossa aceitação (documento junto aos autos a fls. 15v, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).

 

5.Em 10.09.2012, foi realizada entrega do imóvel tendo sido elaborado termo de entrega com o seguinte conteúdo: em 10.09.2012, procedi à entrega do imóvel e respetivas chaves, onde funcionava o Tribunal Administrativo e Fiscal de………………., ao senhorio, senhor J…………... De como recebeu vai assinar.

 

Após encontra-se manuscrito: e informo que as mesmas instalações não se encontram nas mesmas condições em que foram entregues.

J…………………

 

A secretária em exercício de funções, E………….. (documento junto aos autos a fls. 16).

 

6.Após a entrega do imóvel, J…………….. solicitou estimativa orçamental para refazer as Infraestruturas de Telecomunicações à empresa ………………., elaborado por A………………., o qual ficou concluído em 15.11.2012.

 

7.Após a entrega do imóvel, J………………… solicitou proposta de ar condicionado e ventilação à empresa A…………..., a qual foi elaborada por G……………. e é datada de 18.10.2012. Desta consta: na sequência do vosso contacto e após visita ao local constatou-se que os equipamentos existentes são obsoletos, com vinte anos, estão descontinuados, utilizando ainda gás refrigerante R22. A instalação aparenta ter sido vandalizada (ver fotos anexas). Nestas condições não é possível recuperar a instalação existente pelo que propomos a remodelação da instalação de ar condicionado com introdução de sistema de ventilação para cumprimento da legislação em vigor no âmbito da qualidade de ar interior DL 79/2006.

 

8.Em 31.01.2014, foi elaborado documento, subscrito por R………… e A……………, do qual consta: no âmbito do solicitado pelo cliente, foi realizada uma vistoria técnica ao interior de 2 frações acima referidas a fim de se conhecer as mesmas e de verificar os defeitos da construção que segundo informação do cliente, foram provocados pelo rendeiro que esteve nos últimos 12 anos (Tribunal Administrativo e Fiscal ………….). (…) Foi efetuada uma primeira vistoria em 15.10.2013 na presença do Sr. J……… e Eng. T…………... Na 2ª vistoria, de 05.11.2013, as pessoas presentes foram: Sr. J………. e Eng T………….. e diversos Técnicos do Ministério da Justiça - Tribunal Administrativo e Fiscal……….., Sr. Dr. J…………. (I…………….) e Sr.ª D. V…………(Secretária do Tribunal de …………... O presente relatório é baseado em elementos e informações fornecidas pelo cliente, abaixo descritas, e no que se pôde observar no edifício.

 

9.O Réu não repôs o locado no estado em que se encontrava antes das obras referidas em 2.

 

10.A instalação de telecomunicações existente no local não funciona porquanto a cablagem foi seccionada pela Ré.

 

11.Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente às infraestruturas de telecomunicações:

 

11.1                                              Falta a seguinte aparelhagem terminal: 5 unidades de tomadas RJ11, 9 unidades de espelhos de tomada simples, 4 unidades quadro de tomada simples.

11.2                                                Aparelhagem terminal danificada: 4 unidades de tomadas RJ11 (deslocadas da caixa de aparelhagem com montagem encastrada), 1 tomada RJ45 (deslocada da caixa de aparelhagem com montagem encastrada), 7 tomadas coaxiais (com ausência de terminação coaxial tipo BNC).

11.3                                               Existência de pontos de rede em locais onde não existiam que não foram removidos: 39 tomadas RJ45.

11.4                                             O bastidor não se encontra no local.

 

11.5                                                  Em resultado do referido em 10, terão de ser criadas as infraestruturas de telecomunicações.

11.6                                                As entradas do operador público em cada fração não estão em condições de utilização pelo que terão de ser corrigidas.

11.7                                             Existem novos caminhos de cabos de forma disfuncional e inestética.

11.8                                             A cablagem existente no local não obedece ao prescrito no ITED 2.

 

12.Para reparação do referido em 10 e 11 é necessário:

12.1                                              remover todos os caminhos de cabos executados com calha técnica, à exceção da calha técnica existente no compartimento do bastidor (para encaminhar os cabos da caixa de terminal para o bastidor).

12.2                                                Substituir a calha técnica e utilizar acessórios de  instalação da mesma no compartimento do bastidor.

12.3                                              Substituir os cabos UTP seccionados (referidos em 10).

12.4                                              Transportar (d…………… para o imóvel em causa nos presentes autos) e realizar a respetiva beneficiação (com tratamento anticorrosivo, pintura, fornecimento e aplicação de réguas terminais de tomadas RJ45) o bastidor (também designado ATE).

12.5                                              Corrigir a cablagem TVHV (terminar a cablagem em réguas em blocos Krone 10 pares categoria 3).

 

13.Para reparação do referido em 10, 11 e 12 é necessário o valor de 8.811,03€ (a que acresce IVA).

 

14.Apesar do referido em 11 e 12 era possível o arrendamento do imóvel (designadamente, incorporando o inquilino os custos da reparação técnica das instalações); mas a não existência de uma rede ITED de telecomunicações totalmente operacional dificulta o arrendamento e reduz o valor potencial do imóvel no mercado de arrendamento.

 

15.Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente às infraestruturas AVAC:

15.1                                                                    Foi retirado (da sala onde estava o bastidor) um equipamento  de  ar condicionado que foi adquirido pelo Estado, durante o contrato de arrendamento.

 

16.Em resultado da conduta do Réu verifica-se o seguinte relativamente à construção civil:

16.1                                                              Paredes interiores com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos.

 

17. Para reparação do referido em 16 é necessário: fornecimento e aplicação de pintura em paredes interiores, incluindo limpeza, reparação e regularização das zonas com fitas adesivas, dos furos, tinta esfolada, pregos, preparação das superfícies, primário adequado e acabamento idêntico ao existente, no valor de 5.424,00€.

 

18.Em 06.11.2013, o Réu enviou ao autor a seguinte missiva: Na sequência da reunião realizada em …………….. no passado dia 25 de outubro e do que nela ficou acordado, ficamos a aguardar um relatório fundamentado dos prejuízos e orçamento das reparações, com vista à reposição do locado, para análise deste instituto, pois foi possível constatar nessa reunião e na visita ao edifício que existem diversas anomalias que não são da responsabilidade do inquilino, como por exemplo as infiltrações em paredes exteriores (documento junto aos autos a fls. 48, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).

 

19.Em 27.05.2014, a Ilustre Mandatária do Autor enviou ao réu email com o seguinte conteúdo: na sequência da v/ comunicação com data de 25.04.2014, dirigida ao nosso cliente (…) cumpre-me, em resposta ao mesmo, dizer o seguinte: (…) em relação ao convite para uma reunião, salvo o devido respeito e volvidos anos a constantes tentativas de resolução do problema, não estamos mais em tempo de protelar este assunto, pelo que apenas cumpre saber se pretendem assumir a reparação dos danos (…).

Em 30.05.2014, o Réu respondeu: pretendemos formular uma proposta de acordo com o valor fundamentado e justo, que reflita de forma objetiva o que foi possível recolher in loco (…). Para apresentação da proposta inda não nos foi possível apurar os valores finais relativos ao ar condicionado e informática/cablagem. Contudo conseguimos viabilizar a deslocação, na próxima semana, dia 3, de uma técnica da especialidade, contratada por nós. Nessa medida solicitamos desde acesso  ao imóvel.

Em 02.06.2014, a Ilustre Mandatária do Autor respondeu: Bom dia, agradeço que entre em contacto com o Sr. A…………………..

 

20.Em 11.07.2014, o Réu remeteu ao autor missiva com o seguinte conteúdo:

o contrato estipula na cláusula sexta: o arrendatário obriga-se, quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização”. Dito de outro modo, as obras a realizar, da responsabilidade deste instituto, não visam repor o locado nas condições em que o mesmo se encontrava aquando da celebração do contrato. Nessa perspetiva, o I………….. acorda apenas em assumir os encargos com a realização dos trabalhos que seguidamente se discriminam, não sendo devidas quaisquer outras quantias decorrentes da cessação do contrato, nomeadamente pelo não arrendamento do locado. Quanto ao sistema de climatização e sistema de telecomunicações foi elaborado o relatório que se anexa, tendo-se apurado o valor de 14.227,51€.

Reportando-nos ao relatório emitido pelo engenheiro Tavares Vieira, e em particular ao ponto 4.2. (…) refere a existência de danos não imputáveis a este instituto (…).

Contudo, numa tentativa de obtenção de um acordo, o I………….. suportará 50% do valor orçamentado estimado em 5.424,00, ou seja, 2712,00€.

Face ao exposto e na expectativa de uma proposta positiva à ora apresentada, aguardamos um contacto”

Do relatório que se segue consta:

Relatório de serviço externo de 30 de junho

(…) Foi agendada uma visita ao Tribunal Administrativo e Fiscal …………., com o Sr. A……………, representante do Dono do imóvel. (…)

Este relatório tem como finalidade aferir as patologias relacionadas com o sistema de climatização e sistema de telecomunicações. (…)

2.Instalações elétricas

 

2.1Instalações elétricas:

 

Durante a visita constatou-se, na presença do Senhor A………….. que na fração N encontrava-se alimentado com tensão, o  mesmo  não se verificou na fração M.

Na sala 6 Bastidor, local onde se encontrava o operador público o equipamento não está em condições operacionais e de utilização.

2.1.1Estimativa

 

Aparelhagem    terminal    inexistente   ou                                          danificada/10                  espaços           com Aparelhagem terminal inexistente ou danificada: 1.110€

Correção do sistema de entrada de operador público: 450€ Total com IVA: 1845€

2.2.Instalações de telecomunicações

 

O local onde estava instalado o bastidor, aquando da sua remoção, os cabos foram indevidamente cortados (…). Os cabos de telecomunicações existentes são de categoria 5 de acordo com o regulamento ITED existente na altura. A calha técnica onde é desenvolvida toda a infraestrutura é de  marca  Legrand,  de  dimensão 100x34e 100x50.

2.2. Estimativa

 

                            1.Fornecimento e montagem de cabo telecomunicações de categoria CAT5, desde o bastidor até às tomadas dos postos de trabalho, inclusive a aparelhagens terminais com adaptador e conector (…)

                        2.Ligações interiores do bastidor com Patch Cord RJ45 Cat 5 com comprimento de 1 metro: 950€

                              3.Transporte e montagem do bastidor existente no Palácio de Justiça de ……………..e todos os trabalhos inerentes à sua instalação: 1.550€

4.Testes e ensaios da instalação: 350€.

 

Total com IVA: 5.319,75€.

 

3.InstalaçõesMecânica (…)

Os equipamentos são de gás refrigerante R22, sendo que  estes  deixaram de ser comercializados desde o ano 2003. Logo todos os processos de manutenção dos mesmos estavam comprometidos, devido ao ano de fabrico e tempo útil dos mesmos.

As unidades das salas 10, 9, 8, 7 não se conseguiram testar o funcionamento das mesmas devido a falta de energia.

Apesar de não termos energia, a Senhora Secretária E………….. informou que as unidades dos gabinetes dos magistrados (sala 8 e 9) e economato (sala 7), funcionavam em perfeitas condições em aquecimento e arrefecimento.

(…)

 

Não existe unidade exterior da sala de audiências, logo a mesma não está operacional. Segundo a Senhora Secretária E……….  esta  unidade  nunca esteve em funcionamento desde setembro de 1999, ano em que o Tribunal Administrativo e Fiscal foi instalado.

As unidades dos espaços 5, 13 e 14 conseguiu-se colocar em funcionamento. No entanto, quando se colocavam em funcionamento para aquecimento ou arrefecimento estas entravam em proteção e desligavam. (…)

Desta forma, devido às unidades entrarem em proteção, sugere-se uma manutenção das mesmas, retificação de gás R22 ou o que substitui o mesmo ecologicamente aceite, verificação do estado dos compressores.

Na sala 6, onde estava o Bastidor, as infraestruturas de climatização estão no local, rede de cobre isolado e rede elétrica, assim como unidade exterior.

No entanto, a unidade interior foi retirada (…) sendo que está no Palácio da Justiça………., conforme a Senhora Secretária informou.

Nas salas abaixo referidas não existe qualquer unidade de climatização, no entanto existem infraestruturas no local (…):

1.  Biblioteca sala 1

2.  Gabinete do informático – sala 2

3.  Sala de testemunhas sala 3

4.  Sala de testemunhas sala 4

5.  Zona 2 corredor

6.  Sala de advogados sala 11

7.  Secção central sala 12

 

3.1.1. Estimativa

 

Manutenção das unidades, verificação do estado das mesmas, limpeza de permutadores, carga de gás, entre outros trabalhos (…)

7 unidades de climatização 3500€

 

Sala de audiências, sala 10, fornecimento e montagem de unidade interior e exterior de cassete 4 vias. De capacidade nominal de arrefecimento 4kw: 2.042€

Instalação da unidade interior da sala do bastidor, carga de gás R410a, retificação de pressões de funcionamento e limpeza da tubagem: 200€

Total com IVA 7.062,66€

 

Ao nível do sistema de ventilação existente no espaço, tem somente para a zona das casas de banho que é o conjunto com a sala de audiências. Não existe sistema de introdução de ar novo nos espaços.

4. Resumo orçamental:

 

Total estimativa com IVA: 14.227,41€.

Análise do orçamento de construção civil (…)

4.2. De acordo com o indicado no orçamento do Eng. T……………, foi considerada a pintura de todas as paredes para coerência das cores finais. Porém, o relatório/orçamento também assume que danos intrínsecos ao edifício não causados pelo rendeiro, como fissuras e humidades. Pela visita ao local constatou-se facilmente que os chamados danos provocados pelo rendeiro em pinturas de paredes são bastante menores que os da responsabilidade do proprietário, pelo que também por coerência, até deveria ser este a assumir todo o custo das pinturas para coerência das cores finais. Na tentativa de se chegar a um acordo, o que sempre temos privilegiado, achamos justo suportar 50%do valor orçamentado para a pintura das paredes.

Total sem IVA: 2712,00€.

(documento junto aos autos a fls. 48v/61, cujo conteúdo aqui fica reproduzido).

 

21. Em 21.01.2015, a Ilustre Mandatária do Autor enviou ao réu email com o seguinte conteúdo: volvidos alguns meses desde o último contacto (…) agradeço o agendamento de reunião para discutir o assunto em apreço (documento junto aos autos pelo autor a fls. 62/63 - e pelo Réu a fls. 124v/125 -, cujo conteúdo considera reproduzido).

 

22. À data da cessação do contrato, a renda que o Réu pagava ao autor era de 3.383,46€.

 

23. O locado foi alvo de inúmeras infiltrações de água oriunda da chuva e de uma fração do condomínio onde o locado está localizado; infiltrações das quais resultaram disparos na eletricidade e acumulação de água dentro do locado.

 

24. Infiltrações essas que chegaram a ser diárias, entre as quais, esgoto na sala de audiências, de que quer o Autor quer o seu antecessor, foram alertados, em vão, para tomar as providências no sentido realizar as obras necessárias.

 

25. Em face do estado do locado, o Presidente da Comarca enviou, a 18/12/2003, um ofício à Ministra da Justiça, juntando:

                       - uma Informação da Secretária em substituição (onde consta – entre outras referências, que “as inundações nestas instalações têm sido diárias devido à chuva (…) ficando o Tribunal completamente inundado”; que “Todos os dias é solicitado ao senhorio para tomar providências no sentido de mandar efectuar as obras necessárias para a resolução deste problema, mas de nada tem adiantado; que “As águas do cano de  esgoto continuam a cair na sala de audiências e gabinete do Sr. Procurador(…)”; que “Todos os dias tem sido preciso necessário contactar os serviços de limpeza  para aspirar a água”),

                        - um seu Despacho determinando a comunicação da informação antecedente ao Presidente da Assembleia da República, à Ministra da Justiça, ao Ministro da………..s e ao Presidente do CSTAF, acrescentando, “de minha lavra e responsabilidade (…) que esta situação não é nova, já foi comunicada inúmeras vezes à Administração e não pode continuar por muito mais tempo. Para além da dignidade das pessoas que aqui trabalham e a do Estado português, é também a dos cidadãos utentes deste tribunal que está em causa(…)”.

 

26. Em 09.09.2013, pela AP. 1335 de 2013/09/09, J…………. Macedo registou a aquisição, por compra a ………………, da fração autónoma descrita na conservatória de registo predial sob o nº 675 – BB – “M”. Em 09.09.2013, pela AP. 1335 de 2013/09/09, J……………… registou a aquisição, por compra a ………………, da fração autónoma descrita na conservatória de registo predial sob o nº 675 – BB – “N”.

 

27.(inicialmente não provado) Além do referido em 16 e 17 é necessário o valor de 25.899,25+IVA, para:

27.1. Demolição de paredes existentes em pladur, incluindo a estrutura de suporte, repondo nas condições iniciais;

27.2. Demolição da parede existente em alvenaria de bloco de betão leve, incluindo a limpeza e cumprimento das notas gerais;

27.3. Remoção/levantamento de portas existentes em madeira e respetivas ferragens, aros, alisares e todos os materiais complementares;

27.4. Demolição de 50% da área de tetos falsos existentes para reposição de fornecimento de novas instalações de AVAC, telecomunicações, eletricidade ou outras (em forro de pvc, em forro de madeira, em pladur);

27.5. Reposição de duas luminárias incluindo as respectivas ligações e todos os trabalhos inerentes de fornecimento para ficarem em funcionamento;

27.6. Execução de caixilharia de interior (de madeira, vidro e alumínio);

27.7. Fornecimento e assentamento com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3, de alvenaria de blocos de 0,10m de espessura;

27.8. Esboço, emboço e reboco com argamassa de cimento e areia ao traço 1:3 com acabamento igual ao existente;

27.9. Reposição de portas removidas anteriormente em madeira, incluindo fornecimento de puxadores, ferragens, nova pintura e todos os trabalhos  e fornecimento necessários;

27.10. Fornecimento de tectos falsos novos para reposição dos demolidos, incluindo a estrutura de suporte e todos os materiais e fornecimentos necessários (em forro de pvc, em forro de madeira e em pladur);

27.11. Pintura a tinta de água em paredes de alvenaria interiores na cor branco nas demãos necessárias sobre demão de primário, incluindo preparação das superfícies;

27.12. Fornecimento e aplicação de pintura em tectos falsos de forro de madeira, pvc e pladur, incluindo primário adequado, preparação de superfícies e todos os trabalhos e fornecimentos necessários (em tetos falsos de forro pvc a tinta de água, em tectos falsos de forro de madeira a tinta de esmalte, em tectos falsos de pladur a tinta de água, incluindo lixagem e amassamento).

 

***

 

Factos não provados:

A) Desde a entrega do locado até ao final das perícias, o Autor não alterou o estado de conservação em que o mesmo se encontrava aquando da entrega por parte da Rés.

 

B) Os danos existentes foram causados pela utilização do locado traduzida na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas no que vai além do apurado nos Factos 16., 16.1 e 17.

 

C) Para reparação do referido no ponto 11 é necessário substituir toda a aparelhagem terminal por tomadas RJ45 duplas.

 

D) Em resultado da conduta do Réu verifica-se ainda o seguinte relativamente às infraestruturas AVAC:

D) 1. Foram retirados 7 equipamentos de ar condicionado.

D) 2. O sistema AVAC e 7 equipamentos de ar condicionado ficaram inoperacionais.

D) 3.    Faltaram         manípulos      de        comandos      em       dois            aparelhos       de ar condicionado.

 

E) Por causa da conduta do Réu, para reparação das infraestruturas AVAC é necessário o valor de 30.177,50€+IVA.

E)1. Fornecimento dos 14 aparelhos de ar condicionado, no valor de 20.577,00€ + IVA.

E)2. Desmantelamento de 9 unidades de ar condicionado existentes;

E)3. Recolha de gás refrigerante por técnicos credenciados;

E)4 Preenchimento  da  ficha  de  intervenção  e  do  guia  de  acompanhamento de transporte rodoviário de resíduos e respetiva entrega a entidade licenciada para o tratamento e eliminação do gás refrigerado, no valor de 1.140,00€ +IVA;

E)5 Fornecimento e instalação na fração N de sistema para introdução de ar novo e sistema de extração de ar, no valor de 5.125,50€ + IVA;

E)6 Fornecimento e instalação na fração M de sistema para introdução de ar novo e sistema de extração de ar, no valor de 3.335,00€ + IVA.

 

F) Em resultado da conduta do Réu verifica-se ainda o seguinte relativamente à construção civil: Zonas dos tetos falsos mexidas, parcialmente removidos e danificadas, bem como luminárias desmontadas nos tetos falsos.

 

G) (inicialmente H) Desde janeiro de 2013, o Autor interpelou o Réu.

 

H (inicialmente I) O autor não tem condições para suportar o valor das reparações, pelo que, enquanto as Rés não assumirem essa obrigação, não poderá iniciar as reparações necessárias às fracções para poder promover o seu arrendamento.

 

 

Fundamentação de Direito

A Sentença sob recurso julgou parcialmente procedente a acção com base no seguinte processo de raciocínio:

               - entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de arrendamento não habitacional que cessou por denúncia do arrendatário;

                    - cessado o contrato, o Autor entende que o imóvel não tinha sido devolvido no estado em que se encontrava quando foi entregue no início do contrato, entendendo dever ser ressarcido do valor necessário para fazer essa reposição;

                    - o Réu, por seu turno entende que não tinha de o fazer e que foram autorizadas toda as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que se destina o local arrendado, sendo que a obrigação assumida foi a de deixar o local em perfeitas condições de utilização;

                    - do artigo 1043.º, n.º 1, do Código Civil emergem para o locatário as obrigações de manter a coisa no estado em que a recebeu e a de restituir nesse mesmo estado, ressalvando sempre as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato;

                    -  não é só relativamente ao momento da entrega que o inquilino deve conservar o prédio arrendado até à sua entrega, “ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização”, mas a todo o momento, incluindo obras que tenham sido feitas com vista a assegurar-lhe o gozo para os fins a que se destina;

                    - o inquilino não é obrigado a reparar as utilizações inerentes a uma prudente utilização   nem    as    resultantes    do    desgaste    do    tempo, visando o artigo 1043.º, fundamentalmente, pôr a cargo do locatário as obras de conservação e reparação determinadas por má ou imprudente utilização da coisa;

                    -  o dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato, sendo que, quanto a estas, só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes;

                    - as obras que o Autor exige do inquilino nada têm a ver com deteriorações inerentes à utilização do locado, mas obras de adaptação deste com vista a nele vir a ser exercida a atividade de um tribunal, designadamente a construção de paredes divisórias, a junção de espaços e outras próprias de e para o funcionamento de um tribunal, obras que transformaram aquilo que eram dois imóveis num único espaço compreendendo um todo locado;

                    - tais obras eram essenciais ao funcionamento do tribunal e foram efectuadas por consenso das partes e custeadas pelo inquilino, embora à partida fossem obrigação do senhorio (na medida em que lhe competia entregar o locado apto a nele ser exercida a atividade para a qual se destinava o arrendamento - artigo 1031.º, alínea b), CC);

                   - este acordo traduz-se em que o senhorio cumpre a sua obrigação permitindo ao inquilino substituir-se-lhe na feitura das obras de adaptação das fracções aos fins do contrato passando tais obras a ser parte integrante da fracção arrendada;

                   - não pode entender-se que o réu estava obrigado a manter o locado no estado anterior às obras e, consequentemente, restituí-lo nesse mesmo estado (estava sim obrigado a mantê-lo no estado em que o recebeu, mas apto aos fins do contrato);

                   - dos factos provados não resulta que, para cumprir tal obrigação o Réu tenha de fazer quaisquer obras, muito menos as de sentido inverso às de adaptação do locado aos fins do contrato;

                   - tendo as referidas obras sido feitas em benefício do Autor (para lhe permitir cumprir a obrigação de entregar um local apto ao exercício da actividade para a qual se destinava o arrendamento), o Réu não tem obrigação de reparar tais obras, a não ser que isso expressamente tivesse sido acordado, o que não ocorreu;

                   - a cláusula acordada por Autor e Réu deve ser interpretada no sentido de o imóvel ser entregue não novo, mas um imóvel que tenha todas as condições de utilização e que, caso essas condições de utilização não existam ou não se revelem perfeitas, que tal seria imputável ao Réu.

                   - e é esse critério interpretativo que se deve aplicar ao que o Autor pretende neste autos quanto ao ar condicionado, às instalações elétricas e de telecomunicações e às obras relativas à construção civil;

                   - no que ao ar condicionado respeita e considerando a matéria que resultou provada, estão em causa os equipamentos obsoletos e o equipamento que o Réu adquiriu e retirou quando saiu do locado;

                   - os equipamentos de ar condicionado em causa são obsoletos, com vinte anos, estão descontinuados, utilizando ainda gás refrigerante R22 e deixaram de ser  comercializados em 2003, pelo que todos os processos de manutenção dos mesmos estavam comprometidos, devido ao ano seu ano de fabrico e tempo útil, o que implica que  qualquer  falta  de  perfeição a eles relativa resultaria do decurso do tempo e não de qualquer conduta do Réu, pelo que não se verificam quaisquer pressupostos de responsabilidade (contratual ou extracontratual) que imponham uma indemnização por parte do Réu ao Autor a este título;

                   - quanto ao equipamento de ar condicionado que o Réu adquiriu e retirou quando saiu do locado, corresponde a uma benfeitoria que nada obstava a que fosse levantada (artigo 1074.º n.º 5, CC), pois o locatário estava autorizado a fazer todas as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que se destinava o local arrendado, desde que não afectassem a segurança  da  construção existente, pelo que nada obstava assim procedesse;

                   - quanto às instalações elétricas, a instalação de telecomunicações existente no local não funciona porquanto a cablagem foi seccionada pelo Réu (facto nº 10), do mesmo modo que são resultado da sua conduta todas as faltas e danos descritas no Facto 11, pelo que, na decorrência do artigo 1044.º do Código Civil e em face do apurado no Factos 12. e 13., o Réu terá de pagar ao Autor 8.811,03€+IVA;

                   - quanto à construção civil, na linha do dito sobre a prudente utilização do prédio por parte do inquilino, está assente que em  resultado da conduta do Réu as paredes interiores forma entregues com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos (Facto 16.), tendo resultado não provado que os danos existentes se devem a uma imprudente utilização do locado que se traduziu na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas, bem como, por outro lado, a uma descuidada remoção dos bens por parte das Rés aquando da entrega das fracções ( Facto b);

                   - ora, tratando-se de um Tribunal, a existência de furos, pregos/parafusos, fitas adesivas (designadamente para afixar placards, informação etc.) é consentâneo com  a  actividade  exercida  no  imóvel, do mesmo modo que a existência de riscos constitui uma normal decorrência de um edifício onde afluem diariamente diversas pessoas (em trabalho, para  pedir/prestar informação, para participar em diligências) e onde  aguardam,  muitas  vezes, encostadas às paredes, pelo que se trata de deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, que, como tal, não obrigam à sua reparação;

                   - a existência de furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos (facto 16) não coloca em causa as condições de utilização do imóvel, sendo que ainda que assim não fosse, sempre concluiríamos que estamos perante uma situação de abuso de direito;

                   - existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.

                   - o abuso do direito implica uma ponderação global da situação em jogo, sendo que deve ser chamado  para a solução de  casos excecionais, em que a solução de direito estrito repugne ao sistema;

                   - nos presentes autos, o locado foi alvo de inúmeras infiltrações de água oriunda da chuva ou  de  uma  fracção  do  condomínio  onde  está localizado, infiltrações (que chegaram a ser diárias) das quais resultaram disparos na eletricidade e acumulação de água, para além de o esgoto cair na sala de audiências, sendo que, quer o Autor quer o seu antecessor, foram alertados, em vão, para tomar as providências no sentido de mandar realizar as obras necessárias, o que levou mesmo à intervenção do Juiz Presidente da Comarca…………. e de comunicações ao Ministério da Justiça e Presidente  da  Assembleia  da  República;

                   - neste contexto, pretender agora que o Réu coloque as paredes em perfeitas condições (quando o próprio autor se furtou às obras a que estava obrigado), constitui abuso de direito na modalidade tu quoque;

                   - a exigência de que as paredes fiquem em perfeitas condições (cláusula quinta do contato de  arrendamento) constitui  um abusivo exercício do direito e como tal não atendível;

                   - no que à indemnização pelos lucros cessantes respeita, o Autor defende que no estado em que o Réu entregou o imóvel não poderia proceder ao seu arrendamento sem reparar os danos existentes por aquele originados (ar condicionado, telecomunicações e construção civil), pelo que deixou de receber rendas desde 01.10.2012 até Dezembro de 2015, o montante de 144.226€;

                   - todavia, não estando o Réu obrigado a realizar as obras e pagar as indemnizações peticionadas relativamente aos equipamentos de ar condicionado e construção civil, o pedido não pode ser deferido;

                   - por via da instalação elétrica e telecomunicações o Réu tem de pagar ao Autor 8.811,03€+IVA, sendo certo que os 14.227,51€ que ofereceu antes do processo, o foram apenas para evitar o recurso ao Tribunal;

                   - o arrendamento do imóvel era possível apesar do referido relativamente à instalação elétrica e de telecomunicações, embora a existência de uma rede ITED de telecomunicações não totalmente operacional dificultasse o arrendamento e reduzisse o valor potencial do imóvel no mercado de arrendamento;

                   - nada mais resultou provado relativamente aos lucros cessantes cf. designadamente a existência de interpelação em janeiro de 2013 e que o autor não tem condições para suportar o valor das reparações, pelo que, enquanto as Rés não assumirem essa obrigação, não poderá iniciar as reparações necessárias às frações para poder promover o seu arrendamento.

 

Já atrás vimos a posição assumida perante esta decisão por parte do Autor, ora Recorrente.

Como é evidente, com os novos factos assentes importa verificar se o olhar jurídico sobre o conjunto da factualidade apurada e não apurada se pode manter.

Seguiremos, assim a compartimentação temática da bem organizada Sentença proferida pelo Tribunal a quo, conjugadamente com as Conclusões do Recorrente.

 

Das Conclusões do Autor ainda não apreciadas vejamos:

I – DA CONDENAÇÃO DA NO PAGAMENTO DE 8811,03 EM FACE DA CONFISSÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DE 14.227,41 e de 2.712.

II – DA CONTRADIÇÃO ENTRE O FACTO PROVADO           N.º 1 (ESCRITURA PÚBLICA DE ARRENDAMENTO) e N.º 9 (O RÉU NÃO REPÔS O LOCADO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRAVA ANTES DAS OBRAS REFERIDAS EM 2), POR UM LADO e do PONTO 2.3 DA SENTENÇA QUE CONSIDEROU QUE A REFERIDA REPOSIÇÃO NÃO ERA DEVIDA ATENTAS AS CLÁUSULAS NEGOCIAIS ACORDADAS, POR OUTRO.

III – DAS PERFEITAS CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO

IV – DA CONSTRUÇÃO CIVIL - FACTOS 16, 16.1 E 17 DOS FACTOS PROVADOS E FACTO B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Neste ponto, pretende o Autor-Recorrente que o Réu seja condenado no pagamento dos valores respeitantes ao uso imprudente do prédio, em conformidade com o apurado nos Factos 16., 16.1 e 17.

O Tribunal não deu razão ao Autor-Recorrente quanto a considerar provado o Facto B, mas clarificou a redacção deste Facto B e será com tal pressuposto que a questão será abordada.

V – DO ABUSO DE DIREITO - DECISÃO SURPRESA – Existência ou não de uma decisão surpresa e suas consequências.

VI – Do abuso de direito – sua aplicação ou não à situação dos autos.

VII – DA INCORRECTA PROVA DOS FACTOS 23, 24 E 25 DOS FACTOS PROVADOS

Apenas no que concerne ao Facto 25. se procedeu a uma alteração de redacção.

VIII – DOS FACTOS NÃO PROVADOS F) E G) (1. 12.) E DOS TEMAS DA PROVA 4, 5 E 6

IX – DOS FACTOS NÃO PROVADOS G1, G2, G3, G4, G6, G7, G8, G9, G10, G11 e G12 E DO TEMA DA PROVA N.º 4

X – DO FACTO G DOS FACTOS NÃO PROVADOS e FACTO 6 DOS TEMAS DA PROVA

Nada se alterou quanto ao Facto 9. e os Factos não provados G a G12, passaram a integrar o elenco dos factos provados, como Facto 27..

As consequências serão extraídas na análise de direito a fazer de seguida.

XI – DOS FACTOS NÃO PROVADOS F, G5 e G10 (DO TEMA DA PROVA 5B)

Nada se alterou quanto ao Facto F (sendo que, quanto ao G5 e G10, já o havia sido).  

 XII – DAS INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS – BASTIDOR – FACTO PROVADO 11.4

Provados os Factos 10., 11.,12.e13. referentes às instalações elétricas e valor para sua reparão, o valor respeitante ao bastidor não foi contabilizado, mas apenas uma verba para deslocação e instalação, situação que se abordará nesta sede de apreciação de Direito

XIII, XIV e XV

Nada foi alterado em termos factuais.

XVI – DOS JUROS

 É matéria de subsunção dos factos ao Direito e não contende com qualquer eventual errado apuramento da factualidade adquirida.

 

Globalmente, em termos do Direito, temos de convocar para análise:

                       -  o regime do arrendamento urbano, no que à matéria da devolução do locado ao senhorio se reporta;

                       - a existência ou não de uma Decisão Surpresa;

                       - a existência ou não de uma situação de Abuso de Direito.

 

 

Entrando a decidir.

I - Começa por se afastar a primeira das pretensões do Autor recorrente no que concerne à circunstância de o Tribunal ter – pretensamente - ignorado a confissão do Réu e decidido condená-lo no pagamento de uma quantia inferior àquela que teria sido confessada.

 

Lavra o Autor-Recorrente num claro equívoco, uma vez que o Réu em momento algum confessou ser devedor dos montantes em causa (14.227,41€ e de 2.712€).

Basta atentar no teor da Contestação apresentada, quer globalmente, quer no que impugnado especificamente vem (artigo 50.º, desde logo, mas também os 12.º, 13.º, 49.º e 51.º), quer na circunstância de especificamente se referir ao documento em causa, sublinhando que nem sequer teve resposta por parte do Autor, quer ainda – por fim – na própria leitura de tal documento. Repare-se que nele se explica a posição do Réu (de forma consentânea, aliás, com a defesa apresentada nesta acção) e se fala expressamente no espírito que o envolve (“contudo, numa tentativa de obtenção de um acordo”), terminando com um “na expectativa de uma proposta positiva à proposta apresentada, aguardamos um contacto"[1].

 

Teria o Autor razão se tivesse chegado a haver um acordo extrajudicial no sentido pretendido e agora uma das partes (o Réu) pretendesse o contrário, ou diferente (caso em que até teria de se recorrer ao instituto da litigância de má fé).

Mas não é isso que sucede, nem foi isso que sucedeu…

Antes da acção, Autor e Réu tiveram conversações no sentido de lograrem obter um acordo que evitasse o recurso a Tribunal e foi nesse âmbito que, entre propostas e contrapropostas, o Réu – para evitar a existência de um processo – aceitou pagar um determinado valor.

Só que não houve acordo…

E, portanto, esta posição – claramente assumida nesse contexto e objectivo – não pode considerar-se vinculativa para a parte em causa.

A acção foi intentada, cada uma das partes produziu a sua prova quanto aos factos e o Tribunal apurou os que considerou provados.

Os artigos 574.º, n.º 2 e 605.º, n.º 5, do Código de Processo Civil são, pois, aqui chamados a colação de forma despropositada.

Improcede, portanto, a primeira das conclusões do Autor-Recorrente.

 

**

 

II - Vejamos agora a segunda das conclusões.

Pretende o Autor-Recorrente que o Réu pague a reposição do locado tal qual lhe foi entregue, incluindo aqui as obras de adaptação nele realizadas.

 

Comecemos por enquadrar o regime jurídico aqui aplicável.

Nos termos do artigo 1022.º do Código Civil, locação “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”, desta definição resultando que este contrato “se caracteriza por uma específica prestação : a de proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa corpórea, bem como a estipulação de uma contrapartida pecuniária para essa obrigação” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª edição, Almedina, 2007, páginas 08 e 09).

Trata-se de um contrato com  três elementos essenciais : a obrigação de proporcionar a outrem o gozo de um prédio urbano (1), o ter um carácter temporário (2) e o ser mediante retribuição (3)[2].

No que às obrigações que dele decorrem para o arrendatário, releva o artigo 1038.º, CC, que dispõe serem “obrigações do locatário” o pagamento da renda ou aluguer (a]), o facultar ao locador do exame da coisa locada (b]), o não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina (c]), o não fazer dela uma utilização imprudente (d]), o tolerar reparações urgentes (e]), o não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa a não ser com autorização do locador (f]), o comunicar ao locador a cedência, quando autorizada (g]), o avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo, ou terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador (h]), o restituir a coisa findo o contrato (i]).

 

Para o que aos presentes autos interessa serão relevantes as obrigações de não fazer do prédio uma utilização imprudente e a de restituir o prédio findo o contrato (como reflexo da assinalada natureza temporária do contrato), no estado em que o recebeu.

 

Trata-se a primeira de uma obrigação “que constitui aplicação do dever de guarda e conservação que impende sobre o locatário e, portanto, concretamente sobre o arrendatário” (Pinto Furtado, cit., página 563), dispondo o artigo 1043.º, n.º 1, do Código Civil – fazendo-se aqui a ligação à segunda obrigação – que, na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, ou seja, descontados apenas os estragos decorrentes do seu uso normal[3].

A obrigação de reparar as deteriorações que a coisa tenha sofrido existe, portanto, mesmo durante a vigência do contrato, não estando – portanto - necessariamente associada à obrigação de restituir, findo o contrato[4].

 

O arrendatário deve pois utilizar o prédio prudentemente, ou seja, como o utilizaria um “proprietário prudente”[5], ou um bom pai de família[6] (“isto é, pelo comportamento que, nas circunstâncias concretas, deverá exigir-se a uma pessoa de bem[7]), cabendo ao julgador fazer essa apreciação (sendo que o “uso diligente é apreciado em função do tipo de locação”[8]), atribuindo-se, portanto, “ao locatário, as reparações exigidas pelo uso imprudente do prédio”[9].

Ou seja, o senhorio, terá direito a ser ressarcido dos prejuízos que, com a imprudente utilização por parte do arrendatário, este lhe causar (artigo 1044.º do Código Civil; Pinto Furtado, ob. cit., páginas 569-574).

E o arrendatário usa imprudentemente o prédio quando pratica actos que causem no locado deteriorações consideráveis (artigos 1038.º, d] e 1043.º do CC).

Nas palavras de Pires de Lima[10] fazem “uma utilização imprudente da coisa «os que deixam deteriorar as coisas e os prédios por uso excessivo e imoderado, os que não usam dos meios convenientes de conservação»”, sendo certo que, uma utilização prudente, permite fazer pequenas deteriorações que se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade (cfr., artigo 1073.º do CC[11]), ainda que devam por si ser reparadas aquando da restituição .

 

A regra é, assim, a de que o locado deve ser restituído no estado em que foi recebido pelo locatário, ressalvadas as assinaladas deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, devendo, em todo o caso, ser ainda relevado o preceituado pelo artigo 1073.º do Código Civil.

De notar que o conceito de deteriorações presente neste último normativo, “tem suscitado na doutrina dúvidas interpretativas sobre se se encontra aplicado em sentido próprio ou sentido impróprio. Assim, Pinto Furtado sempre entendeu que não estão em causa deteriorações, mas sim benfeitorias úteis, já que não se trata de as incluir no uso prudente de um bom pai de família, mas antes de admitir que elas não atentam contra o direito de propriedade do senhorio, podendo o arrendatário, quando deva entregar o prédio, levantá-las, se o puder fazer sem detrimento do edifício, como se proclama no art. 1273º, nº 1 e não repará-las, como impropriamente é afirmado nestas disposições. Parece-nos, no entanto, que o conceito de deteriorações é usado nesta disposição em sentido próprio, no sentido de que independentemente dos benefícios que atribuam ao prédio, se elas forem pequenas, e se justificarem pelo fim de assegurar o conforto e comodidade do arrendatário, são permitidas”[12].

 

Assim, as deteriorações resultantes de uma prudente utilização da coisa locada não são da responsabilidade do arrendatário, sendo que, as realizadas voluntariamente por este (com finalidade de lhe proporcionar conforto, comodidade e bem-estar a si e/ou aos seus clientes, "designadamente pela suspensão de quadros ou espelhos, a colocação de antenas, a abertura de uma porta ou uma janela, não chegando, portanto, a atingir a dimensão prevista na alínea d], do art. 1093º”[13], já o serão, devendo fazer as reparações necessárias antes da entrega, antes da devolução do prédio (nos termos do aludido artigo 1073.º).

 

Como deteriorações lícitas de pequena ou reduzida dimensão (conceito indeterminado que “só em razão do caso concreto se pode determinar”, como assinala Fernando de Gravato Morais[14]) figuram “as emergentes do rasgamento de paredes para a instalação de equipamentos de climatização (ar condicionado), da instalação de postes e antenas para equipamentos audiovisuais, da colocação de quadros, gravuras, suportes, da fixação de cabides e armários, de candeeiros e lanternas, sanefas e outros adornos, a abertura de um postigo e demais obras de pequena monta”[15].

Em contraposição a este tipo de deterioração, as que assumem um carácter considerável serão “todas aquelas que não sejam inerentes à prudente utilização do prédio, em que não constituem pequenas deteriorações necessárias ao conforto e comodidade do arrendatário, ou que revistam um certo vulto, quer pela sua extensão, quer pelo custo da reparação, quer pelo confronto com o valor e dimensão do prédio onde são praticadas” (RP 19/11/2001, Fernando Samões, www.dgsi.pt), ou, se se preferir, as “que revestem um certo vulto, pela sua extensão, pelo custo de reparação ou pelo prejuízo funcional ou estético de carácter permanente” (o que não sucede com a substituição de um soalho de madeira do r/c, por pavimento de cimento coberto com tijoleira, num estabelecimento comercial de mercearia, quando esse soalho se encontra podre em vários sítios e a substituição se destina a evitar algum acidente” – RP 24/09/2001, Azevedo Ramos, www.dgsi.pt ; RL 25/10/2007, Vaz Gomes, www.dgsi.pt).

 

No momento da restituição do prédio por motivo da cessação do contrato, há ainda que distinguir, segundo critérios ditados pelo simples bom senso, entre as deteriorações do imóvel correspondentes a uma utilização normal, corrente - ou prudente -, que não obrigam a reparação (nos termos do artigo 1043.º, n.º 1, do Código Civil) e as deteriorações que, embora lícitas (por obedecerem ao duplo requisito do artigo 1073.º), obrigam à sua reparação, nos termos desse mesmo preceito, por virtude do carácter marcadamente pessoal da utilização do prédio, que elas pressuponham[16].

 Ou seja - e concordando-se com Fernando de Gravato Morais - há sempre que adaptar a “norma ao específico arrendatário em apreço, pois devem agora ser equacionados interesses que não se encontram literalmente expressos na parte final do normativo”[17].

 

De sublinhar que o conhecimento do estado em que o locado foi entregue ao locatário é essencial para determinar em que termos e em que medida pode este ser responsabilizado.

Por esse motivo - e considerando as naturais dificuldades de prova - é que o n.º 2 do artigo 1043.º  do Código Civil, estabelece uma presunção de que a coisa foi entregue em bom estado de conservação, sendo certo que, desta presunção, sempre haverá que retirar as consequências legais respectivas (cfr., artigo 350.º do Código Civil[18]).

 

No que concerne às deteriorações provocadas pela “simples usura do tempo, ou vetustez” (Pinto Furtado[19]), ou ainda - se se preferir - pelo desgaste do tempo (“caixilharia apodrecida, pinturas estragadas, fendas nos tectos, nas paredes, nos soalhos, etc.) por maioria de razão se deve entender que não obrigam o locatário no momento da restituição” (Pires de Lima-Antunes Varela[20]): “Naturalmente que o inquilino não pode ser responsabilizado pela degradação resultante do envelhecimento do prédio” (Fernando de Gravato Morais)[21].

 

Por sua vez, do preceituado no artigo 1044.º, retira-se que - em princípio - o locatário é responsável pelas deteriorações da coisa e, portanto, para que o não seja, necessita de provar que a causa destas lhe não é imputável (nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização da coisa): ou seja, incumbe-lhe o ónus da prova de que nem ele, nem terceiro a quem tenha permitido a utilização, foram causadores das deteriorações (e compreende-se a opção, pois o locatário é um possuidor precário, em nome alheio).

Neste ponto, entendem Pires de Lima-Antunes Varela[22] que a expressão "imputável ao locatário ou a terceiro", significa apenas "devida a facto do locatário ou de terceiro", pois não é necessário que haja culpa do locatário na deterioração da coisa, bastando que elas sejam devidas ao locatário ou a qualquer pessoa a quem ele tenha autorizada a utilização, daqui concluindo que no artigo 1044.º estamos perante uma espécie de responsabilidade objectiva, justificada, quer por ser o locatário quem utiliza a coisa no seu próprio interesse, quer como estímulo legal a uma utilização prudente de uma coisa que lhe não pertence[23].

Entendemos, todavia, com Pereira Coelho e Pinto Furtado, que se "a obrigação que impende sobre o locatário é a de fazer uma utilização prudente, logicamente decorre daqui que a sua responsabilidade estará ligada a um comportamento imprudente - quer dizer negligente, culposo. O argumento de que é a responsabilidade objectiva que estimula o arrendatário a ser prudente não parece ser de molde a convencer: bastará, para o efeito, a responsabilidade por imprudência - e é essa a que melhor se adapta a semelhante estímulo"[24] .

 

Adopta-se assim a interpretação no sentido de que a imputabilidade exige culpa, entendendo-se que no artigo 1044.º está consagrada uma presunção de culpa do arrendatário[25].

 

Há que sublinhar ainda que, atento o carácter sinalagmático do contrato de arrendamento - prestação do senhorio versus prestação do arrendatário - e os princípios gerais que informam o instituto do incumprimento obrigacional, quando - nos termos do artigo 1044.º - se dispõe que o locatário responde pelas deteriorações da coisa, será mister recorrer às normas dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil para aquilatar das consequências civis desse incumprimento.

E assim, se o arrendatário faz uma utilização imprudente da coisa provocando-lhe deteriorações significativas, tem o senhorio direito de pedir indemnização pelos prejuízos sofridos, decorrendo do princípio geral do artigo 798.º, que "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor": a responsabilidade do devedor pelo não cumprimento da obrigação depende da existência de culpa (ou seja, de um comportamento reprovado pela lei, contrário ao cumprimento da obrigação, e devido a falta de diligência ou a dolo do devedor, não se atendendo apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna), pelo que, saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar.

 

Nesta base, vejamos como este enquadramento jurídico se aplica à situação vertida no processo.

Perante um contrato de arrendamento (Facto 1.) cessado por denúncia do locatário (artigo 1079.º do Código Civil – Facto 4.) e entregue o locado ao senhorio (ora Autor-Recorrente), veio este entender que não o foi no estado em que se encontrava aquando da sua entrega ao inquilino (sendo certo que as partes acordaram na cláusula 6.ª do referido contrato, que o arrendatário se obriga, “quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização”).

 

Torna-se relevante, por outro lado, levar em consideração que:

                       - o prédio foi locado tendo como destino a instalação e funcionamento de serviços públicos (Facto 1.) e, em concreto, do Tribunal Administrativo e Fiscal…………..;

                       - o senhorio concedeu, no contrato, autorização para que o arrendatário fizesse “todas as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que se destina o local arrendado, desde que não afectem a segurança da construção existente” (Facto 1.);

                       - as obras de adaptação foram feitas pelo Réu e com o conhecimento do Autor (conclusão que se retira quer dos factos apurados, quer das próprias posições assumidas pelas partes);

                       - no contrato de arrendamento o ora Réu arrendatário declarou que recebeu o local arrendado em bom estado de conservação e que se obriga a conservá-lo em bom estado para o uso a que é destinado (Facto 1.);

                       - e ainda que se obriga, “quando denunciar o contrato, a deixar o local em perfeitas condições de utilização” (Facto 1.).

 

Neste ponto, a Sentença sob recurso diz o seguinte:

“No caso dos autos as obras que o senhorio agora exige do inquilino nada têm a ver com deteriorações inerentes à utilização do locado, nem se trata de pequenas obras para conforto e comodidade do inquilino; trata-se sim de obras de adaptação do locado com vista a nele vir a ser exercida a atividade de um tribunal, designadamente a construção de paredes divisórias, a junção de espaços e outras próprias de para o funcionamento do tribunal; obras que transformaram aquilo que eram dois imóveis num único espaço compreendendo todo locado.

Ora, estas obras eram essenciais ao funcionamento do tribunal e foram efetuadas por consenso das partes. Foram custeadas pelo inquilino, mas eram da obrigação do senhorio, na medida em que lhe competia entregar o locado apto a nele ser exercida a atividade para a qual se destinava o arrendamento (artigo 1031.º, alínea b) do CC: são obrigações do locador: assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina).

A convenção negocial que levou à realização das obras não pode ter outro sentido senão o de que o senhorio pretendia cumprir a sua prestação - artigo 1031.º al. b) do Código Civil – e desse modo permitia ao inquilino substituir-se-lhe na feitura das obras de adaptação das frações aos fins do contrato”.

 

A posição merece concordância.

De facto, as obras efectuadas para adaptação/beneficiação do prédio locado aos fins a que se destine de acordo com o contrato, realizadas por um inquilino, expressamente autorizado para tal no próprio contrato, não podem ser consideradas meras deteriorações e não estão abarcadas por esse regime.

Falha aqui, também, razão ao Autor-Recorrente.

Esse tipo de obras possui uma natureza distinta, dir-se-á mesmo originária ou (re)fundadora, para efeitos da economia do contrato celebrado.

As obras feitas para adaptação do locado aos fins do contrato (feitas pelo senhorio – caso em que nem a questão se coloca; ou feitas pelo inquilino devidamente autorizado pelo senhorio), inscrevem-se no objecto e no conteúdo do contrato, passando a incorporar-se (alterando-a) na relação de direitos e deveres dos contraentes[26].

Ou seja, essas obras passam a integrar o contrato de arrendamento e, como tal, o inquilino só terá de as repor, no momento da sua saída, se tal for ou tiver sido expressamente clausulado.

E efectivamente isso não foi clausulado!

 

É verdade que no contrato as partes tiveram o cuidado de estipular que o arrendatário, quando denunciasse o contrato, se obrigava a “deixar o local em perfeitas condições de utilização” (Facto 1. – cláusula 6.ª), mas apenas isso.

Esta cláusula tem de se concatenar com o objecto do contrato e o seu fim (Facto 1.).

Esta cláusula não pode ser lida sem recurso à outra que autoriza o arrendatário a fazer todas as obras de adaptação e beneficiação para a instalação dos serviços a que destina o arrendado (Facto 1. – cláusula 4.ª).

 

Nada há de extraordinário nisto: o proprietário tem um imóvel, tem alguém que quer dele ser arrendatário e faz as obras de adaptação, logo, fazem o contrato.

É o que se costuma chamar uma win – win situation.

A ambos interessava, ambos ganharam: o proprietário faz o seu preço (a renda) e tira rendimento do prédio, o arrendatário consegue o local que queria, faz as obras necessárias e paga-as, bem como a renda mensal.

Já se sabe que o senhorio tem de assegurar ao locatário o gozo do locado para o fim a que este se destina (artigo 1031.º, b], do Código Civil) e para esse fim eram necessárias as obras em causa, e isso foi logrado com este entendimento.

Todos ganham enquanto dura o contrato.

Mas o contrato passa a incorporar tais obras e a fazer parte da obrigação assumida pelo locador.

 

Findo o contrato, o locado deve ser restituído em perfeitas condições de utilização (e aqui concorda-se com o Autor-Recorrente), o que implica um significado de maior exigência, mas reportado ao locado adaptado e beneficiado (sendo certo, de todo o modo, que nunca o senhorio haveria de receber um locado novo, como por vezes parecer deduzir-se da posição assumida nestes autos).

 

O já citado Acórdão do STJ de 07/12/1994 é paradigmático do que temos vindo a dizer, merecendo-nos total concordância (sendo que o Acórdão da Relação de Évora que o Autor-Recorrente traz em abono do seu entendimento, não o ajuda muito, pois que não tem - efectivamente - os mesmos contornos, bem pelo contrário: trata-se de um caso em que o senhorio não deu ao inquilino a total autorização para obras de adaptação/beneficiação a fim de permitir que se cumprisse o fim do contrato[27]).

 

Retomando a Sentença recorrida, “o réu estava obrigado a manter o locado no estado em que o recebeu. Ora, se o destinava ao exercício da atividade de um tribunal que exigia as obras que nele se fizeram, não pode entender-se que o réu estava obrigado a manter o locado no estado anterior às obras e, consequentemente, restitui-lo nesse mesmo estado. Estava sim obrigado a mantê-lo no estado em que o recebeu, mas apto aos fins do contrato. É, pois, nesse estado que tem de o restituir e dos factos provados não resulta que, para cumprir tal obrigação tenha de fazer quaisquer obras, muito menos as de sentido inverso às de adaptação do    locado aos fins do contrato. Logo, o réu não tem obrigação de reparar as obras feitas em resultado do contrato com o autor. Esta só poderia ter por fundamento o negociado entre as partes, que não foram além da necessidade de realização das obras de adaptação e beneficiação, olvidando-se as de sentido inverso. Naturalmente que, sendo estas do interesse do autor, competir-lhe-ia prevê-las e negociá-las com o réu. Não o fez, sibi imputet; não pode agora assacar ao réu quaisquer responsabilidades. O que daqui se colhe é que a pretensa obrigação de reposição do imóvel, atentas as concretas cláusulas negociais acordadas (e tendo em atenção a obrigação de o locador assegurar o gozo da coisa locada), carece de fundamento legal e negocial”.

 

Este entendimento está correcto, não assistindo razão ao Autor-recorrido.

 

Haverá consequências a dele retirar mais à frente, mas sigamos passo a passo as conclusões apresentadas.

*

III – DAS PERFEITAS CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO

IV – DA CONSTRUÇÃO CIVIL - FACTOS 16, 16.1 E 17 DOS FACTOS PROVADOS E FACTO B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

O Tribunal a quo considerou aqui que, pese embora a prova dos factos 16., 16.1 e 17. (segundo os quais em resultado da conduta do Réu há paredes interiores com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas e riscos e que para sua reparação, com fornecimento e aplicação de pintura em paredes interiores, incluindo limpeza, reparação e regularização das zonas com fitas adesivas, dos furos, tinta esfolada, pregos, preparação das superfícies, primário adequado e acabamento idêntico ao existente, serão necessários 5.424€) estava em causa uma normal utilização por parte do locatário e um seu uso prudente, pelo que não atribui a este título qualquer indemnização.

 

Para efeitos destes Factos, o Facto B não provado dizia expressamente que os danos existentes tinham sido causados por uma imprudente utilização do locado, mas esta redacção foi alterada uma vez que essa conclusão só pode ser tomada nesta sede de apreciação do Direito (ficando assim a constar apenas que não se provou que os danos existentes foram causados pela utilização do locado traduzida na falta de manutenção dos equipamentos de ar condicionado e avac no geral, instalação de eletricidade e conservação das paredes internas no que vai além do apurado nos Factos 16., 16.1 e 17.).

 

Neste contexto, e num primeiro momento, assiste razão ao Autor-Recorrente.

 

Certo que o Tribunal a quo interpreta a cláusula 6.ª do Contrato (Facto 1. - “deixar o local em perfeitas condições de utilização”) no sentido de: (1) não no sentido de um imóvel novo, mas de um imóvel que tenha todas as condições de utilização; (2) caso essas condições de utilização não existam ou não se revelem perfeitas, que tal seja imputável ao Réu”.

Uma interpretação possível, mas que também valeria se tal cláusula não existisse e funcionasse apenas o regime dos artigos 1043.º e 1073.º do Código Civil…

Ou seja, neste ponto, cremos que há que fazer relevar a vontade inicial das partes e dar um sentido útil à expressão utilizada, a qual – efectivamente – vai para além da normalidade (se a cláusula não existisse estes danos estariam salvaguardados e considerados como decorrentes de uma utilização prudente (nos termos que acima definimos).

Mas as partes quiseram ir além do regime legal e clausularam as “perfeitas condições”. E se, de facto, “perfeito” não será novo, também não pode ser deixar paredes com furos, pregos/parafusos, fitas adesivas e riscos (Facto 16.).

Numa situação destas não estão em causa as condições de utilização do imóvel, mas as perfeitas condições de utilização do imóvel.

E, portanto, considerando apenas este factor, tenderíamos a dar razão ao Autor recorrente e a determinar que procedesse o recurso no que concerne ao pagamento dos aludidos 5.424€.

 

E dizemos “tenderíamos”, porque importa analisar outro factor, a que também alude o Tribunal a quo e que será analisado já de seguida: a presença de uma situação de abuso de direito e a possibilidade de ser ou não decidida como o foi.

 

***

 

V – DO ABUSO DE DIREITO - DECISÃO SURPRESA

O Tribunal a quo depois de decidir que a existência de furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos (Facto 16.) não coloca em causa as condições de utilização do imóvel e de, como tal, improceder esse pedido do Autor, sublinha que, ainda que assim não fosse, ter o autor o direito a ver as paredes pintadas (perfeitas) levaria a concluir estar-se perante uma situação de abuso de direito (dedicando, de seguida, algumas páginas à análise desta figura jurídica).

 

O Autor-Recorrente entende que se trata de uma Decisão-surpresa que violou o princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º do Código de Processo Civil, ao julgar verificada uma situação de abuso de direito sem que tal instituto ou factos que a ele se subsumissem, em parte algum do processo, tivesse sido aflorado ou invocado. Assim, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do mesmo Código, a decisão seria nula.

 

Antes de mais diga-se que surpreende o facto de esta matéria não ter sido abordada no processo atentos os contornos da causa e a controvérsia jurídica a ela inerente, mas - de facto - não o foi.

De alguma forma o Tribunal a quo, cumprindo a sua função, fez luz sobre a situação jurídica em causa, uma luz que tinha de ser feita[28], porque com a factualidade que resultou apurada tornou-se impossível não a abordar (independentemente da conclusão final sobre ela).

 

Resta se saber se se tratou de uma decisão surpresa.

 

O artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil dispõe que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade[29], decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Trata-se de uma norma que consagra, em termos de processo civil[30], a norma constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República), da qual decorre, no âmbito do direito a um processo equitativo, o princípio do contraditório.

Uma vez que, por força dos artigos 8.º, n.º 2 e 16.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, vigora directamente na nossa ordem jurídica e num plano superior ao das leis ordinárias internas, tem aqui aplicação ainda, o artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[31]. 

 

O princípio da audiência contraditória ou, simplesmente, do contraditório, sublinham Jorge Miranda e Rui Medeiros, traduz-se em que “cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (Acórdãos nºs 1185/96 e 1193/96)”[32].

Ora, como bem assinala Marco Carvalho Gonçalves no Comentário à Convenção dos Direitos Humanos, à “luz do princípio da audiência contraditória, o tribunal não pode decidir questões de facto ou de direito – ainda que sejam de conhecimento oficioso – sem antes conceder às partes a possibilidade de apresentarem o seu «ponto de vista». Deste modo, o princípio da audiência contraditória veda ao julgador a possibilidade de proferir «decisões surpresa» ou decisões solitárias, isto é, decisões sobre questões em relação às quais as partes não tiveram a possibilidade ou a oportunidade de se pronunciar, sob pena de nulidade da decisão, por violação do princípio da audiência contraditória”[33].

 

A dúvida a colocar sempre é a de saber se, tratando-se de questão de conhecimento oficioso, as partes podiam ou deviam ter antevisto que a causa poderia ser decidida de determinada forma, com o recurso a um determinado instituto jurídico.

No Acórdão do STJ de 12/07/2018, o Conselheiro Hélder Roque - com particular clarividência – escreveu que a “decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam, de decisões que já eram esperadas”[34].

A decisão surpresa, conclui, não se confunde “com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento”.

 

No caso dos autos, não temos como líquido que se considere esta uma decisão surpresa, pois nem Autor, nem Réu se referiram ao abuso de direito durante o processo, sendo certo que se tivessem entrevisto todas as possibilidades de abordagem da matéria e considerando o historial de necessidade de obras do locado e o pedido formulado, seria “normal” que o tivessem feito.

Não o tendo feito, o Tribunal a quo, depois de definir a factualidade que resultou assente e não assente, no momento da aplicação do Direito aos factos, embora subsidiariamente[35], abordou – dir-se-á mesmo foi obrigado a abordar – o instituto do abuso do direito (dedicando-lhe cerca de nove páginas), concluindo pela presença de uma situação e, que poderia funcionar.

 

Num acórdão da Relação de Guimarães de 31/01/2018 (Jorge Teixeira, disponível in www.dgsi.pt) concluiu-se que estaremos “perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela”, solução com a qual concordamos.

Todavia, temos também como certo que só depois de “assente a poeira” e de os factos ficarem definitivamente assentes, a solução jurídica pede a abordagem do tema.

Por outro lado, vale a pena dizer que o abuso de direito é uma excepção peremptória de direito material que é de conhecimento oficioso[36] e que deve ser apreciado e decidido, mesmo que não tenha sido invocado[37], não implicando que o Tribunal indague oficiosamente os factos que eventualmente poderiam, no caso, integrar essa figura jurídica[38].

Durante o processo, as partes podiam tê-lo abordado - nomeadamente o Réu - quanto mais não fosse em termos subsidiários, para o caso de a tese por si defendida soçobrar.

Ao não o fazerem criaram esta situação de o Tribunal dar uma decisão (também) baseada num instituto jurídico que não foi discutido pelas partes.

 

Nesta base e seguindo o entendimento de que se “impõe que o juiz ouça previamente as partes na eventualidade de pretender decidir o litígio mediante a aplicação de um regime jurídico diverso daquele que foi por elas invocado ou discutido no processo”[39], entendemos que, tratando-se de uma situação com notória influência na decisão da(e parte da) causa e porque as partes não se pronunciaram antes da Sentença sobre a matéria, deveriam sobre ela ter sido ouvidas, mostrando-se violado o princípio do contraditório ou da audiência contraditória.

In casu, todavia, sem consequências de maior, uma vez que em sede de recurso, ambas as partes tiveram todas as oportunidades (e aproveitaram-na) para se pronunciar sobre a questão atendendo a que foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem no recurso, e a regra da substituição consagrada no artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se determinará anulação do processado posterior à Sentença, nem a baixa do processo à 1.ª instância, passando-se – de seguida – a conhecer da questão[40].

 

***

 

VI – DO ABUSO DE DIREITO - EXISTÊNCIA OU NÃO

 

O artigo 334.º do Código Civil tem como epígrafe “abuso do direito” e preceitua que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Embora se possa defender a  desnecessidade, no nosso sistema legal, desta norma, como faz Mafalda Miranda Barbosa[41], esta é não apenas a norma que delimita os seus contornos e limites no direito português (boa fé, bons costumes e fim social ou económico do direito), mas também a linha orientadora da apreciação da matéria respeitante ao abuso do direito, sem prejuízo de podermos ainda ir além dela[42].

Presente haverá sempre de estar a ideia de que o “direito deve ser exercido honestamente, como deveria ser exercido por uma pessoa de bem”[43], verificando-se “abuso sempre que o exercício de um direito se mostre em desconformidade com a teleologia desse mesmo direito, com o seu fundamento.(…) Pelo que se pode dizer que o exercício de um direito é abusivo quando choque com os princípios normativos do direito enquanto direito”[44].

Se se preferir, ele traduz uma “disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem”[45].

Pedro Pais de Vasconcelos diz – lapidarmente – que o abuso do direito, “como instituto jurídico, é uma válvula de segurança do sistema que atua sobre o exercício dum direito subjectivo (público ou privado) que existe, que tem vigência e que pertence ao seu titular. A questão é só de acertar o exercício do direito subjectivo dentro dos limites da boa fé, dos bons costumes e do seu fim social ou económico. Quer dizer, dentro dos limites da licitude”[46].

Na Sentença sob recurso entendeu-se que, dentro das modalidades em que o abuso do direito tradicionalmente se classifica (exceptio doli, venire contra factum proprium, tu quoque, inalegabilidades formais e supressio) nos encontrávamos diante de uma situação de tu quoque: “No presente caso, resultou provado que o locado foi alvo de inúmeras infiltrações de água oriunda da chuva ou de uma fração do condomínio onde o locado está localizado, infiltrações das quais resultaram disparos na eletricidade e acumulação de água dentro do locado (facto nº 23). Infiltrações essas que chegaram a ser diárias, entre as quais, esgoto na sala de audiências, de que quer o Autor quer o seu antecessor, foram alertados, em vão, para tomar as providências no sentido demandar realizar as obras necessárias (facto nº 24). Chegando o Senhor Juiz Presidente da Comarca …………….., perante o estado calamitoso em que o local se encontrava e as condições péssimas para os utentes e para os que ali trabalhavam, proferido despacho dando conta do estado do locado, em 18.12.2003, que comunicou ao Presidente da Assembleia da República e ao Ministro da Justiça, entre outras entidades nacionais (documento junto aos autos a fls. 116v/117, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido) (facto nº 25).

Não obstante estar obrigado a realizar as obras relativas às infiltrações (de água da chuva e de esgoto) e ter sido alertado para a sua premência, o autor não realizou as obras, ficando o tribunal, designadamente, com esgoto a correr na sala de audiências, furtando-se à sua obrigação (artigo 1074.º, nº 1, do Código Civil).

Pretender agora que o réu coloque as paredes em perfeitas condições (quando o próprio autor se furtou às obras a que estava obrigado, designadamente nas paredes e tetos) constitui abuso de direito na modalidade tu quoque: a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso, prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente e exigir da outra parte a realização de obras a que o próprio, durante a execução do contrato, se furtou.

Assim, ainda que se entendesse que a existência de furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos (facto 16) coloca em causa as condições de utilização do imóvel, sempre concluiríamos que, no quadro factual concreto, a exigência de que as paredes fiquem em perfeitas condições (cláusula quinta do contato de arrendamento) constitui um abuso de direito.

Restava concluir, pois, que a exigência de que as paredes fiquem em perfeitas condições (cláusula quinta[47] do contato de arrendamento)  constitui  um abusivo exercício do direito. E como tal não atendível”.

 

Foi perante esta argumentação que o Autor-Recorrente se insurgiu, considerando que os factos provados são insuficientes para fundamentar a existência de um abuso de direito, sendo que, os factos 23, 24 e 25 deveriam até ter sido julgados não provados.

Esta segunda parte já atrás foi decidida, mantendo-se tais factos como provados (apenas com uma redacção mais completa dada ao Facto 25.).

 

No que aos concretos pressupostos do abuso de direito se refere, tratando-se de uma situação de tu quoque, entende o Autor-Recorrente que, uma vez que do Facto 25. resulta que o dano verificado no locado foi causado por terceiros (“de uma fração do condomínio onde o locado está localizado”), nunca poderia ser entendido que teria sido ele a actuar ilicitamente e, como tal, não poderia estar a abusar do seu direito.

 

Neste aspecto, lavra alguma confusão no entendimento do Autor-Recorrente.

De facto, o que releva não é que (parte d)as infiltrações e inundações tivessem origem numa fracção onde o condomínio está localizado e que não lhe pertence.

Ou seja, não é a conduta de terceiros que está em causa.

É a sua enquanto senhorio.

 

O que é relevante é que o senhorio do locado (o proprietário do espaço arrendado ao Réu, se se preferir), não cumpriu a sua obrigação de tudo fazer para obstar a essa situação, começando desde logo por actuar na defesa da sua propriedade que estava a ser danificada e deteriorada, agindo com os instrumentos que tinha à sua disposição (pessoais e legais, se necessário), para fazer cessar o comportamento activo ou omissivo de terceiros, de forma a poder cumprir a sua obrigação de locador e permitir o gozo do locado em condições de salubridade por parte do Réu Inquilino.

É esta falta de cumprimento das suas obrigações que está em causa. Não as de qualquer terceiro, repete-se.

 

Certo que o Autor-Recorrente defende ter feito obras e que tomou providências para minimizar os efeitos das infiltrações, mas o que se provou é o que consta dos autos e a conclusão ostensiva é a de que o senhorio não realizou as obras necessárias a evitar as infiltrações e inundações que o Réu Inquilino foi sofrendo no locado.

Mais. O Autor-Recorrente, sem dar por isso, acaba por ser contraditório, pois que, se sabe e tem consciência das inundações, das infiltrações e de onde estas provêm e se até diz e assume ter feito obras, então é porque sabe que havia este problema (no seu entender causado por terceiros)…

Ora se assim é, bem se pode perguntar com que legitimidade é que pretende que seja o Réu Inquilino a assumir o custo das reparações exigidas.

 

Trata-se, no fundo, da confirmação do seu comportamento tido como “abusivo”!

 

O senhorio não faz obras que colocassem o locado em condições, permite que a situação se mantenha (como se apurou que se manteve ao longo do tempo) e, depois, aquando da entrega do locado, vem procurar prevalecer-se da cláusula 6.ª para exigir “paredes perfeitas”: este é o retrato da situação que deveria colocar em causa.

A argumentação que apresenta, demonstrando não ter compreendido o alcance da decisão do Tribunal a quo, acaba assim por reforçá-la.

 

Por fim, defende o Autor-Recorrente que não foi provado que a situação das inundações e das infiltrações tenha criado um tal estado de coisas e de forma tão generalizada em todo o Tribunal, durante os anos largos de ocupação da Recorrida, que implicasse a paralisação do direito do Recorrente em peticionar os danos criados pela Recorrida.

Esta é a conclusão do Autor-Recorrente, mas perante os factos apurados efectivamente não foi a conclusão do Tribunal a quo e não se vê como poderia ter sido outra.

 

O Réu-Recorrido, nas suas contra-alegações, sobre esta matéria, acoberta-se no decidido na Sentença sob recurso.

 

Tudo visto e ponderado, quanto a esta matéria do abuso de direito importa referir o seguinte.

O “julgador do caso está perante um abuso do direito quando constata que este foi exercido, em termos objectivos, inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça (Manuel de Andrade) ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante (Vaz Serra)” sintetiza, com simplicidade, Heinrich Ewald Hörster[48].

 

Perante as tradicionais manifes­tações típicas do chamado exercício inadmissível de posições jurídicas, como o são a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o exercício em desequilíbrio, será o tu quoque que vale a pena aqui verificar com mais atenção, por ser aquele que o Tribunal a quo teve como verificado e o Autor-Recorrente considera não ter os pressupostos presentes.

Relativamente a esta modalidade, Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos assinalam que constitui “abuso do direito a invocação ou aproveitamento de um ato ilícito por parte de quem o cometeu. Trata-se de um caso de violação do dever de honeste agere que é eticamente inaceitável para o Direito (turpitudo sua non allegare) e que pode, com êxito, ser contrariado pelo exceptio doli[49]: “Trata-se de situações em que o exercício é inaceitavelmente contrário aos padrões de honestidade que devem reger as relações entre pessoas de bem”[50].

Menezes Cordeiro, por seu turno, nas 16 páginas que dedica à sua directa abordagem, no “Da Boa Fé no Direito Civil”[51], sublinha que fere “as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento”[52] e apresenta um exemplo, vindo da Alemanha, com particular relevância para a situação dos presentes autos: trata-se de uma orientação do Reichsgericht, segundo a qual, “«quem viole o contrato e ponha em perigo o escopo contratual não pode derivar de violações contratuais posteriores e do pôr em perigo o escopo do contrato, causados pelo parceiro contratual, o direito à indemnização por não cumprimento ou à rescisão do contrato, como se não tivesse, ele próprio, cometido violações e como se, perante a outra parte, sempre se tivesse portado leal ao contrato»”[53].

 

Ora, verificados os factos apurados e a leitura que deles fez o Tribunal a quo só pode dizer-se que o fez com acerto: o Autor-Recorrente (senhorio e proprietário do imóvel arrendado ao Réu-Recorrido), apesar de o locado ter sido alvo de inúmeras infiltrações de água oriunda da chuva e de uma fracção do condomínio está localizado e de das infiltrações terem mesmo resultado disparos na eletricidade e acumulação de água (23.), apesar de tais infiltrações terem chegado a ser diárias e de o esgoto cair na sala de audiências (24.), apesar de – em vão – ter siso alertado para fazer as necessárias obras (24.), apesar de a situação ter mesmo chegado a ser comunicada pelo Presidente da Comarca, de forma pouco menos que aflitiva, ao Ministério da Justiça e ao Presidente da Assembleia da República (25.), apesar de tudo isto, o Autor-recorrido ainda se sentiu legitimado para ter pejo a peticionar ao inquilino Réu-Recorrido a reposição do locado em estado perfeito, com a reparação do imóvel no que a obras de construção civil respeita, no estado de perfeição, assim accionando a cláusula 6.ª do contrato.

 

Ou seja, por um lado, o Autor-Recorrente não faz as obras e deixa o prédio degradar-se e incumpre as suas obrigações enquanto locatário e, por outro, o mesmo Autor-Recorrente, peticiona que o inquilino – que sofreu com o seu incumprimento (as infiltrações, as inundações, os esgotos) – lhe coloque a fracção “em estado perfeito”!

Seria, como é óbvio, gritantemente injusto e para obviar a isso, o direito português tem o instituto jurídico do Abuso do Direito[54].

Como diz Carneiro da Frada, a “injustiça resultante do exercício da posição jurídica pelo sujeito é “excessiva”, isto é, não pode ser adequadamente removida mediante o ressarcimento dos danos. Não porque incompatibilidades menos graves com os (mesmos) ditames da justiça – com a boa fé, portanto – não ultrapassem o limiar da relevância jurídica e não mereçam a intervenção do Direito, mas pelo motivo de que, onde uma conduta não se apresenta à partida valorada como ilícita, há que ponderar, em nome da proporcionalidade, os meios que menos atinjam a liberdade do sujeito, para obviar à injustiça que ela possa gerar. A preclusão do exercício de um direito constitui efectivamente um recurso último, apenas justificável em situações extremas. É este o sentido da proibição da conduta abusiva”[55].

E é esta conduta abusiva que tem de ser travada nestes autos: mais “do que realizar positivamente uma situação, o abuso representa um instrumento destinado a obviar injustiças manifestas (insusceptíveis de adequada correcção por meios indemnizatórios)”[56].

Como refere o Acórdão STJ de 12/02/2004 (Luís Fonseca, disponível in www.dgsi.pt), o “O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar”, constituindo “uma ‘válvula de segurança’ do sistema jurídico, destinado a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo”.

 

O Autor durante anos recebeu a renda do inquilino e não lhe proporcionou um gozo completo e satisfatório do locado, não fazendo as obras necessárias a evitar tanta infiltração e inundação (com a degradação inerente) e, na plena consciência do que sucedeu, do que não fez e do que o inquilino sofreu, como se nada se passasse, no momento da cessação do contrato vem querer que seja o inquilino a deixar-lhe o locado perfeito…

Seriam três momentos de benefício: a renda recebida, o não ter feito os gastos com as obras que obstassem às infiltrações (ou os gastos com o uso de mecanismos legais que obrigassem outros a fazê-las) e, para culminar, o ter o inquilino a entregar-lhe o locado “em condições perfeitas”.

A Ordem Jurídica não pode sancionar este tipo de comportamento, claramente abusivo, nem pode deixar que quem permite e origina danos num locado (por inércia ou ineficácia de actividade a que estava obrigado), incumprindo as suas obrigações de locador, cessado o contrato, se prevaleça duma cláusula que obriga o inquilino a entregar o locado (nomeadamente as massacradas paredes e tectos) em estado de perfeição…

Há aqui, manifestamente, um uso ilegítimo de uma posição jurídica (de senhorio, na recepção do seu imóvel), que excede os limites do princípio base do nosso sistema jurídico: o princípio da boa fé.

Voltando à síntese de Hörster, o direito a receber o locado nos termos pretendidos - objectivamente - corresponde a uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça, ou mesmo a uma afronta ao sentimento jurídico dominante: chocaria qualquer um/a, chocaria o cidadão comum, chocaria a já referida “pessoa de bem”.

 

Assim e tal como assinalámos no final da análise do ponto IV, tendo o Autor-Recorrente – em abstracto – direito a receber os pretendidos 5.424€, em concreto não os poderá receber porque essa atribuição fica paralisada, uma vez que corresponderia ao exercício abusivo de um direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade tu quoque.

 

Assim, também neste ponto, soçobra a posição do Autor-Recorrente, confirmando-se a posição assumida a este respeito pelo Tribunal a quo.

 

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VII, VIII, IX, XI, XIII, XIV e XV – Já decididos em sede de reapreciação da matéria de facto.

X – DO FACTO G DOS FACTOS NÃO PROVADOS e FACTO 6 DOS TEMAS DA PROVA

Nada se alterou quanto ao Facto 9. e os Factos não provados G a G12, passaram a integrar o elenco dos factos provados, como Facto 27., ainda que com uma redacção compatibilizadora com os Factos 16. e 17.

 

Neste ponto e em face de tudo quanto já foi dito, resulta que as obras aqui em causa correspondem à reposição do locado no estado anterior às obras de adaptação/beneficiação feitas pelo Réu/Recorrido/Inquilino, com expressa autorização no contrato por parte do Autor/Recorrente/Senhorio e que, com toda a fundamentação acima apresentada, se concluiu não deverem ficar a cargo daquele, por terem passado a integrar o locado.

Como se disse aquando da análise da Conclusão II, o contrato passou a incorporar tais obras e a fazer parte da obrigação assumida pelo locador, de modo que nada há a repor, assim se negando a razão ao Autor-Recorrente quanto à pretensão de receber estes montantes.

O Réu não pode ser responsabilizado por fazer estas obras, pois não foi clausulado que deveria repor o locado no estado anterior às obras de adaptação/beneficiação.

 

Também aqui decidiu bem o Tribunal a quo.

 

 

 XII – DAS INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS – BASTIDOR – FACTO PROVADO 11.4

Defende o Autor-Recorrente que provados que se mostram os Factos 10., 11., 12. e 13. referentes às instalações elétricas e valor para sua reparação, o valor respeitante ao bastidor que não se encontrava no locado (Facto 11.4) não foi contabilizado, mas apenas uma verba para sua deslocação e instalação em vez de uma verba correspondente ao pagamento equivalente a um bastidor.

Com isto, no entender do Recorrente estaremos diante de uma nulidade (nos termos do artigo 615.º, alínea d), do Código de Processo Civil), pois o Tribunal não mandou devolver o dito bastidor (“Nem se alcança do que serve esse valor se o Recorrente não tem o equipamento nem o Tribunal o ordenou a devolver”).

 

Sobre esta matéria, importa começar por referir que inexiste qualquer nulidade, ou qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.

De facto, o Autor não formula na sua Petição Inicial o pedido de entrega do bastidor, tendo-se o Tribunal limitado a condenar o Réu, nos termos peticionados e de acordo com o que consta nos Factos 11.4 (bastidor não está no locado), 12.4 (transporte do bastidor para o locado) e 13. (valor das reparações referidas nos Factos 11. e 12.).

Ou seja, o Tribunal não poderia condenar sem pedido…

 

Sempre se dirá, em todo o caso, que esta matéria não é propriamente controvertida (pois não há recusa de devolução do dito bastidor) e que o Réu foi condenado no pagamento do valor correspondente aos gastos necessários para se proceder ao seu transporte e beneficiação (com tratamento anticorrosivo, pintura, fornecimento e aplicação de réguas terminais de tomadas RJ45 – 12.4).

Peticionar um bastidor novo, ou o valor de um bastidor novo, não só não estaria de acordo com o inicialmente peticionado, como seria manifestamente desproporcionado e mesmo um aproveitamento ilegítimo.

Assim, inexiste qualquer nulidade e, nesta parte, nada há a alterar ao decidido pelo Tribunal a quo.

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XIII, XIV e XV – No que a estas Conclusões respeita, nada acima foi alterado em termos factuais, pelo que a pretensão do Autor-Recorrente soçobra, por pressupor que a factualidade dada como provada seria alterada em conformidade com o seu entendimento.

Nada há, pois, a alterar à decisão do Tribunal a quo.

 

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XVI – DOS JUROS

Insurge-se o Autor-Recorrente contra o facto de o Tribunal a quo ter condenado o Réu no pagamento dos juros vencidos desde a data da prolação da Sentença até efectivo e integral pagamento, em vez de o serem desde a entrega do locado ao Recorrido (10.09.2012 – Facto 5.) ou, quando muito, desde 27/05/2014.

 

Para o efeito, alega o Recorrente que os juros incidem sobre um valor correspondente à indemnização devida ao Recorrido por actos ilícitos do Recorrido e que o Recorrido foi interpelado para pagamento dos montantes para reparações dos danos provocados ao serem enviados os relatórios juntos aos autos (em 27.05.2014, desde logo, por mail enviado pela Ilustre Mandatária do Recorrente), sendo que, já antes (a 11.07.2014), o recorrido tinha conhecimento destes valores por constarem dos Relatórios apresentados.

 

Passando a decidir:

De acordo com o artigo 805.º, nº 1, do Código Civil, o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (sendo que, se a obrigação tiver prazo certo, provier de facto ilícito ou o próprio devedor impedir a interpelação, a mora é independente da interpelação – n.º 2).

No entanto, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, a não ser que essa falta de liquidez se deva ao devedor (artigo 805.º, nº 3).

No caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, há mora desde a data da citação, a não ser que ela já existisse antes por o seu valor ser líquido (ainda o n.º 3 do mesmo normativo).

 

O Tribunal a quo considerou que o crédito do Autor sobre o Réu apenas se tornou certo e líquido a partir da prolação da sentença e este é o ponto fulcral.

O n.º 3 do artigo 805.º consagra o princípio in illiquidis non fit mora e com uma razão de ser que se tem como cristalina: o devedor só pode cumprir se souber qual é a prestação.

Embora já com vozes discordantes[57] (vd. a singular posição de Ana Prata, citada no RP 04-11-2019 (Eugénia Cunha), a posição tradicional, que não vemos razões sólidas para colocar em causa, atenta a opção feita pelo legislador e a forma como se mostra redigido o n.º 3 (no sentido de que a primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil - momento da constituição em mora) abarca os casos de responsabilidade contratual e, a segunda, tão só os casos de responsabilidade extracontratual[58].

Embora reportado ao artigo 806º, valem aqui, na plenitude (pela redacção semelhante e proximidade), as palavras escritas por Marta Monterroso Ruas-Tiago Fernandes[59]: sendo “certo que o incumprimento contratual é também ele, um comportamento ilícito, parece, todavia, um pouco forçado querer incluir na expressão “facto ilícito” outro tipo de responsabilidade que não a aquiliana. E a interpretação do diploma tem sido uniforme na doutrina e na jurisprudência, com respeito pelo elemento literal”. E acrescentam mais à frente que “perderia todo o sentido a expressão quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o que, face ao disposto no artigo 9.º, n.º 3, do CC, se mostra de duvidosa aceitação”.

 

Reaproximando-nos do caso dos autos, de facto, o valor no qual o Réu foi condenado corresponde a uma indemnização por violação do artigo 1044.º do Código Civil, situando-nos, portanto, no âmbito da responsabilidade contratual e, como tal da primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º.

Assim, a mora só existiu a partir do momento em que o valor em causa se tornou líquido.

E quando foi ?

De acordo com o Recorrente, logo que, antes da acção ser intentada, mandou ao Réu o Relatório que tinha esse valor aí indicado.

De acordo com o Tribunal a quo, só no momento da Sentença, quando esse valor foi efectivamente apurado e fixado.

 

O momento indicado pelo Recorrente nunca poderia ser o(s) que indica, uma vez que a simples notificação de um Relatório, num âmbito de negociações prévias a uma acção, nunca poderia ter essa consequência, mas já se pode discutir se essa interpelação não teria ocorrido com a citação.

Mas nem isso.

Temos como bom o entendimento expresso no Acórdão da Relação de Coimbra de 07/09/2009 (Alberto Ruço, disponível in www.dgsi.pt), segundo o qual  os créditos só são ilíquidos se o seu quantitativo não estiver fixado à partida e seja necessário proceder a alguma operação adicional para o liquidar, para fixar o seu montante (o que tem como consequência que se um devedor contesta o montante líquido exigido pelo credor isso não torna a obrigação ilíquida, mesmo que a prestação venha a ser fixada pelo tribunal em montante inferior ao peticionado, tratando-se, neste caso, de improcedência parcial de um pedido relativo a um crédito líquido e não da liquidação ou fixação de um crédito ilíquido).

 

No caso dos autos, o valor em causa não estava fixado (simplesmente havia um relatório pericial que avançava um valor), pelo que era necessária a tal operação adicional que se consubstanciou na discussão e produção da prova, com a subsequente constatação, definição e apuramento da efectiva verificação dos danos ocorridos e do seu valor. E isso apenas aconteceu no momento da prolação da Sentença.

 

Só a partir deste momento há mora, só a partir daí o devedor sabe com certeza o valor da prestação que deve entregar ao credor, só a partir desse momento vencem juros.

 

Por conseguinte, tal como determinou o Tribunal a quo, sem que mereça censura, os juros são devidos a partir da data da Sentença e até integral pagamento, improcedendo a pretensão do Autor-Recorrente.

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Concluindo, a Sentença proferida embora alterada no que a alguma da factualidade colocada em causa, vai, no que ao seu dispositivo e fundamentos respeita, totalmente confirmada.

 

 

 

 

 


DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

 

Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

 

***

Lisboa, 26 de Outubro de 2021

 

 

Edgar Taborda Lopes

 

 

 

Luís Filipe Pires de Sousa

 

 

 

José Capacete



[1] Trata-se - obviamente - de uma gralha, pelo que se deve ler como “resposta”.

[2] Vd., por todos, Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, I, 5.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2009, páginas 18-57).

[3] Corresponde “a um dever de manutenção do imóvel no estado em que foi recebido, uma vez que o seu arrendamento não deve implicar para o senhorio qualquer deterioração do mesmo” – Luís Menezes Leitão, ob. cit., página 63.

[4] Com um regime semelhante, no direito espanhol, o artigo 1.555 do Código Civil estabelece as obrigações do arrendatário e diz que este está obrigado “a fazer uso da coisa arrendada como um diligente pai de família” (“um uso correcto e de acordo com o uso pactuado”, refere Xavier O’Callaghan Muñoz (Código Civil Comentado e com Jurisprudência, 3.ª edición, La Ley, 2001, páginas 1640-1641).

[5] Isidro Matos, Arrendamento e Aluguer, Atlântida, 1968, página 122.

[6] O critério do bonus pater familiae é o expressamente utilizado no nosso Código Civil, no n.º 2 do artigo 487.º, seguindo a nossa tradição do Direito Romano, estando largamente discutido e consolidado na Doutrina e na Jurisprudência, mas, em França, a expressão foi – recentemente – eliminada do ordenamento jurídico (incluindo o Code Civil), substituindo-a pela expressão “soin raisonnable”, ou “raisonablement” (Loi n.º 2014‐873, du 4 août 2014, pour l'égalité réelle entre les femmes et les hommes, publicada no Journal Officel de la Republique Française a 05 de Agosto), por ser considerada em desuso, remeter para um estereótipo masculino e uma concepção patriarcal de família, agora  incompreensível para os cidadãos e facilmente substituível (isto apesar de – na origem – o Direito Romano lhe não atribuir uma conotação sexista - Gema Tomás Martínez, La sustitución del «buen padre de familia» por el estándar de la «persona razonable»: reforma en Francia y valoración de su alcance”, in Revista de Derecho Civil, vol. 2, Nº 1, Janeiro-Março 2015, páginas 57 a 103). Esta substituição transportou para a civil law uma expressão cara nos sistemas de common law (“reasonable person”, antes “reasonable man”), cujos contornos e conteúdos - embora com semelhanças - não são exactamente iguais.

[7] Cfr., Pinto Furtado, ob. cit., página 563.

[8] Assim, Pedro Romano Martinez, Regime da Locação Civil e Contrato de Arrendamento Urbano, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, III, 2002, Almedina, página 17; Direito das Obrigações – Contratos, Almedina, 2000, página 183.

[9] Mário Frota, Arrendamento Urbano Comentado e Anotado, Coimbra Editora, 1987, página 119.

[10] Citado por Isidro Matos, ob. cit., página 122.

[11] Que corresponde ao anterior artigo 4.º do RAU que, por sua vez, quase reproduzia o também anterior artigo 1092.º do Código Civil.

[12] Luis Menezes Leitão, ob. cit., página 64; vd. também, Laurinda Gemas-Albertina Pedroso-João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, 3.ª edição Quid Juris, 2009, página 324; Pais de Sousa, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª edição actualizada, Rei dos Livros, 1996, páginas 64-66; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, Almedina, 1995, páginas 115-117; Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, páginas 484-485; Mário Frota, Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, 1987, páginas 224-227; Abílio Neto, Leis do Inquilinato, Notas e Comentários, 6.ª edição, Petrony, 1988, páginas 113-114; Isidro Matos, Arrendamento e Aluguer, Biblioteca Jurídica Atlântida, 1968, página 122).

[13]  Pedro Sousa e Silva, Obras de Conservação e de Beneficiação no Arrendamento Urbano, Rei dos Livros, 1990, página 25; vd. também, Fernando de Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2ª edição, Almedina, 2007, página 174; Pais de Sousa, ob. cit., páginas. 65-66; Mário Frota, ob. cit., página 225.

[14] Novo Regime…, cit., páginas 174-175 e a recolha jurisprudencial aí feita.

[15] Mário Frota, ob. cit., páginas 225-226.

[16] Assim, Pais de Sousa, ob. cit., página 65; Pires de Lima-Antunes Varela, página 485.

[17] Novo…, cit., página 174.

[18] Pires de Lima-Antunes Varela, Código…, cit., página 380.

[19] Ob. cit., página 569.

[20] Ob. cit., página 380.

[21] Ob. cit., página 174.

[22] Ob. cit., página 381.

[23] Trata-se esta de uma posição que não é pacífica, sustentando Pereira Coelho (ob. cit., página 203), que não só a imputabilidade do facto é, no Código Civil, em geral, uma imputabilidade a título de culpa, como seria injusto o agravamento excepcional da responsabilidade do locatário a que conduziria a interpretação exposta, concluindo que o arrendatário só é responsável se houver culpa sua.

[24] Pinto Furtado, ob. cit., página 571. E é este mesmo autor, que assinala com propósito, que - a não se seguir este entendimento - a responsabilidade de um arrendatário seria mais grave do que a de um comodatário (artigo 1136.º), ou de um depositário (artigo 1188.º) "que, como todos reconhecem, são responsáveis pela perda ou deterioração da coisa, unicamente a título de culpa" (ob. loc. cit.).

[25] Assim, Isidro Matos, Arrendamento… cit., páginas 130-131; Rui Vieira Miller, Arrendamento Urbano, Almedina, 1967, páginas 62-63.

[26] Como se refere no Acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 1994 (Miranda Gusmão, disponível in www.dgsi.pt), tais obras  “passaram a ser parte integrante da fracção(…), não podem ser consideradas benfeitorias(…), nem tampouco deteriorações licitas para efeitos da sua reparação por parte da Ré no momento da restituição da fracção locada”.

[27] RE 05/12/2013 (José Lúcio, disponível in www.dgsi.pt).

[28] Fazendo lembrar a parábola persa do elefante que serve como exemplo expressivo do que tem de ser o ofício do juiz e, em geral, do jurista: aquele que tem de acender a luz e iluminar o campo que lhe é delimitado ou pela realidade ou pelas partes:

"Um elefante vindo da Índia, foi fechado num estábulo escuro. A população ansiosa por conhecer semelhante animal, precipitou-se para o estábulo. Como não se via nada, apenas devido à falta de luz, as pessoas começaram a tocar no animal.

Uma delas tocou-lhe na tromba, e disse:

«Este animal é parecido com um grande tubo!».

Outra tocou-lhe nas orelhas:

«Parece-se mais com um grande leque!».

Outra, que lhe tocava nas patas, disse:

«Não!, o que chamam elefante, é mais como uma espécie de coluna!».

E assim, cada um à sua maneira, ia descrevendo o animal.

É uma pena que não tivessem arranjado uma vela para chegarem a uma conclusão" (Rumi, Parábolas Sufis, Fim de Século Edições, 2000, página 67).

[29] “O que deve entender-se por manifesta desnecessidade constitui-se como o nódulo ou punctum crucis da questão e só a praxis pode ajudar a desbravar e obtemperar” – STJ 27/09/2011 (Gabriel Catarino, disponível in www.dgsi.pt).

[30] E que adopta na sua formulação “conceitos indeterminados ou cláusulas gerais cuja maleabilidade permite assegurar a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo sem, no entanto, dispensar critérios rigorosos e convincentes relativamente à sua delimitação partir da análise ou solução de casos concretos”, cabendo “ao juiz um papel fundamental na compatibilização dos diversos interesses que no processo se interligam” (Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-L.F.Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 22).

[31] “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça”.

[32] Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, página 194.

[33] Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais (organizado por Paulo Pinto de Albuquerque), Volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, página 946.

[34] Disponível in www.dgs.pt.

[35] “Sem prejuízo, ainda que se entendesse que a existência de furos, pregos/parafusos, fitas adesivas, riscos (facto 16) coloca em causa as condições de utilização do imóvel e que, nos termos da cláusula sexta, tem o autor o direito a ver as paredes pintadas (perfeitas), sempre concluiríamos que estamos perante uma situação de abuso de direito”.

[36] RG 09/11/2017 (Fernandes Freitas, in www.dgsi.pt) - o abuso do direito é uma excepção peremptória de direito material que é do conhecimento oficioso e só existe quando o excesso cometido seja manifesto e haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

[37] STJ 11/12/2012 (Fernandes do Vale, in www.dgsi.pt) - o abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado.

[38] RL 4/10/2007 (António Valente, in www.dgsi.pt) - o conhecimento oficioso do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) não implica que o Tribunal indague oficiosamente os factos que eventualmente poderiam, no caso, integrar essa figura jurídica

[39] Marco Carvalho Gonçalves, in Comentário…, cit., página 947.

[40] Assim, também, RP 17/09/2009 (Márcia Portela, disponível in www.dgsi.pt). Cfr., ainda, Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-L.F.Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 830).

[41] Liberdade vs. Responsabilidade - A precaução como fundamento da responsabilidade delitual?, Almedina, 2006, páginas 317 a 323; também, Coutinho de Abreu (Do Abuso do Direito – Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006 - reimpressão), admitindo a sua desnecessidade, não deixa de assinalar a sua conveniência, para ultrapassar dúvidas quanto à sua aplicabilidade, nomeadamente por parte de quem seja mais positivista-legalista (página 50).

[42] Vd., sobre esta matéria, recentemente, Daniel Bessa de Melo,  “O abuso do direito: contributos para uma hermenêutica do artigo 334.º do Código Civil português”, in Julgar on line, outubro de 2020 [consultado a 18/10/2021), disponível in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/10/20201029-JULGAR-O-Abuso-do-Direito-contributos-para-uma-hermen%C3%AAutica-do-art-334-do-C%C3%B3digo-Civil-portugu%C3%AAs-1.pdf; e Eva Dale, Abuso do Direito: para (e através da) superação do paradigma, Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 2 – 2020 [consultado a 18/10/2021], disponível in  http://flowpaper.com/flipbook/20205kr3/?wp-hosted=1.

[43] Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, página 278; Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, Almedina, 1997 (reimpressão da edição de 1973), página 171.

[44] Mafalda Miranda Barbosa, ob. cit., página 322.

[45] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II, Almedina, 1984, página 882.

               [46] Pedro Pais de Vasconcelos, O abuso do abuso do direito – um estudo de Direito Civil, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2015-I, página 34.

[47] Trata-se de um lapso: é a Cláusula sexta.

[48] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, página 282.

[49] Teoria Geral…, ob. cit., página 285. Sobre o honeste agere, vd. página 278.

[50] Ob. cit., página 278.

[51] Da boa fé…, cit., páginas 837 a 852.

[52] Ob. cit., página 837.

[53] Ob. cit., páginas 839-840.

[54] Sendo certo que, por via da própria interpretação dos artigos 1043.º e 1073.º do Código Civil, poderíamos chegar à mesma conclusão, baseada nos princípios. Todavia, tendo o legislador optado por criar o artigo 334.º do Código Civil, esta é a norma que acaba por servir de farol e de limite a todas as outras.

 Sobre esta matéria, vd. Eva Dale, Abuso do Direito…, cit., página 35.

[55] Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, página 861.

[56] Ob. loc. cit..

[57] Vd. a singular posição de Ana Prata na Prata (Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, páginas 1011-1012 citada no Acórdão da Relação do Porto de 04/11/2019 (Eugénia Cunha, disponível in www.dgsi.pt), segundo a qual, por “motivos que não são óbvios, tem entendido a larga maioria da doutrina e da jurisprudência que a norma não inclui a responsabilidade obrigacional. Não é imediatamente evidente a razão por que a lei há de tratar com maior severidade o autor de danos no quadro da responsabilidade extraobrigacional do que aquele que os provocar no âmbito obrigacional. A situação é tanto mais estranha quanto não são raros os casos em que o mesmo facto pode ser considerado ilícito delitual e obrigacional. E, se a razão de ser fosse agravar a situação do devedor de indemnização por ilícito extraobrigacional, não faria sentido que a ele se equiparasse o devedor dessa obrigação com fonte em responsabilidade pelo risco. Por outro lado, se é verdade que, por vezes, a lei reserva para a responsabilidade extraobrigacional a designação de “responsabilidade por facto ilícito”, esse elemento literal não se afigura decisivo”.

[58] STJ 03-02-1999 (Ribeiro Coelho, disponível in www.dgsi.pt), RC 07/09/2010 (Alberto Ruço, disponível in  www.dgsi.pt), RP 08-06-2009 (Adelaide Domingos, disponível in www.dgsi.pt), Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, III, página 262;  STJ 22/04/1993 (Miranda Gusmão), BMJ 426 – 461.

[59] A Mora Debitoris nas obrigações pecuniárias, Instituto Politécnico do Porto, 2010 [consultado em 18/10/2021] (disponível in https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/7461/1/A_Marta%20Monterroso%20_2010.pdf).

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