Processo n.º 679/22.2T8TVD.L1
Tribunal a quo - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Local Cível de Torres Vedras - Juiz 2
Recorrente - L…
Sumário:
I – Propiciado
pelo desenvolvimento económico e pela criatividade jurídico-financeira vão surgindo
novos mecanismos de fomento de circulação económica, de lucros, produtividade e
vendas (de preferência com custos e riscos menos elevados), o que se vai
fazendo com recurso à utilização do estruturante princípio da liberdade contratual (entre nós consagrado no
artigo 405.º do Código Civil).
II – Assim se foram criando, delineando e/ou desenvolvendo novas figuras
contratuais, como o leasing, o
aluguer de longa duração, o renting,
as joint-venture, o factoring, o franchising, a transferência de tecnologia e de know-how, a
garantia bancária autónoma e mesmo a mediação, a agência e a concessão
comercial, sendo que, algumas das figuras jurídicas que se vão construindo são
próximas umas das outras.
III – O
contrato de leasing é uma ferramenta
de financiamento do investimento em activos.
IV – A
locação operacional, vulgo, renting, é
um contrato atípico e misto (que não se subsume, nem a locação, nem ao leasing), que tem como finalidade
económico-social a “cedência operacional” do uso de um bem móvel, como finalidade
acessória o “financiamento da disponibilidade” do bem locado e como finalidade
eventual a “aquisição da propriedade” findo o período contratual.
V – No
contrato de renting o locador, assume
-por norma- a obrigação de manutenção, reparação e substituição do bem, ficando
o locatário desonerado dos riscos inerentes à sua propriedade.
VI – As
diferenças entre leasing e locação
operacional demonstram estarmos diante de realidades diferentes,
estruturalmente diferentes e mesmo subjectivamente diferentes: na locação
operacional (qualificada como contrato de aluguer com eventual componente
adicional de prestação de serviços) há uma estrutura bilateral, o locador não é
entidade financeira, a renda não se destina a amortização, não há opção de
compra e o contraente – socialmente – não o toma (como acontece com o leasing) como um contrato de
financiamento.
VII – A
“Natureza das Coisas” quer ao nível da criação das normas, quer ao da sua
concretização, não permite tratar da mesma forma os dois contratos, nem utilizar
para a locação operacional (ou para a locação simples) a providência cautelar
prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, por se
tratar de um regime específico previsto para a locação financeira (e
justificado pelas suas especiais características e exigências): apesar de
algumas similitudes, a nota essencial é de diferenciação estrutural e de exigências.
VIII – A
providência cautelar prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24
de Junho não pode funcionar como providência-tipo para recuperações de
automóveis.
IX – Perante
o incumprimento de um contrato de locação operacional, inexistindo um
procedimento cautelar típico especialmente para ele previsto com vista a
acautelar o efeito útil da acção que venha a ser intentada e em que uma Requerente
pretenda fazer valer o que entende ser os seus direitos só pode concluir-se que
o meio processual que tem ao seu dispor para o efeito é o procedimento cautelar
comum, previsto nos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil
(implicando a articulação de factos relativos ao direito carecido de proteção -
fumus boni iuris; e à demonstração de fundado receio de que o direito venha a
sofrer de lesão grave ou dificilmente reparável - periculum in mora).
X – Quanto
ao periculum in mora, a locadora deve
alegar e demonstrar indiciariamente o fundado receio de que não conseguirá
obter do locatário a reparação da lesão do seu direito, designadamente por
insuficiência do património do requerido ou perigo de desaparecimento ou
diminuição relevante dessa garantia patrimonial.
XI – Ainda
que se considere que o direito que há que garantir é o direito à restituição da
viatura locada, a antecipada restituição só se justificará se se indiciar
fundado receio de extravio, de destruição ou de séria danificação do bem
locado.
XII –
Perante a insuficiência da matéria de facto alegada no Requerimento Inicial,
mas estando nele presente o limite fáctico mínimo individualizado na indicação
da causa de pedir, o juiz não deve proferir um indeferimento liminar, mas sim
um despacho de aperfeiçoamento, convidando a Requerente a completar a
factualidade falta de forma a preencher os requisitos da providência cautelar.
XIII – O
incumprimento deste dever corresponde a uma irregularidade que, tendo
influência na decisão da causa, produz uma nulidade processual.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
L...
intentou o presente procedimento cautelar
contra V...., pedindo que:
a)-
seja decretada a presente providência cautelar, nos termos do disposto nos
artigos 362.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ordenando-se
a apreensão imediata do veículo automóvel da marca NISSAN, modelo QASHQAI (1.5
dCi N-Connecta 110 Cv 5p), com a matrícula ------------, e dos respetivos
documentos, que se encontram na posse do requerido, mesmo que em propriedade
privada ou local fechado, incluindo, designadamente, em garagem ou parque;
b)-
seja o veículo automóvel da marca NISSAN, modelo QASHQAI (1.5 dCi N-Connecta
110 Cv 5p), com a matrícula ---------------, acompanhado dos respetivos
documentos, entregue à requerente que, para este efeito, deverá ser ainda
nomeada fiel depositária do mesmo;
c)-
seja a presente providência cautelar decretada, com dispensa do contraditório
prévio do requerido, nos termos do disposto no artigo 366.º, n.º 1, do Código
de Processo Civil;
d)-
seja a requerente dispensada do ónus de propositura da ação principal, nos
termos do disposto no artigo 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; e
e)-
seja o requerido condenado no pagamento de custas, procuradoria e demais
encargos legais.
Em suma, alega a Requerente:
-
que celebrou com um requerido um
contrato de locação operacional, mediante o qual a requerente se comprometeu a
prestar ao requerido um conjunto de serviços que consistem no aluguer de
veículo, serviço de manutenção, contratação de seguros e prestação de outros
serviços que viessem a ser contratados pelas partes, e como contrapartida pelos
serviços prestados pela requerente, o requerido obrigou-se a pagar uma
prestação mensal;
-
que esse contrato esse tinha a duração de 36 meses por objeto a concessão do
uso e do gozo do veículo automóvel com a matrícula ----------, iniciando a sua
vigência, no dia 20 de Setembro de 2018, e cessando os seus efeitos a 19 de Setembro
de 2021;
-
que, terminado o contrato na data indicada, o Requerido não devolveu a viatura
à Requerente, como era sua obrigação, continuando a utilizá-la sem pagar qualquer
quantia em contrapartida, tendo sido apresentadas três faturas ao requerido
para pagamento, referentes a serviços de locação dos meses de novembro e
dezembro de 2021, e janeiro de 2022, que não foram pagas pelo Requerido,
encontrando-se por regularizar o montante de € 1.954,47;
-
que por força da cessação do contrato, com fundamento na sua caducidade, o Requerido
se encontra obrigado a restituir o veículo em causa à Requerente, o que não fez
apesar de já ter sido interpelado para o efeito;
-
que o contrato de locação operacional corresponde a uma figura próxima da locação
financeira, justificando-se a aplicação analógica do procedimento cautelar
previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, pelo que, o
decretamento da providência não se encontra dependente da demonstração do periculum in mora, motivo pelo qual, e
uma vez alegado e provado o direito no qual tal providência se consubstancia, a
mesma deverá ser decretada;
-
que entregou o processo à sociedade P….., Lda. (empresa que exerce a sua
atividade na área de recuperação de créditos, contabilidade e consultadoria
para negócios e gestão) e que esta não conseguiu recuperar o veículo;
-
que em Fevereiro de 2022 remeteu ao Requerido carta registada com aviso de recepção
para o domicílio do requerido (recebida e por ele assinado), solicitando a
devolução da viatura;
-
que a viatura tem o valor venal de € 18.500 e não terá efectuado qualquer manutenção
periódica, ou, se a efetuou, não a realizou em conformidade com as respetivas exigências
da marca, ou em oficinais autorizadas pela requerente para este efeito.
A
título subsidiário, refere ainda a requerente, que estão preenchidos todos os requisitos
para ser decretada providência cautelar, nomeadamente o periculum in mora, receio justificado de que o requerido não tenha
capacidades económicas para proceder ao pagamento da indemnização que é devida
àquela pela utilização e possível perda do veículo, encontrando-se demonstrados
todos os requisitos inerentes ao procedimento cautelar comum, devendo a
providência ser decretada pelo Tribunal.
No momento liminar o Tribunal proferiu despacho de indeferimento da providência, considerando a sua manifesta a sua improcedência.
É deste despacho que a Requerente apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
1. O
presente recurso de apelação vem interposto da decisão do Tribunal a quo,
proferida no dia 31.03.2022 (doravante “Decisão Recorrida”), a qual indeferiu o
requerimento inicial de procedimento cautelar da ora Recorrente, nos termos do
n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), por
considerar que o mesmo seria manifestamente improcedente.
2.
Com o devido respeito, na Decisão Recorrida o Tribunal a quo, não só se
equivocou quanto às normas jurídicas aplicáveis, como fez ainda uma incorreta
análise e interpretação dos interesses em crise e de qual o direito que se
pretende acautelar.
3.
Com efeito, o Tribunal recorrido excluiu, desde logo, a possibilidade de in
casu se aplicar o procedimento cautelar previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei
n.º 149/95, de 24 de Junho, com fundamento no princípio da legalidade e na
proibição da aplicação analógica prevista no artigo 11.º do Código Civil.
4.
Ora, entende a Recorrente que errou o Tribunal nesta apreciação, porquanto
deveria ter-se, antes sim, socorrido do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º
do Código Civil, o qual estipula que para os casos que a lei não preveja são
regulados segundo a norma aplicável a casos análogos, havendo, por sua vez,
analogia sempre que procedam razões justificativas da regulamentação prevista
na lei quanto ao caso omisso.
5. A
tipicidade e a natureza sui generis de um contrato não tem de significar
necessariamente o afastamento do regime jurídico que dele melhor se aproxima,
até porque, a qualificação de contrato não deve subsumir-se à configuração dada
pelas partes, devendo antes ser atendidas as circunstâncias e objetivos que
visa realizar, prevalecendo a substância sobre a forma.
6.
Nesta medida, tem-se que o contrato de locação operacional, facto constitutivo
do procedimento cautelar em apreço, corresponde a uma figura próxima da locação
financeira, pois possui quase todas as características daquela figura jurídica,
não se restringindo, por este motivo, às disposições consagradas a propósito da
mera locação, nos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil.
7.
Vejamos que, também no contrato em apreço, o veículo locado foi escolhido pelo
requerido, adquirido pela Recorrente a pedido deste e com o único intuito de
lhe ser cedido o gozo do mesmo, por um período de tempo limitado, e mediante o
pagamento de uma prestação mensal.
8.
Mais, não é porque o contrato não prevê explicitamente a possibilidade de
aquisição do bem locado no final do contrato, que tal compra está completamente
afastada, pois na verdade, as partes, querendo, no final do contrato, poderão
acordar num valor para a transmissão da propriedade daquele bem.
9.
Assim, sendo pacífico que o regime cautelar específico previsto no artigo 21.º
do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, visa precisamente salvaguardar o
investimento efetuado pelo locador financeiro e atentas todas as semelhanças
entre o contrato objeto dos presentes autos e a figura da locação financeira,
impõe-se a conclusão de que o decretamento da providência ora requerida não se
encontra dependente da demonstração do periculum in mora, motivo pelo qual, uma
vez alegado e provado o direito no qual tal providência se consubstancia, a
mesma deveria ter prosseguido os seus termos, por aplicação analógica daquele
regime jurídico.
10.
Ainda que assim não se entenda – o que por mero dever de cautela de patrocínio
se equaciona – também se dirá o Tribunal a quo errou na análise e interpretação
dos interesses em crise e de qual o direito que se pretende acautelar e,
consequentemente, na aferição da (in)suficiência dos factos alegados que
configurar o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.
11.
Salvo o devido respeito, não pode o Tribunal sustentar o indeferimento liminar
da providência cautelar na falta de alegação de matéria de facto quanto à
situação patrimonial do requerido, para concluir que a aquela seria
manifestamente improcedente, pois que nestes autos cautelares não está em causa
um direito de crédito mas sim o direito da Recorrente à restituição do veículo
locado, em virtude da caducidade do contrato que titulava o gozo do mesmo pelo
requerido, e decorrente do seu direito de propriedade sobre aquele bem.
12.
Como não poderia o Tribunal a quo
querer impor à Recorrente o sacrifício de um direito real (o da propriedade
sobre o bem locado) e a substituição involuntária daquele por uma indemnização
sucedânea, pois, sempre salvo o devido respeito que é muito, não cabe aquele
pronunciar-se sobre a possibilidade de a Recorrente pretender obter um valor
para compensação da privação do veículo, mas tão-só decidir se a tutela
provisória do direito real da Recorrente se encontra justificada.
13.
Como é bom de ver, a Decisão recorrida parte da premissa errada, porquanto o
receio da Recorrente assenta no risco de lesão grave e irreparável do seu
direito de propriedade sobre o veículo locado, que tem natureza real e que se
visa acautelar com a providência, e não num potencial direito que a Recorrente
poderia vir a cobrar um crédito, a título de indemnização, em virtude dos danos
que venham a ser causados ao veículo (os quais, aliás, se pretende evitar!).
14.
Na verdade, não teria efetivamente a Recorrente de alegar quaisquer factos
sobre a capacidade económica do requerido para fazer face aos valores vencidos
e não pagos, pois que o objetivo da providência requerida não é acautelar o
direito de crédito de natureza patrimonial.
15.
Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar existir uma insuficiente
alegação de factos dos quais pudesse resultar indiciariamente verificado e
provado o preenchimento do requisito do periculum in mora.
16.
Ademais, a Recorrente alegou no seu requerimento inicial todos os factos que
indiciam, ainda que de forma sumária, a existência daquele pressuposto.
17.
Atente-se que o contrato de locação operacional que servia de título ao uso e
fruição do referido veículo pelo requerido, caducou por decurso do prazo, em 19
de setembro de 2021, e bem sabe o requerido, porque decorre do contrato
celebrado e foi-lhe informado, que uma vez cessado o contrato, está obrigado à
proceder à devolução do veículo à Recorrente.
18.
Porém, interpelado por diversas vezes e por diversas formas para proceder à
restituição voluntária do veículo à Recorrente, aquele optou por não o fazer,
nem responder às interpelações remetidas.
19.
Salvo o devido respeito, que é muito, esta atitude do requerido, de
conscientemente se furtar à devolução do veículo, atenta a natureza perecível
do mesmo, por si só causa lesão grave e dificilmente reparável ao direito de
propriedade da Recorrente, que se vê impossibilitada de dispor daquele bem que
é seu.
20.
A que acresce o facto de que, como decorre das regras de experiência comum, com
a utilização e decurso do tempo, a viatura está sujeita ao desgaste,
depreciação e desvalorização, e tratando-se estes de factos que são de
conhecimento geral - e, por isso, factos notórios - não carecem os mesmo de
prova nem de alegação, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º do CPC.
21.
E ainda o facto de que se desconhece qualquer seguro de responsabilidade civil obrigatório,
o que significa que a Recorrente pode vir a ser responsabilizada por qualquer
acidente ou dano causados a terceiro, porquanto é a proprietária da viatura.
22.
Não sendo, pois, justificável que tal desvalorização e riscos sérios corram por
conta da Recorrente quando o requerido mantem a posse da viatura, após a
cessação do contrato, sem qualquer título que para tal o legitime.
23.
Aqui chegados, verifica-se que a Decisão Recorrida falhou quanto:
(i)
a saber qual o direito que se pretende ver acautelado;
(ii)
na interpretação que fez do artigo 362.º, designadamente no que se refere à
lesão dificilmente reparável do direito em crise; e
(iii)
quanto à concreta verificação da suficiência dos factos alegados que
caracterizam como dificilmente reparável a lesão do direito da Recorrente.
24.
E, porque nunca é demais referir, o direito visado acautelar com a providência,
atento o circunstancialismo alegado no requerimento inicial, é tão só o direito
à restituição do veículo em consequência da caducidade do contrato celebrado e
decorrente do direito de propriedade da Recorrente, e não um direito de crédito
assente no não pagamento dos valores vencidos e não pagos ou de uma qualquer
indemnização pelos danos causados.
25.
Assim, impunha-se ao Tribunal a quo, considerando todos a matéria factual
alegada e aduzida no requerimento inicial, ordenar o prosseguimento do
procedimento cautelar uma vez verificados os requisitos legais do artigo 362.º
do CPC, ao invés de indeferir liminarmente a providência sem qualquer
possibilidade de produção de demais prova requerida pela Recorrente,
designadamente a prova testemunhal oferecida.
26.
Sem prescindir, sempre se dirá que, ao considerar quaisquer insuficiências ou necessidades
de completude dos factos alegados pela Recorrente no seu articulado inicial,
antes de qualquer indeferimento, estava o Tribunal a quo vinculado a proferir o
despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos dos n.º 2 a 4 do artigo
590.º do CPC.
27.
Ainda, tendo presente a existência existem duas orientações jurisprudenciais:
(i)
uma que entende que a não restituição do veículo automóvel e indicia o receio
fundado de lesão grave e de difícil reparação, tornando desnecessária a
alegação de factos concretos integradores do periculum in mora;
(ii)
e outra que considera necessária a alegação e demonstração de factos concretos
integradores da existência do requisito do justo receio, deve o julgador
abster-se de, no despacho liminar, afirmar a perfilhação do outro entendimento
jurisprudencial, para assim, com base nele, indeferir liminarmente, por manifesta
improcedência do pedido.
28.
Deveria, antes sim, o Tribunal a quo ter convidado a Recorrente ao
aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, nos termos dos n.º 2 a 4 do artigo
590.º do CPC e ao abrigo dos princípios da economia processual, da cooperação e
do inquisitório, sendo ainda de salientar que, atualmente, este despacho de
convite ao aperfeiçoamento não se traduz num despacho meramente ordenador, mas
sim num despacho vinculativo, emergindo uma verdadeira incumbência do juiz.
29.
Posto isto, sem quebra do devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao proferir
a Decisão Recorrida, pois conclui-se que não havia motivos para o indeferimento
liminar da providência requerida.
*
Questões
a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição
inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu,
e na decorrência das Conclusões da Recorrente, há que verificar:
I
– da aplicabilidade ao incumprimento dos contratos de locação operacional do
regime do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho;
II
– da suficiência da matéria de facto alegada para o preenchimento dos requisitos
do decretamento da providência cautelar;
III
– da necessidade de proferir o despacho de convite ao
aperfeiçoamento, nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 590.º do CPC.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
***
Fundamentação de Facto
A factualidade relevante é a constante do Relatório supra.
Fundamentação de Direito
Requerente
e Requerido celebraram um acordo que intitularam de “aluguer operacional” ou de
“locação operacional”, nos termos do qual:
-
a Requerente adquiriu um veículo automóvel novo com o propósito de lhe ceder o
seu gozo, durante o período a convencionar;
-
a 22 de agosto de 2018, Requerente e Requerido outorgaram um documento
designado por “Proposta de Adesão de Aluguer Operacional de Automóveis N.º 62142”,
mediante o qual, segundo a sua cláusula 8.ª, n.º 1, a primeira se comprometeu a
prestar “(…)ao
Cliente um conjunto de serviços que consiste no aluguer de veículos, serviço de
manutenção, contratação de seguros e prestação de outros serviços que venham a
ser contratados pelas partes (…)” (documento 2, junto com a
PI)
-
como contrapartida pelos serviços prestados pela Requerente, as partes convencionaram,
na cláusula 4.ª, n.º 1 da “Proposta de Adesão de Aluguer
Operacional de Automóveis N.º 62142” que “Os serviços prestados pela L... em
conformidade com o disposto no Contrato Individual respetivo serão retribuídos
por prestações mensais, denominadas “custo total/mês”;
-
as prestações mensais, nos termos da cláusula 6.ª, n.º 1, venceriam “(…)
no primeiro dia do mês a que disser respeito, com exceção do primeiro
pagamento, que se vencerá no dia 1 do mês seguinte ao da entrega do veículo
(…)”;
-
“Para
efetuar os pagamentos à L..., o Cliente dará ao seu banco instruções
permanentes, conforme minuta “Autorização de Débito Direto SEPA” que constitui
Anexo a esta Proposta de Adesão e dela fica a fazer parte integrante, com vista
à transferência para uma conta bancária da L... dos valores das facturas que a L...
apresente àquele banco, quer a título dos custo totais/mês quer a título de
outros serviços contratados ou não contratados mas autorizados” (cláusula
7.ª, n.º 1);
-
o Requerido subscreveu a “Autorização de Débito Direto SEPA”, mediante
a qual autorizou a Requerente a enviar ao banco instruções para se proceder ao
débito das quantias devidas a título de prestações mensais;
-
outorgaram um documento designado por “Contrato Individual de Aluguer
e Administração, Anexo do Contrato N.º 62142”, tendo por objeto o
veículo automóvel da marca NISSAN, modelo QASHQAI (1.5 dCi N-Connecta 110 Cv
5p), com a matrícula ------------, pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses, com início
a 20 de setembro de 2018 e termo a 19 de setembro de 2021, e com valor global
mensal de 651,49 € (seiscentos e cinquenta e um euros e quarenta e nove
cêntimos).
Conclui-se, portanto, que o contrato de locação operacional que tinha como objecto a concessão do uso e do gozo do veículo automóvel com a matrícula -------------, por parte da Requerente ao Requerido, e mediante o pagamento da respectiva prestação mensal, foi celebrado pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses, iniciando a sua vigência, no dia 20 de Setembro de 2018, e cessando os seus efeitos a 19 de Setembro de 2021.
Ou
seja, foi celebrado um contrato misto de locação e prestação de serviços, com
as condições gerais constantes na “Proposta de Adesão de Aluguer Operacional de
Automóveis N.º 62142” e respectiva Adenda (cfr. documentos 1, 2 e 4 juntos com
o Requerimento Inicial) e as condições particulares previstas no Contrato Individual
(cfr. documento 5 junto com o Requerimento Inicial).
Perante o clausulado descrito, a primeira tarefa passa por qualificar o tipo de contrato que está em causa: "A qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém. Este relacionamento traduz-se num movimento espiral e hermenêutico, assente numa pré-compreensão que se traduz em pré-qualificações experimentais precárias feitas com apoio na cultura jurídica e na 'experiência do mundo' de quem qualifica"[2] .
Ora, propiciado pelo desenvolvimento económico e pela criatividade jurídico-financeira[3], vão surgindo novos mecanismos de fomento de circulação económica, de lucros, produtividade e vendas (de preferência com custos e riscos menos elevados), o que se vai fazendo com recurso à utilização do estruturante princípio da liberdade contratual (entre nós consagrado no artigo 405.º do Código Civil[4]).
Este princípio, seguindo os
ensinamentos de Enzo Roppo, na actual
sociedade de "modernas economias de massas", obrigou a que o contrato deixasse de
ser configurado como o "reino da vontade individual(...), para servir o sistema da produção
e da distribuição de massa",
tornando-se, "tanto quanto possível, autónomo da esfera
psicológica e subjectiva em geral do seu autor, insensível ao que nesta se
manifesta e sensível sobretudo ao que se manifesta no ambiente social, nas
condições objectivas de mercado",
de modo a exercer a sua função fundamental no âmbito das economias capitalistas
de mercado: isto é, a “função de instrumento da liberdade de
iniciativa económica"[5].
É assim que se foram criando, delineando
e/ou desenvolvendo novas figuras contratuais, como o leasing, o aluguer de
longa duração, o renting, as joint-venture, o factoring, o franchising,
a transferência de tecnologia e de know-how, a garantia bancária autónoma e
mesmo a mediação, a agência e a concessão comercial.
E algumas das figuras jurídicas que se
vão construindo são próximas umas das outras.
É
o que sucede com o leasing, o ALD e o
renting (ou locação operacional).
No
caso do leasing, cujo regime jurídico
está estabelecido no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, aí se define como “o contrato
pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o
gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por
indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período
acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples
aplicação dos critérios nele fixados” (artigo 1.º).
Ou
seja, uma das partes obriga-se a ceder à outra, por um período pré-fixado, o
gozo e a utilização de um bem propriedade da locadora, mediante uma retribuição
(o pagamento de uma renda, fixa ou variável), sendo que, no final do contrato,
o/a locatário/a tem a opção de aquisição do bem (podendo exercer essa opção
pelo valor residual contratualmente definido)[6].
Trata-se
este de um contrato que, na perspectiva do/a locatário/a funciona como que uma
ferramenta de financiamento do investimento em activos fixos (fica com o bem –
o activo que vai utilizar – à sua disposição, sem necessidade de o pagar, o que
corresponde a um cash flow positivo,
seguem-se os sucessivos e periódicos fluxos de caixa a débito, correspondentes
às rendas) e, como é o/a locatário/a que beneficia da utilização do bem em
causa, este é contabilizado no seu património como ativo fixo tangível
procedendo à sua depreciação[7]
(sendo que o dever de conservar e reparar a coisa e o seu risco de perecimento
da coisa corre por conta do/a locatário/a - artigos 10.º e 15.° do DL n.°
149/95).
No
caso da locação operacional (a que releva para os presentes autos e para a
apreciação da primeira das questões colocadas), não saímos do âmbito do
contrato de locação (artigo 1022.º do Código Civil - “contrato pelo qual
uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa,
mediante retribuição”[8]), sendo que a
prestação de serviços de conservação e manutenção ficam por conta do locador.
Logo
por aqui, se vê uma diferença estrutural com o leasing: no final da locação operacional não se prevê a transferência
da propriedade para o/a locatário/a (ou o bem é devolvido à locatária, ou o contrato
é prorrogado ou o/a locatário/a compra o bem pelo valor do mercado)[9], o
bem faz parte do património da locatária (que assume as suas despesas de
conservação e manutenção) como ativo fixo tangível, sendo que as
rendas/alugueres são contabilizados pela locatária como gastos.
Aqui,
o risco de perecimento da coisa corre por conta do/a locadora.
A
locação operacional é também conhecida como renting,
afirmando Hugo Freitas Ribeiro (no
mais completo estudo sobre esta tipologia contratual feito em Portugal), que se trata de um “contrato atípico e
misto, em que a finalidade económico-social essencial do contrato é a “cedência
operacional” do uso de um bem móvel, em regra um automóvel ou um bem de
equipamento. Identificamos ainda uma finalidade acessória como sendo o “financiamento
da disponibilidade” do bem locado e uma finalidade eventual de “aquisição da
propriedade”, findo o período contratual.
Precisamente
por incorporar especificidades que identificamos como sui generis, consideramos
que o contrato de renting, não se subsume, em toda a sua extensão, no âmbito de
contratos com o qual possui, inegavelmente, características semelhantes, como é
o caso da locação prevista no CC e da locação financeira prevista e regulada
pelo DL n.º 149/95, de 24 de junho. Conquanto, tão pouco se projeta
simplesmente como uma das modalidades destes tipos contratuais. Conclui-se,
portanto, que o contrato de renting não se enquadra num qualquer tipo
contratual pré-existente, tratando-se pelo contrário, de um género contratual
autónomo, em que as prestações que lhe são típicas se entrecruzam e se
complementam, fundamentando-se no princípio da autonomia privada, preconizado
no nosso ordenamento jurídico, pela liberdade contratual manifesta no art.º
405º do CC.
O
contrato de renting configura, destarte, um negócio pelo qual o locador,
assume, por norma, as obrigações de manutenção, reparação e substituição do
bem, ainda que seja através do recurso à subcontratação, para a execução das
mesmas, tornando este tipo contratual, numa espécie bastante atrativa,
sobretudo no mercado dos bens com rápida obsolescência técnica, porquanto o
locatário fica desonerado dos riscos inerentes à propriedade dos bens. É ainda
assinalável o tratamento fiscal favorável de que o contrato de renting goza
neste momento, mormente no âmbito empresarial, em que é possível a
dedutibilidade da quantia paga a título de aluguer, quando o bem objeto do
contrato é utilizado para o desenvolvimento de uma atividade profissional, bem
como o tratamento contabilístico se traduz na inserção dos montantes pagos como
gastos de exercício, evitando a sua contabilização como um ativo, com os riscos
que são inerentes a tal escrituração”[10].
Carlos
Ferreira de Almeida admite mesmo que “a caracterização dos
contratos de locação operacional é imprecisa, porquanto tem sido feita apenas
para estabelecer o contraste com os contratos de locação financeira, dos que se
distinguem por traços negativos: o locador não tem a natureza de entidade
financeira, a renda não incorpora uma parcela de indemnização, o locatário não
dispõe de uma opção de compra. Sob uma perspectiva positiva, tais contratos
qualificam-se, no direito português, como contratos de aluguer, com uma
eventual componente adicional de prestação de serviços”[11].
Na
jurisprudência, referência especial para:
-
o Acórdão do Tribunal de Contas n.º 2/11, de 21 de Janeiro (Recurso Ordinário
n.º 17/2010-R-Helena Abreu Lopes)[12], no
qual se defende que na locação operacional “a relação jurídica constituída tem uma
estrutura meramente bilateral (locador e locatário), ao contrário do que sucede
na locação financeira, em que, não obstante isso não estar reflectido na
outorga formal do contrato, há três elementos na relação: o fornecedor da coisa
locada, o financiador, que a adquire e a dá em locação, e o locatário que a
goza em contrapartida de uma remuneração. Na realidade, a locação operacional
é, para o locador, simultaneamente produtor e proprietário de uma coisa, um
meio de colocação dos seus próprios bens no mercado, em alternativa à sua
alienação”;
-
o Acórdão da Relação de Lisboa de 14/09/2021 (Processo n.º 5769/21.6T8LSB.L1-A-7-Micaela Sousa), onde se afirma que o
contrato de locação operacional é aquele em que “uma
das partes, como locadora, proporciona à outra, como locatária, durante um
determinado período, o gozo de um equipamento(…) mediante remuneração e, bem
assim, acessoriamente, o serviço de manutenção, a ser prestado por uma entidade
terceira, sem opção de compra a final(…), a que se aplicam, em primeiro lugar,
as cláusulas acordadas entre as partes, as normas da locação previstas no
artigo 1022º e seguintes do Código Civil, com as necessárias adaptações e as
regras gerais de Direito Civil”;
-
o Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2016 (Processo n.º 1449/14.7JLSB.L1-7-Maria do Rosário Morgado), onde se
sublinha a proximidade com a “locação financeira, mas com a qual não se confunde, dadas
as suas características próprias.
Efetivamente,
na locação operacional, destaca-se a específica natureza da coisa locada, dado
que, na maior parte dos casos, se trata de bens móveis de natureza duradoura,
com a particularidade de terem tendencialmente uma longa obsolescência técnica.
Isto significa que a vida técnico-económica da coisa não se esgota no período
de vigência do contrato, daí que a sua duração média seja de um a três anos, a
fim de que, no seu termo, os bens, restituídos ao locador, sejam novamente
colocados no mercado.
Por
outro lado, neste tipo contratual há usualmente um conjunto de serviços
acessórios a prestar pelo locador ou por alguém a ele ligado (v.g. manutenção
ou reparação da coisa ou assistência técnica).
Além
disso, o valor a pagar periodicamente pelo utilizador encontra-se relacionado,
por um lado, com o gozo do bem e, por outro, com a prestação dos mencionados
serviços, sendo que, em princípio, não cobre o preço da aquisição do bem
locado, pago pelo locador.
Acresce
que, em regra, o locatário pode denunciar o contrato a qualquer momento, desde
que respeite o prazo de “pré-aviso” fixado e, se o não fizer, deve restituir a
coisa locada no termo do contrato, ou prorrogar a sua vigência. Não lhe
assiste, porém, a opção de compra do bem locado.
Sendo
estes os traços essenciais da locação operacional, as diferenças em relação à
locação financeira são assinaláveis.
Com
efeito, o esquema típico da locação financeira é o seguinte:
O
prazo do contrato abrange a maior parte da vida útil do bem; a renda paga pelo
locatário destina-se a cobrir os montantes pagos pelo locador com a aquisição
da coisa, mas também o lucro que o mesmo se propõe obter com o negócio; o
locador não suporta os riscos inerentes a um “verdadeiro” proprietário,
designadamente o da perda ou de deterioração da coisa; existe sempre a
faculdade de aquisição da coisa locada no termo do contrato pelo locatário,
mediante o pagamento de um valor residual.
Note-se,
ainda, que, quer a locação financeira, quer a locação operacional não se
confundem com a locação ordinária ou com o aluguer de longa duração (ALD) ainda
que se reconheça existir afinidade entre estas figuras jurídicas.
Deve,
finalmente, sublinhar-se que a doutrina em geral afasta a assimilação da
locação financeira (e por maioria de razão, também a locação «não financeira»)
ao contrato de mútuo e/ou ao contrato de crédito, dado o significado das
obrigações específicas do locador na relação contratual e as diferentes
estruturas jurídicas de cada tipo contratual.
Se
procurarmos agora enquadrar as características da relação jurídica em análise
num dos tipos contratuais em confronto vemos que a mesma não se reconduz
integralmente a nenhum deles.
É,
portanto, de concluir estarmos perante um contrato (atípico), cujo regime
jurídico não está legalmente compilado e que se rege, em primeiro lugar, pelas
cláusulas acordadas entre os contraentes e, supletivamente, pelas normas do Código
Civil que consagrem regras gerais, e ainda, com as necessárias adaptações,
pelas normas da locação, previstas nos arts. 1022º e ss., do CC”[13];
-
o Acórdão da Relação de Lisboa de 23/11/2010 (Processo n.º 2357/08.6TJLSB.L1-1-António Santos), onde se escreve que o “contrato de aluguer
operacional, ou de locação operacional (operating
leasing), caracteriza-se essencialmente por o locador não ter a natureza de
entidade financeira, a renda não se incorporar em parcela de amortização e não
dispor o locatário da opção de compra e, ainda por se qualificar no direito
português como um contrato de aluguer, com uma eventual componente adicional de
prestação de serviços”;
- o Acórdão
da Relação de Lisboa de 26/05/2008 (Processo n.º 3513/2008-6-Granja da Fonseca), onde se afirma que a
“locação
operacional configura um “negócio através do qual o produtor ou o distribuidor
de uma coisa, em regra standardizada ou de elevada incorporação tecnológica,
proporciona a outrem o seu gozo temporário, mediante remuneração, prestando
também, em princípio e de modo acessório, determinados serviços, v.g., de
manutenção do bem”.
Na
locação operacional a relação jurídica constituída tem uma estrutura meramente
bilateral.
Deve
ainda realçar-se a específica natureza da coisa locada. Com efeito, trata-se,
na maior parte, de bens móveis de natureza duradoura, com a particularidade de
terem tendencialmente uma longa obsolescência técnica. Isto significa que a
vida técnico-económica da coisa não se esgota no período de vigência do contrato.
A duração média do contrato é de um a três anos. Aliás, no seu termo, os bens
restituídos ao locador são novamente recolocados por este no mercado.
Prevê-se,
por outro lado, a denúncia do contrato a qualquer momento pelo locatário
operacional, havendo que respeitar um prazo de pré-aviso, ao mesmo tempo que se
possibilita a sua prorrogação.
Neste
tipo de contrato há um conjunto de serviços acessórios normalmente acoplados à
locação operacional. Estamos a referir-nos aos serviços de manutenção ou de reparação
da coisa e até de assistência técnica a efectuar por terceiros ligados ao
locador. No entanto, é este que assume tais obrigações colaterais.
O
valor a pagar periodicamente pelo utilizador encontra-se relacionado, por um
lado, com o gozo do bem e, por outro, com a prestação dos mencionados serviços.
Não cobre, em princípio, o preço da aquisição pago pelo locador.
Para
o concedente configura um meio de colocação dos seus próprios bens no mercado,
em alternativa à sua alienação.
Para
o locatário operacional, a coisa que utiliza mostra-se fundamental para o
adequado funcionamento da sua actividade económico - empresarial. É usualmente
uma operação privilegiada para a incorporação de tecnologia avançada na
empresa.
Impõe-se
ainda salientar que o locador operacional suporta um duplo risco: o da
obsolescência técnica e financeira da coisa e o inerente à propriedade do bem.
Naquela
hipótese, aquilo que o locador percebe durante o período de vigência do
contrato não cobre o valor da aquisição do objecto. Acresce que ao locatário
assiste, por via de regra, uma (dupla) escolha no termo do prazo contratual: ou
restitui a coisa ou prorroga o negócio. Ainda que possa eventualmente acrescer
uma promessa unilateral de venda que confira ao locatário o direito de comprar
a coisa, a transmissão da propriedade é meramente eventual. Caso o locatário
tenha interesse na utilização de um novo bem, exclui-se a via da prorrogação
contratual.
Nesta
situação, aplica-se o regime geral: o locador, porque proprietário (jurídico e
económico), suporta o risco de perda ou de deterioração da coisa.
Este
tipo de locação apresenta similitudes claras com a locação ordinária”.
Partindo desta base dogmática, a qualificação do contrato em causa nos presentes autos faz-se, sem lugar a dúvida razoável, como um típico contrato de “aluguer operacional”, “locação operacional” ou “renting”[14].
Desta
conclusão inicial derivam, desde logo, as estruturais diferenças com o contrato
de leasing/locação financeira.
E
a pergunta que se coloca é se, perante elas, o Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de
Junho[15], é
susceptível de lhe ser também aplicável, como pretende a Requerente/Recorrente.
A
resposta, mesmo procurando fazer um esforço de interpretação/integração, só
pode ser um rotundo não.
Recorrendo ao critério operacional da “Natureza das Coisas”[16] de que fala que Pedro Pais de Vasconcelos e que nos diz que para “a operacionalidade do método da “Natureza das Coisas” é necessário por em contacto o dever ser e o ser, mediados pela “Natureza das Coisas”. A mediação entre o ser e o dever-ser deve ser feita a dois níveis, ao nível da legislação – da criação da norma – e ao da concretização – da aplicação da norma aos factos concretos”, a resposta só pode ser – de facto – negativa.
Estamos colocados no plano da concretização ou, se se preferir, da aplicação da lei: “Logo na clássica tarefa de interpretar a lei, a Natureza das Coisas intervém, como manda o artigo 9º do Código Civil, na reconstituição do pensamento legislativo a partir do texto, na tomada em consideração da unidade do sistema jurídico, das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Na interpretação da lei, de qualquer lei até da lei constitucional, deve ainda ser chamado a contribuir o modo como, na sua génese, no seu processo legislativo, foi tida em consideração e respeitada a Natureza das Coisas e corrigido, quando não tenha sido suficientemente ou não tenha sido bem tida consideração. Tratar-se-á então de uma interpretação corretiva praeter legis ou mesmo contra legis mas secundum ius”[17].
Ora, o campo das relações socialmente típicas é mesmo um dos campos de funcionamento privilegiado deste tipo de considerações: “Há muitas posições e relações no direito privado que são socialmente típicas” e que “têm, na Natureza das Coisas – enthia moralia – conteúdos de valor – de dever-ser e de dever-agir – que estão estabelecidos e estabilizados, que são típicas na sociedade e na vida, e que transportam consigo uma normatividade própria”, sen do que, “o seu conteúdo não está, nem tem de estar na lei, pelo menos, completamente. Tem de ser concretizado, caso a caso, conforme a situação em que se encontrem (…) de modo a se poder concluir qual é o modo de agir que cada uma das posições-em-relação espera da outra, tem uma expectativa de comportamento da outra, de que a outra se comporte deste modo e não se comporte daquele modo e se esse comportamento merece ser juridicamente protegido pela boa fé”[18].
A diferença entre estes dois tipos de contrato (que, como já vimos, até partiram de uma base comum inicial) demonstra estarmos diante de realidades diferentes, estruturalmente diferentes e mesmo subjectivamente diferentes: na locação operacional o locador não é entidade financeira[19], a renda não se destina a amortização, não há opção de compra e o contraente – socialmente[20] – não o toma (como acontece com o leasing[21]) como um contrato de financiamento[22].
Assim,
a “Natureza das Coisas” quer ao nível da criação das normas[23],
quer ao da sua concretização, não permite tratar da mesma forma as duas
situações e, como tal, nos incumprimentos deles decorrentes utilizar a
providência cautelar prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24
de Junho[24]: está prevista para a
locação financeira, não serve para a locação operacional (como não serve para a
locação simples).
Dizia
há largos anos o Conselheiro Cardona
Ferreira, que "a normatividade deve acompanhar e
disciplinar as novas realidades sociais, em vez de forçar a inadequada
regulação de situações novas por leis
velhas que não previam aquelas"[25]: se o legislador o quisesse fazer
tê-lo-ia feito, mas nem a realidade social não o exige.
Assim sendo, a pretensão da Recorrente-Requerente não merece provimento: a distinta natureza dos contratos e da sua envolvência não permite tratamento idêntico, desde logo porque nem sequer se identifica uma lacuna ou a necessidade de uma interpretação extensiva.
Como
dizia Oliveira Ascensão, a “semelhança
da situação ou da apresentação faz presumir que o regime jurídico também é
semelhante”[26],
pelo que, perante “uma incompleição do sistema normativo que
contraria o plano deste”[27],
importa fazer as necessárias valorações para encontrar a solução adequada: “Podemos
fazer a comparação com uma obra de arquitectura. Não dizemos que tudo o que lá
não está é lacuna – pode não estar e nenhuma razão haver para estar. Mas pode
faltar um bocado – um corpo do edifício, uma varanda, um telhado – que
contrarie a própria traça do edifício, e só então dizemos que há lacuna”[28].
Só
que, aqui, não há semelhança de situação, nem incompletude do sistema
normativo: não falta nenhuma parte do edifício.
Quando o legislador regula a actividade da locação financeira e, nesse regime, cria uma específica e adaptada providência cautelar procurou - como afirma Marco Carvalho Gonçalves - “obviar à ocorrência generalizada de situações de periculum in mora decorrentes do incumprimento de contratos de locação financeira, para permitir aos agentes económicos o acesso mais fácil a determinado tipo de bens e para proteger os interesses de mercado associados a esta nova forma de financiamento, reduzindo os riscos para o locador com a deterioração ou perda da coisa locada”[29], permitindo, deste modo -como bem se concluiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/05/2021 (Processo n.º 9173/20.5T8LRS.L1-2-Jorge Leal)- que “ainda que só indiciariamente extinta a relação contratual, o bem locado passe rapidamente para o domínio do locador, que poderá imediatamente dele dispor, mesmo que a providência não ultrapasse o umbral da provisoriedade”.
Repare-se que, como acertadamente se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/2011 (Processo n.º 746/11.8TVLSB-A.L1-2-Jorge Leal), a “requerente não se apresenta como titular de crédito hipotecário sobre o veículo, nem como alienante do veículo beneficiária de reserva de propriedade que garanta o respectivo crédito, pelo que não é aplicável ao caso a medida de apreensão de veículo automóvel prevista no Dec.-Lei n.º 54/75, de 24.02, diploma que prevê o regime do registo de automóveis (artigo 15.º e seguintes, sujeitos a alterações legislativas que para o caso não relevam). Também não está documentada nem foi invocada uma situação de locação financeira, que de resto não se mostra registada (o registo da locação financeira é exigido no art.º 5.º n.º 1 alínea d) do regime do registo de automóveis), pelo que não é aplicável a providência cautelar de entrega judicial prevista no art.º 21.º do Dec.-Lei nº 149/95, de 24.6 (alterado, quanto ao aludido artigo, pelo Dec.-Lei nº 265/97, de 02.10 e pelo Dec.-Lei n.º 30/2008, de 25.02)”.
Toda a envolvência, requisitos e exigências que permitem o recurso a esta providência estão previstas apenas para o contrato de locação financeira[30].
E
mesmo quanto a uma situação mais próxima, como o ALD[31], a
solução é a mesma, como vem sendo afirmado nesta Relação: da “afinidade,
similitude ou homogeneidade jurídico-estrutural dos regimes jurídicos do
contrato atípico de ALD e de locação financeira, não pode, salvo melhor
opinião, extrapolar-se para a aplicabilidade da providência cautelar prevista
no art.º 21º do DL 149/95 – diploma que prevê o regime jurídico da locação
financeira – ao contrato de ALD.(…)
Com efeito, vigora em termos de direito
processual um princípio de legalidade, nos termos do qual o direito de acesso
aos tribunais e a realização do direito subjectivo deve efectuar-se através da
“acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação
dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para
acautelar o efeito útil da acção” cfr. art 2º nº 2.
Assim,
não existindo um procedimento cautelar típico especialmente previsto para
“acautelar o efeito útil da acção”, quando está em causa o exercício dos
direitos conferidos no âmbito de um contrato de ALD, não é possível o recurso à
providência cautelar prevista no art.º 21º do DL 149/95 para o contrato de
locação financeira.
Com
efeito, nesta matéria, se o propósito do legislador fosse o de permitir aos
contraentes do contrato de ALD poderem usar do procedimento cautelar que está
consagrado para o contrato de locação financeira, não teria deixado de
consagrar esse propósito, ou alterando o DL 149/95 ou alterando o regime
jurídico da actividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor. Mas
não o tem feito, apesar das sucessivas alterações ao referido DL 149/95 e de,
ainda recentemente, ter revogado o regime jurídico desta actividade de aluguer
de veículos sem condutor, que estava consagrado no DL 354/86 de 26.10 (com
sucessivas alterações posteriores) consagrando um novo regime dessa actividade
no DL 181/2012 de 06.08, não pode deixar de se concluir que não é esse o
propósito do legislador. Aliás, se dúvidas existissem, elas eram dissipadas por
este último diploma pois nele o legislador expressamente excluiu a sua
aplicabilidade aos “contratos de prestação de serviços de aluguer de longa
duração, também designados de ALD ou renting” (cfr. art.º 1º nº 2 al. c) do
citado DL 181/2012” (Acórdão da Relação de Lisboa de 26/02/2015,
Processo n.º 1617/14.1T8SNT.L1-6-António
Martins; também, RL 13/05/2021, Processo n.º 9173/20.5T8LRS.L1-2, acima
citado; e RL 14/09/2021, Processo n.º 5769/21.6T8LSB.L1-A-7, acima citado).
Abrantes Geraldes conclui
também, que estão “fora do âmbito de aplicação da medida os
contratos de aluguer de veículos automóveis, o contrato de aluguer de longa
duração, vulgo ALD, ou o contrato de
compra e venda a prestações com reserva de propriedade.
A
mesma especificidade determina a inviabilidade desta medida para antecipar a
resolução de outos litígios, tal como o derivado da recusa de entrega do bem em
consequência da nulidade ou da anulabilidade do contrato.
O
uso da mesma providência também não serve para superar o periculum in mora ligado à perda da garantia patrimonial
relativamente às obrigações de natureza pecuniária que resultem do contrato”[32].
A “Natureza das Coisas” não permite aqui aplicar um regime específico de um contrato (locação financeira), que se justifica pelas suas especiais características e exigências, a outro tipo de contratos em que, apesar de algumas similitudes, a nota essencial é de diferenciação estrutural e de exigências.
Pode
mesmo dizer-se que o destino do regime do Decreto-Lei n.º 149/95 não é o de
servir como providência-tipo para as
situações de recuperação de automóveis, mas apenas dos veículos objecto de
locação financeira (já para não falar de outro tipo de bens/equipamento).
Por tudo o exposto (e assim dado resposta à primeira questão a resolver, dando razão ao Tribunal a quo), perante um contrato de locação operacional como o dos presentes autos, inexistindo um procedimento cautelar típico especialmente para ele previsto para acautelar o efeito útil da acção que venha a ser intentada e em que a ora Recorrente-Requerente pretenda fazer valer o que entende ser o seu direito perante o incumprimento de tal contrato, só pode concluir-se que o meio processual que tem ao seu dispor para o efeito é o procedimento cautelar comum, previsto nos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil.
**
Ultrapassada
a questão inicial, passemos à segunda, verificando da suficiência da matéria de
facto alegada para o preenchimento dos requisitos do decretamento da
providência cautelar.
O
artigo 362.º, n.º 1, do Código
de Processo Civil, dispõe que “sempre
que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente
reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou
antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito
ameaçado”.
Por
outro lado, nos termos do artigo 368.º, n.º 1, do mesmo Código, “a
providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do
direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”,
a não ser que o prejuízo para o requerido, resultante do seu deferimento,
exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (n.º
2).
Assim,
nos termos deste artigo 368.º
são requisitos cumulativos para decretar uma providência cautelar:
I
- a probabilidade séria da existência do direito que se pretende acautelar (fumus boni iuris);
II
- mostrar-se suficientemente fundado o receio da sua lesão (grave e
dificilmente reparável) (periculum in
mora);
III
- o prejuízo dela resultante não exceder consideravelmente o dano que se
pretenda evitar (numa dimensão de adequação, exigibilidade e proporcionalidade
em sentido estrito).
Assim,
partimos desta base, sublinhada por António
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, quando
afirmam que para “o
decretamento das providências basta que sumariamente (summaria cognitio) se conclua pela probabilidade séria da
existência do direito (fumus boni iuris)
e pelo receio justificado de que a demora cause prejuízo irreparável ou de
difícil reparação (periculum in mora).
O pressuposto da probabilidade séria supera os meros indícios, mas fica aquém
do nível de convicção necessário para decretar a inversão do contencioso (art.
369.º, n.º 1) e ainda mais longe do que se revela necessário para o
reconhecimento do direito na acção principal”[33].
Tendo sido dada resposta negativa à primeira questão, e não se suscitando dúvidas em concreto, quanto ao fumus boni iuris, caberia, portanto, à Requerente alegar e provar indiciariamente o periculum in mora.
Acompanhado o
decidido no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 13/05/2021[34]
(Processo n.º 9173/20.5T8LRS.L1-2-Jorge
Leal), e considerando que a “existência de fundado receio de lesão grave
e dificilmente reparável do direito constitui requisito comum às medidas
cautelares atípicas”, tem
de se ter presente que a “finalidade
específica das providências cautelares é precisamente a de evitar a lesão grave
e dificilmente reparável proveniente da demora na tutela da situação jurídica,
isto é, obviar ao periculum in mora.
A
este respeito, no que concerne à apreensão de automóveis no âmbito de
providências cautelares não especificadas, em situações idênticas à invocada
nestes autos (garantir a restituição do automóvel pelo locatário, uma vez
cessado o contrato), podem descortinar-se, no essencial, duas posições.
A
primeira defende que os interesses do locador do automóvel têm natureza
exclusivamente patrimonial, pelo que a sua violação pode ser ressarcida, se não
por reconstituição natural, pelo menos por meio do pagamento de uma
indemnização pecuniária (artigos 566.º, 1044.º e 1045.º do Código Civil).
Assim, o requerente/locador deve alegar e provar existir fundado receio de que
não conseguirá obter do locatário/requerido a reparação da lesão do seu
direito, designadamente, por exemplo, dada a insuficiência do património deste
ou o perigo do desaparecimento ou diminuição relevante dessa garantia
patrimonial. Para tal não chegará a simples invocação e prova de que o
requerido deixou de pagar as rendas e/ou se furta a restituir o veículo e que o
mesmo se degrada com o tempo e o uso (cfr., v.g., acórdão da Relação do Porto,
27.11.2003, processo 0335609; ac. da Rel. de Lisboa, 30.3.2004, 10813/2003-7;
Porto, 21.12.2004, 0426453; Lisboa, 14.4.2005, 3047/2005-8; Porto, 08.11.2005,
0524432; Lisboa, 04.7.2006, 5235/06-2; Porto, 19.4.2007, 0731622; Lisboa,
08.01.2008, 7956/2007-1; Porto, 11.9.2008, 0736163; Lisboa, 23.4.2009,
5937/08.6TBOER.L1-2; Lisboa, 08.10.2009, 3432/08.2TBTVD-A-L1-8; Coimbra,
28.4.2010, 319/10.2TBPBL.C1; Coimbra, 07.9.2010, 713/09.1T2AND.C1; Coimbra,
19.10.2010, 358/10.3T2ILH.C1; Lisboa, 10.02.2011, 5638/10.5TBOER.L1-6; Lisboa,
15.12.2011, processo 746/11.8TVLSB-A.L1-2, subscrito pelo ora relator e pelo
Exm.º 2.º adjunto; Coimbra, 13.11.2012, 460/12.7T2ILH.C1; Coimbra, 01.10.2013,
589/13.4T2AVR.C1; Guimarães, 15.10.2013, 716/13.1TBFAF.G1; Porto, 26.01.2016,
7401/15.8T8VNG.P1).
Dando
eco a esta corrente jurisprudencial veja-se, na doutrina, Marco Carvalho
Gonçalves, Providências Cautelares, ob. cit., p. 146, nota 391.
Tal
posição não é, porém, consensual. Parte significativa da jurisprudência defende
que o direito que, no essencial, o locador/requerente pretende acautelar é o
seu direito de propriedade, o direito ao uso, fruição e disposição de um bem
que lhe pertence, o automóvel, direito esse que não é relevantemente reparado
mediante o pagamento de uma indemnização; e a conduta relapsa do
locatário/requerido bastará para dar como suficientemente indiciado o sério
risco de esse direito ser irremediavelmente violado (cfr., v.g., Relação do
Porto, 30.10.2003, 0334866; Porto, 06.5.2004, 043252; Porto, 11.11.2004,
0434300; Évora, 08.3.2007, 94/07-3; Évora, 24.4.2008, 820/08-3; Porto,
18.6.2008, 0833386; Porto, 24.9.2009, 4481/09.9TBMAI.P1; Évora, 21.10.2009,
1105/09.8TBOER.E1; Évora, 14.4.2010, 46/10.0TBABF.E1; Lisboa, 12.10.2010,
5549/09-7; Lisboa, 18.11.2010, 339/10.7TBSSB.L1-8; Lisboa, 26.02.2015,
1617/14.1T8SNT.L1-6; Porto, 20.4.2017, 575/17.5T8VNG.P1; Lisboa, 06.7.2017,
978/17.5T8CSC.L1-2; Porto, 07.01.2019, 903/17.3T8VNG.P1).
Também
releva a tese defendida no acórdão da Relação de Coimbra, de 28.11.2018, processo
3440/17.2T8LRA.C1, no qual se realçou que, sendo o direito a acautelar o da
restituição da coisa locada ao locador, constituiria periculum in mora
relevante o fundado receio de dissipação ou ocultação do veículo a restituir,
por parte do locatário.
Conforme
se disse, a decretação da providência cautelar (não especificada) pressupõe a
existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do
direito. Só esta justifica a urgente, provisória e por vezes não contraditada
intromissão do tribunal na esfera jurídica do requerido, correndo-se o risco de
se praticar um ato posteriormente qualificado de injustificado (artigos 363.º,
366.º, 374.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Apenas
merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as
lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação.
Quanto aos prejuízos materiais, “o critério deve ser bem mais restrito do que o
utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que,
em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de
reconstituição natural ou de indemnização substitutiva” (cfr. Abrantes
Geraldes, Temas da reforma do processo civil, III volume, 2.ª edição, Almedina,
páginas 84 e 85). Relativamente a este último tipo de danos, deverão ser
ponderadas “as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou
menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos
prejuízos eventualmente causados” (Abrantes Geraldes, citado, pág. 85).
A
requerente é uma sociedade”
que se dedica à “Compra, venda, aluguer, manutenção e reparação de máquinas e
veículos automóveis” e à “Intermediação de crédito, procedendo à compra de
veículos automóveis, devidamente configurados e personalizados pelos seus clientes,
com o propósito único de ceder a estes o seu gozo e utilização, mediante o
pagamento de uma prestação mensal
Ora, o “automóvel a
apreender constitui um bem cujo significado se reduz ao seu valor económico,
seja na vertente de bem transacionável, seja de bem capaz de produzir um
determinado rendimento enquanto bem locável. Estão em causa, assim, interesses
meramente pecuniários, cuja lesão (emergente da perda do veículo ou da demora
na sua recuperação) pode ser perfeitamente reparada mediante a prestação de uma
indemnização em dinheiro (art.º 566.º do Código Civil). Reparação essa aliás
expressamente prevista no contrato (…)
e no regime da locação (artigos 1044.º e 1045.º do Código Civil).
Note-se
que a circunstância de o veículo perder valor ao longo do tempo, seja pela
perda de “modernidade” das suas características, seja pelo seu desgaste, é
fator normal, que necessariamente é tido em consideração pela locadora na
fixação das contrapartidas pecuniárias que cobra aos locatários, nomeadamente
na avaliação do valor residual do veículo para efeitos de exercício da opção de
compra pelo locatário.
Assim,
a reparabilidade da lesão afere-se pela suficiência ou insuficiência do
património do requerido ou pelo perigo do desaparecimento ou diminuição relevante
dessa garantia patrimonial (art.º 601.º do Código Civil)”.
Por
isso, surge depois no sumário do Acórdão que, ainda “que se considere que
o direito que há que garantir é o direito à restituição da viatura locada, a
antecipada restituição só se justificaria se se indiciasse fundado receio de
extravio, de destruição ou de séria danificação da mesma”.
Ora, ancorada como estava e vinha na pretensão de que não teria de se preocupar com o periculum in mora (na defesa da aplicabilidade analógica do regime do artigo do Decreto Lei n.º 149/95), os factos alegados, efectivamente, acabam por ser insuficientes “para se dar como assente a ocorrência de fundado receio de que a lesão do direito invocado pela requerente será dificilmente reparável. A não disponibilização do veículo à requerente, se fosse considerada ilícita, acarretaria prejuízos facilmente contabilizáveis e ressarcíveis em termos pecuniários, sendo certo que nada foi alegado nem se indiciou no sentido de [o]a requerida[a] não ter condições económicas para os suportar”.
Por outro
lado, assentar
o destino da providência apenas no risco de desgaste do veículo é insuficiente,
pois que este
“é inerente ao gozo próprio da locação,
tendo como contrapartida o pagamento das rendas, sendo que a falta da atempada
entrega não privará, só por si, a locadora de receber a correspondente
compensação monetária, de modo que, salvo melhor opinião, haverá que demonstrar
um risco superior ao normal, «impondo-se, assim, a alegação de que conduta do
locatário torna impossível ou muito difícil o ressarcimento dos prejuízos pela
locadora, em consequência da demora da entrega do veículo» (Ac. Rel. do Porto,
de 19-04-2007 (Rel. Fernando Baptista), em www.dgsi.pt)”[35].
Nada
resulta alegado no sentido do uso negligente do veículo, da sua anormal
deterioração (mesmo o que respeita ao incumprimento das inspecções, sempre
haveria que indicar os prazos em que estas deveriam ser feitas e o seu atraso),
do mesmo modo que nada se alega quanto à falta de meios para pagar, por parte
do Requerido (há que articular factos concretos evidenciadores da precariedade
da situação económico-financeira do Requerido e, na sua ausência, não pode o Tribunal,
oficiosamente, presumir que este não dispõe de meios que lhe permitam suportar
os prejuízos patrimoniais que a situação provoca à Requerente[36]).
Assim, a proprietária-locadora
do veículo tem de alegar (e demonstrar indiciariamente) um fundado receio de
que não conseguirá obter do incumpridor locatário/requerido a reparação da
lesão do seu direito, designadamente por insuficiência do património deste
último ou o perigo de desaparecimento ou diminuição relevante dessa garantia
patrimonial (sendo que -reafirma-se- ainda
que se considere que o direito a garantir é, em primeira linha, o direito à
restituição da viatura locada, esta restituição só se justificará se se
indiciar fundado receio de extravio, de destruição ou de séria danificação e
também para isso é necessário articular factos).
Nesta base, a conclusão a tomar quanto à segunda questão é também no sentido de que foi seguido e fundamentado de forma pertinente e assertiva pelo Tribunal a quo[37]: há uma clara insuficiência da matéria de facto para permitir o decretamento da providência cautelar, também aqui improcedendo a pretensão recursória da Requerente.
*
Já
quanto à terceira questão, a Recorrente tem total razão.
De
facto, perante a situação descrita e no momento liminar, o dever[38] do
julgador era, nos termos da alínea b] do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 590 do
Código de Processo Civil, convidar a Requerente a apresentar novo articulado,
aperfeiçoado, que suprisse as insuficiências e imprecisões detectadas na
exposição e concretização da matéria de facto inicialmente alegada.
O
Tribunal a quo optou pelo
indeferimento liminar, mas in casu
não estávamos diante de uma situação de manifesta improcedência.
Nessas
situações, citando Paulo Ramos de
Faria-Ana Luísa Loureiro, “a relação está devidamente descrita,
mas os factos não são idóneos à sustentação do efeito pretendido.
O
juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na
inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a
apresentar um relato de onde resulte a procedência da acção, como que sugerindo
a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma.
O
juiz está, sim, na posição do leitor – jurista, é certo – que, perante a
descrição de um acontecimento, deteta uma lacuna, um salto na crónica. Esta
falha narrativa quando não permite compreender a concreta tessitura da relação
material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta
estar completa, mas outros factores levem o leitor jurista a concluir o
contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados,
mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator
que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que
aquilo que foi factualmente narrado.
É um dos mais fortes indícios da insuficiência
(latente) da articulação dos factos”[39].
Neste
ponto, portanto, o Tribunal excedeu-se na conclusão que tomou, sendo certo que o
Requerimento Inicial apresentado, contém o “limite fáctico mínimo,
aquém do qual não é possível diligenciar no sentido”
do “aperfeiçoamento”,
a que se referem Abrantes Geraldes, Paulo
Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[40]: “Com
efeito e quanto ao autor, é imprescindível que o seu articulado revele
(individualize) a causa de pedir em que se baseia a respetiva pretensão”[41].
Embora a questão seja duvidosa no que concerne às consequências da falta de cumprimento deste dever processual do julgador[42], tem-se como acertada a posição defendida por Valter Pinto Ferreira, no sentido de que, não estando expressamente sancionada com nulidade (cfr. o artigo 195.º, n.º 1[43]), somos remetidos para o regime das irregularidades: “se de acordo estamos que o Código de Processo Civil não fulmina com a nulidade a omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento (nomeadamente no artigo 590.ᵒ), só podemos concluir estarmos perante uma irregularidade, o que imediatamente afasta, do nosso ponto de vista, a tese de que a simples omissão daquele convite é geradora, de forma automática, de uma nulidade processual, ainda que secundária”[44].
Assim,
sendo uma irregularidade, ela pode vir a “produzir uma nulidade processual, mas
pode também nunca chegar a sê-la”[45],
dependendo da evolução do processo.
Em
concreto, essa nulidade foi gerada uma vez que a omissão teve uma clara
influência na decisão da causa, pelo que, a consequência, nos termos do n.º 2
do artigo 195.º, passa pela revogação do despacho de indeferimento liminar
proferido, substituindo-se por outro que convide a Requerente a apresentar novo
Requerimento Inicial no qual tenha em consideração o exposto nesta decisão e o
complete, concretizando factualmente a matéria em falta (sendo que, depois
disso, sempre haverá ainda que apreciar a questão da dispensa ou não da audição
liminar do Requerido).
**
O
recurso será, assim, julgado parcialmente procedente, no que concerne à
necessidade de ser formulado convite à Requerente para apresentar novo
Requerimento Inicial onde concretize factualmente, nos termos expostos, a
matéria respeitante ao periculum in mora.
Com
vista à posterior decisão de mérito do procedimento cautelar, após a Requerente
corresponder ao convite (ou decorrido o prazo para o efeito), o Tribunal a quo apreciará ainda - nesse momento - da
questão da audição liminar do Requerido.
***
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar parcialmente procedente a
apelação, substituindo-se a decisão recorrida por outra que convida a
Requerente/Recorrente a, no prazo de 10 dias (a contar da notificação que para
o efeito fará o Tribunal a quo assim
que o processo regressar à 1.ª Instância), apresentar novo Requerimento
Inicial, no qual melhor factualizará a matéria respeitante ao periculum in mora, nos termos expostos
na presente decisão.
Sem
custas, considerando a revogação da decisão sob recurso
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 10 de Maio de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
[1]
António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos,
Almedina, 1995, páginas 164-165.
[3]
Acoplados à
perspectiva sociológica (sempre importante na apreciação deste tipo de
matérias), que reconhece o consumismo
como cada vez mais inerente à natureza humana ("Oh, não discutam a
'necessidade'! O mais pobre dos mendigos possui ainda algo de supérfluo na mais
miserável coisa. Reduzam a natureza às necessidades da natureza e o homem
ficará reduzido ao animal: a sua vida deixará de ter valor. Compreendes por
acaso que necessitamos de um pequeno excesso para existir?" - escrevia de
forma certeira, Shakespeare, no seu
"Rei Lear").
[4]
Artigo 405.º
(Liberdade contratual)
1.
Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o
conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste
código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2.
As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios,
total ou parcialmente regulados na lei.
[5]
Enzo Roppo, O
Contrato, Almedina, 1988, páginas 309-310.
[6]
No Acórdão desta
Relação de 26/04/2022 (Processo n.º 2518/19.2T8OER-A.L1-subscrito por este
mesmo Colectivo) e na linha do Acórdão RL de 05/06/2003, aí citado,
assinalou-se que:
“-
o contrato de locação financeira (leasing) tendo como elementos caracterizadores a cedência do gozo
temporário de uma coisa pelo locador (a)),
a aquisição ou construção dessa coisa por indicação do locatário (b)), a retribuição correspondente à
cedência (c)) a possibilidade de
compra, total ou parcial, por parte do locatário (d)), o estabelecimento de prazo por convenção (e)) e a determinação ou determinabilidade do preço de cedência, nos
termos fixados pelo contrato (f)), não é nem uma compra e venda (porque a
propriedade não se transfere por mero efeito do contrato), nem uma locação típica (pois o locatário tem o direito de acabar
por adquirir o respectivo bem);
-
a renda a cujo pagamento o locatário fica vinculado não corresponde ao valor
locativo do bem (que não é a contrapartida da sua utilização, pois deve
permitir, dentro do período da vigência, a amortização do bem locado e cobrir
os encargos e a margem de lucro do locador por forma a facultar ao locatário,
findo o prazo do contrato, a aquisição do bem pelo seu valor residual);
-
enquanto que no contrato de locação as rendas correspondem a prestações
periódicas sucessivas, dependentes da duração do contrato (em termos de,
desaparecido o bem, desaparecer a obrigação), na locação financeira há
(economicamente) uma obrigação única do devedor (que corresponde ao custo do
bem, encargos e margem de lucro), com prestações fraccionadas no tempo;
- as rendas da locação financeira não têm a
natureza das rendas locatícias”.
[7]
Sob “o ponto de
vista económico-financeiro, o locatário tem uma “verdadeira” “propriedade útil”
do bem”, diz-se mesmo no Acórdão da Relação de Coimbra de 06/10/2015 (Processo
n.º 2677/12.5TBFIG.C1-António Carvalho
Martins).
[8]
É o próprio
legislador, aliás, que no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 285/2001, de 3 de
Novembro (que alterou o Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho), se refere à
realização de “operações de locação simples (também denominada «locação
operacional») de bens móveis, fora dos casos em que os bens lhes hajam sido
restituídos no termo do contrato de locação financeira”.
[9] Significativamente,
em termos de contabilidade, o Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
categoriza separadamente a locação financeira e a locação operacional,
indicando esta última como “uma locação que não seja financeira” e a primeira
como uma locação que” transfere substancialmente todos os riscos e vantagens
inerentes à posse de um activo. O título de propriedade pode ou não ser
eventualmente transferido” – cfr. a Norma Contabilística de Relato
Financeiro-NCRF 9, disponível em http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/SNC_projecto/NCRF_09_locacoes.pdf
[consultada a 04/05/2022].
Sobre a matéria, vd. Ana Rita Coutinho Mendes, Locações Operacionais Financeiras: a
utilização de locação de acordo com o setor de atividade-entidades cotadas no
Euronext Lisbon, Dissertação de Mestrado em Contabilidade, no Instituto
Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, disponível em https://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/13299/1/PDF%20-%20Tese%20Ana%20Mendes%20-%20Locaa%cc%81%e2%80%b0es%20Vers%e2%88%86o%20Provis%c2%a2ria.pdf
[consultado a 04/05/2022].
Sofia
de Oliveira Alves, Os efeitos da adoção das IAS/IFRS na
contabilização das locações, [em linha] Dissertação
apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em Contabilidade, Instituto Superior
de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro, 2011, disponível em
https://ria.ua.pt/bitstream/10773/8847/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_final.pdf
[consultado a 04/05/2022].
[10]
Hugo Freitas Ribeiro, O Contrato de Renting na Ordem Jurídica Portuguesa-Da natureza jurídica e da
dependência funcional entre o elemento locativo e a prestação de serviços,
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra na Área de Especialização em Ciências Jurídico Forenses, 2018, página
68.
Em termos de contextualização história,
ali se afirma que se trata de um contrato “que aludimos surgiu como meio de
resposta às necessidades de financiamento das empresas, integradas numa economia
em expansão, nos finais do século XIX, com o objetivo de facilitar a
operacionalidade dessas entidades económicas. Inicialmente sob a designação de leasing, surgia então um tipo contratual
que se caracterizava essencialmente como um contrato pelo qual era permitido o
desfrute temporário de um bem de equipamento, mediante retribuição, sendo
responsabilidade do locador a sua manutenção em boas condições de
financiamento”.
Posteriormente, veio a ser designado
como “leasing operacional (Leasing der ersten Generation), para se distinguir
do leasing financeiro (Leasing der zweiten Generation). Com isto é possível
concluir que o contrato que atualmente designamos por contrato de renting é
anterior à locação financeira, e que esta é “um fruto da evolução histórica do
mercado”, sendo aquele contrato a forma primitiva de leasing. O leasing
operacional tinha, nesta altura, a principal finalidade de evitar os riscos
inerentes à propriedade dos bens com a garantia de alguns serviços,
verificando-se desta forma uma alteração na forma como as empresas procuravam o
acesso a certos bens, sendo prática corrente, até então, o recurso a capitais
próprios, a compras a prestações, a mútuos bancários, o que acarretava a
assunção dos riscos inerentes à manutenção e à amortização dos bens.
É já nas décadas de sessenta e setenta
do século XX que o contrato, agora designado por renting, conhece algumas alterações estruturais e de conteúdo,
nomeadamente, passa a ser atividade principal de algumas sociedades comerciais,
consistindo num negócio em que as empresas, adquirindo parques de bens, os
colocam no mercado, com o intuito de os locarem a outras que deles necessitem
para desenvolverem a sua atividade comercial.
Surgem, desta forma, empresas que se
dedicavam à celebração de contratos de renting relativos a computadores,
fotocopiadoras, telefones e vagões.
O perfil específico do contrato de
renting, viu-se alterado quando, na década de noventa, se começou a utilizar o
contrato em negócios promovidos ante particulares, ou seja, com consumidores. O
mercado viu-se, desta forma, ampliado, fruto de uma maior oferta, o que fez com
que o leque de destinatários dos bens objeto do renting fosse colocado ao
alcance do público em geral, além das empresas e dos profissionais liberais.
Esta expansão resultou numa incorporação por parte das empresas do tipo
negocial na sua “carteira de produtos”, o que se veio a repercutir no tipo de
bens abrangidos pelo renting, que contava agora com bens de consumo duradouro,
em adição.
O contrato de renting, está atualmente
conexionado com a ideia de outsourcing nas empresas, sendo comum serem objetos
deste tipo contratual as frotas de automóveis, os equipamentos informáticos e
recursos tecnológicos, assim como outros bens instrumentais, o que facilita e
potencia aos empresários o foco na atividade principal das empresas, deixando a
gestão desses bens nas mãos de terceiros. De facto, estamos perante um contrato
que permite a qualquer empresário, particularmente, aos micro, pequenos e
medianos, poder contar com bens de capital de última geração, sem que ocorra
uma descapitalização, isto é, o dispêndio de importantes somas monetárias para
que tenham integradas no seu processo produtivo as ferramentas necessárias ao
desenvolvimento da atividade empresarial a que se dedicam.
Em virtude de este tipo contratual de
provisão de ferramentas ser extremamente flexível, resulta ser um instrumento
muito conveniente para os empresários que não pretendem adquirir um bem, sendo
que apenas possuem interesse na sua utilização, o que permite, desde logo, a
resolução de questões relativas à dotação de bens instrumentais, pelo que o
montante que é pago a título de renting se amortiza na medida em que vai
havendo produção por parte da empresa” (páginas 17 a 19).
[11]
Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, 2.ª
edição, Almedina, 2011, página 194.
No mesmo local, o Autor acrescenta – o
que será, à frente relevante para a concreta verificação da aplicabilidade do
regime do Decreto-Lei n.º 149/95 a outra tipologia de contratos (eventualmente à
locação operacional, como se pretende) – que “os contratos que, na prática
portuguesa vêm sendo denominados como ALD (aluguer de longa duração) se
reconduzem, na generalidade das circunstâncias, a contratos de locação
financeira que só não são como tal designados para evitar, em fraude à lei, à
aplicação de normas imperativas do regime do contrato de locação financeira,
designadamente o artigo 23.º do Decreto-lei n.º 149/95, que proíbe a celebração
habitual de contratos similares por entidades sem a qualidade de sociedades de
locação financeira”.
[12] Disponível em https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/acordaos/1spl/Documents/2011/ac002-2011-1spl.pdf
[consultado a 04/05/2022].
[13]
Assim, também,
RC 07/09/2021 (Processo n.º 4278/15.7T8CBR-F.1.C2-Maria João Areias).
[14]
Esta última
correspondendo à denominação internacional comum deste tipo de contrato (bem
como à utilização em termos publicitários).
Sobre esta questão semântica, Hugo Freitas Ribeiro diz, com interesse
que considerando “que a tradução literal de renting deriva em “arrendamento”,
que no ordenamento jurídico português encontra uma aceção bem definida,
enquanto contrato de arrendamento de coisas puro e simples, a remissão para a
tradução outras expressões como operative
leasing, apesar de colocar em evidência os elementos essenciais do contrato
(utilização temporária e prestação de serviços complementares), seria, a nosso
ver, suscetível de criar alguma assemelhação ao instituto do leasing (locação financeira), o que
repulsamos desde logo.
A opção passa, desta forma, por lançar
mão de uma designação que seja internacionalmente familiar, sendo que o termo “renting” parece o mais adequado,
justamente por evitar a expressão “leasing”
e porque, analisando a prática empresarial, este parece ser o termo mais
utilizado para identificar o negócio jurídico objeto do nosso estudo.
É, porém, certo que as expressões a que
nos referimos são habitualmente fonte de equívocos, havendo por isso quem
prefira a designação de locação operacional, em língua portuguesa.
Contudo, tratando-se de um contrato que
não está legalmente tipificado, adotamos o “renting”
como forma de colocar em relevo a autonomia conceitual que a praxis solicita,
não se levantando razões de fundo para se afastar tal expressão(…)” (O Contrato de Renting…, cit., página 16).
[15]
Repare-se que no
Preâmbulo do diploma se esclarece que se define o “regime jurídico do contrato
de locação financeira, visando adaptá-lo às exigências de um mercado
caracterizado pela crescente internacionalização da economia portuguesa e pela
sua integração no mercado único europeu. As empresas portuguesas deverão dispor
de um instrumento contratual adaptado a estas realidades, de modo a não verem
diminuída a capacidade de concorrência perante as suas congéneres estrangeiras.
Assim, a reforma introduzida no regime
jurídico do contrato de locação financeira visa, fundamentalmente, harmonizá-lo
com as normas dos países comunitários, afastando a concorrência desigual com
empresas desses países e a consequente extradição de actividades que é
vantajoso que se mantenham no âmbito da economia nacional.
Nesta ordem de ideias, salientam-se as
seguintes inovações principais:
Alarga-se o objecto do contrato a
quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação;
Simplifica-se a forma do contrato,
limitando-a a simples documento escrito;
Possibilita-se que o valor residual da
coisa locada atinja valores próximos de 50% do seu valor total;
Reduzem-se os prazos mínimos da locação
financeira, podendo a locação de coisas móveis ser celebrada por um prazo de 18
meses e a de imóveis por um prazo de 7 anos;
Enunciam-se mais completamente os
direitos e deveres do locador e do locatário, de modo a assegurar uma maior
certeza dos seus direitos e, portanto, a justiça da relação”.
[16]
Ao qual se refere Pedro
Pais de Vasconcelos na sua “Última Aula”, aquando da jubilação (Última
lição-A Natureza das Coisas,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - 16 de Maio de 2016, edição do
Autor): “A Natureza das Coisas recolhe o seu nome na tradicional Rerum Natura e pede-lhe emprestado algum
do seu sentido, mas com uma modificação profunda. Não é uma natureza que as
pessoas e as coisas tenham de permanente e imutável, determinada pelo Criador
na Criação, também não é o presente estado das coisas, seja ele qual for – é
algo de mais complexo.
Na esteira de Pufendorf, a Natureza das
Coisas distingue enthia physica e enthia moralia. Pufendorf diz, de modo
expressivo, que os enthia physica são
o que Deus fez e os enthia moralia
são o que o homem fez. É semelhante.
Os enthia
physica são as realidades do mundo físico, como diz a expressão, com que o
homem contacta e o envolvem, que o condicionam e que o limitam. São as coisas,
as pedras, os rios, as aves, as forças da natureza, a sequência dos dias e das
noites, as forças cósmicas, etc.
Os enthia
moralia são as realidades morais e culturais em que as pessoas vivem, os
usos, os costumes e as ideologias, a maneiras de viver, as religiões, as éticas
e as morais, as estéticas, as ciências, a memória e a história, etc.
Tanto os enthia physica como os enthia
moralia limitam, influenciam e condicionam a acção humana na vida. O
Direito, como disciplina ética que é, realiza-se em comportamentos e ações
humanas e, por isso, é também limitado, influenciado e condicionado pelos enthia physica e pelos enthia moralia que constituem a Natureza
das Coisas. Esta é a consequência trivial da verdade nada trivial de que o
Direito só rege sobre pessoas e só pode o que as pessoas puderem.
E assim, é totalmente ineficaz uma lei
ou um comando jurídico que revogue a lei da gravidade, que proíba que o
quadrado da hipotenusa seja igual à soma do quadrado dos catetos ou revogue a
lei da morte ou que ordene a felicidade de todos. É impossível.
Não é, já ineficaz, mas é insensata,
uma lei ou um comando jurídico que determine o que é perigosos ou imprudente,
que decrete, por exemplo, limites de velocidade de circulação na estrada que
sejam irrazoáveis, impostos injustos, políticas criminais contraproducentes,
qualifique como crimes condutas que não atentem contra o bem comum nem contra a
vida em sociedade e que a generalidade das pessoas considera lícitas e
aceitáveis.
Os enthia
physica e os enthia moralia tanto
limitam e forçam, como condicionam e influenciam o Direito” (páginas 8-9).
[17] Pedro Pais de Vasconcelos, Última lição…, cit., página 11.
[18] Pedro Pais de Vasconcelos, Última lição…, cit., página 17.
[19]
“A locação
financeira está reservada a determinadas pessoas jurídicas do sistema
financeiro; o locador financeiro tem que ser um banco ou uma sociedade de
locação financeira (SLF) constituída nos termos do Decreto-Lei n.º 72/95,
entidades que estão sujeitas ao rigoroso e imperativo RGICSF (artigo 4º do Decreto-Lei
n.º 72/95 e artigo 4º, n.º 1, alínea b) e 8º n. 2 do RGICSF ( DL n.º 298/92, de
31 de Dezembro), que passa pela concessão de autorização pelo Banco de Portugal, tendo em conta a particular
natureza da actividade financeira que tais entidades desenvolvem” (RC
06/10/2015, Processo n. 2677/12.5TBFIG.C1–António
Carvalho Martins).
[20] Esta relevância
social é importante, pois, cada vez mais, se trata de um tipo contratual assim
entendido por particulares e empresas, para gerir custos e necessidades.
[21] Como se decidiu no já
citado Acórdão desta Relação de 26/04/2022 (Processo n.º
2518/19.2T8OER-A.L1-subscrito por este mesmo Colectivo).
[22]
Não só quem
contrata quer, precisamente, fugir aos contratos de financiamento, como é assim
que o contraente cidadão ou empresa faz a gestão dos seus custos e da sua
contabilidade (como já vimos, também).
Como se refere no já citado Acórdão de
21/01/2011, do Tribunal de Contas: “o locador é um financiador, que, na
ausência de interesse ou possibilidade do fornecedor e do locatário em
suportarem o empate de capital necessário, aceita fazer o investimento, sendo
por ele remunerado. O financiamento efectuado pelo locador é o elemento central
do regime jurídico da locação financeira, determinando que a mesma só possa ser
efectuada por instituições de crédito e justificando uma compressão do direito
de propriedade do locador. O vendedor ou fornecedor do bem, apesar de não ser
parte do contrato de locação financeira, integra a operação global de estrutura
triangular e é essencial à caracterização do contrato. Ao invés, e como também
já vimos, no contrato de locação operacional os sujeitos são apenas dois: o
simultaneamente produtor, proprietário e locador e o locatário”.
[23]
Já se viu como
para efeitos de Contabilidade a diferença é feita (e percebe-se porquê), o
regime da locação e do Código Civil tem institutos de há muito trabalhados e
consolidados, há um regime tipo que se entendeu criar (o da locação financeira)
e que nunca se entendeu alargar (é, aliás, significativo que que o próprio DL
n.º 285/2001, de 03 de Novembro -que alterou vários diplomas conexionados- e
onde se faz alusão ao leasing operacional num aditamento ao Decreto-Lei n.º
72/95, de 15 de Abril -diploma que regula as Sociedades de Locação Financeira-
tenha “mantido as distâncias” entre estas figuras jurídicas, não alargando o
âmbito do DL 149/95, podendo tê-lo feito).
[24]
Artigo 21.º
(Providência cautelar de entrega judicial)
1 - Se, findo o contrato por resolução
ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário
não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de
cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica
sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar
consistente na sua entrega imediata ao requerente.
2 - Com o requerimento, o locador
oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do
pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do
registo, a efectuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via
electrónica.
3 - O tribunal ouvirá o requerido
sempre que a audiência não puser em risco sério o fim ou a eficácia da
providência.
4 - O tribunal ordenará a providência
requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos
requisitos referidos no n.º 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste
caução adequada.
5 - A caução pode consistir em depósito
bancário à ordem do tribunal ou em qualquer outro meio legalmente admissível.
6 - Decretada a providência e
independentemente da interposição de recurso pelo locatário, o locador pode
dispor do bem, nos termos previstos no artigo 7.º
7 - Decretada a providência cautelar, o
tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto
quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os
elementos necessários à resolução definitiva do caso.
8- São subsidiariamente aplicáveis a
esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas
no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado
no presente diploma.
9 - O disposto nos números anteriores é
aplicável a todos os contratos de locação financeira, qualquer que seja o seu
objecto.
[25]
Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1994 (Cardona Ferreira), publicado na Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 127.º, n.º 3844, página 173.
[26] José de Oliveira Ascensão, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 3.ª
edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, página 323.
[27] José de Oliveira Ascensão, O Direito…, cit. página 347.
[28] José de Oliveira Ascensão, O Direito…, cit., página 348.
[29]
Marco Carvalho Gonçalves, Providências
Cautelares, 4.ª edição-reimpressão, Almedina, 2021, página 144.
No
mesmo sentido, RL 28/04/2009 (Processo n.º 2577/08.3TBBRR.L1-1-António Antas de Barros), 20/05/2010
(Processo n.º 5046/09.0TBOER.L1-6-Carlos
Valverde)
[30]
Ou -como já se
decidiu- para o contrato promessa de locação financeira (cfr. RC 12/04/2018,
Processo n.º 5832/17.8T8VIS.C1-Jorge
Arcanjo).
[31]
Que, como acima
se disse, Carlos Ferreira de Almeida
tratava como um leasing em fraude à
lei.
[32] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV
volume-Procedimentos Cautelares Especificados (3.ª edição revista e aumentada),
Almedina, 2006, página 330.
[33]
António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires
de Sousa,
Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, página 448.
[34]
Que segue de
perto, actualizando-o, o Acórdão da mesma Relação e Relator de 15/12/2011
Processo n.º 746/11.8TVLSB-A.L1-2).
[35] RL 24/04/2009
(Processo n.º 5937/08.6TBOER.L1-2-Tibério
Silva).
[36]
Neste sentido,
vd. RL 08/01/2008 (Processo n.º 7956/2007-1-Rui
Torres Vouga).
[37]
“Quanto à
alegação de tais factos, e após a leitura atenta do articulado apresentado pela
requerente, nada se retira que seja capaz de satisfazer a exigência legal de
alegação dos mesmos, a requerente nada alega quanto às condições de vida do
requerido, ou seja, nada revela saber sobre a sua situação económica e
consequentemente sobre a maior ou menor capacidade de reconstituição da
situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados, nem alega
quaisquer outros factos que possam consubstanciar a dificuldade de reparação da
lesão (cfr. artigo 5º nº 1 e 362º do CPC).
Na
verdade, não basta alegar que o requisito em causa preenche-se com a falta de
pagamento das prestações mensais a que o requerido se encontrava obrigado.
É
que o não pagamento dessas prestações, apenas indicia que o requerido terá
falta de liquidez imediata para proceder ao pagamento de valores mensais de €
651,49, o que pode ser consequência de perda de emprego ou por outra situação
que se desconhece, ou simplesmente, porque entende não serem devidos esses
valores por força do contrato, repare-se que os valores que a requerente alega
estarem em dívida dizem respeito a períodos após o termo do contrato, que terá
findado em 19 de setembro de 2021, pois as faturas cujo pagamento a requerente
reclama respeitam aos meses de novembro e dezembro de 2021 e janeiro de 2022.
Ademais,
o facto de alguém não ter liquidez imediata para pagamento de valores como os
que a requerente exige ao requerido, não quer significar que não tenha
património (ex: imobiliário), que em sede executiva possa ser liquidado para
pagamento de eventual indemnização devida, in casu à requerente, pois
desconhecesse de todo a situação do requerido, se tem emprego, se tem
património imobiliário ou mobiliário, pois nada foi alegado pela requerente que
permita, ainda que minimamente, aferir da sua situação económica e que permita
concluir pela lesão dificilmente reparável.
Em
suma, nada foi alegado que, a ser indiciariamente provado, possa preencher o
requisito referido, não tendo sido alegados quaisquer factos que preencham o
requisito da lesão dificilmente reparável(…)”.
[38]
E não há, hoje,
dúvidas de que se trata de um dever, em face do “Incumbe”, que consta do n.º 4,
do artigo 590.º.
[39] Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo
Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, 2.ª edição,
Almedina, 2014, páginas 521-522.
[40]
António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires
de Sousa,
Código…, cit., página 704.
[41]
António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires
de Sousa,
Código…, cit., página 704.
[42]
Sobre esta
matéria, veja-se o completo e elucidativo trabalho de Valter Pinto Ferreira, Convite ao aperfeiçoamento: o momento
processual e a consequência da omissão, publicado na Julgar on line, janeiro 2020, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/01/20200125-ARTIGO-JULGAR-Convite-ao-aperfei%C3%A7oamento-Valter-Ferreira.pdf
[consultado a 04/05/2022].
[43] Artigo 195.º (regras
sobre a nulidade dos actos)
1
- Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a
lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei
prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a
irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2
- Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes
que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica
as outras partes que dela sejam independentes.
3
- Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não
se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se
mostre idóneo.
[44]
Valter Pinto Ferreira, Convite…, cit., página 9.
[45]
Valter Pinto Ferreira, Convite…, cit., página 14.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.