Processo n.º 1832/17.6T8TVD-B.L1
Tribunal a quo
Tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa Norte-Juízo de Família e Menores de Torres Vedras
Recorrente
A…
Recorrido/a(s)
L…
Ministério
Público
*
Sumário:
I – A
síntese exigida na elaboração das Conclusões em sede de recurso, em nada
beneficia os próprios propósitos de quem recorre uma vez que, em vez de ajudar
à compreensão do que pretende, apenas complexifica, confunde e, como tal,
prejudica.
II – A
impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma
manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade,
razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de
Processo Civil:
- a indicação motivada (sintetizada nas
Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados–n.º 1, alínea a); - a especificação dos
concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com
a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que
imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo
uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
III – Tendo
sido requerida, apreciada e fundamentadamente decidida em despacho prévio ao
início da audiência de julgamento a (não) audição de uma criança de 8 anos a
propósito da regulação das responsabilidades parentais que lhe respeitam, sem
que dele tivesse sido interposto recurso, a matéria não pode ser objecto de
recurso na decisão final do processo, a não ser que tivesse ocorrido alguma
alteração dos pressupostos da decisão.
IV – Constituição,
Convenção dos Direitos da Criança, Código Civil e Lei de Protecção de Crianças
e Jovens em Perigo criam um sistema que permite adaptar as necessidades de
protecção do superior interesse da criança aos concretos perigos que sobre esta
incidam.
V – Os princípios
da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental, da
prevalência da família e da continuidade das relações psicológicas profundas,
estão também presentes nas decisões a tomar quanto à guarda das crianças, no
âmbito dos processos de regulação das responsabilidades parentais (de forma a
que qualquer intervenção respeite o direito da criança à preservação das
relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o
seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer medidas que
garantam a continuidade de uma vinculação securizante).
VI – O
acordo dos pais não é condição
necessária para a fixação de um regime de residência alternada, mas apenas um dos factores que
têm de ser considerados (sendo que, existindo, se torna muito mais facilitador
de todo o processo).
VII – A
residência alternada promove o exercício da parentalidade positiva e uma
consistente convivência com ambos os progenitores, colocando-os em plano de
igualdade, podendo ser um factor relevante de pacificação de tensões e
conflitos.
VIII – O
estabelecimento de um adequado período prévio de adaptação (sereno,
equilibrado, temporizado) ao regime de guarda conjunta com residência alternada
é conveniente, podendo ser fulcral para o êxito da medida.
IX – A
presença física constante e em pé de igualdade dos dois progenitores na vida da
criança gera vivências únicas e irrepetíveis ao(s)/à(s) filhos/as, sendo este contributo
que os/as faz crescer, estruturar e ganhar identidade própria. Isso será, em
cada caso, a concretização do “superior interesse do menor”.
X – Os eventuais desconfortos e
incómodos inicialmente provocados pela implementação da residência alternada,
correspondem à implementação das novas rotinas e ao desenvolvimento de novas
dinâmicas familiares que ajudam ao crescimento e vivência da criança, no
contexto de uma efectiva partilha de responsabilidades por parte dos
progenitores.
Relatório
L…
veio requerer a alteração do exercício das responsabilidades parentais do menor F---,
contra A---, considerando o regime de regulação vigente
desde 28/11/2017 (que estabelece a residência da menor junto da mãe) deve ser
alterado por terem ocorrido circunstâncias supervenientes que o justificam
(está agora reformado, com total disponibilidade e liberto obrigações laborais,
podendo tornar-se um pai mais presente, sendo que o menor também o deseja).
A pretensão do Requerente passa pelo
estabelecimento de uma residência alternada semanal e pela divisão dos períodos
de férias escolares do ... em iguais termos entre os progenitores;
Citada a Requerida, apresentou as suas
alegações, defendendo a manutenção do regime vigente, referindo que a situação
profissional do Requerente não se alterou de forma relevante e que quando está
com o pai, o ... convive também com os irmãos mais velhos (41 e 23 anos de
idade), mas apenas em refeições em restaurantes, sendo que estes (pai e irmãos)
nunca acompanharam de forma próxima, o seu dia-a-dia e crescimento, nem as suas
rotinas, os seus passatempos, os seus interesses e as suas necessidades.
E mais refere que o Requerente tem
três casas e que alterna entre elas com o menor, independentemente de este ter
aulas no dia seguinte, sendo que
Por seu turno, ela, mãe, acompanha o
dia-a-dia do filho, bem como a irmã mais velha e avós maternos, com quem ele
tem uma ligação muito forte.
Não havendo acordo em Conferência de
Pais e realizada audição técnica especializada, apenas logrou acordo quanto ao
pagamento da repartição das despesas.
Apresentadas alegações e prova,
realizou-se a Audiência de Julgamento sendo proferida Sentença na qual se
decidiu alterar “o
regime da regulação das responsabilidades parentais constante da sentença de
28.11.2017 em relação ao menor ... T, nos seguintes termos:
Cláusula 1- O Exercício das Responsabilidades
Parentais relativo aos atos da vida corrente do menor F… ficam a cargo da
progenitora, com quem o menor fica a residir até 31.8.2022.
Cláusula 2 – A partir de 4 janeiro de
2022 o menor passará com o pai fins-de-semana alternados, desde sexta-feira a
segunda-feira, indo para tanto o pai buscar o menor à sexta-feira à escola,
após as atividades letivas, e entregará o menor na segunda-feira de manhã, na
escola no início das atividades letivas.
O menor passará ainda as terças-feiras
com o pai, devendo este buscar o menor à escola após as atividades letivas, e o
pai entregará o menor à quarta-feira de manhã, na escola.
Cláusula 3 - A partir de 18 abril de
2022 o menor passará com o pai fins-de-semana alternados, desde sexta-feira a
terça-feira, indo para tanto o pai buscar o menor à sexta-feira à escola, após
as atividades letivas, e entregará o menor na quarta-feira de manhã, na escola
no início das atividades letivas.
O menor passará ainda restantes
terças-feiras com o pai, devendo este buscar o menor à escola após as
atividades letivas, e o pai entregará o menor à quarta-feira de manhã, na escola
ou, caso não haja, escola em casa da progenitora.
Cláusula 4 – A partir de 1 de setembro
de 2022 o menor F… fica a residir em semanas alternadas com cada um dos pais.
A semana que cabe a cada um dos
progenitores inicia-se à 6.ª-feira no final das atividades letivas ou quando
não as houver a partir das 18.30 horas, sendo o progenitor com quem o menor
inicia a semana a ir buscar o menor à escola ou se o mesmo não tiver atividades
letivas a casa do outro progenitor ou em local a acordar entre ambos os progenitores.
Na semana que couber a um dos
progenitores, o outro progenitor irá buscar o menor às terças-feiras no final
das atividades letivas à escola ou quando não houver escola ficará com o menor
à terça-feira (cabendo ao progenitor com quem o menor estiver a passar a semana
entregar o menor) a partir da hora a acordar entre ambos os progenitores ou na
falta de acordo às 8.30 horas de terça-feira em sua casa ou em local a acordar
entre ambos, e entregará o menor na quarta-feira de manhã na escola ou na casa
do respetivo progenitor (a hora a acordar entre ambos os progenitores ou na
falta de acordo às 8.30 horas) ou em local a acordar entre ambos os
progenitores (a hora a acordar entre ambos os progenitores ou na falta de
acordo às 8.30 horas).
Cláusula 5 – A partir de 18 de abril de
2022, o progenitor contribuirá com a quantia de 180,00€ (cento e oitenta euros)
mensais, a título de pensão de alimentos para o menor, até ao dia 8 de cada
mês, mediante transferência bancária ou depósito para a conta da progenitora, cujo
IBAN já é do conhecimento do progenitor.
Cláusula 6 - A partir de 1 de setembro
de 2022, o progenitor contribuirá com a quantia de 115,00€ (cento e quinze
euros) mensais, a título de pensão de alimentos para o menor, até ao dia 8 de
cada mês, mediante transferência bancária ou depósito para a conta da progenitora,
cujo IBAN já é do conhecimento do progenitor.
Cláusula 7 – No mais, mantêm-se as
demais cláusulas constantes do regime da regulação das responsabilidades
parentais em vigor constantes das sentenças de 28.11.2017 e 19.11.2020 que não
estejam em contradição com as alterações agora fixadas”.
É desta decisão que a Requerida apresentou Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
1)
Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida nos autos em epígrafe
que, no que tange à residência da criança, alterou o regime da regulação do
exercício das responsabilidades parentais constante da Sentença proferida a
28/11/2017 em relação ao menor F…, filho dos ora Recorrente e Recorrido, para
um regime de residências alternadas semanais, a partir de Setembro de 2022.
2)
O presente recurso abrange Matéria de Direito e também Matéria de Facto
porquanto a Recorrente entende ter existido erro na apreciação da prova
produzida e na decisão acerca da matéria de facto, pelo que se impugna, nos
termos do disposto no art. 640.º, n.º 1 e 2 do CPC, a decisão proferida sobre a
matéria de facto, nos pontos que adiante se indicarão,
3)
Mais entendendo existir, ainda, nos termos do disposto no art. 639.º do CPC um
erro notório na aplicação do Direito aos factos por parte do Mmo. Tribunal
recorrido. Assim,
4)
Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende ter existido erro na
apreciação da prova produzida e na decisão acerca da matéria de facto por parte
do Mmo. Tribunal a quo, tendo sido dados como provados que não deveriam ter
sido, o que viola expressamente o princípio da livre apreciação de prova,
previsto no art. 396.º do Código Civil e art. 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC.
5)
Assim, nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, Recorrente impugna a
decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos que de seguida se
explicitarão.
6)
Começando pelos factos elencados na Sentença no ponto 5.1.27 do elenco dos “Factos
provados”, entende a Recorrente que os mesmos foram incorrectamente julgados, porquanto
não foi produzida qualquer prova documental, testemunhal ou outra que permitisse
ao Tribunal recorrido considerar como provado que o Recorrido “(...) pode
contar com o apoio da sua atual companheira que se encontra disponível para o
acompanhar na prestação de todos os cuidados que o menor F…necessite”,
7)
Sendo as únicas referências que decorrem da prova produzida nos autos à actual companheira
do Recorrido que a mesma reside com o Recorrido e que o ... tem um bom
relacionamento com a mesma.
8)
Com efeito, estas duas conclusões factuais são as únicas informações a respeito
da companheira do Recorrido que constam do Relatório sobre Audição Técnica
Especializada,
9)
Tendo as mesmas sido posteriormente confirmadas pelo próprio Recorrido, nas
declarações de parte que prestou no âmbito da audiência de discussão e
julgamento (cfr. audiência de julgamento realizada a 09/09/2021, gravação:
06m:04s e 09m:23s, registadas em suporte digital n.º
20210909103329_5952475_2871241).
10)
Nada foi referido quanto à disponibilidade da companheira do Recorrido para apoiar
este ultimo nos cuidados a prestar aos seus filhos.
11)
O que, aliás, só poderia ser provado através do depoimento da própria, pelo
que, não tendo a mesma sido arrolada como testemunha, nunca poderia aquele
facto ter sido dado como provado.
12)
Este aspecto é tanto mais importante para a questão em discussão nos presentes
autos porquanto, nada tendo sido provado acerca da disponibilidade da
companheira do pai para auxiliar este último na prestação de cuidados ao F…,
deverá necessariamente concluir-se que o Recorrido não dispõe de qualquer tipo
de estrutura de apoio que o auxilie naquelas tarefas,
13)
já que foi – e bem – considerado não provado que os dois filhos do recorrido já
maiores de idade apoiassem o Recorrido a cuidar dos irmãos (cfr. ponto 5.2.4.
do elenco dos “Factos não provados”),
14)
Cingindo-se os contactos entre o ... e os irmãos a meros jantares pontuais em
casa do Recorrido, quando aqueles têm disponibilidade, nunca tendo até aqui os
irmãos mais velhos prestado quaisquer cuidados ao ..., não tendo acompanhado o
seu crescimento, as suas rotinas, os seus interesses e necessidades (cfr.
pontos 5.1.56, 5.1.57, 5.1.58 e 5.1.59 do elenco dos “Factos provados”).
15)
Perante isto, deverá concluir-se que não ficou provado nos presentes autos que
o Recorrido dispusesse de qualquer estrutura que lhe sirva de auxílio na
prestação de cuidados diários às crianças.
16)
Este facto, por sua vez, é particularmente relevante nas circunstâncias in
casu, uma vez que o Recorrido tem actualmente 70 anos de idade e nunca até aqui
assegurou os cuidados diários de nenhuma criança com regularidade e
permanência,
17)
Tendo sido o próprio a identificar fragilidades no exercício das funções
parentais no passado, conforme decorre do Relatório sobre Audição Técnica
Especializada, junto aos presentes autos a 15/07/2020.
18)
Perante isto, entende a Recorrente que a Sentença recorrida julgou
incorrectamente os factos dados como provados no ponto 5.1.27, verificando-se
um erro notório na apreciação da0 prova por parte do Mmo. Tribunal a quo,
relativamente a este segmento decisório.
19)
Também os factos constantes do ponto 5.1.89 dos “Factos Provados”, além de
estarem em expressa contradição com a restante factualidade dada como provada,
contrariam igualmente aquilo que resulta expressamente da prova produzida, em
concreto, das declarações de parte prestadas quer pela ora Recorrente, quer
pelo ora Recorrido, bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas no
processo.
20)
Da prova produzida nos presentes autos resultou demonstrado que as partes não conseguem
entender-se no que aos assuntos de particular relevância para a vida da criança
diz respeito.
21)
Foram dados como provados na Sentença de que ora se recorre vários exemplos
concretos dessa falta de comunicação entre os progenitores em vários assuntos
de particular relevância para a vida do ..., e mesmo em questões da vida
corrente.
22)
Conforme resulta em concreto dos pontos 18, 19, 36, 44 dos “Factos provados”,
desde 2019 a esta parte, por força da oposição do Recorrido em dois anos seguidos
a que o menor continuasse a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino que sempre
frequentara até então, foi necessário recorrer a dois processos judiciais para
dirimir o diferendo entre as partes.
23)
É por isso evidente que, independentemente da solução compromissória alcançada
através do acordo que pôs termo aos dois processos, os pais do ... têm
concepções muito distintas acerca do projecto educativo que entendem ser o
melhor para a criança, e prioridades também muito distintas a esse nível.
24)
Sendo evidente também que, se foi necessário recorrer à intervenção judicial em
duas circunstâncias distintas, a conclusão nunca poderá ser a de que existe a
comunicação necessária entre os progenitores, mas precisamente o contrário.
25)
Também do ponto 37 da factualidade provada resulta que nas férias de Verão do
ano de 2019 houve um desentendimento entre as partes relativamente ao dia de
entrega do ... à Recorrente depois das férias com o pai.
26)
Tendo sido igualmente considerado provado que a Recorrente contactou a polícia
que, por seu turno, contactou o Recorrido telefonicamente, tendo este informado
que não entregaria a criança (Cfr. ponto 96. dos “Factos provados”).
27)
Pelo que, independentemente de não ter sido dado como provado que o Recorrido incumpriu
com aquilo que havia acordado com a progenitora relativamente à repartição das férias
nesse ano e que tal circunstância provocou instabilidade e tristeza na criança
(cfr. ponto 10. dos “Factos não provados”), resulta também evidente destes
pontos em concreto da factualidade dada como provada que os progenitores não
conseguem entender-se entre si, persistindo as dificuldades de diálogo e
entendimento.
28)
Também dos pontos 38 e 83 e 84 dos “Factos provados” se conclui que não existe
dialogo e capacidade de consensualização entre os pais do …, tendo o Recorrido,
em Setembro de 2019, após ter sido acordado que o menor em 2019 permaneceria na
Escola M… no ano lectivo, deixado de comparticipar 50% das despesas de saúde do
..., como até aqui sucedera.
29)
E “A partir de Setembro de 2020 deixou de comparticipar na totalidade a
mensalidade do colégio do menor”.
30)
Só um ano mais tarde, e após intervenção judicial, na sequência do acordo
alcançado quanto à frequência da escola no ano lectivo de 2020/2021 no âmbito
do apenso C, passou a ficar a constar do regime em vigor a repartição das
despesas de saúde da criança (cfr. ponto .4. dos “Factos provados”).
31)
Ainda, e com especial relevância, no que tange às questões de saúde da criança,
não corresponde à realidade que as partes consigam entender-se quanto ao
diagnóstico de hiperactividade e défice de atenção do ....
32)
Cumpre a este respeito recordar que o diagnóstico do menor resultou de
avaliação efectuada no âmbito da consulta de Pediatria Desenvolvimento no
Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde este tem vindo a ser acompanhado desde
Janeiro de 2018 (cfr. pontos 69 e 72 dos “Factos provados”).
33)
O mesmo foi novamente confirmado na declaração médica emitida pelo Dr. A..., junta
aos presentes autos a 13/04/2021, da qual consta expressamente do mesmo que o menor
é seguido naquela consulta “por quadro de défice de atenção / hiperactividade
de apresentação actual predominantemente hiperactiva-impulsiva”.
34)
Também a neuropsicóloga e a psicomotricista que acompanham semanalmente o ... em
terapias complementares, arroladas nos presentes autos como testemunhas, nos depoimentos
que prestaram, confirmaram expressamente o diagnóstico médico do menor, que
consideram compatível com as características que o menor apresenta e nas dificuldades
que procuram ultrapassar no acompanhamento que levam a cabo, concretamente:
-
A testemunha Dra. C..., terapeuta de psicomotricidade que acompanha o ... desde
2018, na audiência de julgamento realizada a 01/10/2021, gravação: 04m:25s,
registadas em suporte digital n.º 20211001094358_5952475_2871241); e
-
A testemunha Dra. D..., psicóloga de neurodesenvolvimento, que acompanha o
menor desde Outubro de 2019 na audiência de julgamento realizada a 01/10/2021, gravação:
03m:31s, registadas em suporte digital n.º 20211001102400_5952475_2871241):
35)
Sucede, contudo, que, contrariamente ao que decorre da douta Sentença
proferida, nunca até hoje o Recorrido reconheceu ou aceitou este diagnóstico do
..., tendo sido o próprio, nas declarações de parte que prestou nos presentes
autos (cfr. audiência de julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 57m:55s, registadas
em suporte digital n.º 20210909103329_5952475_2871241), a declarar
expressamente “O ... não tem défice de atenção”.
Ora,
face ao supra exposto, resulta claro que:
36)
O diagnóstico de défice de atenção e hiperactividade da criança é actual e
real, tendo sido identificado e confirmado sucessivamente pelos pediatras de
desenvolvimento na sequência da avaliação inicial e acompanhamento que têm
feito do menor, e pelos demais técnicos (psicoterapeutas, terapeutas da fala,
psicomotricistas, professores) que têm vindo a acompanhar o ... nos últimos
anos.
37)
Perante este diagnóstico, e apesar do impacto e relevância do mesmo no
desenvolvimento e crescimento da criança, o Recorrido expressamente assume uma
postura de não aceitação em relação ao mesmo, negando peremptoriamente que a
criança padeça de défice de atenção, contrariando frontalmente todas as
opiniões de técnicos acreditados acerca desta questão.
38)
É por tudo isto evidente que nunca poderia ter sido dado como provado – como
foi – que “Existe a comunicação necessária entre o Requerente e a Requerida
sobre aspetos relacionados com o menor, conseguindo entender-se em alguns
assuntos mais importantes (ex: diagnóstico de hiperatividade e défice de
atenção do menor) (…).
39)
Aliás, esta recusa expressa do diagnóstico do menor por parte do pai provoca
naturalmente desentendimentos entre os progenitores na concretização do
dia-a-dia da criança, resultando isso mesmo também bem patente das declarações
prestadas por ambas as partes.
40)
Na verdade, o Recorrido, nas declarações de parte que prestou na audiência de
julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 59m:32s, registadas em suporte
digital n.º 20210909103329_5952475_2871241, pôs em causa a eficácia do
acompanhamento por parte da neuropsicóloga.
41)
Tendo o Recorrido igualmente declarado que já equacionara inclusivamente
opor-se à continuidade do mesmo, apesar de recomendado pela equipa médica que
acompanha a criança, pois das duas vezes que tivera a possibilidade de
interagir com as técnicas, ambas se dirigiram ao menor como o ... ..., em vez
de ... T (cfr. audiência de julgamento realizada a 09/09/2021, gravação:
55m:28s, registadas em suporte digital n.º 20210909103329_5952475_2871241).
42)
Também a Recorrente, nas declarações de parte que prestou no âmbito dos
presentes autos, confirmou que o Recorrido já no passado manifestou intenção de
se vir a opor à continuidade das terapias,
43)
tendo confirmado igualmente que o diálogo entre as partes é difícil, bem como a
capacidade de alcançar acordos acerca de questões de particular relevância para
a vida da criança (cfr. audiência de julgamento realizada a 09/09/2021,
gravação: 15m:43s e 38m:36s, registadas em suporte digital n.º
20210909120513_5952475_2871241).
44)
Face ao exposto, é notório e evidente que a tomada de decisões conjunta
relativamente às questões de particular relevância para a vida da criança é
muito conturbada,
45)
Tendo resultado provados nos presentes autos vários exemplos práticos de que
essa comunicação é difícil, o que obstaculiza com frequência a tomada de
decisões, carecendo os progenitores sistematicamente da intervenção de
terceiros, bem como da intervenção judicial, em várias situações.
46)
É um facto que o Recorrido, nas suas declarações de parte, quando perguntado
acerca desta comunicação referiu que a mesma é possível, contudo, ao
concretizar exemplificativamente esse facto, apresentou dois exemplos em que
intencionalmente distorce a realidade (cfr. audiência de julgamento realizada a
09/09/2021, gravação: 10m:41s, registadas em suporte digital n.º
20210909103329_5952475_2871241),
47)
Além de não corresponder à verdade que tenha sido possível às partes acomodar
por acordo as férias com o T, uma vez que as mesmas foram objecto de decisão judicial,
no âmbito do respectivo processo,
48)
Também não corresponde à verdade que a mãe muitas vezes tenha tido dificuldade
em acomodar a permanência do T com as suas necessidades de trabalho, e por isso
pedido ao Recorrido para ficar com o menor, tendo isso sucedido uma só vez,
como de resto decorre do confronto com as declarações de parte da Recorrente
(audiência de julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 12m:21s, registadas
em suporte digital n.º 20210909140900_5952475_2871241).
49)
Pelo que, os dois exemplos apontados pelo pai demonstrativos da suposta
capacidade de comunicação entre os pais, são ambos, naturalmente,
improcedentes,
50)
Decorrendo perfeitamente claro da prova produzida que a capacidade de diálogo
dos progenitores é muito reduzida nas circunstâncias in casu, o que inviabiliza
a tomada de decisões conjunta relativamente às questões de particular
relevância para a vida da criança,
51)
Havendo naturalmente uma muito maior tendência para este conflito se vir a
agudizar com a alteração para um regime de residências alternadas semanais, uma
vez que a necessidade de articular as rotinas do menor entre a Recorrente e o
Recorrido será muito maior.
52)
Entende, por isso, a Recorrente que, também quanto a este ponto 89. dos “Factos
provados”, a Sentença recorrida julgou incorrectamente os factos aí dados como
provados, verificando-se aqui também um erro na apreciação da prova,
53)
Sendo absolutamente essencial para a boa decisão da causa a não inclusão destes
factos, que não resultaram minimamente provados da prova produzida nos
presentes autos, no elenco dos factos dados como provados, nomeadamente para o
que infra se alegará e concluirá a propósito do regime que melhor tem em conta
o superior interesse da criança no caso em apreço, e como tal, para a boa
decisão da causa.
54)
Essencial era ainda a inclusão nos “Factos Provados” da matéria constante dos
pontos 2.19 e 2.25. dos “Factos não provados”.
55) Resultou claramente provado desde logo
através das declarações de parte prestadas pela Recorrente (cfr. audiência de
julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 14m:16s, registadas em suporte
digital n.º 20210909120513_5952475_2871241) que o Requerente nunca revelou
nenhum empenho ou preocupação de maior no acompanhamento das terapias complementares
e evolução escolar do menor.
56)
Tendo esta referido que tem a preocupação de fazer chegar ao Recorrido todas as
informações escolares relevantes, limitando-se este a agradecer, ou a fazer
comentários pontuais.
57)
Já o Recorrido, por seu turno, apesar de pretender fazer passar nas suas
declarações parte que se empenha em acompanhar o menor nas questões de saúde e
educação, a verdade é que, quando questionado acerca da sua intervenção a esse
nível, só consegue relatar exemplos de actuações da mãe,
58)
Tendo referido que acompanha a execução de trabalhos de casa e a leitura do ...,
mas que não tem a preocupação de articular esta actuação com a mãe ou com a
escola, e que pede informações acerca da saúde da criança à mãe, mas ao
concretizar exemplos concretos, demonstra apenas que é a Recorrente quem tem a
preocupação de comunicar as informações relevantes (cfr. audiência de
julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 23m:44s, registadas em suporte
digital n.º 20210909103329_5952475_2871241).
59)
O Recorrido acrescentou ainda nas suas declarações de parte que a actual
professora da criança insistiu (“quase o obrigou”) para que fosse à escola
reunir consigo, porque queria dar-lhe nota dos problemas comportamentais do
menor, ficando clara a preocupação daquela professora com o facto de o pai
nunca até aqui ter manifestado interesse ou preocupação em acompanhar os
problemas do ... junto da escola (cfr. audiência de julgamento realizada a
09/09/2021, gravação: 37m:44s, registadas em suporte digital n.º 20210909120513_5952475_2871241).
60)
Além das declarações de parte prestadas pelo Recorrido e Recorrente acerca
desta matéria, é importante considerar igualmente os depoimentos da
psicomotricista e neuropsicóloga que acompanham o ..., tendo ambas confirmado
que nunca foram contactadas pelo pai no sentido de perceber como decorre o
acompanhamento que é feito com a criança, os progressos e regressos, ou as
necessidades da criança:
-
A testemunha Dra. C... na audiência de julgamento realizada a 01/10/2021,
gravação: 16m:45s, registadas em suporte digital n.º 20211001094358_5952475_2871241;
e
-
A testemunha Dra. D… (audiência de julgamento realizada a 01/10/2021, gravação:
06m:00s, 12m:28s, 14m:53s, registadas em suporte digital n.º 20211001102400_5952475_2871241).
61)
Da análise de todos os supra indicados elementos de prova resulta claro que mal
andou o Mmo. Tribunal a quo ao ter incluído no elenco dos factos não provados
os citados pontos 5.2.19 e 5.2.25, nos termos em que o fez, já que os
depoimentos e declarações de parte impõem uma decisão diversa sobre a matéria
de facto, contrária à constante da Sentença proferida,
62)
pelo que deveria ter sido dado como provado que o Recorrido não revela empenho
no acompanhamento das questões relacionadas com a saúde e educação da criança.
63)
A inclusão destes factos no elenco dos factos provados é – de resto –, também
ela absolutamente essencial para a boa decisão da causa, já que da ausência de
intervenção do Recorrido no acompanhamento das questões de saúde e educação do
menor resulta evidente o desinteresse deste por aquele que é seu o bem-estar e
desenvolvimento saudável, equilibrado e feliz,
64)
bem como a probabilidade de o Recorrido, no âmbito de um regime de residências alternadas
semanais, vir a quebrar as rotinas e o acompanhamento próximo do menor que é
feito na sequência das terapias complementares,
65)
terapias essas que o mesmo não reconhece sequer utilidade, já que opta por
ignorar o diagnóstico do menor, e que já fez menção de pretender interromper.
66)
Assim, e em conclusão, também quanto aos pontos 2.19 e 2.25, a Sentença não considerou
provados factos que, face à prova produzida, deveriam tê-lo sido, e que contêm matéria
relevante e essencial para a decisão acerca da alteração do regime actual para
um regime de residências alternadas.
67)
Os pontos 27 e 89 dos “Factos Provados” não deveriam ter sido considerados como
provados, sendo a prova que justifica decisão em sentido diverso do decidido:
-
O Relatório sobre Audição Técnica Especializada, realizado nos termos do
disposto no art. 23.º do RGPTC, e junto aos presentes autos a 15/07/2020,
referido na motivação da douta Sentença recorrida;
-
As declarações de parte do Recorrido prestadas na audiência de discussão e
julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 06m:04s, 09m:23s, 57m:55s,
59m:32s, 55m:28s, 10m:41s, 12m:21s registadas em suporte digital n.º
20210909103329_5952475_2871241;
-
A declaração médica emitida pelo Dr. A..., junta aos presentes autos a
13/04/2021, em resposta ao ofício remetido pelo Mmo. Tribunal a 23/03/2021,
também referida na motivação da douta Sentença proferida;
-
O depoimento prestado pela testemunha C... na audiência de discussão e
julgamento realizada a 01/10/2021, gravação: 04m:25s, registadas em suporte
digital n.º 20211001094358_5952475_2871241;
-
O depoimento prestado pela testemunha D... na audiência de discussão e julgamento
realizada a 01/10/2021, gravação: 34m:59s, 03m:31s, registadas em suporte digital
n.º 20211001102400_5952475_2871241; e
-
As declarações de parte da Recorrente prestadas na audiência de discussão e
julgamento realizada a 09/09/2021, gravação: 15m:43s, 38m:36s registadas em
suporte digital n.º 20210909120513_5952475_2871241.
68)
Aliás, o próprio Tribunal a quo considerou (cfr. pontos 18, 19, 36, 44, 37, 96,
38, 83 e 84 dos “Factos Provados”) que foram numerosos os conflitos e desentendimentos
das partes a propósito quer que questões de particular relevância, quer questões
do dia a dia da criança.
69)
Estando por isso aqueles factos em expressa contradição com a prova produzida e
também com a restante factualidade dada como provada.
70)
Pelo que resulta notório que a Sentença recorrida julgou incorrectamente os
factos dados como provados naqueles pontos e errou na apreciação que fez dos
mesmos, violando deste modo o princípio da livre apreciação de prova.
71)
O Tribunal a quo entendeu ainda não elencar nos “Factos Provados” determinados
factos que, face à prova produzida, deveriam ter sido considerados como
provados, e que contêm matéria relevante para a questão objecto dos presentes
autos, nomeadamente os factos constantes dos pontos 19 e 25, tendo tais factos
resultado provados:
-
Das declarações de parte prestadas pela Recorrente na audiência de discussão e julgamento
realizada a 09/09/2021, gravação: 14m:16s, 34m:40s registadas em suporte digital
n.º 20210909120513_5952475_2871241;
-
Das declarações de parte prestadas pelo Recorrido na audiência de discussão e julgamento
realizada a 09/09/2021, gravação: 23m:44s, 37m:44s, registadas em suporte digital
n.º 20210909103329_5952475_2871241;
-
Do depoimento prestado pela testemunha C... na audiência de discussão e
julgamento realizada a 01/10/2021, gravação: 16m:45s, registadas em suporte
digital n.º 20211001094358_5952475_2871241; e
-
Do depoimento prestado pela testemunha D... na audiência de discussão e julgamento
realizada a 01/10/2021, gravação: 06m:00s, 12m:28s, 14m:53s registadas em suporte
digital n.º 20211001102400_5952475_2871241.
72)
Da análise de todos os supra indicados elementos de prova resulta claro que o
Tribunal na quo não podia ter deixado de considerar como provados os concretos
pontos identificados supra dos “Factos não provados”, nos termos em que o fez,
já que, tanto os depoimentos como as declarações de parte prestadas no âmbito
dos presentes autos, impunham uma decisão diversa, contrária à constante da
Sentença recorrida.
73)
Desta forma, a Sentença recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art.
396.º do CC e art. 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC, incorrendo,
consequentemente, num claro erro de julgamento, já que foram tidos por certos
determinados factos - que não resultaram provados - e que foram essenciais na
decisão de alteração do regime em vigor que veio a ser proferida, não tendo
elencado nos “Factos Provados” outros factos - que resultaram provados – e que
se revestem de essencial importância para aferir aquela que é a solução que
melhor acautela o superior interesse da criança, e que caso tivessem sido
devidamente valorados pelo Tribunal a quo, como se impunha, teriam levado ao
indeferimento do pedido.
74)
Quanto à matéria de Direito e no que se refere à falta de audição da criança,
esta obrigação legal é uma concretização do princípio do superior interesse das
crianças que deve nortear todos os processos tutelares cíveis, nos termos do
disposto no art. 4.º do RGPTC, na remissão que aí é feita para a LPCJP.
75)
O direito de audição das crianças vem concretizado em diversos instrumentos
internacionais ratificados por Portugal, e por isso aplicáveis a par com o
direito interno, e vem também expressamente consagrado no RGPTC, nomeadamente,
nos art. 5.º e 35.º, n.º 3, e no CC no art. 1906.º n.º 9.
76)
O direito de participação e audição da criança nos processos tutelares cíveis
visa em concreto garantir à criança, de modo adaptado àquela que é a sua
capacidade de discernimento, o direito a exprimir livremente a sua opinião
sobre as questões que lhe digam respeito, sendo essa opinião devidamente
ponderada e tomada em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade.
77)
O ... tem actualmente 8 anos de idade e, desde o seu nascimento, viveu sempre entregue
à guarda e cuidados da mãe, residindo com esta, com a irmã mais velha e, desde Novembro
2019, com o irmão bebé, T, existindo uma fortíssima vinculação entre esta
fratria.
78)
As rotinas diárias da criança encontram-se perfeitamente estabelecidas, sendo o
... acompanhado de forma muito próxima diariamente pela mãe,
79)
contando ainda sempre com o apoio dos avós maternos e restante família alargada
materna.
80)
Fica por isso claro que o núcleo familiar materno é a referência de afecto e
segurança desta criança, tudo como se conclui através dos factos mencionados
nos pontos 3, 6, 60, 61, 62, 90, 91, 92, 93, 94 e 95 do elenco dos “Factos Provados”.
81)
O Tribunal a quo veio alterar o regime em vigor, alterando as rotinas, os
hábitos e referências de uma criança, determinando na Sentença sob recurso que,
a partir de Setembro de 2022, passe a vigorar um regime de residências
alternadas semanais.
82)
Contudo, a factualidade apurada como provada e não provada no âmbito dos
presentes autos não permite extrair a conclusão de que a alteração decretada
seja a solução que melhor promove aquele que é o superior interesse do ...,
desde logo, e sobretudo porque este não foi ouvido.
83)
A não audição da criança, sendo uma das manifestações processuais impostas pelo
princípio geral do superior interesse da criança, afecta aquela que é a
validade da Sentença de que ora se recorre por duas ordens de razões:
84)
A primeira decorre do facto de a mesma ter sido preterida sem que tenham sido
aduzidas na douta Sentença recorrida, de forma cabal, concreta, e perfeitamente
identificável as razões pelas quais se prescindiu dessa audição, violando-se
assim expressamente um imperativo legal que impunha uma actuação diversa por
parte do Mmo. Tribunal a quo.
85)
A segunda decorre do facto de resultarem da análise de toda a prova produzida
nos presentes autos elementos que permitem concluir que a audição da criança
neste caso era absolutamente essencial para se poder determinar com maior rigor
e precisão aquele que é o superior interesse da criança nos presentes autos.
86)
No decurso de todo o processo nunca o Mmo. Tribunal a quo ouviu a criança,
resumindo-se o único contacto directo coma criança à informação constante do
relatório elaborado na sequência da Audição Técnica Especializada e junto aos
autos que, ao proceder à observação da habitação do agregado materno através da
aplicação WhatsApp, estava aí presente o ... e os irmãos, tendo sido possível
observar a “(…) vinculação estabelecida com o seu irmão T”, apresentando-se as
crianças “bem-dispostas”.
87)
Não existe qualquer outra interacção estabelecida directamente com a criança no
âmbito de todo o processo.
88)
Concretamente, não foi nunca observada a vinculação estabelecida em relação ao
pai, nem nada resulta provado quanto à disponibilidade afectiva deste, nem em
relação aos cuidados que este presta à criança.
Perante
esta circunstância,
89)
Em momento anterior à audiência de discussão e julgamento, a Recorrente
requereu ao Tribunal que fosse levada a cabo a audição da criança,
90)
o que veio a ser indeferido pelo Mmo. Tribunal a quo, tendo, contudo, no
despacho proferido admitido a possibilidade de vir a ouvir a criança caso,
durante a audiência de julgamento surgisse alguma situação que levasse o
Tribunal a considerar absolutamente necessária essa audição.
91)
Contudo, finda a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal não decretou a
audição da criança.
92)
E mal, salvo o devido respeito, que é muito.
93)
Na verdade, entende da Recorrente que da factualidade provada, e de toda a
prova produzida, em particular dos depoimentos das testemunhas considerados
para a formação da convicção do Tribunal, permanece a dúvida de que a alteração
para um regime de residência alternada semanal é a solução que melhor promove o
superior interesse do ....
94)
Sendo certo que a criança é perfeitamente capaz de manifestar a sua vontade, de
relatar o seu dia-a-dia, de compreender as questões que lhe são colocadas e de
identificar e exprimir os seus sentimentos e opiniões, não existindo qualquer
dificuldade ou questão que o impeça de o fazer, de forma adaptada à sua idade e
maturidade. Ora,
95)
em concreto, foi dado como provado que: a Dra. P…, Pediatra de desenvolvimento,
considerou que a situação do ... por ser de caráter permanente, necessita de
rotinas bem estabelecidas e previsíveis, supervisão parental acrescida e estabilidade
emocional, pelo que recomendava que fosse dada primazia a um regime de guarda
total da criança; e ainda que o menor não tem manifestado vontade em passar
mais tempo com o pai (cfr. pontos 5.1.79 e 5.1.90 dos “Factos provados”). Além
disso,
96)
A Dra. D..., psicóloga de neurodesenvolvimento, que acompanha o ... desde
Outubro de 2019, no depoimento que prestou, foi clara ao identificar
comportamentos da criança que são suscetíveis de indiciar irregularidades na
vinculação estabelecida entre a criança e o pai (audiência de julgamento
realizada a 01/10/2021, gravação: 16m:36s, 23m:21s, 25m:20s, 28m:45s, e
30m:00s, registadas em suporte digital n.º 20211001102400_5952475_2871241);
97)
Também a testemunha C…, terapeuta psicomotricista, confirmou que a criança
verbaliza de modo espontâneo e genuíno vontade de estar com a mãe e com os irmãos
uterinos, contudo o mesmo não sucede relativamente ao pai (cfr. audiência de discussão
e julgamento realizada a 01/10/2021, gravação: 17m:10s, registadas em suporte digital
n.º 20211001094358_5952475_2871241).
98)
Por último, também a testemunha AF, directora da escola “O M...”, que o ...
frequenta, no seu depoimento refere ter assistido a recolhas na escola em que o
... não queria ir com o pai (audiência de julgamento realizada a 04/11/2021,
gravação: 07m:09s, registadas em suporte digital n.º 20211104141142_5952475_2871241).
99)
Além destas questões, os técnicos que acompanham a criança também foram claros
ao referir que o menor tem uma reacção adversa às mudanças na sua rotina, uma
vez que, em razão da patologia de que este padece, as mudanças são em regra
desestabilizadoras emocionalmente (nomeadamente no depoimento da Dra. D..., na
audiência de julgamento realizada a 01/10/2021, gravação: 17m:25s, registadas
em suporte digital n.º 20211001102400_5952475_2871241). Ora, da articulação
entre os elementos probatórios supra indicados com o que decorre da decisão
proferida, temos que:
100)
A criança apresenta um padrão comportamental de agitação psicomotora, dificuldade
em regular as emoções, dificuldades ao nível das aprendizagens formais mais exigentes,
desatenção e comportamentos desajustados em contexto escolar (cfr. pontos 77,
99, 100 dos “Factos provados”);
101)
A Dra. P…, médica pediatra, que avaliou o ..., em Janeiro de 2020 considerou
que deveria ser dada primazia a um regime de guarda total da criança em um só
domicílio, dada a necessidade acrescida desta criança de estabilidade emocional
(cfr. ponto 79 dos “Factos provados”);
102)
O ..., além de não manifestar vontade em passar mais tempo com o pai (Cfr. ponto
90 dos “Factos provados”), ao contrário do que sucede relativamente à casa da mãe,
em que a criança refere espontaneamente que quer estar com a mãe ou com os irmãos,
nunca manifesta vontade em estar em casa do pai, ou relata momentos de agrado na
companhia do pai, pelo contrário,
103)
Já sucedeu a criança oferecer resistência a sair da escola na companhia do pai,
bem como referir-se à casa do pai como “uma seca”, porque “há muitas regras”; e
104)
A criança evita expressamente os temas relacionados com o conflito parental, quando
se apresenta mais inquieto ou instável e se procura abordar esta questão.
105)
Perante isto, entende a Recorrente que, da prova produzida no âmbito dos
presentes autos resultam dúvidas sérias acerca do impacto positivo de uma
alteração do regime em vigor para um regime de residências alternadas no caso
de uma criança com as características do ..., face à vinculação estabelecida
até aqui com o pai, por oposição à forte relação afectiva e securizante que a
criança tem estabelecida com a mãe e à necessidade acrescida de estabilidade e
persistência de elementos securizantes nas rotinas desta criança em função do
diagnóstico de hiperactividade e défice de atenção de que padece.
106)
Porque é que o ... não quer ir para casa do pai? Porque é que o ... não
manifesta vontade em passar mais tempo com o pai? Porque é que o ... fala sobre
a mãe e os irmãos uterinos espontânea e livremente e sobre o pai e a família do
pai nada diz?
107)
O Mmo. Tribunal a quo não teve a preocupação de apurar estas questões, e as mesmas
resultaram todas elas de modo evidente da prova produzida em sede de julgamento.
108)
O que torna ainda mais evidente que a audição da criança nunca deveria ter sido
preterida, como foi.
109)
Nas circunstâncias in casu, a audição do ... era por isso a única forma de descodificar
qual é o seu superior interesse.
110)
A sua audição é um direito do ... enquanto criança e garante a sua participação
no processo que lhe diz respeito e o seu direito a exprimir as suas posições.
111)
Ora, a lei actualmente em vigor, em concreto o disposto nos art. 4.º, 5.º e
35.º n.º 3 do RGPTC, não só não prevê uma presunção de incapacidade de
discernimento das crianças com menos de 12 anos para formar e emitir uma
opinião sobre o objecto concreto de uma decisão que o afecte,
112)
Como passou a exigir expressamente que, relativamente às crianças de idade inferior
a 12 anos, a ponderação acerca da maturidade da criança conste expressamente da
decisão, só estando dispensada esta justificação para a sua eventual não
audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha.
113)
Como se referiu, o ... não é um bebé, tem vontades e pontos de vista próprios sobre
as situações da sua vida, e capacidade para os exprimir, sendo que a patologia
de hiperactividade e défice de atenção em nada interfere com a capacidade de
manifestar a sua opinião, aliás, o ... foi descrito no decurso da produção de
prova como uma criança faladora, espontânea, com uma compreensão adequada à
idade, constando aliás, isso mesmo da Fundamentação da Sentença sob recurso.
114)
Também não se invoque, para a justificação da omissão e da violação da lei, as reservas
teoricamente colocadas no sentido de ser do interesse da criança deixá-la fora
do litígio judicial.
115)
Desde logo porque a audição é um direito da criança.
116)
E ainda, porque é da responsabilidade do Tribunal garantir as condições
adequadas para que a audição decorra num ambiente onde a criança se sinta
segura e à vontade para exprimir livremente a sua opinião, sendo certo que
poderia sempre ter sido ouvido acompanhado de um técnico especializado para o
efeito, se tal se considerasse necessário, como decorre do já mencionado art.
4.º do RGPTC. Ora,
117)
Não sendo de forma alguma notório que o ..., em função da sua idade, não possa
ou seja desaconselhada a sua audição, teria sempre de constar da Sentença recorrida
uma ponderação da maturidade da criança e a justificação cabal, expressa, especificada,
acerca da sua não audição da criança nestes autos, o que não acontece. Face ao
exposto, e em conclusão,
118)
Da prova produzida no âmbito dos presentes autos não resulta que a residência alternada
que seja a solução mais adequada a salvaguardar os interesses desta criança, nem
que reflicta a sua vontade.
119)
De facto, para se concluir com a certeza que uma alteração destas exige, a
criança deveria ter sido ouvida, sendo certo que esta criança tem capacidade
para expressar a sua opinião e manifestar os seus pontos de vista.
120)
Não tendo sido levada a cabo a audição da criança no âmbito dos presentes autos
e não constando da Sentença ora sob recurso uma ponderação acerca da maturidade
da criança e uma justificação cabal e idónea para esta não audição, deverá
concluir-se que a Decisão recorrida viola frontalmente aquele que é o superior
interesse da criança.
121)
Esta não audição viola ainda, frontalmente, o disposto nos 5.º e 35.º, n.º 3 do
RGPTC, e no art. 1906.º n.º 9 do CC, bem como o art. 12.º da Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; os art. 3.º e 6.º da Convenção
Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças; o art. 24.º, n.º 1 da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; os art. 11.º, 23.º e 41.º do
Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho; e ainda no princípio 3.º da
Recomendação n.º R(84), relativa às responsabilidades parentais, adotada pelo
Comité de Ministros do Conselho da Europa.
122)
Como tal, deverá a douta Sentença proferida ser anulada, pois, como foi
decidido no Acórdão n.º 268/12.0TBMGL.C1.S1 de 14/12/2016 do STJ, esta falta
afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por
corresponder à violação de um princípio geral com relevância substantiva e, por
isso mesmo, processual.
123)
Por último, e também relativamente à violação do principio do superior interesse
da criança, importa recordar que este principio geral vem previsto em numerosos
instrumentos de direito internacional, como é o caso do art. 3.º n.º 1 da
Convenção Sobre os Direitos da Criança; n.º 2 III-B das Diretrizes adotadas do
Comité de Ministros do Conselho da Europa em 12/11/2010, sobre a justiça amiga
das crianças; e no Princípio 2 do Anexo à Recomendação n.º R (84) 4, adotada
pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28/09/1984, e vem igualmente
consagrado na lei interna, desde logo nos preceitos legais directamente
aplicáveis à regulação do exercício das responsabilidades parentais, como é o
caso do art. 1906.º, do CC, e dos art. 5.º, n.º 1, e 40.º do RGPTC.
124)
No que tange à determinação da residência da criança decorre do disposto no
art. 1906.º do CC que não existe um regime regra – como sucede relativamente ao
exercício das responsabilidades parentais – devendo o Tribunal procurar
salvaguardar o superior interesse da criança, atendendo a todas as
circunstâncias relevantes, e procurando sempre encontrar a solução que melhor
garanta os contactos do menor com ambos os progenitores. Ora,
125)
Considerando que a lei em vigor – mesmo após a alteração legislativa imposta
pela Lei 65/2020 de 4/11 – não veio impor nenhum regime regra, nem
preferencial,
126)
na ponderação da solução que melhor acautele o superior interesse da criança na
definição da sua residência, não poderia o Tribunal deixar de ter em
consideração a principal referência afetiva e securizante da criança, aquela
com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquela que no dia-a-dia,
desde o seu nascimento, sempre lhe prestou todos os cuidados, aquela que se
ocupa de forma activa na satisfação de todas as necessidades de saúde e
educação, o progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento
físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a
sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em
clima de tranquilidade, atenção e afeto.
127)
Contudo, entende a Recorrente que – salvo o devido respeito – na Sentença recorrida
não foi devidamente ponderada toda a factualidade provada, tendo inclusivamente
sido erradamente considerados como provados factos que não decorrem da prova produzida,
bem como dados como não provados factos que resultaram expressamente provados,
conforme já ficou dito,
128)
Pelo que a defesa daquele que é o superior interesse do ... impunha uma decisão
diversa da que foi proferida. Senão vejamos,
129)
A Sentença recorrida aponta como factores favoráveis ao estabelecimento de uma residência
alternada “a residência próxima de ambos os progenitores, a disponibilidade de tempo
em relação ao ..., o nível educacional equivalente, o modelo educativo comum
por estarem de acordo em que frequente a escola o M... até ao 4.º ano e após
uma escola pública, entendimento quanto à questão relevante de saúde do menor,
sendo as condições habitacionais equivalentes, mas as económicas superiores do pai
em relação à mãe (…).” Ora,
130)
Ao dissecar-se os argumentos apresentados na Sentença sob recurso, facilmente se
constatam que os mesmos não concorrem para a promoção daquele que é o superior interesse
desta criança, desde logo porque os mesmos incidem sobretudo sobre factores relativos
aos progenitores, às condições geográficas e materiais, a condições
consideradas em abstracto,
131)
Escamoteando-se os factores relativos à própria criança, que – salvo melhor
opinião – deveriam ser preponderantes face aos demais. Efectivamente,
132)
A Sentença começa por referir com argumentos favoráveis à alteração do regime para
um regime de residências alternadas os factos provados referentes à actual disponibilidade
do Recorrido para garantir aquelas que são as rotinas habituais e necessidades
da criança: o facto de o Recorrido estar agora reformado e a residir em xxxx; O
facto de a sua casa em xxxx ser próxima da casa da mãe e da escola da criança;
O facto de, por se encontrar reformado, o Recorrido ter disponibilidade para organizar
o seu dia e rotinas, para preparar refeições, para levar e recolher a criança à
escola e acompanhar a execução dos trabalhos escolares.
133)
No entanto, todos estes factos são referentes a uma capacidade em teoria do Recorrido,
resultando da actuação deste até aqui uma despreocupação face às necessidades
reais do menor.
134)
Com efeito, apesar de resultar perfeitamente demonstrada aquela que é a capacidade
da mãe de exercer as funções parentais, quer de uma perspectiva “externa” ou “logística”,
como também de uma perspectiva “interna”, “emocional” ou “psicológica”, já que resulta
da prova produzida que a criança apresenta uma excelente vinculação com todos
os elementos que integram o agregado familiar da mãe, onde este está inserido,
sendo acompanhado de forma próxima pela mãe, que estabeleceu adequadamente
todas as suas rotinas e garantiu todas as suas necessidades, sendo a mesma
percepcionada pela criança como fonte de afecto.
135)
O mesmo não sucede relativamente ao pai, acerca do qual resultaram provados apenas
factos que decorrem da sua disponibilidade temporal e económica para, em
teoria, garantir as necessidades da criança,
136)
nada resultando provado acerca da vinculação estabelecida com a criança até
aqui, nem acerca do adequado exercício das funções parentais por parte deste
progenitor.
137)
Aliás, convirá referir que, apesar de o pai poder em teoria acompanhar a
criança a qualquer consulta médica (cfr. ponto 25 dos “Factos Provados”), a verdade
é que foi igualmente dado como provado – e bem – que o pai, apesar de reformado
desde 2018, “esteve apenas presente nas consultas que entendeu” “prescindindo
de estar presente nas restantes” (cfr. pontos 74 e 82 dos “Factos provados”).
138)
Cumpre igualmente mencionar que decorre do ponto 52 dos “Factos provados” que
“Já sucedeu mais que uma vez nos últimos três anos, mesmo após a data de início
da reforma, o pai não estar disponível para assegurar os seus fins-de-semana,
férias e convívios semanais”,
139)
não existindo qualquer prova acerca de indisponibilidades por parte da
progenitora (cfr. pontos 74 e 82 dos “Factos provados”).
140)
Além disso, foi erradamente considerado como não provado que o Recorrido nunca revelou
nenhum empenho ou preocupação de maior no que se refere ao acompanhamento das
terapias complementares e evolução escolar, quando devia tal facto ter sido
incluído no elenco de factos provados,
141)
Sendo o mesmo também demonstrativo do desinteresse e falta de empenho e preocupação
por parte do Recorrido relativamente às questões de particular relevância para a
vida da criança, apesar da sua disponibilidade para, em teoria, acompanhar
estas questões.
142)
Também resulta da prova produzida que a mãe tem sempre de enviar uma mala para
a criança quando este vai para casa do pai, e que o pai possui casas em Lisboa,
zzzz e xxxx, sendo que o pai, tanto aos fins-de-semana, como durante a semana,
já tem alternado entre a casa de zzzz e a de xxxx, mesmo tendo o menor aulas no
dia seguinte, indiciando também estas condutas do pai que, embora este possua
em teoria disponibilidade para garantir as necessidades da criança, a verdade é
que na prática este não demonstra qualquer preocupação a esse nível.
143)
Além disso, e conforme já se predisse, não ficou provado nos presentes autos
que o Recorrido dispusesse de qualquer tipo de apoio na prestação de todos os
cuidados que o ... necessite.
144)
Pelo que, resulta evidente que, apesar de ter sido provada em abstracto a disponibilidade
de tempo em relação à criança por parte ambos os progenitores, uma vez que o
Recorrido está hoje reformado, a verdade é que relativamente ao Recorrido essa disponibilidade
até hoje nunca se traduziu em actos concretos que revelassem preocupação ou
capacidade para o exercício das funções parentais de modo adequado. Para além
disso,
145)
a Sentença recorrida refere ainda como factores favoráveis à fixação de um
regime de residências alternadas o modelo educativo comum e o entendimento
quanto à questão relevante de saúde.
146)
Ora, conforme também já se alegou acima a propósito do erro na apreciação de prova
decorrente da inclusão do ponto 5.1.89 da factualidade provada, não corresponde
à realidade dos factos que exista a comunicação necessária entre os
progenitores acerca das questões relacionadas com a criança, sendo esse
desacordo particularmente evidente no caso da escolha da escola e na questão de
saúde mais relevante do ..., o diagnóstico de hiperactividade e défice de atenção.
147)
Contudo, a Sentença recorrida, na aplicação que faz do Direito aos factos vai
mais além, assumindo que as divergências que se verificaram não são
significativas por não ter sido “sequer” instaurado qualquer processo de
incumprimento.
148)
Esquece-se, no entanto, o Tribunal a quo que, só desde Julho de 2019 a esta
parte, foi já necessário recorrer por duas vezes a um processo judicial para
resolução de questão de particular relevância,
149)
tendo sido ainda necessária a intervenção judicial para a fixação das férias de
verão do filho mais novo e para a repartição das despesas de saúde da criança
entre ambos os progenitores,
150)
Pelo que a inexistência de processos de incumprimento, salvo melhor opinião,
não pode, em circunstâncias como as presentes, ser indício da capacidade de
consensualização dos progenitores,
151)
Conclui, também mais adiante a Sentença recorrida que os conflitos que existem não
se podem considerar particularmente graves, já que não implicaram “situações de
ofensas verbais, ameaças, violência doméstica ou que o menor seja posto em
perigo em razão dos mesmos.” Ora,
152)
Também quanto a este ponto em concreto não se compreende em que medida pode servir
como critério para aferir da capacidade de comunicação e alcançar acordos entre
os progenitores o facto de não se ter ainda registado nenhuma situação limite,
que envolva até responsabilidade criminal.
153)
Na verdade – e salvo melhor entendimento - a defesa do superior interesse da criança
impõe um critério mais apertado do que os apresentados na Douta Sentença, com vista
a evitar que o menor, por força da alteração do actual regime para um regime de
residências alternadas semanais que reclama uma constante comunicação entre os progenitores,
passe a ficar exposto diariamente a um conflito do qual deveria ser preservado.
154)
Impondo-lhe, além disso, uma alteração de uma rotina que se encontra
estabelecida de modo estabilizador, gratificante e securizante para a criança,
junto daquela que tem sido desde sempre o seu progenitor cuidador e a sua
figura primária de referência.
155)
Também no que se refere à alteração das rotinas, é ainda relevante fazer notar
que, em função do disgnóstico de défice de atenção e perturbação de
hiperactividade, “Para a estabilidade do menor, o mesmo deve ter rotinas
adequadas e apoio de psicomotricidade e neuropsicologia (70, 72, 79, 97 e 102).
156)
Contudo, respalda-se a Sentença recorrida no facto de o menor ter verbalizado
“à Sr.ª Psicóloga D... que em casa do pai é uma “seca” porque há mais regras
(103).”, para concluir que aquele progenitor – que aliás rejeita o diagnóstico
da criança, não manifestando qualquer interesse no acompanhamento que é feito
nas terapias complementares – é capaz de assegurar de modo idóneo aquelas que
são as necessidades de rotinas e regras adequadas que este menor em concreto
revela em função da patologia de que padece. Ora,
157)
Inexistindo esta capacidade de diálogo por parte dos progenitores, bem como o modelo
educativo comum e o entendimento quanto à questão de saúde relevante da criança,
não pode deixar de entender-se que mal andou o Mmo. Tribunal a quo ao decidir nos
termos em que fez na Sentença ora recorrida, promovendo uma alteração do regime
em vigor para um regime que é evidentemente contrário ao superior interesse da
criança.
158)
O que ressalta do supra exposto é que o Mmo. Tribunal a quo entendeu que o benefício
em abstracto para o desenvolvimento da criança decorrente de poder estar mais tempo
com o pai, havendo uma disponibilidade manifestada por este nesse sentido, e
uma proximidade geográfica entre a casa deste e a casa da mãe, deve prevalecer
sobre o benefício da estabilidade para o ... da continuidade do regime
actualmente em vigor, que se tem demonstrado benéfico e securizante para a
criança.
159)
Entendeu assim o Mmo. Tribunal a quo que a vantagem teórica de que todas as crianças
beneficiam da presença constante de ambos os progenitores se sobrepõe às vantagens
da continuidade de um regime que permite a esta criança – que revela uma reduzida
disponibilidade para a mudança, em função de um diagnóstico médico – ficar entregue
à guarda e cuidados de quem sempre até aqui cuidou dela no dia-a-dia, desenvolvendo
a continuidade do ambiente e da relação afetiva principal,
160)
O que não pode deixar de se considerar como manifestamente contrário ao
superior interesse do ....
161)
Ao assim decidir, a Sentença recorrida além de violar as já citadas disposições
de direito internacional, viola também expressamente o disposto nos art.
1906.º, do CC, e nos art. 5.º, n.º 1, e 40.º do RGPTC.
162)
Resultando isto particularmente evidente num processo em que a criança nem sequer
foi ouvida, sendo também isso flagrantemente contrário e violador dos seus superiores
interesses.
163)
Pelas razões invocadas supra, a Sentença proferida não poderá deixar de ser revogada,
o que desde já se requer a V. Exas., mantendo-se a residência da criança junto
da mãe, fixando-se um regime de convívios amplo e que garanta, de forma idónea e
adequada os contactos com o progenitor não residente.
O
Requerente apresentou Contra-Alegações
nas quais concluiu que:
i. Nas suas Alegações de Recurso, vem a Requerida, ora
Recorrente, impugnar a douta Sentença, datada de 23/11/2021, proferida pelo
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Família e Menores de
Torres Vedras que, de forma gradual, decidiu alterar o regime da regulação das
responsabilidades parentais do menor ... T, no que respeita à guarda única
estabelecida a favor da progenitora, no sentido de o aproximar do regime da
guarda conjunta, com residências alternadas, de forma gradual, até atingir a
sua plenitude a partir de Setembro de 2022.
ii. Para colocar em crise a douta Sentença Recorrida, a
ora Recorrente, invoca os seguintes fundamentos; a saber:
— Erro no julgamento da matéria de
facto: há factos que, atenta a prova produzida, deveriam ter sido julgados
provados e não foram e para além disso, há factos que foram julgados provados e
não poderiam ter sido; e,
— Erro na aplicação do direito: em
razão da falta de audição da criança, bem assim como por violação do seu
superior interesse.
iii. A douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”,
não padece de nenhum dos vícios que a Recorrente lhe aponta, quer em termos de
julgamento da matéria de facto, quer em termos de aplicação do direito.
iv. No entendimento da Recorrente o único facto que
poderia ter resultado provado a respeito da atual companheira do Recorrido, de
nome S…, é que esta tem um bom relacionamento com o menor ... T, pelo que a
Recorrente não se conforma com o facto julgado provado no ponto 5.1.27 dos
Factos Provados com o seguinte teor: O Requerente pode contar com o apoio da
sua atual companheira que se encontra disponível para o acompanhar na prestação
de todos os cuidados que o menor ... necessite.”
v. Porém, da Informação sobre Audição Técnica e
Especializada, realizada nos termos do disposto no Art. 23.º do RGPTC e junta
aos presentes autos no dia 15/07/2020, resulta que: “o Recorrido reside com a
sua atual companheira em união de facto desse janeiro de 2020, tendo a mesma estabelecido
com o menor uma relação afetiva significativa.”
vi. A companheira do Recorrido, participou na entrevista
que, para efeitos de elaboração daquela informação, foi realizada, no dia
02/07/2020, junto dos Serviços da Segurança Social e teve oportunidade de
manifestar a sua disponibilidade para cuidar do ..., informar que apesar de ser
licenciada em direito, está desempregada e já tomou conta de crianças.
vii. De acordo com a normalidade das coisas e regras da
experiência comum, as relações afetivas não são baseadas somente em sentimentos,
mas também em atitudes.
viii. Acresce que, em sede das Declarações de Parte,
prestadas pelo Recorrido na Audiência de Julgamento, realizada no dia
09/09/2021 e gravadas aos minutos 06m:04s e 09m:23s, resulta que, nas férias, o
... fez um desenho que ilustra que este considera que, a família paterna é
composta por si, pelo pai e pela atual companheira deste.
ix. Resulta ainda da Sentença Recorrida que em sede de
Declarações o Recorrido referiu que: “é habitual o ... ficar com a S… quando
ele vai levar o T”.
x. A Recorrente olvida ainda que, a testemunha JR, filho
do Recorrido que, às terças-feiras, sempre que a sua vida profissional lhe
permite, janta com o pai, com os seus irmãos, o T… e com o menor ..., referiu
que, quem cozinha é o pai ou a sua atual companheira.
xi. A própria Recorrente em sede de Declarações prestadas
em Julgamento, refere que, a madrasta do ... é simpática e que faz a lida
doméstica da casa do Recorrido.
xii. Ainda que a companheira do Recorrido não tenha
estado presente no julgamento, nada impede que o Tribunal, da prova produzida,
extraia conclusões a respeito da disponibilidade daquela para acompanhar o
menor ....
xiii. A Recorrente, invoca ainda que, o Recorrido,
sozinho não tem capacidade para cuidar do filho, em razão de ter 70 anos e da
sua pretensa inexperiência.
xiv. Porém, nenhuma daquelas razões nas quais a
Recorrente se louva para colocar em crise a capacidade do Recorrente para
cuidar do ... resultou provada.
xv. A Recorrente não se importou com a idade do Recorrido
quando, ainda há pouco tempo, manteve um relacionamento amoroso com aquele e
nem tão pouco quando decidiu engravidar e ter dois filhos daquele,
nomeadamente, o ... com 8 anos de idade e o T com apenas 2 anos de idade.
xvi. Não resultou provado que, o Recorrido, em razão da
sua idade, padeça de qualquer incapacidade ou doença que o incapacite de cuidar
do menor.
xvii. Também não resultou provado qualquer facto que
evidencie que o menor ..., alguma vez se tenha queixado de estar aos cuidados
do pai ou sequer de qualquer incapacidade daquele para o efeito; e,
xviii. Nem, tão pouco, a Recorrente concretiza um único
facto que evidencie que a idade do Recorrido o impede de prestar ao menor ...
os cuidados que aquele necessita.
xix. As testemunhas T e JR, também filhos do Recorrido,
referiram nos respetivos depoimentos que o pai se dedica ao ... e prepara
refeições.
xx. Ainda a este respeito, a testemunha António Pereira
quando ouvida pelo Tribunal referiu que, o Recorrido gosta de cozinhar
grelhados, tendo, a partir de certa altura passado a dedicar-se à cozinha,
acrescentando ainda que, o Recorrido brinca com o filho e também lhe impõe
regras.
xxi. Por sua vez, a testemunha Luzia Pontes, relatou ao
Tribunal que, o Recorrido se preocupa com o bem-estar do ..., comprando-lhe
peixe para as refeições e preocupando-se que o filho jante e se deite cedo.
xxii. Em sede de julgamento, o Recorrido referiu que,
brinca com o filho, joga xadrez, sudoku e basquetebol com aquele, o leva à
piscina, o ajuda no cumprimento dos deveres escolares, lhe impõe regras e lhe
revê os cadernos da escola.
xxiii. Conforme resulta da douta Sentença Recorrida, a
própria avó materna do menor, AA, referiu que às terças-feiras e aos
fins-de-semana, quando o ... está com o pai, é este que lhe dá banho e o ajuda
com os deveres escolares.
xxiv. Do mesmo modo, é também manifestamente despiciendo
que a Recorrente se sirva do facto de o Recorrido, no passado, não ter
participado intensivamente na prestação de cuidados aos seus filhos, para
considerar que aquele não dispõe de capacidade para cuidar do ....
xxv. Se o Recorrido não se tivesse dedicado à sua vida
profissional da forma como o fez, presentemente, não dispunha de condições
económicas para contribuir com pensões de alimentos e com despesas do menor ...
e do T, nos termos em que o faz.
xxvi. A Recorrente considera ainda que, não poderia ter
sido considerado provado o ponto 89 dos factos provados na medida em que, tal
facto pretensamente está em contradição com a restante factualidade provada,
mais concretamente dos pontos 18, 19, 36 e 44 dos Factos Provados bem assim
como é oposto à demais prova produzida.
xxvii. Como bem refere a douta Sentença Recorrida: “[…] a
questão da escola no acordo de 2019 ficou previsto os pais decidirem se em 2020
se mantinham ou não o menor ... na mesma escola, não tendo havido qualquer
inflexão da posição do pai […].”
xxviii. Acresce que, como também resulta da factualidade
provada, designadamente do ponto 5.1.5 em sede de Conferência de Pais,
realizada em 19/11/2020, realizada no âmbito do Apenso C dos presentes Autos,
os progenitores alcançaram quanto ao estabelecimento de ensino que o menor deve
frequentar até ao 4.º ano e no ano subsequentemente, bem assim como a responsabilidade
pelo pagamento das despesas.
xxix. Por conseguinte, como resulta da douta Sentença
Recorrida: “neste momento há um modelo educativo comum e consensual entre ambos
os progenitores.”
xxx. A única situação em que a Recorrente e o Recorrido
não conseguiram chegar a um Acordo, prende-se com aquela que está em causa nos
presentes Autos.
xxxi. Todavia, conforme é evidenciado na douta Sentença
Recorrida: “quanto à alteração das responsabilidades parentais ocorreram vários
anos entre o acordo estabelecido e a ação ora proposta”.
xxxii. O facto de o menor ter ficado preocupado com a
questão da escola, não está relacionado com regime de guarda implementado e é
antes resultado do facto da Recorrente ter dito ao menor que, por culpa do pai,
não ia ficar naquela escola, preocupando o menor com uma circunstância que
acabou por nem sequer se concretizar.
xxxiii. Por conseguinte, nem sequer é de admitir a ideia
de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito e que o ... fica mais
protegida se confiado a um deles pois mesmo no caso em que os pais de uma
criança estão casados e residem juntos, há questões relativamente às quais um e
outro apresentam pontos de vista distintos e o mesmo acontece quando há guarda
única.
xxxiv. É falso o sentido que a Recorrente pretende
atribuir aos pontos 38 e 83 e 84 dos Factos provados, na medida em que os
mesmos não evidenciam a existência de ambiente conflituoso e a falta de
entendimento entre os progenitores: o Recorrido deixou de comparticipar, na
proporção de metade, com o pagamento de despesas de saúde do menor ..., no período
compreendido entre Setembro e Novembro de 2020, bem assim a partir de Setembro
de 2020 deixou de comparticipar na totalidade do colégio que o menor frequenta
porque no acordo que, naquele momento estava em vigor, não ficou acordado que o
Recorrido tivesse que suportar aquelas despesas.
xxxv. Também foi por acordo que, estas questões ficaram
definitivamente resolvidas em 19/11/2020, no âmbito do acordo alcançado no
âmbito do Apenso C, dos presentes Autos, atinente à escola que, no ano letivo
de 2020/2021 o menor deveria frequentar, sendo que apesar de no dito apenso apenas
estar em causa a escola do menor, o Recorrido logo concordou em aditar esta
cláusula das despesas ao acordo das responsabilidades parentais quando não era
esta a questão que estava em cima da mesa.
xxxvi. Invoca ainda a Recorrente que os progenitores
também não se conseguem entender quanto à saúde do menor, designadamente quanto
ao diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção, pois segundo alega, o
Recorrido nunca aceitou aquele diagnóstico.
xxxvii. O Recorrido nas declarações que prestou referiu
expressamente que o ...: “Tem hiperatividade.” – Cfr. declarações prestadas
pelo Recorrido em sede de julgamento realizado no dia 09/09/2021, gravação
59m:01s.
xxxviii. O chamado Transtorno de deficit de
atenção/hiperatividade apresenta 3 vertentes: desatenção predominante,
hiperatividade/impulsividade predominante e combinado.
xxxix. Foi por conhecer esta classificação e neste
sentido que, o Recorrido, quando foi questionado pela Mandatária do Recorrente,
em sede de julgamento, referiu que, no caso do ..., a vertente predominante não
é a desatenção, mas antes a hiperatividade.
xl. Porém, isto foi apenas e tão só uma precisão que o
Recorrente fez porque foi precisamente isso que lhe foi dito nas consultas
ocorridas com o Dr. Artur Varela, conforme resulta do teor da douta Sentença
Recorrida.
xli. No entanto, isto não significa que o Recorrido não
aceite o diagnóstico feito ao menor ... e que, de resto, se encontra
devidamente provado com os documentos médicos juntos aos Autos.
xlii. Por outro lado, o Recorrido nas declarações
prestadas também concretizou que diagnóstico o não foi feito pelas terapeutas,
designadamente, Psicólogas, mas antes pelos Pediatras que acompanham o menor,
porque as terapias a que o ... é submetido não foram a razão do diagnóstico,
mas antes uma tentativa de melhorar o diagnóstico que previamente tinha sido
feito pelos médicos que acompanharam o menor.
xliii. Acresce que, sede de declarações prestadas, na
sessão de julgamento ocorrida no dia 09/09/09/2021, a Recorrente afirma que o
pai aceita aquele diagnóstico, conforme resulta da gravação aos 19m:20s e
19:33s: “Na questão, por exemplo do diagnóstico de hiperactividade e défice de
atenção, eu procurei e informei o pai da importância do ... ser acompanhado, dos
apoios, das terapias, falei com a pediatra, falei com o médico que o segue no
Santa Maria, mas… ele não se opôs, felizmente. Houve uma altura que queria se
opor, e eu disse “quer dizer, mas se tu concordaste, se não houve alteração de
diagnóstico, se é um benefício, por favor não queiras impedir, porque eu não
vou prejudicar o .... Se quiseres tomar outro tipo de acção – ou seja, mais uma
vez virmos aqui – eu irei responder e assumo a minha responsabilidade do ...
continuar com estas terapias…” Depende do assunto… Se for uma coisa, eu
acredito que se fosse aos adenoides, ou… que o pai iria assentir…
xliv. A respeito do Recorrido aceitar estas terapias, o
próprio o admitiu quando nas declarações prestadas, no dia 09/09/2021, gravação
aos 55m:59s, referiu: Eu acedi, quando agora tratámos do assunto da escola,
acedi que essas senhoras doutoras continuassem a assistir o meu filho.
xlv. O Recorrido não dúvida do trabalho desenvolvido
pelas terapeutas que acompanham o menor, apenas considera que aquele não está a
surtir grande efeito porque o facto da mãe ser muito permissiva relativamente
ao comportamento do ..., condiciona o trabalho daquelas.
xlvi. É por isso que, o Recorrente também refere que
considera que uma presença sua mais constante e assídua na vida do menor traga
benefícios comportamentais ao ..., pois como resultou da prova produzida, impõe
regras ao filho.
xlvii. O que resulta da douta Sentença Recorrida é que,
apesar de existir algumas dificuldades de comunicação entre os progenitores,
estes conseguem tomar decisões relativas a questões de particular importância
do filho, pois neste momento há um projecto educativo comum, estão de acordo
quanto ao diagnóstico do menor, quanto às suas necessidades e trocam
informações acerca de questões de particular importância do filho.
xlviii. É esta mesma realidade que por mais que a
Recorrente agora pretenda desvirtuar, resulta evidenciada das declarações que
prestou e cujo excerto transcreve nas motivações de recurso e proferidas na
sessão de julgamento realizada no dia 09/09/2021, minutos 38m:36s a 42m:33s da gravação.
xlix. Bem assim como da Informação sobre Audição Técnica
Especializada constante dos Autos.
l. E é também isto que resulta demonstrado nas
Declarações do Recorrido, realizadas no julgamento ocorrido em 09/09/2021 e
constantes dos minutos 10m:41s aos minutos 11m:01s da gravação.
li. Mais se diga que, conforme resulta do teor da douta
Sentença Recorrida: “O regime de exercício conjunto das responsabilidades
parentais com residência alternada tem vindo a ser admitido pela nossa
jurisprudência, mesmo quando os progenitores não estejam de acordo quanto a ele,
na medida em que tal satisfaça o superior interesse da criança. Entende-se que
esse regime é o que mais se aproxima da situação anterior à separação dos pais,
possibilitando um igual envolvimento de ambos os progenitores no dia a dia dos
filhos e também na tomada das decisões mais relevantes para o seu projeto de
vida, num plano de igualdade que melhor satisfaz os interesses e as aspirações
de pais e filhos (…)
lii. Aliás, de acordo com a doutrina e jurisprudência, a
adoção do regime da guarda partilhada, na maioria das vezes, permite atenuar a
conflitualidade entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade,
levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um
período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo
o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é
ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe
seja proporcionado quando o menor está com o outro.
liii. O Ponto 19 dos Factos Não Provados: é atinente aos
relatórios das consultas e não às consultas propriamente ditas a que o menor ...
foi submetido.
liv. Porém, os meios probatórios nos quais a Recorrente
se louva para colocar em crise o entendimento manifestado pelo Tribunal quanto
ao ponto 19 dos Factos Não Provados, não são atinentes a relatórios das
consultas antes à presença do progenitor em consultas médicas.
lv. Por conseguinte, a Recorrente o ónus de alegação que
lhe é exigido pelo Art.º 640.º, n. º 1, alínea b) do C.P.Civil, e, em
consequência deverá este Tribunal julgar improcedente o recurso interposto pela
Recorrente relativamente ao facto constante do ponto 19.
lvi. Ainda que assim não se entenda - o que não se admite
mas por mero dever de patrocínio se equaciona - sempre se dirá que, como
resulta das declarações da Recorrente prestadas na Sessão de julgamento
realizada no dia 09/09/2021, gravação aos 36m:43s, desde o início da pandemia
provocada pela Covid-19, ou seja, no início do ano de 2019, o acompanhamento às
consultas a que o menor foi submetido esteve condicionado só podia ser um
acompanhante.
lvii. Acresce que, ainda a respeito desta mesma questão e
conforme resulta também do teor da douta Sentença Recorrida, a Recorrente, nas
declarações prestadas em julgamento esclareceu que: “[…] transmite as datas das
consultas médicas do ... ao pai, que agradece e às vezes um ou outro comentário
e o mesmo aparece nas consultas em função da sua disponibilidade, embora a
maioria das vezes não foi por serem consultas de rotina ou oftalmologia que vai
com regularidade […]”
lviii. No entendimento da Recorrente o Ponto 25 dos
Factos Não Provados deveria ter sido considerado provado, pois segundo alega o
Requerente nunca revelou qualquer empenho ou preocupação de maior no
acompanhamento das terapias complementares a que o menor é submetido e à sua
situação escolar.
lix. O Recorrido, conforme resulta da douta Sentença “Por
hábito revê os cadernos da escola do menor ... para ver o que o menor fez.” e “Habitualmente acompanha o menor na escola fazendo
os trabalhos de casa com o mesmo às 3.ªs-feiras (sempre), já aos fins-de-semana
por hábito o mesmo não tem trabalhos, mas vê os cadernos do mesmo e se for
necessário fazer algo faz, para além disso lê em conjunto com o filho,
nomeadamente, pedindo para ele ler mais alto e mais devagar que é para perceber
o que leu.
lx. O Recorrido referiu ainda que que: “Ainda em relação
ao acompanhamento da escola, o acompanhamento da escola, em relação à
professora Joana eu aproveitava muitos dos dias em que ia levá-lo às quartas
feiras de manha para esperar por ela e perguntar novidades, isto porque estar a
sobrecarregar a professora com duas entrevistas de dois pais, se toda a gente fizesse
isto era uma sobrecarga enorme para a professora e portanto a reunião do
encarregado de educação deixo-a para a mãe e eu tento saber as coisas de outra
forma, mas não quer dizer que esteja afastado ou não acompanho a atividade do
meu filho, sei exatamente o que se passa na escola.” (Sessão de Julgamento
realizada no dia 09/09/2021 gravação aos 25m:00s)
lxi. A própria Recorrente relatou ao Tribunal Recorrido
que: “Os TPC quando vêm da casa do pai, houve uma altura em que vieram
incompletos e ela questionou o pai quanto a isso, e ele disse que o ... é que
supervisionava, mas, entretanto, agora os trabalhos veem corrigidos […]”, como
refere a douta Sentença Recorrida.
lxii. A testemunha Antónia Marques, avó materna do menor,
conforme resulta da Sentença Recorrida, referiu em sede de julgamento disse que:
“Às terças-feiras e aos fins-de-semana que o ... passa com o pai é este quem
lhe dá banho e faz os trabalhos da escola com o menor.”
lxiii. A Recorrente coloca o Recorrido, regularmente, a
par de todos os aspetos relacionados com as terapias complementares a que o ...
é submetido, pelo que este não tem necessidade de falar diretamente com as
terapeutas que acompanham o menor, designadamente a Dra. Carla Duarte e Dra. D....
lxiv. Além disso, o Recorrido referiu nas declarações prestadas
na sessão de julgamento realizada no dia 09/09/2021, gravação entre os 26m:41s
e os 26:43s: que pede informação acerca do desenvolvimento do estado de saúde
do menor.
lxv. Por outro lado, conforme resulta da douta Sentença
Recorrida, a Dra. D..., só presta apoio ao menor desde outubro de 2020, quando
já havia a pandemia de covid-19, com todas as limitações dai advenientes em
termos de acompanhamento.
lxvi. Além disso, conforme resulta da douta Sentença
Recorrida, que o Recorrido progenitor assistiu a algumas consultas prestadas
pela dita Psicóloga via on line.
lxvii. Em regra, nos dias das terapias o ... está com a
Recorrente, prelo que, e é esta que o leva e recolhe.
lxviii. A Recorrente alega que, o ponto 5.2.29 dos Factos
Não provados que refere “Manifestando também grande relutância em ir para casa
do pai.”, deveria ter sido considerado provado pelo Tribunal Recorrido.
lxix. Porém, a Recorrente não concretiza aquela
afirmação, nem o concreto meio de prova que pretensamente impunha que tal facto
fosse considerado provado.
lxx. Pelo que, a Recorrente não cumpriu com o ónus ínsito
no Art.º 640.º, n.º 1, alínea b), do C.P.Civil, e, em consequência, não deverá,
nesta parte, o recurso por aquela interposto ser apreciado.
lxxi. A Recorrente requereu que, o menor ... T, fosse
ouvido em sede de Julgamento, por Requerimento apresentado sob a Ref.ª:
39525539, de 21/07/2021.
lxxii. O Digno Representante do Ministério Público junto
do Tribunal Recorrido no dia, em 01/09/2021, emitiu parecer no sentido da não
audição do menor, quer enquanto meio de prova, quer em termos de ser auscultada
a sua opinião relativamente à matéria em causa nos presentes Autos.
lxxiii. Subsequentemente, o processo foi concluso ao MM.º
Juiz “a quo” que, por douto Despacho proferido sob a Ref.ª: 149606699, de
06/09/2021, indeferiu, fundamentadamente, a audição do menor ....
lxxiv. Também a douta Sentença recorrida, se pronunciou
fundamentada quanto à não audição do menor quando menciona: “É de realçar ainda
que o menor ... apesar do Tribunal fruto da ainda tenra idade do mesmo e sendo
uma criança hiperativa e para não expor o menor a uma situação de conflito de
lealdade parental decidiu não tomar declarações ao mesmo (…)”
lxxv. Isto sem esquecer que, na douta Sentença Recorrida
nem sequer tinha que ser suscitada a questão da audição do menor, na medida em
que, conforme supra mencionado, já previamente ao início do julgamento o
Tribunal “a quo” se tinha pronunciado quanto a esta temática.
lxxvi. Mais se diga que, a Recorrente se conformou com o
Despacho que se pronunciou desfavoravelmente à audição do menor na medida em
que não interpôs recurso daquele e não pode agora pretender colocar em crise a
douta Sentença Recorrida relativamente a uma questão que tinha ficado
previamente decidida e que por ela não foi oportunamente impugnada.
lxxvii. O Tribunal Recorrido não está obrigado a ouvir os
menores com menos de 12 anos de idade.
lxxviii. A tomada daquela decisão, é deixada ao prudente
arbítrio do Juiz nos termos do Art. 35.º n.º 3 in fine do RGPTC e a única que
coisa que se impõe ao Tribunal é que este, de acordo com o seu prudente
arbítrio, proceda a uma valoração custo-benefício, em ouvir ou não ouvir o
menor.
lxxix. Não é verdade que a “a audição do ... é a única
forma de descodificar qual o seu superior interesse”, o superior interesse do
menor pode ser determinado em função da prova produzida.
lxxx. Tanto assim é que da douta Sentença recorrida
resulta que apesar do menor não ter sido ouvido, pelas razões já apontadas, no
decorrer do julgamento e da situação de ambos os pais vieram ao conhecimento do
tribunal informações decorrentes da prova efetuada que permitem concluir a relação
que o ... tem com os progenitores e dar por provados os factos constantes dos pontos
60 a 62, 90 e 92 dos Factos Provados.
lxxxi. De acordo com a normalidade das coisas e regras da
experiência comum, uma criança de apenas 8 anos de idade, com um diagnóstico de
hiperatividade/défice de atenção e com problemas de ansiedade, ao ser colocada
diante de pessoas que não conhece e ao ser confrontada com questões relativas
aos seus progenitores, fica ansiosa, intimidada e desconfortável!
lxxxii. Aliás, a própria Psicóloga de Neuro
desenvolvimento, que acompanha o menor, desde outubro de 2019, a Dra. D...,
refere que, o ... opta por não verbalizar a sua realidade familiar e evita o
assunto;
lxxxiii. Conforme resulta da douta Sentença Recorrida:
“[…] neste momento, já passaram cerca de 2 anos da recomendação da Sra. Dra. P...
e o ... já tem rotinas estabelecidas com o T e gosta do irmão, e apesar de
alguma necessidade acrescida de atenção (99), nada impede a eventual alteração
das responsabilidades parentais, desde que, haja rotinas e regras, não
constituirá um fator de destabilização do menor, conforme decorre do depoimento
da Sr. Psicóloga Daniela Correa que acompanha o menor (5.1.102).”
lxxxiv. A testemunha Dra. D..., referiu que o menor ...
terá dito: “na casa do pai há mais regras e refere-se a isso como uma seca,
porque há mais regras, sim.”
lxxxv. Quer a Dr. D..., quer a Dra. P..., mencionam a
necessidade de o ... estar sujeito a regras, imposições e rotinas.
lxxxvi. A imposição de regras constitui um fator
determinante na formação da personalidade das crianças que tem por objetivo
criar ou fortalecer condições para que o comportamento daquelas se adeque às
normas e valores jurídicos essenciais da vida em sociedade e inclusivamente
para responder e resolver as situações que a Professora do menor reporta
relativamente ao seu comportamento em sala de aula.
lxxxvii. O facto do menor, ser uma criança ansiosa, com
hiperatividade e défice de atenção não impede a implementação do regime da
guarda partilhada, com residências semanais alternadas.
lxxxviii. É normal, que em determinado contexto uma
criança de apenas 8 anos de idade, se esconda quando a professora o vai buscar
para o entregar ao pai, sobretudo se souber que ao ficar aos cuidados daquele,
está sujeito a regras mais apertadas e fica impedido de estar com o irmão que está
com a mãe.
lxxxix. Por fim, diga-se, ainda que, a Recorrente, não
alegou e menos ainda provou, qualquer facto que permitisse concluir que o menor
não goste de estar com o pai ou sequer que aquele se tenha queixado de qualquer
comportamento do progenitor.
xc. O Tribunal “a quo”, ao não ouvir o menor ... T, não
infringiu o disposto no Art.º 5.º e 35.º n.º 3 do RGPT, 1906.º, n.º 9 do C.
Civil, 12.º da Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças,
24.º, n.º 1 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, 11.º, 23.º e
41 do Regulamento CE n.º 2201/2003 do Conselho e o princípio 3.º da Recomendação
n.º R(84) relativa às Responsabilidades Parentais adotada pelo Comité de Ministros
do Conselho da Europa, e, em consequência, a douta Sentença Recorrida não
padece do vício de nulidade.
xci. Como derradeira tentativa de colocar em crise a
douta Sentença Recorrida, a Recorrente alega que, com aquela decisão o Tribunal
Recorrido violou o superior interesse da criança, nomeadamente do menor ....
xcii. O Tribunal Recorrido não incorreu em qualquer erro
na apreciação da prova, designadamente os constantes dos pontos 27 e 89 dos
Factos Provados e dos pontos 19, 25 e 29 dos Factos Não Provados, nem, tão
pouco tinha que ouvir o menor, pelo que não violou o superior interesse do
menor.
xciii. Nas ocasiões pontuais em que, não pode estar com o
..., o Recorrido avisou a Recorrente com a devida antecedência, conforme
resultou provado, email junto aos autos, datado de 03/10/2020.
xciv. A Recorrida também teve em determinados momentos
indisponibilidade para estar com o ... e o pai assegurou ficar com ele,
conforme referiu cunhada da Recorrente, Marisa ..., ouvida em sede de
julgamento: Teve conhecimento de uma situação em que a mãe não poderia estar
com o ... e o pai assegurou ficar com o mesmo e ainda quanto o T nasceu a mãe
teve um problema de saúde e o pai ficou com o ... nesse período.”
xcv. O Recorrido não foi a algumas consultas porque na
maioria das vezes são consultas de rotina e porque houve uma limitação do
acompanhamento em razão da pandemia de Covid-19, conforme é referido pela
própria Recorrente (Audiência de Julgamento realizada a 09/09/2021, gravação 14m:16s)
xcvi. Em sede de declarações prestadas, a Recorrente
referiu que o pai está a par das informações escolares do menor, faz
comentários e participa vai a algumas consultas do menor e na quando não vai é
porque, na maioria das vezes, são consultas de rotina, não vai é porque se
tratam de consultas de rotina, corrige os trabalhos da escola do menor lhe lê
livros.
xcvii. O que, também foi confirmado pela avó materna do
menor, que referiu que às terças-feiras e fins de semana quando o ... está com
o pai, é este que o ajuda com os trabalhos de casa e lhe dá banho, conforme
resulta da douta Sentença Recorrida.
xcviii. O menor ... tem 8 anos de idade e não se afigura
desadequado que, durante a semana e tendo aulas no dia seguinte, tenha ido à
casa que o pai tem em São Martinho do Porto que, fica a menos 50 minutos de
distância de Torres Vedras.
xcix. Quando o menor vai ao pai, lhe manda uma mala, com
roupa, pijama, pantufas e escova de dentes, porém não ficou provado que o
Recorrente não disponha desses bens para que o menor se sirva.
c. Foi o facto de o Recorrido investir na sua vida
profissional que permite que os filhos de ambos tenham a qualidade de vida que
têm hoje.
ci. O Tribunal Recorrido tomou em consideração o facto de
o menor ter uma ligação grande à mãe, de gostar de conviver com sua irmã
uterina, a B... e com o irmão consanguíneo, o T e foi por isso que estabeleceu
um regime gradual, bastante longo, de cerca de 8 meses, até ser efetivamente
implementada a guarda partilhada com residências alternadas.
cii. Porém, como é bom de ver, o MM.º Juiz “a quo” também
teve que tomar em consideração que, é imprescindível ao salutar crescimento do ...
a presença o pai e ora Recorrido, até porque este gosta do menor e de estar com
ele, tem disponibilidade de tempo para o fazer, por estar reformado, tem
capacidade para o acompanhar, mudou de localidade para residir próximo do menor
e do T, beneficia de apoio na prestação de cuidados àquele, dispõe disponibilidade
financeira para custear o sustento daquele, tem uma casa com melhores condições
que a mãe para o acolher.
ciii. Pelo exposto, a douta Sentença Recorrida, não
descurou o superior interesse do menor, improcedendo também este fundamento de
Recurso.
O
Ministério Público apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu
que :
1.
Ao decidir, em termos factuais, nos moldes em que o fez, procedeu o Tribunal a correcta
apreciação da prova produzida no processo, tendo avaliado todos os elementos
probatórios disponíveis à data da decisão, aquilatando todos os
circunstancialismos e integrando e interligando todos os factos, até obter uma
decisão justa e sem contradições, centrada na correcta apreciação do Direito e
sem violar qualquer disposição legal;
2.
Não incumbia ao Tribunal em sede de sentença pronunciar-se sobre a não audição
do menor ... no decurso da audiência de discussão e julgamento dos autos,
porquanto tal concreta questão foi de modo atempado, previamente apreciada e
decidida por despacho proferido nos autos, não tendo na altura merecido
qualquer reparo por parte da recorrente que com o mesmo se conformou;
3.
Ademais, como resulta da audição das várias sessões da audiência de discussão e
julgamento realizadas, não mais a recorrente renovou por qualquer forma pedido
ou requerimento para essa mesma audição que exigisse nova tomada de posição por
parte do Tribunal nomeadamente em sede de sentença;
4.
Bem se compreende aliás que o não tenha feito, atentas todas as declarações que
vieram a ser prestadas, inclusivamente por testemunhas por si arroladas, as
quais enfatizaram as dificuldades cognitivas e fragilidades emocionais do ...,
bem como, a necessidade de assegurar a estabilização do menor a esse nível,
aliás, como constante do elenco dos factos provados sob os pontos 73., 77., 79.
e 97.
5.
O direito da criança a ser ouvida não constitui direito absoluto, sendo sempre ressalvada
a possibilidade, a ser apreciada em cada caso, dessa mesma audição se revelar
contrária ao interesse da criança, sobremaneira quando com idade inferior a 12
anos, perante a sua ausência de maturidade e discernimento necessários para a
compreensão das matérias em discussão, a consciencialização que a sua opinião
não será apenas ouvida, mas também tida em consideração, ainda que sem ónus de
decisão e, nesse contexto, a tomada desprendida e informada de posição.
6.
Ora, por meio do aludido despacho, proferido em 06.09.2021, tomou o Tribunal
decisão fundamentada quanto à então requerida por escrito audição do menor, ponderando
a maturidade do ... e justificando a determinação de não o ouvir;
7.
Ao fazê-lo o Tribunal decidiu a concreta questão que lhe era colocada no processo,
aliás como o considerou o Acórdão da Relação do Porto, datado de 30.04.2020,
que no âmbito de recurso movido a despacho judicial proferido nessa sede,
entendeu que “(…) no âmbito de um processo de regulação das responsabilidades
parentais ou alteração dessa regulação, terá sempre de existir um despacho a
reflectir a necessidade ou não da audição da criança, devidamente fundamentado
em função da sua idade e da sua maturidade.
8.
O superior interesse da criança é o critério legal para decidir todas as questões
relativas ao exercício das responsabilidades parentais, sendo o valor
primordial a ter em conta, e sobrepondo-se a outros de qualquer natureza que
eventualmente estejam em causa, como os dos seus progenitores;
9.
O interesse superior da criança constitui um conceito jurídico amplo e aberto,
tendo o legislador sabiamente optado por uma noção e indeterminada, ciente que
uma norma legal não pode jamais apreender o fenómeno familiar na sua infinita
variedade e imensa complexidade;
10.
No caso em apreço, ponderou cuidadosamente o Tribunal todas as variáveis em
presença, sopesando as vinculações afectivas da criança, as suas especificidades,
ramificações familiares e dados objectivos apurados, como o sejam a
disponibilidade do progenitor ou a manifesta proximidade entre as residências
de ambos os progenitores, tomando decisão que nos merece o maior aplauso,
porque sensivelmente atenta às particularidades da situação concreta;
11.
Neste sentido, prevê o nº 7 do art. 1906º do CC que “O tribunal decidirá sempre
de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de
grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou
tomando decisões que favoreçam amplas possibilidades de contacto com ambos e de
partilha de responsabilidades entre eles”.
12.
In casu o regime da residência alternada como aquele que veio a ser decidido, é
o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais mais
conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual
proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias, sendo de primordial interesse
para todas as crianças e logo também para o ..., pese embora a separação dos
seus pais, poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos
de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo
idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e socioeconómicas de
ambos os progenitores;
13.
E não pretenda a progenitora recorrente alegar em seu favor os desacordos pontuais
tidos com o progenitor para obstar a um tal regime, sendo também entendimento
que, “O conflito parental não pode ser limitador da escolha que melhor acautele
o interesse das crianças, esse sim único critério a atender na fixação da
residência da criança” (Ac. RL datado de 19.06.2019);
14.
Não se alegue identicamente a instabilidade emocional do menor visando impedir
a implementação de um regime de residência alternada, para mais, em termos
graduais como o fez a sentença recorrida, sendo atualmente entendimento quase
unânime a desmistificação da ideia de que a residência alternada é
necessariamente fonte de instabilidade para a criança, comprometendo, por isso,
o seu são desenvolvimento;
15.
A decisão recorrida ponderou adequadamente todos os fatores relevantes no caso
concreto, tendo adotado em conformidade com os factos que ficaram assentes, uma
decisão criteriosa, justa e equilibrada e que, no momento presente, melhor
acautela os superiores interesses do menor ....
Questões a Decidir
São as Conclusões
do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º
1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do
tribunal ad quem (exercendo uma
função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES
GERALDES[1]),
sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo
qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Verificadas
as Alegações e Conclusões da Ré-Recorrente e as suas divergências, começa por
assinalar-se a quase inacreditável forma de elaboração das conclusões, que de síntese nada têm e que - numa
visão menos benévola - poderiam mesmo originar a rejeição do recurso[2].
Apesar de
tudo, e fundamentalmente relevando a necessidade de não fazer perder mais tempo
ao processo, entende-se dar-lhe seguimento e apreciar o recurso, sem deixar de
apreciar a argumentação apresentada.
Não deixa de
se dizer, com a maior preocupação pedagógica, que este tipo de procedimento em
nada beneficia os próprios propósitos de quem recorre uma vez que, em vez de
ajudar à compreensão do que pretende, apenas complexifica, confunde e como tal
prejudica.
Feita a
referência (que também tem de ser feita – pela exemplaridade – às contra-alegações
do Ministério Público, que souberam sintetizar em poucas palavras todas as
questões que interessavam), avancemos e vejamos o que há que apreciar, com a
maior linearidade possível:
i)- quanto à redacção dos Factos
Provados, haverá que:
- verificar a matéria dada como provada nos Factos 27 e
89;
- verificar a necessidade de serem considerados
provados os factos constantes da factualidade não provada 2.19 e 2.25;
ii)-quanto
à questão da audição do menor, verificar se o Tribunal agiu de forma correcta
ou se se torna essencial proceder a ela;
iii)-
quanto ao regime fixado, se se mostra adequado estabelecimento da guarda
conjunta com residência alternada.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
A
Decisão sob recurso assentou na consideração da seguinte factualidade[3]:
1.
... T, nasceu em 7 de agosto de 2013, e é filho de L… e de A… ....
2.
Por sentença de 28.11.2017, proferida no processo de regulação das responsabilidades
parentais n.º 1832/17.6T8TVD, deste Juízo de Família e Menores de Torres Vedras,
foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais
relativamente ao menor ... T.
3.
De acordo com o aí homologado, o exercício das responsabilidades parentais ficou
regulado nos seguintes termos:
3.1.
- Cláusula 1- O Exercício das Responsabilidades Parentais relativo aos atos da
vida corrente do menor ... T ficam a cargo da progenitora, com quem o menor
fica a residir.
3.2.
- Cláusula 2- As questões de particular importância para a vida do menor serão
exercidas em comum por ambos os progenitores, nomeadamente as seguintes:
-
saídas para o estrangeiro;
-
escolha de estabelecimento de ensino;
-
realização de tratamentos médicos, intervenções cirúrgicas ou outras atividades
que ponham em causa a vida e a integridade física do menor, ressalvadas as
situações de urgência;
3.3.
- Cláusula 3- O menor passará com o pai fins-de-semana alternados, desde sexta-feira
a domingo, indo para tanto o pai buscar o menor à sexta-feira à escola, após as
atividades letivas, e entregará o menor no domingo até às 21:30, em casa da
progenitora.
O
menor passará ainda as terças-feiras com o pai, devendo este buscar o menor à escola
após as atividades letivas, e entregá-lo em casa da progenitora até às 21:30
horas, durante os próximos 3 meses.
A
partir de Março de 2018, o pai entregará o menor à quarta-feira de manhã, na
escola.
3.4.
- Cláusula 4 - No dia de aniversário do menor, o mesmo passará alternadamente
com cada um dos progenitores, os períodos das 10:00 horas às 16:00 horas, e com
o outro a partir das 16:00 horas até ao final do dia com pernoita, sendo o
menor entregue ao outro progenitor, caso decorra do regime das férias essa
obrigação, até às 10:30 horas do dia seguinte.
No
ano de 2018, o menor almoçará com a mãe e jantará com o pai, alternando nos anos
seguintes.
No
dia de aniversário dos progenitores, dia da Mãe e dia do Pai, o menor passará o
dia com o respetivo progenitor, incluindo a pernoita.
3.5.
- Cláusula 5- A véspera do dia de Natal, dia de Natal, véspera do dia de Ano Novo
e o dia de Ano Novo, o menor passará alternadamente com cada um dos
progenitores, sendo que este ano, o menor passará a véspera do dia de Natal e a
véspera do dia de Ano Novo com a mãe.
O
dia de Natal e o dia de Ano Novo, o menor passará o dia com o pai, sendo o
menor entregue no dia seguinte, até às 10:30 horas.
3.6.
- Cláusula 6- O menor passará, alternadamente, com cada um dos progenitores, o
domingo de Páscoa, sendo no ano de 2018 passado com a mãe.
3.7.
- Cláusula 7- O menor passará no período de férias de verão, dois períodos de férias
interpoladas de quinze dias com cada um dos progenitores, nos meses de Julho e Agosto.
Os
progenitores tentarão, na medida do possível, e durante o mês de Março, acordar
entre si os períodos de divisão de férias do menor.
Na
falta de acordo, atendendo ao facto da mãe ser trabalhadora por conta de outrem
e o pai profissional liberal, a mãe terá preferência no agendamento das mesmas
até ao dia 30 de Março de cada ano.
Os
progenitores informam-se reciprocamente acerca do local onde o menor se encontra
a passar férias, com indicação expressa da morada onde o mesmo se encontra a pernoitar.
3.8.
- Cláusula 8- O progenitor contribuirá com a quantia de 200,00€ (duzentos euros)
mensais, a título de pensão de alimentos para o menor, até ao dia 8 de cada
mês, mediante transferência bancária ou depósito para a conta da progenitora, cujo
IBAN já é do conhecimento do progenitor.
3.9.
- Cláusula 9- O progenitor pagará a totalidade das mensalidades do colégio, as
matrículas, as fardas, alimentação e seguro do colégio, e as atividades
extracurriculares, que tenham o acordo de ambos, desde já havendo acordo quanto
à natação.
3.10.
- Cláusula 10- A pensão de alimentos será atualizada, anualmente, de acordo com
a taxa de inflação publicada no INE referente ao ano anterior, a partir de
Janeiro de 2019.
4.- Por sentença de 19.11.2020, proferida nos
presentes autos de alteração de regulação das responsabilidades parentais, foi
homologado o acordo de alteração do exercício das responsabilidades parentais
relativamente ao menor ... T, nos seguintes termos:
Cláusula
1- Todas as despesas de saúde, incluindo médica e medicamentosas serão comparticipadas
por ambos os progenitores em partes iguais, sendo que aquele que efetuar o pagamento
remeterá ao outro cópia dos recibos até ao final do mês respetivo e, sendo o progenitor
a pagar a sua quota-parte efetuará juntamente com a prestação do mês seguinte e
sendo a mãe a pagar a quota-parte ao progenitor terá 10 dias para pagar a mesma
devendo em ambos os casos o progenitor que recebe o pagamento da quota-parte do
outro remeter um email a dar conta do recebimento/quitação do valor recebido.
Desde
já, ambos os pais acordam no que respeita aos médicos, incluindo privados e terapias
que o menor frequenta com regularidade se devem manter enquanto for necessário,
sendo que o recurso a novos médicos no privado carecerá de acordo de ambos os progenitores,
sob pena de na falta do mesmo, ser o progenitor que for ao médico a custear a totalidade
da despesa.
5.
– Por sentença de 19.11.2020, proferida no apenso C) do processo de regulação das
responsabilidades parentais n.º 1832/17.6T8TVD, deste Juízo de Família e
Menores de Torres Vedras, foi homologado o acordo relativamente ao menor ... T,
nos seguintes termos:
Cláusula
1- Os progenitores acordam que o menor ... T frequentará a Escola "M...”
até ao 4.º ano de escolaridade, inclusive.
Todas
as despesas com a frequência desta Escola serão divididas a metade entre ambos
os progenitores.
O
pagamento destas despesas retroage-se a setembro de 2020, inclusive, incluindo
a matrícula do presente ano letivo.
No
5.º ano, acordam que o menor ... frequentará uma escola pública a escolher entre
ambos os progenitores.
6.
– Em 12/11/2019 nasceu o T, irmão do ....
7.
- Logo que o T nasceu, o Requerente, por sua livre iniciativa, começou a assegurar
o pagamento de uma pensão de alimentos, no valor mensal de €200,00 (duzentos euros),
e inclusive aceitou adiantar à Requerente pensões de alimentos, devido a
pretensas dificuldades económicas que aquela alegou atravessar.
8.
- Foi o Requerente quem instaurou o processo de Regulação das Responsabilidades
Parentais do T, que deu origem ao processo que sob o n.º 1205/20.3T8TVD, corre
termos neste mesmo Juízo, deste Tribunal.
9.
- No âmbito do referido processo e já após instauração dos presentes Autos foram
provisoriamente reguladas as responsabilidades parentais do T, nos seguintes termos:
1-
O menor T fica a residir com a progenitora, sendo a mesma competente para a prática
dos atos da vida corrente relativos à vida do menor.
2-
O exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular
importância para o desenvolvimento, saúde, educação e segurança do menor são
exercidas por ambos os progenitores.
3-
O pai poderá estar com o menor às terças-feiras e fins de semanas alternados
que coincidiam com o filho ... com o seguinte regime gradual:
a)
Nos primeiros 2 meses irá buscar o menor a casa da mãe após a sesta depois as
16 horas, entregando o mesmo às 18 horas, no mesmo local, para garantir a
manutenção das rotinas da amamentação.
b)
Após este período o pai poderá estar com o menor indo busca-lo nos dias fixados
pelas 10 horas da manhã após a mamada da manhã, entregando-o pelas 18 horas por
forma a garantir a manutenção da rotina da mamada.
c)
A partir dos dois anos de idade e caso o processo ainda não tenha decisão
final, estes contactos passarão a incluir pernoita, nos mesmos moldes fixados
para irmão ....
d)
O pai contribuirá com a quantia de 200€ a título de pensão de alimentos, mais
50% das despesas médicas, medicamentosas e escolares, sendo que nas escolares
em caso de frequentar atividades extra- curriculares terão de ser acordados
entre ambos. O progenitor que fizer a despesa apresenta a fatura/recibo ao
outro que terá prazo de 30 dias para pagar a sua quota parte.
e)
No dia dos anos do menor (12 de novembro) o pai poderá estar com o menor, das 16
horas às 18 horas.
f)
O pai poderá ainda passar com o menor o dia 24 dezembro e 31 de dezembro indo buscar
pelas 10 horas e entregando-o às 18 horas.
g)
O menor poderá estar com o pai no dia do pai e nos anos do pai nos moldes previstos.
4-
A pensão de alimentos é atualizada anual e automaticamente de acordo com a taxa
de inflação publicada no INE, a partir de janeiro de 2021.
10
- O Regime Provisório foi fixado nos termos supra descritos em virtude do T se
encontrar a mamar e ser previsível que o vá fazer até aos dois anos de idade.
11.
- O Requerente e a Requerida não chegaram a acordo quanto à Regulação Definitiva
das Responsabilidades Parentais do seu filho mais novo, o T.
12.
- O Requerente pretende que, seja adotado o regime de guarda conjunta, com residência
alternada, relativamente ao T, por outro lado a Requerida pretende que o menor
fique, unicamente, à sua guarda.
13.
- O Requerente ao longo da sua vida focou-se na sua carreira e teve uma vida profissional
muito ativa.
14.
- Em junho de 2018, o Requerente reformou-se.
15.
– A vida profissional do Requerente impediu-o de ter total disponibilidade para
acompanhar os seus filhos, nomeadamente os mais velhos, na medida em que este
trabalhava durante a semana e por vezes também ao fim de semana.
16.
- O ... frequenta, desde sempre, o Colégio privado “O M...”, tendo transitado
para o 3.º ano de escolaridade.
17.
- O Pai assegurou até agosto de 2020, a quase totalidade do pagamento dos custos
associados à frequência daquele estabelecimento de ensino, designadamente mensalidades,
matrículas, fardas e seguro, passando a partir de setembro e 2020, o pagamento de
todas as despesas com a frequência desta Escola a serem divididas a metade
entre ambos os progenitores.
18.
- Em junho de 2019, o Requerente opôs-se, no âmbito do Apenso B dos presentes
Autos, a que o ... continuasse no referido estabelecimento de ensino, por entender
que as necessidades do menor não o impedem de frequentar uma escola pública e porque,
conforme em sede própria alegou, existiam circunstâncias que no seu
entendimento determinavam que aquele pudesse e devesse frequentar um
estabelecimento de ensino público, tendo os progenitores chegado a acordo em
6.9.2019 no sentido de no ano letivo 2019/2020, o menor frequentar o 1.º ano,
do 1.º ciclo na escola “o M...” em xxxx.
Entre
o dia 15 de abril de 2020 e 15 de maio de 2020, ambos os progenitores acordaram
que se comprometiam a dialogar e a proceder às diligências que tiverem por necessárias,
com vista a acordarem a Escola que o menor ... T frequentará no ano de
2020/2021.
19.
– Em 5.6.2020 o Requerente instaurou incidente, que deu origem ao Apenso C dos
presentes Autos, para resolução de diferendo acerca da escolha do
estabelecimento de ensino que o menor ... devia frequentar este ano letivo,
porque, os rendimentos do Requerente ficaram diminuídos em razão da presente
pandemia, além de ter outro filho também com a Requerida a quem paga pensão,
bem assim como porque as necessidades do menor podem ser devidamente
asseguradas em estabelecimento de ensino público e ainda porque entende que do
ponto de vista social, pessoal e de crescimento como ser humano será melhor
para o ....
20.
- Com a situação de reforma o Requerente é dono do seu tempo e tem disponibilidade
para organizar o seu dia e criar rotinas.
21.
- Tem disponibilidade para preparar as refeições em casa e para lá as tomar.
22.
- Tal como tem disponibilidade para levar e recolher o ... do estabelecimento
de ensino que frequenta, em xxxx e o
ajudar na realização dos trabalhos de casa.
23.
- E ainda para o levar às atividades extracurriculares.
24.
- Podendo inclusivamente ficar com o menor logo depois deste sair da escola.
25.
- Tal como o pode acompanhar a qualquer consulta médica a que o mesmo tenha que
ser submetido.
26.
- Os familiares mais próximos do Requerente, designadamente os seus dois filhos
mais velhos, residem em Lisboa.
27.
– O Requerente pode contar com o apoio da sua atual companheira que se encontra
disponível para o acompanhar na prestação de todos os cuidados que o menor ...
necessite.
28.
- Aquando da Regulação das Responsabilidades Parentais do ..., o Requerente
vivia no apartamento do qual é proprietário, sito na Rua …, em Lisboa.
29.
– O Requerente no 1.º semestre de 2020 adquiriu uma residência na Rua…, em xxxx,
para poder estar com os filhos menores.
30.
– A casa referida em 29 dista cerca de 15 kms de distância da casa da Requerida,
sita fora de xxxx, na Rua …, na localidade de …, concelho de xxxx.
31.
– E dista a poucos minutos da escola do menor.
32.
- A habitação do progenitor na cidade de xxxx é constituída por uma sala, dois
quartos, uma cozinha, uma casa de banho e um terraço e o progenitor fica na
mesma com os menores.
33.
- O ... tem um quarto para si, juntamente com o irmão.
34.
- Apartamento este que se situa na zona das escolas públicas de xxxx e da
“Física”, local onde o menor pratica as atividades desportivas.
35.
- O Requerente tem 69 anos de idade e padece de diabetes.
36.
– A Requerida atendendo à proximidade com o inicio do ano letivo, e em face da
oposição do Requerente teve de intentar uma ação para resolução de questão de
particular relevância (que deu origem ao apenso A), para que o ... pudesse
frequentar algum estabelecimento de ensino no início de setembro de 2019.
37.
- Em agosto de 2019, quando o ... se encontrava de férias com o pai – férias, o
Requerente não entregou o menor à mãe, na data que a mãe entendia estar
acordada a entrega, não tendo a mãe ido para o Algarve.
38.
- Em setembro de 2019, após o acordo referido em 18., o Requerente comunicou à
Requerida, por email, que deixaria de comparticipar 50% das despesas de saúde do
..., como até aqui sucedera, em virtude de tal não decorrer expressamente do acordo
em vigor, que nada referia quanto à repartição daquelas despesas.
39.
- Perante esta recusa do Requerente, a mãe não descurou nenhuma consulta ou terapia
que o ... necessitou, tendo suportado sozinha, durante todo o ano letivo de 2019-2020,
até ao passado dia 19 de novembro de 2020, todas as despesas de saúde do ...,
sem qualquer comparticipação do Requerente.
40.
- Em março de 2020, com o início da primeira vaga da pandemia de Covid-19 no
nosso país, o decretamento do estado de emergência e consequente encerramento
das escolas, o Requerente, a 17/03/2020, terça-feira, dia de ir buscar o ... -
dirigiu à Requerida um email onde refere que “ (…) devido aos riscos emergentes
da pandemia do covid 19, optei por não exercer estas responsabilidades /
direitos. Obviamente que, sendo as tuas, complementares das minhas, espero que
concordes com esta minha decisão”.
41.
- Após este email, com anuência da mãe, as crianças ficaram exclusivamente entregues
à guarda e cuidados da Requerida durante um período de dois meses e meio.
42.
- Em meados de maio de 2020, o Requerente dirigiu novo email à Requerida comunicando
que tencionava em breve retomar os convívios com o ... e as visitas ao T.
43.
- O Requerente convenceu-se de que os fins de semana consigo teriam de ser “os
fins de semana par”, e por isso, decidiu retomar os fins de semana com o ... a partir
de 29 de maio em diante.
44.
- Em abril de 2020, o Requerente veio uma vez mais opor-se à continuação da frequência
do colégio, no ano letivo de 2020-2021.
45.
- O Requerente trabalhou, a maior parte da sua vida profissional, como consultor
na ----.
46.
- Foi no exercício da sua atividade profissional ao serviço daquela empresa de consultoria
e auditoria que o Requerente desenvolveu a sua carreira profissional ao longo
dos anos, e onde inclusivamente ascendeu a sócio.
47.
– A partir da reforma, inicialmente o Requerente passou a trabalhar como consultor
freelancer, num primeiro momento, enquadrado como trabalhador independente, tendo,
neste momento, apenas intervenção cívica junto de associações cívicas,
escrevendo artigos de opinião em jornais e gerindo o seu património imobiliário
com os filhos maiores.
48.
- O Requerente é sócio-gerente da sociedade ---, LDA, com sede na Rua …,
Lisboa, com o objeto de Prestação de serviços de consultoria, assessoria e
auditoria.
49.
- Sendo ainda sócio maioritário e também gerente da Sociedade ---, LDA, com o
NIPC …, com sede social na casa de Lisboa do Requerente, que também tem por
objeto social a “prestação de serviços de consultoria e assessoria de gestão.”.
50.
- Em 2020, constituiu com os dois filhos mais velhos a sociedade …, LDA, NIPC …,
também com sede social na casa de Lisboa do Requerente, e que tem por objeto
social a “Compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para
esse fim; arrendamento de bens imobiliários; construção de edifícios residenciais
e não residenciais; atividades de alojamento mobilado para turistas;
restauração; exploração de unidades hoteleiras; outras atividades hoteleiras
relacionadas com serviços de promoção de turismo e hospedagem.”, sendo também
gerente da mesma.
51.
- As obrigações estipuladas na Regulação das Responsabilidades Parentais encontram-se
a ser cumpridas pelos progenitores pelo menos desde 2019.
52.
– Já sucedeu mais que uma vez nos últimos três anos, mesmo após a data de início
da reforma, o pai não estar disponível para assegurar os seus fins-de-semana,
férias e convívios semanais, por ter ido a Porto Santo, ou ter ido de férias ou
ter efetuado uma intervenção cirúrgica.
53.
- No ano de 2020, em que todas as deslocações estiveram altamente restringidas
por força da pandemia de Covid-19, em outubro, o Requerente foi ao Porto Santo por
9 dias, dado aí também ter 2 terrenos que pretendeu ir ver, tendo informado a
progenitora que não podia estar com os filhos durante esse período.
54.
- No artigo de opinião que o Requerente escreveu para o Jornal Público no passado
dia ----, onde vem identificado como “Consultor; ex-assessor do Ministério …”.
55.
- O agregado familiar do pai atualmente é composto apenas pelo pai e, desde janeiro
de 2020, pela nova companheira do pai, a Senhora S…, natural do Paraguai, de 38
anos de idade, que declarou possuir formação na área do direito e ensino básico
no seu país de origem, tendo uma boa relação com o menor ....
56.
- Os contactos do ... com os seus irmãos consanguíneos, JR, de 41 anos de
idade, e TA, de 23 anos de idade, têm em regra ocorrido ao jantar de
3.ªs-feiras, quando aqueles têm disponibilidade.
57.
- Nunca, até hoje, nenhum dos irmãos consanguíneos do ... compareceu nas festas
da escola de natal ou de final de ano, nem nunca sequer o foram buscar à
escola.
58.
- Não acompanham de forma próxima, o dia-a-dia e crescimento do irmão, as suas
rotinas, os seus passatempos, os seus interesses e as suas necessidades.
59.
- O JR, de resto, só conheceu o ... quando este já tinha um ano de idade e o ...
nem sequer o reconhecia como seu irmão, tratando-o por “senhor”.
60.
– O ... tem uma relação de enorme proximidade e cumplicidade com a B…, a irmã
uterina do ..., com 21 anos de idade, estudante universitária de marketing e
publicidade.
61.
- A B... desde o nascimento do ... que é uma presença real e efetiva na vida do
irmão,
62.
- Vai com regularidade buscá-lo à escola, conhece os seus gostos e interesses, está
presente e acompanha o seu dia-a-dia e todas as datas importantes da sua vida,
preocupa-se com o irmão e empenha-se em passar tempo com ele.
63.
- Quando o ... vai para casa do pai (férias, fins de semana e dias de semana
também) a mãe tem sempre de enviar uma mala, nomeadamente, com roupa, pijama, pantufas,
escova de dentes.
64.
– O Requerente possui casas em Lisboa, em zzzzz, uma em uuuu e uma em xxxx.
65.
- A casa de zzzz não é apenas para passar férias e fins-de-semana, já que o
Requerente, tanto aos fins-de-semana, como durante a semana, já tem alternado
entre esta casa e a de xxxx, já tendo levado o menor consigo para a casa de zzzz,
tendo o menor aulas no dia seguinte.
66.
A habitação da Requerida é composta por sala, cozinha, 2 quartos e uma casa de
banho. O T partilha o quarto com a progenitora dispondo de cama adequada à sua idade.
O ... partilha o quarto com a sua irmã, dispondo ambos de cama individual, conforto
e de privacidade entre irmãos. A habitação possui condições de habitabilidade, organização
doméstica e conforto.
67.
- O ... apresenta um desenvolvimento acima da média em determinadas áreas,
nomeadamente ao nível do raciocínio, e, simultaneamente, demonstra algumas dificuldades
noutras áreas, nomeadamente, na concentração, no trabalho em silêncio, em focar-se
numa atividade, em esperar pela sua vez, bem como algum atraso ao nível da motricidade
fina.
68.
- A partir do momento que começaram a revelar-se os primeiros indícios, a pediatra
que acompanha o ... desde o nascimento – a Dra. G… – recomendou que este
passasse a ser acompanhado também por um pediatra de desenvolvimento.
69.
- A partir de Janeiro de 2018, o ... começou a ser acompanhado na consulta de
Desenvolvimento do Hospital de Santa Maria, pelo Dr. A…, com a concordância do
Requerente, que compareceu em algumas consultas.
70.
- Na sequência deste acompanhamento, foi levantada por aquele especialista a hipótese
de um diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção.
71.
- Tendo a mãe consultado ainda uma segunda opinião, a Dra. P..., médica
pediatra na Unidade de Desenvolvimento do Hospital D. Estefânia em Lisboa.
72.
- O ... foi então submetido a uma avaliação psicológica, levada a cabo pela
Dra. I…, no Hospital de Santa Maria, e onde foi confirmado o diagnóstico de
hiperatividade e défice de atenção numa apresentação pré-escolar.
73.
- Naquele relatório vêm sugeridas como medidas de intervenção “o reforço de estratégias
comportamentais e de parentalidade positiva; e o seguimento multidisciplinar em
consulta de neurodesenvolvimento: pediatria do neurodesenvolvimento, psicologia
e terapia da fala”.
74.
- A mãe, além de ter dado sempre nota ao pai de todas as consultas a que levou a
criança tendo este estado presente apenas naquelas que entendeu, deu igualmente
conhecimento de todas as questões que em concreto foram sendo colocadas pelos profissionais,
tendo inclusivamente remetido por email o relatório elaborado no Hospital de Santa
Maria.
75.
- Em virtude destas necessidades educativas especiais que o ... tem manifestado,
este foi acompanhado por uma terapeuta da fala, desde junho de 2019.
76.
- Está a ser acompanhado por uma terapeuta de psicomotricidade desde Novembro
de 2018 até aos dias de hoje.
77.
- No âmbito do acompanhamento realizado pela terapeuta de psicomotricidade, realizado
um relatório de acompanhamento, onde resulta expressamente a tendência à dispersão
da atenção do ..., a dificuldade em regular as suas emoções e a reduzida disponibilidade
que demonstra para as aprendizagens formais mais exigentes, dando nota expressamente
de algum retrocesso, sobretudo de uma fraca autoestima, após o período de férias,
porém, no decorrer do 1º período do ano letivo de 2019/2020, e de forma muito progressiva,
o ... tem readquirido maior estabilidade emocional e tem melhorado significativamente
a sua autoestima e autoconfiança, mostrando uma diminuição da agitação psicomotora
e um maior investimento nas tarefas formais que lhe são propostas.
78.
- Também a terapeuta da fala que acompanhou o ... até ao final do ano letivo
passado, no “Relatório de Acompanhamento Final” que elaborou, refere que “(…) o
... continua a manifestar fragilidades linguísticas e articulatórias,
recomendando-se assim a continuidade da intervenção em terapia da fala no ano
letivo 2019/2020.”
79.
- A Dra. P…, Pediatra de desenvolvimento, em 2.1.2020 considerou que a situação
do ... por ser de caráter permanente, necessita de rotinas bem estabelecidas e
previsíveis, supervisão parental acrescida e estabilidade emocional, pelo que se
recomenda que seja dada primazia a um regime de guarda total da criança em um
só domicilio, até porque, neste momento, ocorreu o nascimento de um irmão mais
novo e a passagem para um regime de guarda partilhada seria uma situação
gravosa a acrescer à instabilidade emocional da criança.
80.
- Esta supervisão e acompanhamento próximo do ..., sempre foi – e continua a
ser – uma preocupação e uma prioridade para a Requerida,
81.
- Logo que este diagnóstico foi colocado como possibilidade, a Requerida pediu
no seu trabalho para um dia por semana trabalhar a partir de casa para poder
dar um maior acompanhamento ao ....
82.
- O Requerente, por seu turno, apesar de reformado desde 2018 compareceu apenas
nas consultas que quis prescindindo de estar presente nas restantes.
83.
– O Requerente deixou de comparticipar 50% das despesas de saúde do menor a
partir de Setembro de 2019 até Novembro de 2020.
84.
- A partir de Setembro de 2020, de deixar de comparticipar na totalidade a mensalidade
do colégio do menor.
85.
– A Requerida desenvolve a sua atividade profissional na empresa de Consultadoria
----, tendo como função o planeamento de mercado, auferindo mensalmente cerca
de 1.361,21€, estando, neste momento, em teletrabalho.
86
- O Requerente aufere de pensão cerca de 2.700,00€ mensais e possui património
imobiliário.
87.
– O ... tem pena quando vê o irmão mais novo regressar ao fim de algumas horas
a casa e ele não.
88.
- O Requerente no dia 25 de novembro de 2020, deu instruções à criança para que
este retirasse da carteira da mãe o seu cartão de cidadão e lhe entregasse, sem
avisar a Requerida, sem justificar porque motivo precisava do cartão do menor.
89.
– Existe a comunicação necessária entre o Requerente e a Requerida sobre aspetos
relacionados com o menor, conseguindo entender-se em alguns assuntos mais importantes
(ex: diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção do menor), noutros assuntos
não se entendem, já tendo a progenitora recorrido para a resolução de problemas
com a escolha de escola junto do Tribunal ou relacionado com um fim de semana
com a mediação dos advogados, bem como, tendo algumas divergências sido
tratadas por e-mail.
90.
- O menor não tem manifestado vontade em passar mais tempo com o pai.
91.
– Existe uma vinculação entre o ... e o irmão mais novo, e onde este se apresentava
“bem-disposto”.
92.
- O ... tem as suas rotinas diárias estabelecidas, e é acompanhado quase diariamente
de forma muito próxima pela mãe, como sempre sucedeu desde o seu nascimento até
aqui, e que está agora em casa em teletrabalho, sendo a mãe percecionada pelo
menor ... como fonte de afeto.
93.
- Tendo esta inclusivamente durante o ano passado estado totalmente dedicada à
família, a partir de agosto de 2019, quando ficou de baixa até ao nascimento do
T, e a gozar a licença de maternidade, de 12/11/2019 a 08/07/2020.
94.
- Mantendo-se desde então também a trabalhar apenas a partir de casa, em teletrabalho.
95.
- A Requerida, conta ainda com o apoio familiar por parte da sua família alargada,
que são também uma presença assídua na vida o ..., concretamente, os avós maternos
residentes em Torres Vedras e a filha mais velha.
96.
– Que em relação à situação referida em 37., a Requerida contactou também a
polícia, que por sua vez entrou em contacto telefonicamente com o Requerente, questionando-o
acerca da entrega da criança à mãe, tendo este referido à polícia que não entregaria
o filho à mãe por o regime em vigor determinar que ele o entregasse uma semana depois.
97.
- O ... tem uma enorme necessidade, identificada por todos os profissionais de
saúde que o acompanham, de estabilidade, de constância, de organização, de estabelecer
rotinas concretas, de supervisão, quer nas atividades escolares, quer na
ocupação dos tempos livres, e de um acompanhamento próximo e direcionado, que o
permita perseverar, focar-se e assim contornar as suas dificuldades cognitivas.
98.
- O ..., desde que soube que a mãe estava grávida, acolheu a notícia com enorme
alegria e, após o nascimento do irmão, tem revelado grande orgulho neste, sendo
muito carinhoso, gostando que o irmão faça parte do seu dia-a-dia, mostrando-o
com alegria aos amigos da escola e restante comunidade escolar e a todos os
amigos e conhecidos.
99.
- O ... revela também, desde que o irmão nasceu, alguma necessidade acrescida
de atenção, quando regressa a casa todos os dias da escola.
100.
- No final do 1º período do ano letivo de 2020/2021 consta como apreciação global
da avaliação escolar do menor ... que “Ao longo deste período, o ... demonstrou
ser um aluno interessado pelo seu processo de aprendizagem e empenhado nas
tarefas/atividades propostas em sala de aula. O ..., relacionou e consolidou,
de forma positiva os conteúdos abordados nas várias áreas do conhecimento, apresentando
um bom desempenho. O aluno apresenta momentos de desatenção e comportamentos
desajustados ao contexto de sala, devendo aprender a gerir melhor a sua postura,
uma vez que prejudica o seu desempenho e aproveitamento.
O
... consegue desempenhar as suas funções de forma positiva, sendo recetivo a
todas as tarefas/atividades propostas em sala de aula. Deverá continuar a
esforçar-se por apresentar mais rigor nos seus trabalhos e na sua caligrafia. O
... deve esforçar-se para melhorar o seu comportamento em sala de aula, cumprir
as regras de participação e evitar conversas paralelas”.
101.
– O progenitor já tem ido entregar o ... mais cedo a casa da progenitora
prescindido várias vezes que durma em sua casa, nos dias a que tem direito,
indo o mesmo dormir a casa da mãe por o ... querer estar com o T.
102.
– A Sr.ª Psicóloga D... referiu que uma mudança na vida do ... desde que seja
com rotinas e regras não será prejudicial para o ....
103.
- O menor verbalizou à Sr.ª Psicóloga D... que em casa do pai é uma “seca”
porque há mais regras.
Foi a seguinte a
factualidade considerada não provada:
2.1.
– Que o Requerente teve, desde sempre, dificuldades em visitar o T e não conseguia
estabelecer contactos frequentes com o mesmo, porque a Requerida colocava obstáculos
a tal.
2.2.
– Que o Requerente quando o T nasceu não podia estar e contactar com o mesmo.
2.3.
- Que a Requerida exerce a sua atividade profissional em Lisboa e por essa razão
não possa ir buscar o ... à escola.
2.4.
– Que caso o Requerente necessite de algum apoio para cuidar dos filhos poderá contar
com o apoio dos seus outros dois filhos, já maiores de idade.
2.5.
– Em razão da atual pandemia, o Requerente perdeu rendimentos de prédios que tinha
arrendados.
2.6.
– Que o Requerente em virtude de existir um limite de idade imposto por normas
internas daquela empresa aos 60 anos deixou de aí trabalhar, o que ocorreu em
junho de 2012.
2.7.
– Em novembro de 2017, o Requerente já estava a trabalhar por conta própria há cinco
anos.
2.8.
– O Requerente continua hoje em dia a exercer a função de consultor freelancer.
2.9.
- A situação profissional / laboral real e efetiva do Requerente não sofreu qualquer
tipo de alteração desde novembro de 2017 até aqui.
2.10.
– Que o facto do menor não ter sido entregue nas data acordadas em agosto de 2019
tenha causado uma enorme inquietação ao ..., que estava a contar regressar a casa
da mãe numa segunda-feira, e só regressou uma semana mais tarde, tendo ficado a
saber que assim seria três dias antes da data em que contava regressar.
2.11.
- Em todos os telefonemas que fazia para a mãe, o menor chorava e perguntava porque
é que não iria regressar no dia que estava combinado e que lhe havia sido dito
de antemão.
2.12.
- No decurso do ano de 2020, à exceção do tempo de confinamento, o Requerente
limitou o seu contacto com o seu filho T a uma visita semanal, de cerca de 30
minutos de duração (por vezes menos até), às terças-feiras, antes de ir
recolher o ... à escola, e a uma visita quando deixa o ... em casa aos
domingos.
2.13.
- Tendo ocorrido por diversas vezes nos últimos três anos, a mãe, por si ou recorrendo
ao apoio dos seus pais, à última hora, ter de ser ela ir buscar o ... ao colégio
num dia do pai, por força de impossibilidades deste em garantir os convívios
nos moldes estabelecidos no regime em vigor.
2.14.
- Os contactos do ... com os seus irmãos consanguíneos, JR, de 41 anos de
idade, e T, de 23 anos de idade, resumem-se a um almoço ou jantar esporádico,
sempre num restaurante (já que o pai não cozinha em casa) quando o menor se
encontra na companhia do pai.
2.15.
- No dia 8 de Dezembro de 2020, também não poderá ir buscar os filhos porque
tem uma consulta médica.
2.16.
Os irmãos consanguíneos mais velhos não comparecem nas celebrações de aniversário
do ..., mesmo aquelas que têm lugar em casa do pai e nunca passaram férias com
o ....
2.17.
– Já aconteceu, inclusivamente, numa ocasião, a mãe esquecer-se de enviar na mala
cuecas para o ..., e a criança ter ido para a escola no dia seguinte de fato-de-banho,
porque o pai nem sequer um par de cuecas para o filho tinha em casa, tendo inclusivamente
relatado este facto à diretora da escola, como se de uma falta lamentável de cuidado
da parte da mãe se tratasse.
2.18.
– O Requerente é portador da Síndrome de Pernas Inquietas (Restless Legs), tomando
medicação há vários anos para o efeito, que impede que este esteja
suficientemente alerta e vigilante durante a noite, caso seja necessário
prestar algum auxílio aos filhos, o que é perfeitamente comum em crianças tão
pequenas.
2.19. – Que perante
os relatórios quanto às consultas efetuadas ao menor, não tenha o pai dado
qualquer resposta, feito qualquer pergunta ou manifestado qualquer preocupação.
2.20
- O Requerente não cozinha de todo, nem nunca cozinhou.
2.21
- Até ao momento em que o Requerente iniciou a união com a sua atual companheira,
todas as refeições do ... quando está com o pai (incluindo o pequeno-almoço)
eram tomadas em restaurantes ou cafés.
2.22.
- No atual contexto de pandemia, o Requerente faz questão de preencher os seus
fins de semana e férias, incluindo aqueles em que o ... está na sua companhia,
em diversos almoços e jantares, com adultos, que o menor relata como demorados
e aborrecidos, conforme se alcança de fotografias onde figura o Requerente e o
menor.
2.23.
- Ao regressar a casa da Requerida após um destes convívios com diversas pessoas
em plena pandemia, o menor apresentava uma queimadura solar provocada pelo
facto de ter estado sentado ao sol, durante todo o tempo que durou o almoço,
sem que o Requerente tomasse qualquer providência, tendo esta demorado vários
dias a passar.
2.24.
- O Requerente pratica uma condução irresponsável.
2.25. - No que se
refere ao acompanhamento das terapias complementares e evolução escolar, o
Requerente nunca revelou nenhum empenho ou preocupação de maior a esse nível.
2.26.
– Que o Requerente continue a auferir os seus rendimentos, através de várias sociedades
que constituiu para o efeito.
2.27.
– Que o ... chega a casa da mãe frequentemente a chorar, dizendo que não quer
mudar de escola, ou estar mais tempo em casa do pai.
2.28.
- Que o Requerente nenhum esforço faz na adaptação do comportamento para ir ao
encontro das necessidades do filho, regressando a criança de casa do pai
frequentemente com um discurso desmotivado e auto-destrutivo, proferindo frases
como “eu sou um burro!” ou “não sei fazer!”, que não é próprio seu.
2.29. - Manifestando
também grande relutância em ir para casa do pai.
**
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo
607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia
livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção
que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para
a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em
que esta não pode ser dispensada.
Neste momento
processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa
por afirmar que a “Relação
deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos
como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem
decisão diversa”[4].
Como, aliás,
assinala o Conselheiro Tomé Gomes no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017 (Processo n.º
959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje
jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do
tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à
verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do
julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de
recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas
e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa
convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou
alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma
parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5],
nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos
pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas
conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios
probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada
(indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)),
que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a
decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em
causa, como sublinha com pertinência Abrantes
Geraldes, o “princípio
da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da
matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente
inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária
proporcionalidade e razoabilidade[7],
sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do
objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos
pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios
de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado
pretendido)”[8].
Vejamos, um a um, os Factos que de
forma relevante são colocados em causa pela Recorrente.
i)- quanto à redacção dos Factos
Provados, haverá que verificar a matéria dada como provada nos Factos 27 e 89.
Redacção do Facto 27 (O Requerente pode contar com o apoio
da sua atual companheira que se encontra disponível para o acompanhar na
prestação de todos os cuidados que o menor ... necessite).
Começa
por dizer-se que se trata de um facto absolutamente instrumental e, dir-se-á
mesmo, imbuído de algum preconceito sexista ou idadista que só pode ser
repudiado.
De
facto, pretender de aqui retirar que o pai, com a idade que tem só pode dar o
seu apoio e acompanhamento ao filho se tiver o apoio de uma mulher é, não só preconceituoso
e discriminatório, como constitucionalmente inadmissível.
Admite-se
que a referência possa funcionar como enquadramento cultural, ou mesmo para dar
uma maior segurança para quem julga no que ao bem estar do ... respeita, mas
para a decisão do processo é – efectivamente – pouco relevante.
Em
todo o caso, sempre se dirá que nada obsta a que o Tribunal pudesse concluir
como o fez, na conjugação da prova que considerou (Relatório da Audição Técnica
Especializada, declarações do pai), dos quais decorre que o pai ora Recorrido
tem uma companheira que constitui o seu agregado familiar base, a qual tem um
bom relacionamento com o ... (há uma “relação afectiva significativa”), sendo
certo que o convívio entre todos vem ocorrendo sem mácula (o próprio Recorrido
diz também nas suas declarações que é ela que fica com o ... quando vai levar o
T à mãe), nada havendo que indicie que assim deixe de acontecer.
O
referido “apoio” tem-se como necessariamente pressuposto na ideia de casal, do
novo projecto de vida pessoal do Requerido.
Por
outro lado, dizer que o Recorrido não tem estrutura para a prestação de
cuidados às crianças (como a este propósito afirma a Recorrente), para além de
não ser tido nem achado para apreciação da correcção do facto em causa, nem
sequer é verdade (em face quer do vector imobiliário - casas onde reside e sua
estrutura -, quer das suas capacidades económicas - que sempre lhe permitiriam,
não fosse ele capaz, de encontrar solução para isso)[9].
Diferente
seria se a Recorrente tivesse alegado e comprovado
que o Recorrido era incompetente para a realização das suas tarefas parentais,
o que nem sequer é o caso (as “fragilidades” do passado estão ultrapassadas).
Nestes
termos, não há qualquer erro (muito menos notório), no que concerne à prova do
Facto 27, o qual, se mantém inalterado.
*
Redacção do Facto 89 (Existe a comunicação
necessária entre o Requerente e a Requerida sobre aspetos relacionados com o
menor, conseguindo entender-se em alguns assuntos mais importantes (ex:
diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção do menor), noutros assuntos
não se entendem, já tendo a progenitora recorrido para a resolução de problemas
com a escolha de escola junto do Tribunal ou relacionado com um fim de semana
com a mediação dos advogados, bem como, tendo algumas divergências sido
tratadas por e-mail).
Entende
a Recorrente que este facto está em expressa contradição com a restante
factualidade dada como provada e contrariam quer as declarações de Recorrente e
Recorrido, quer os depoimentos das testemunhas arroladas no processo.
Não
tem razão a Recorrente pois assume um erro de perspectiva: as divergências são
normais, mas se há acordo, ou se apesar delas e quanto ao essencial, há
entendimento e os resultados se obtêm, tal não gera qualquer perturbação no
exercício da parentalidade.
Houve,
há e certamente haverá divergências entre Recorrente e Requerido.
Em
questões menores e questões mais relevantes.
Mas
têm logrado entender-se.
E
mesmo quando foi necessário recorrer a Tribunal (a não ser no que concerne à guarda
conjunta com residência alternada que aqui nos trás), o entendimento logrou-se,
o que é significativo, relevante e permite tirar consequências.
De
facto, bem vistas as coisas, o que mais ensombrou o relacionamento entre os
aqui intervenientes acabou por ser a questão da escola do ... e essa questão
desde 19/11/2020 que está resolvida. Por acordo (Facto 5, onde consta que os
progenitores, na Conferência de Pais realizada no apenso C, “acordaram em que no 5.º
ano (…) o menor ... frequentará uma escola pública a escolher entre ambos os
progenitores”).
E
o que respeita ao diagnóstico do transtorno de hiperactividade e défice de
atenção de que o ... padece (e sobre o qual não há quaisquer dúvidas nos autos),
do qual tem vido a ser tratado e acompanhado (médica e terapeuticamente)
nenhuma divergência relevante se
constata entre os progenitores[10],
sendo que a leitura das declarações do pai feitas nas alegações da ora
Recorrida, em nada altera esta conclusão, uma vez que o seu entendimento é o de
que a incidência do referido transtorno, assenta mais na hiperactividade do que
no défice de atenção.
E
daí que no concernente aos tratamentos e terapêuticas aplicadas e aplicáveis,
não haja divergência que tenha impedido que tudo se tenha feito em benefício do
..., nada indiciando que esse paradigma seja alterado (sendo certo que a
evolução da situação será acompanhada por ambos[11]).
Todas
as divergências conhecidas são normais e têm merecido um tratamento normal
entre os progenitores.
Pretendendo
esta à matéria de facto, a Recorrente pretende apenas hiperbolizar divergências
para lograr uma distinta percepção sobre a factualidade apurada, mas também
aqui não lhe assiste razão.
Neste
ponto, portanto, nada há a alterar. Mantém-se o Facto 89 como consta da
Sentença sob recurso.
ii)-
quanto à necessidade de serem considerados provados os factos constantes dos pontos
da factualidade não provada 2.19, 2.25 e 2.29.
Redacção do Facto não provado 2.19. (Que
perante os relatórios quanto às consultas efetuadas ao menor, não tenha o pai
dado qualquer resposta, feito qualquer pergunta ou manifestado qualquer
preocupação)
Redacção do Facto não provado 2.25. (No que se refere ao
acompanhamento das terapias complementares e evolução escolar, o Requerente
nunca revelou nenhum empenho ou preocupação de maior a esse nível)
É
extremamente forçada esta pretensão da Recorrente.
De
facto, nem sequer das suas próprias declarações essas conclusões poderiam ser
tiradas.
É
preciso não esquecer que a guarda do ... é a seu cargo que tem estado, pelo que
é normal que seja ela como que o pivot de todas as informações a ele relativas,
sendo certo que de forma alguma de toda a prova produzida resultou a imagem de
desinteresse do Recorrido enquanto pai, quanto àquele. Nem é isso que ressalta
das próprias declarações da Recorrente.
De
tudo resulta que o Recorrido, por um lado sempre acompanhou, sempre foi
recolhendo informações, sempre soube das consultas e tratamentos e do seu
resultado e, por outro, quando está consigo, ajuda-o nos trabalhos de casa e na
leitura.
Não
há quaisquer dúvidas sobre isso, desde logo pelas próprias declarações dos
progenitores, não tendo qualquer cabimento a pretensão deduzida em alegações de
recurso.
Repare-se
que as próprias discordâncias que existem entre os progenitores (que se têm
como normais entre pais preocupados com os seus filhos) desmentem essa imagem
apresentada nas alegações e que não espelha a prova produzida.
Nada
há a alterar quanto a estes dois factos.
*
Redacção do Facto não provado 2.29. (Manifestando também
grande relutância em ir para casa do pai).
Por fim,
quanto à pretensa relutância do ... em ir para casa do pai, começa por se dizer
que ainda que assim fosse isso não seria determinante, sendo que, em todo o
caso, esta matéria, apesar de referida nas alegações, não mereceu nelas
desenvolvimento, nem consta das alegações, motivo pelo qual, não será sequer
apreciada, por não se mostrarem respeitadas as exigências acima assinaladas,
previstas na alínea b) do n.º 1 artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Fundamentação de Direito
Iniciando
a apreciação desta matéria pela questão da audição do menor, importa não
esquecer e levar em consideração que, por despacho de 06 de Setembro de 2021
(fls. 161) e na sequência de requerimento expresso nesse sentido formulado pela
ora Recorrente, o Tribunal a quo
pronunciou-se neste sentido:
“Req.
21/7 - Veio a Requerida requerer a audição do menor ... T, relativamente à
questão objeto dos presentes autos, na data agendada para a realização da audiência
de discussão e julgamento, sendo a sua audição acompanhada pela Sr.ª psicóloga
– Dra. D… – ainda que se trate de um acompanhamento limitado à vertente do
neuro desenvolvimento, por se tratar de uma profissional com formação adequada
para o efeito, e que já tem uma relação de confiança e proximidade estabelecida
com a criança.
Notificado
o progenitor veio o mesmo requerer que a audição do menor seja indeferida, nomeadamente,
por ao ser ouvido, o menor poderá sentir que está a tomar partido a favor de um
dos progenitores em prejuízo do outro, bem como, poderá sentir-se vinculado em
responder num ou noutro sentido e pode sofrer pressão na escolha.
Por
sua vez, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a
audição do menor, nomeadamente, por atendendo à sua idade (8 anos recentemente
completados), com as inerentes dificuldades de compreensão e atenção, as quais
constituem obstáculos ao por vezes necessário aprofundar de questões,
especialmente quando se visa simultaneamente, que a criança não pense que
carrega o peso da decisão e que seja garantida a espontaneidade do seu discurso
e conformidade das suas declarações com a sua vontade real, tanto mais que as
suas declarações terão de ser tomadas em julgamento como meio de prova nos
termos do art.º 5.º, n.º7, al. a) do RGPTC.
Cumpre
apreciar e decidir.
A
presente ação respeita ao menor ... de 8 anos de idade completados em 7.8.2021.
O
objeto da ação visa ser a alteração da regulação das responsabilidades
parentais dado o progenitor pretender que seja estabelecida a residência
alternada.
A
alteração do regime das responsabilidades parentais é essencial na vida do
menor onde a audição do mesmo à partida se justificaria.
Acontece
que o menor tem a sua personalidade em formação, sendo ainda de tenra idade,
não tendo o discernimento e vivência necessários para ponderar a formação da
sua vontade quanto à situação de vivência que lhe é colocada, a que acresce que
em face ao grau de litigiosidade que os presentes autos assumiram por parte dos
pais do menor, estando arroladas mais de uma dezena de testemunhas.
Para
além da imaturidade, falta de vivência e discernimento necessários da criança fruto
da sua tenra idade quanto ao objeto do processo, sendo por essa razão também facilmente
influenciável, consideramos que o grau de conflituosidade dos pais nos autos é manifesto
contra o interesse da criança para estar, neste momento, sujeitar o menor vir a
Tribunal para ser ouvido, com contraditório por se tratar de audiência de
julgamento, mesmo sendo as perguntas apenas efetuadas pelo Juiz, indo gerar no
menor ansiedade em face do momento, sendo certo que, não será difícil verificar
através de alguns dos demais depoimentos qual o comportamento do ... em relação
a cada um dos progenitores.
Assim,
entendemos, neste momento, indeferir a audição do menor, porém se durante a
audiência de julgamento surgir alguma situação que leve o Tribunal a considerar
absolutamente necessária a sua audição assim o fará”.
Notificadas
as partes, não foi interposto qualquer recurso sobre a matéria.
A
questão da audição do menor não voltou a ser suscitada no processo (até às
alegações de recurso…).
Na
Sentença sob recurso, por seu turno, e ainda sob esta matéria, na fundamentação
de Direito, o Tribunal teve ainda oportunidade de assinalar o seguinte: “É de realçar ainda
que o menor ... apesar do Tribunal fruto da ainda tenra idade do mesmo e sendo
uma criança hiperativa e para não expor o menor a uma situação de conflito de
lealdade parental decidiu não tomar declarações ao mesmo, porém, no decorrer do
julgamento e da situação de ambos os pais vieram ao conhecimento do tribunal
informações decorrentes da prova efetuada que permitem concluir que a mãe é
percecionada pelo menor ... como fonte de afeto, tendo o mesmo uma grande
ligação à irmã uterina, B..., com 21 anos de idade, que reside com a mãe, bem
como, o menor não tem manifestado vontade de passar mais tempo com o pai
(5.1.60 a 5.1.62, 5.1.90, 5.1.92)”.
Daqui
resulta que, sem lugar a dúvida
razoável, o Tribunal - expressamente convocado para o efeito -
pronunciou-se sobre a matéria e decidiu
fundamentadamente não ouvir o ... (despacho de 06/09/2021).
O
despacho transitou em julgado e posteriormente à sua prolação nenhuma
circunstância alterou os pressupostos sobre os quais assentou.
Nesta
base, torna-se incompreensível que a Recorrente venha nas suas Alegações de
recurso actuar como se o despacho de 06 de Setembro não tivesse existido,
chegando ao cúmulo de afirmar na conclusão 84, que a audição do menor foi “preterida sem que
tenham sido aduzidas na douta Sentença recorrida, de forma cabal, concreta, e
perfeitamente identificável as razões pelas quais se prescindiu dessa audição,
violando-se assim expressamente um imperativo legal que impunha uma actuação
diversa por parte do Mmo. Tribunal a quo”.
O
Tribunal pronunciou-se a seu tempo e a Requerida, ora Recorrente, conformou-se
com a decisão (desde logo porque estava correta, tomada de forma criteriosa e
particularmente bem fundamentada), e vem agora – dir-se-á mesmo que a
despropósito e roçando a litigância de má fé – pretender reapreciar essa
questão.
Sem
fundamento, como é bom de ver:
-
com oito anos não era sequer obrigatório ouvir o ..., não se tendo gerado
qualquer nulidade por essa via e,
-
muito menos, a violação dos artigos 5.º e 35.º, n.º 3, do RGPTC, ou do 1906.º.
n.º 9, do Código Civil, ou mesmo do artigo 12.º da Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos da Criança, do artigo 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o
Exercício dos Direitos das Crianças, do artigo 24.º, n.º 1, da Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, dos artigos 11.º, 23.º e 41.º do
Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, ou, ainda, do Princípio 3.º da
Recomendação n.º R(84), relativa às responsabilidades parentais, adotada pelo
Comité de Ministros do Conselho da Europa, pois existiu um despacho que
oportunamente apreciou a situação.
Bem
pelo contrário! Todas essas normas e princípios foram ponderados e em face da
concreta situação dos autos, foi proferida uma decisão. Que foi aceite.
A
Recorrente não gostou da decisão final que o Tribunal tomou na Sentença (e está
no seu direito), mas nada de substancial se alterou desde a decisão quanto à
audição da criança, pelo que esta já não é susceptível de ser colocado em
causa.
Nestes
termos, nada há a alterar quanto a este aspecto: a decisão foi tomada com base
em fundamentos sólidos, não foi devidamente colocada em causa e nada se alterou
quanto aos seus pressupostos.
**
O
Tribunal a quo proferiu a Sentença
utilizando o seguinte processo de raciocínio:
I- está
em causa a alteração quanto à residência constante do regime regulatório das
responsabilidades parentais, em função da superveniência do conhecimento de
circunstâncias que, no entender do requerente, justifica essa alteração;
II- o primeiro pressuposto exigido pelo artigo
42.º, n.º 1, do RGPTC prende-se com o facto de haver incumprimento de ambos os
progenitores;
III-
não houve após a sentença homologatória proferida no processo de Regulação das
Responsabilidades Parentais n.º 1832/17.6 T8TVD qualquer condenação ou
declaração de incumprimento;
IV-
quanto ao requerente não estão alegados factos que impliquem que se possa
considerar ter havido um incumprimento por parte da Requerida quanto à
regulação das responsabilidades parentais;
V- quanto
à verificação de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o
que estiver estabelecido, essas circunstâncias, nos termos do artigo 988.º, n.º
1, do CP, “dizem-se supervenientes tanto
as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que
não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”, assim se consagrando0
tanto a superveniência objetiva (factos ocorridos posteriormente à decisão),
como a subjetiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo
ponderoso);
VI- in casu, o regime em vigor é o de
residência junto da mãe na sequência de acordo homologado por sentença de
28.11.2017 (Factos 2 e 3), tendo a presente ação entrado em juízo a 20/11/2019;
VII-
o Requerido reformou-se em 2018, passando a ter mais tempo disponível, tendo
adquirido no primeiro semestre de 2020 uma habitação em xxxx, o que lhe permite
estar mais próximo da residência da mãe do menor e da escola que este frequenta
(Factos 14, 20 a 25, 29 a 34);
VIII-
estão preenchidos os requisitos de superveniência que justificam a apreciação
da presente ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais;
IX- com
a nova redacção do artigo 1906.º do Código Civil (com a Lei n.º 61/2008, de 31
de Outubro), o legislador impõe o exercício conjunto das responsabilidades
parentais quanto às questões de particular importância, salvo quando o tribunal
entender que este regime é contrário aos interesses do filho;
X- no
que concerne à fixação da residência do filho, determinada de acordo com o
interesse deste, deve o tribunal atender a “todas as circunstâncias relevantes,
designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por
cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (artigo
1906.º, n.º 5, do Código Civil);
XI-
o filho deverá residir com o progenitor que seja a sua referência afetiva,
aquele com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que se mostre
mais capaz e disponível para lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e
psíquico, a sua segurança e saúde, a formação de uma correta estruturação da
sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento
integral e harmonioso;
XII-
são relevantes fatores relativos à criança (idade, grau de desenvolvimento físico
e psíquico, continuidade das relações afetivas da criança e adaptabilidade ao
ambiente extrafamiliar, preferência por ela manifestada), fatores relativos aos
pais (capacidade dos pais para satisfazerem as necessidades dos filhos,
capacidade educativa, disponibilidade afetiva, o tempo disponível, ocupação
profissional, estabilidade do ambiente facultado aos filhos, vontade de
promover as relações com o outro progenitor, motivação para a obtenção da residência
do filho) e, ainda, condições geográficas, materiais e familiares (por exemplo,
a companhia de outros irmãos, condições de ordem económica, proximidade da
residência do progenitor em relação à escola da criança);
XIII-
In casu, a questão que se encontra em
conflito entre os progenitores, respeita à residência do menor, pretendendo o
progenitor que o menor ... tenha uma
residência alternada, enquanto a progenitora pretende que o menor continue a
residir consigo mantendo o regime já em vigor, com eventual acréscimo de mais
algum tempo com o pai;
XIV-
o regime de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada
tem vindo a ser admitido pela nossa jurisprudência, mesmo quando os progenitores
não estejam de acordo quanto a ele, na medida em que tal satisfaça o superior
interesse da criança, sendo esse o regime que mais se aproxima da situação
anterior à separação dos pais, possibilitando um igual envolvimento de ambos os
progenitores no dia a dia dos filhos e também na tomada das decisões mais
relevantes para o seu projeto de vida, num plano de igualdade que melhor
satisfaz os interesses e as aspirações de pais e filhos;
XV-
a solução tem inconvenientes, podendo implicar instabilidade na vida das
crianças e riscos de desequilíbrios desencadeados por um relacionamento conflituoso
entre os progenitores e por diferentes perspetivas educacionais daqueles;
XVI-
segue-se o entendimento segundo o qual a «guarda conjunta ou mesmo alternada
(…) pressupõe uma convivência estreita entre ambos os progenitores e a
possibilidade de tomada de decisões em comum. Aquando da guarda alternada é
necessário que a mesma não se traduza em sucessivas metodologias educacionais,
antes permaneça incólume o rumo de orientação traçado quanto ao projeto
educativo» (RC 4/5/2010);
XVII-
quando há grande proximidade geográfica entre as residências dos progenitores e
ambos favorecem o contacto da criança de seis anos com o outro, mostra-se
adequado o regime de guarda alternada;
XVIII-
o Requerente reformou-se em 2018, tem apenas intervenções cívicas (é dono do
seu tempo e tem disponibilidade para organizar o seu dia e criar rotinas),
sendo que, a partir do 1.º semestre de 2020 passou a ter casa em Torres Vedras
onde pelo menos, fica quando está com os menores ... e T;
XIX
– o Requerente tem disponibilidade para preparar as refeições em casa e para lá
as tomar, bem como para levar e recolher o ... do estabelecimento de ensino que
frequenta, em Torres Vedras, ajudá-lo na realização dos trabalhos de casa,
levá-lo às atividades extracurriculares, ficar com ele depois de sair da
escola, acompanhá-lo a qualquer consulta médica, podendo contar com o apoio da
sua atual companheira que se encontra disponível para o acompanhar na prestação
de todos os cuidados que o ... necessite;
XX-
a casa do Requerente adquirida em xxxx dista cerca de 15 kms de distância da
casa da Requerida e fica a poucos minutos da escola do menor;
XXI-
relativamente a 2017, o Requerido passou a ter uma casa em xxxx, para estar mais
próximo dos filhos e participar mais no seu acompanhamento dos mesmos;
XXII-
apesar do Requerente pretender que o menor frequentasse o ensino público, tendo
havido duas acções nesse sentido, em ambas os progenitores acabaram por efectuar
acordo no sentido da frequência da escola o M... até ao 4.º ano de escolaridade
e no 5.º ano, de uma escola pública a escolher também por acordo (havendo,
assim, um modelo educativo comum e consensual;
XXIII-
os progenitores também se entenderam sobre a questão de saúde mais relevante do
... (diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção do menor);
XXIV-
a progenitora, por sua vez, tem-se mantido desde agosto de 2019 a trabalhar
apenas a partir de casa, em teletrabalho, acompanhando o ... de forma muito
próxima;
XXV-
como factores favoráveis ao estabelecimento de uma residência alternada, temos
a residência próxima de ambos os progenitores, a disponibilidade de tempo em
relação ao ..., o nível educacional equivalente, o modelo educativo comum por
estarem de acordo em que frequente a escola o M... até ao 4.º ano e após uma
escola pública, o entendimento quanto à questão relevante de saúde do menor,
sendo as condições habitacionais equivalentes, mas as económicas superiores do
pai em relação à mãe;
XXVI-
a idade do menor não constitui obstáculo à referida situação porquanto já não se
encontra a amamentar;
XXVII-
no que respeita à comunicação dos progenitores, ficou provado que existe a
comunicação necessária entre o Requerente e a Requerida sobre aspectos relacionados
com o menor, conseguindo entender-se em alguns assuntos mais importantes (ex:
diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção do menor), noutros assuntos
não se entendem, já tendo a progenitora recorrido para a resolução de problemas
com a escolha de escola junto do Tribunal ou relacionado com um fim de semana
com a mediação dos advogados, bem como, tendo algumas divergências sido
tratadas por e-mail;
XXVIII-
a resolução de divergências por e-mail é uma forma eficaz de comunicar sobre os
assuntos atinentes à criança permitindo saber que existe uma preocupação mútua
em resolver as suas necessidades;
XXIX-
os pais acabam por chegar a entendimentos, por vezes, com a ajuda de terceiros,
porém, não foi sequer instaurado qualquer processo de incumprimento até à presente
data, pelo que, acabam, em regra, por conseguir consensualizar as suas posições
em prol do menor (na pandemia, por opção do pai, o ... ficou com a mãe, por
acordo; quando o ... pretende vir mais cedo para casa da mãe para estar com o
irmão, o pai entrega-o mais cedo, não ficando o mesmo a sofrer ou a chorar,
havendo uma atitude do pai em que faz prevalecer o interesse do menor em relação
ao seu) (5.1.40, 5.1.41 e 5.1.101);
XXX-
o trato entre os progenitores é educado e cordial, não sendo os conflitos que
existem particularmente graves que impliquem situações de ofensas verbais,
ameaças, violência doméstica ou que o menor seja posto em perigo em razão dos
mesmos;
XXXI-
nenhum dos pais parece querer deixar que seja o outro a impor a sua vontade,
mas por regra não têm desrespeitado o regime das responsabilidades parentais
fixado, nem são ofensivos um com o outro, o que leva a fazer um juízo de prognose
no sentido do não haver um agravamento dos conflitos entre os pais, pelo
contrário;
XXXII-
estando diagnosticado ao ... défice de atenção e perturbação de hiperatividade (sendo
seguido na consulta de neurodesenvolvimento do Hospital de Santa Maria), para a
sua estabilidade deve ter rotinas adequadas e apoio de psicomotricidade e
neuropsicologia;
XXXIII-
o facto de o ... necessitar de rotinas bem estabelecidas e previsíveis,
supervisão parental acrescida e estabilidade emocional, não choca com a
alteração para o regime da guarda partilhada, como decorre do depoimento da Psicóloga
que o acompanha;
XXXIV-
há uma ligação forte entre o ... e o irmão T (2 anos) que tem sido promovida e
aceite por Requerente e Requerida;
XXXV-
na decisão provisória do processo do menor T procurou-se que ambos os menores
tenham um regime conjunto, embora, com uma aproximação gradual do regime do menor
T ao do menor ... (sendo certo que já nas férias há períodos em que o ... poderá estar com o pai
e o T não estar);
XXXVI-
o ... tem estado sempre aos cuidados da mãe, não sendo tão presente a
participação do pai na sua vida, inicialmente em virtude da sua vida
profissional e ocupação após a reforma, mas também por força do próprio regime das
responsabilidades parentais que tem estado em vigor;
XXXVII-
se há um conjunto de condições favoráveis ao regime de residência alternada, se
a comunicação existente entre os progenitores e a hiperatividade do menor não
são um obstáculo à mesma, por outro lado, há uma maior vinculação do menor à
mãe e à irmã uterina, tem as suas rotinas estabelecidas, e não se pretende que
haja uma separação dos irmãos;
XXXVIII-
a irmã uterina já tendo 21 anos de idade e estando ainda a estudar, certamente,
a curto prazo poderá vir a ganhar autonomia de vida, o que não poderá deixar de
o fazer para ficar vinculada ao irmão, ou seja, é uma separação que poderá
ocorrer a curto prazo, estando a atingir a idade normal para terminar os
estudos e vir a integrar o mercado de trabalho e autonomizar-se;
XXXIX-
a irmã uterina não se poderá substituir ao pai no processo de desenvolvimento
do ... e a mesma mesmo vindo no futuro a ser estabelecida uma residência
alternada, não deixará de poder estar com o menor, pelo que, não pode o regime que
venha a ser estabelecido ficar preso à continuidade ou não da presença da irmã
uterina do menor em casa em detrimento de uma maior presença do pai na vida do ...;
XL- face à ligação do ... à mãe, irmã uterina e
irmão germano o regime da regulação das responsabilidades parentais dos menores
deve permitir, tanto quanto possível, que estes últimos estejam sempre juntos
com a mãe e o pai, embora - em face da diferença de idades e em função de ser
necessário adaptar os seus regimes - poderá acontecer que haja algum período que o ...
fica com o pai e o T, com a mãe como já acontece agora, cabendo
progressivamente o regime do T vir a ser adaptado ao do ...;
XLI-
não há dúvidas que ambos os pais gostam dos menores, são preocupados, têm por
eles afecto e pretendem exercer as competências parentais em seu prol, mas a
alteração imediata para a residência alternada constitui uma modificação que,
neste momento, seria ainda abrupta uma vez que o ..., neste momento, convive
cerca de 8 dias por mês com o pai;
XLII-
face da manifestação da vontade do pai em querer estar mais tempo com os filhos,
tendo inclusivamente efetuado um esforço financeiro adquirindo casa de
habitação em Torres Vedras para poder estar com eles, entende-se que,
gradualmente, esta relação pode ser sedimentada;
XLIII-
há benefícios a médio prazo na vida do menor com a sedimentação de uma
vinculação afectiva no dia a dia com o pai e a mãe, com a supressão de
conflitos de lealdade na sua psique e com o previsível apaziguamento de
conflitos entre os pais, circunstâncias que abonam o seu desenvolvimento
equilibrado, saudável e com autoestima reforçada;
XLIV-
se a vinculação do ..., neste momento, é maior em relação à mãe, havendo
disponibilidade e vontade do pai em estar mais tempo com os filhos torna-se
importante para o desenvolvimento da sua personalidade ter uma maior presença
do pai na sua vida, usufruindo dela e passando também a tê-lo como uma figura
de referência (o que não acontecerá com o regime em vigor);
XLV-
esta alteração de presença deverá ser gradual, tendo em conta a ligação que o
menor tem em relação à mãe e à irmã uterina, bem como, à necessidade de não
haver uma separação abrupta em relação ao T;
XLVI-
A diferença de idades do ... para o T poderá vir a justificar de futuro um regime
um pouco diferente, sem perder a essência, de não separar os irmãos, que passe por
estabelecer períodos de alternância inferiores a uma semana;
XLVII-
considerando o regime em vigor, a idade características da personalidade do ...
(como criança que necessita de rotinas), a importância para o desenvolvimento da
sua personalidade de estar mais tempo com o pai, a necessidade de - tanto
quanto possível - não haver uma separação dos irmãos (... e T), o maior vínculo
do ... à mãe e irmã uterina em casa da
progenitora, o regime da regulação das
responsabilidades parentais do menor ... deverá ser alterado no sentido de se
aproximar da residência alternada, mas de forma gradual, que só deverá atingir
a sua plenitude a partir de setembro de 2022, após, o menor passar 2 períodos
de férias de 15 dias com o pai em julho e agosto de 2022 (5.1.3.7), o que
tornará mais fácil a transição;
XLVIII-
deverá ser mantido, mesmo após o estabelecimento de uma residência alternada, o
pagamento de uma pensão de alimentos ao progenitor (passando de € 200/mês para
€ 115/mês), atendendo à diferença das condições económicas entre o Requerente e
a Requerida, tendo esta ainda a residir consigo o menor T e a filha maior B...
que, neste momento, ainda está ao seu encargo por estar a estudar;
**
a Recorrente discorda do regime fixado
considerando desajustado e prejudicial ao ... o regime fixado.
Vejamos
se lhe assiste razão.
Começa
por se assinalar e sublinhar a forma cautelosa e temporizada com que foi
determinada - independentemente do que, a final, aqui se venha a concluir[12] - a
regulação das responsabilidades parentais com a introdução da residência
alternada para a criança (..., 8 anos).
Por
outro lado, tem e se relevar que o acordo dos pais não é condição necessária para a fixação de um regime de
residência alternada, mas apenas um
dos factores que têm de ser considerados (sendo que, existindo, se
torna muito mais facilitador de todo o processo).
Como
se expôs de forma certeira no texto do Acórdão da Relação de Évora de 09/11/2017
(Processo n.º 1997/15.1T8STR.E1-Francisco
Matos), quando este regime é interiorizado e desejado por “ambos os
progenitores, reunirá melhores condições de sucesso, do que as condições que
resultarão da disputa, pelos progenitores, para que o filho resida
habitualmente com um deles. Mas esta condição não é exclusiva da residência
filho e abrange todos as vertentes das responsabilidades parentais; o acordo dos pais confere segurança aos
filhos o desacordo, quando deles conhecido, insegurança e instabilidade[13]. Aos pais incumbe o
desafio de responsavelmente ultrapassarem as divergências que se revelem
contrárias ao interesse dos filhos”[14].
E
este é o desafio que se coloca aos
progenitores em cada concreto caso em que se decide por este regime.
**
Presente
como pano de fundo para apreciação desta matéria temos:
-
a Constituição da República Portuguesa[15];
-
a Declaração dos Direitos da Criança[16];
-
a Convenção Sobre os Direitos da Criança[17] (sempre
convocada para a apreciação deste tipo de matérias - até por ter um estatuto
supra-legal);
-
os artigos 1877.º e 1878.º do Código Civil[18].
Fazendo
a apreciação exaustiva do regime,
problemática e consequências da guarda conjunta com residência alternada e
permitindo uma visão alargada e actualizada do “estado da arte”, nos Acórdãos
desta Relação de 15/12/2020 (Processo n.º 7090/10.6TBSXL-B.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa) e RL
11/01/2022 (Processo n.º 20994/15.0T8SNT-E-7-Luís Filipe Pires de Sousa)[19] tecem-se
considerações genéricas que aqui assumimos na íntegra e que se passam a
transcrever:
“Nos
termos do Artigo 1906º do Código Civil:
“1
- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular
importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os
progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos
casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir
sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2
- Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões
de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos
interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar
que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3
- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida
corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a
progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao
exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações
educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com
quem o filho reside habitualmente.
4
– O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais
relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu
exercício.
5
- O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de
acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias
relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade
manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o
outro.
6
— Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as
circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada
do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse
sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7
– Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades
parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício,
designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8
- O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o
de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores,
promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas
oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre
eles.
9
— O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º
e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.
Os
números 6 e 9 foram aditados pela Lei nº 65/2020, de 4.11, com entrada em vigor
em 1.12.2020 (cf. Artigo 3º).
Nos
termos do Artigo 12º, nº2, segunda parte, do Código Civil, a nova redação do
Artigo 1906º do Código Civil aplica-se ao caso em apreço, na medida em que a
lei nova deve aplicar-se às situações jurídicas (=consequências duradouras de
factos jurídicos) que se constituíram na vigência da lei antiga (alteração da
regulação das responsabilidades parentais) e que transitam para o domínio da lei
nova (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, pp. 281 e 286). Ou seja, na medida em que a nova
redação dissocia os efeitos das regulações das responsabilidades parentais dos
factos que originaram tais regulações, a lei nova pode, sem retroatividade ser
objeto de aplicação imediata e, deste modo, reger os efeitos futuros das
situações em curso (cf. Maria João Fernandes, Comentário ao Código Civil, Parte
Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 62).
A
questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de larga análise na
doutrina e na jurisprudência, havendo argumentos a favor deste regime e
argumentos que o questionam.
A
favor da instituição de regime com residência alternada do menor são aduzidos
os seguintes argumentos.
Jorge
Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora,
2015, pp. 338-339, defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos
progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a
atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais
a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho,
indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das
responsabilidades parentais:
1.
É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio;
2.
É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de
partilha das responsabilidades entre os pais;
3.
É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto
pelos Artigos 36º, nº5 e 13º da CRP e pelo Artigo 18º da Convenção Sobre os
direitos da Criança;
4.
É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não
devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres
fundamentais para com eles (Artigo 36º, nº6, da CRP).
«A
residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições,
responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as
suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a
criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é
fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma
estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal
desenvolvimento da sua identidade pessoal» - Ana Vasconcelos, “Do cérebro à
empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in A Tutela
Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ, p. 10.
Segundo
um estudo de Edwark Kurk, “Arguments for an Equal Parental Responsibility
Presumption In Contested Child Custody”, in The American Journal of Family
Therapy, Volume 40, 2012, pp. 33-55, constituem argumentos que legitimam a
imposição da residência alternada:
1.
Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2.
Preserva a relação dos pais com a criança.
3.
Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.
Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas
necessidades e superior interesse.
5.
Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das
necessidades e superior interesse da criança.
6.
Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7.
Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8.
Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a
litigância;
9.
Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de
acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10.
Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11.
Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12.
Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais,
pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13.
Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14.
Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à
autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15.
O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem
suporte empírico;
16.
A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades
parentais rem suporte empírico.
Analisando
quarenta estudos realizados a nível internacional, Linda Nielsen, “Custódia física
partilhada. 40 estudos sobre os seus efeitos nas crianças”, in Sofia Marinho e
Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo,
2017, p. 67, afirma:
«De
modo geral, os 40 estudos chegaram a várias conclusões semelhantes. Em primeiro
lugar, a custódia física partilhada está associada a melhores resultados de
crianças de todas as idades ao longo de um amplo espetro de indicadores de
desempenho e bem-estar emocional, comportamental e de saúde física. Em segundo
lugar, não foram encontradas evidências de que as dormidas na casa do pai e
custódia física partilhada estejam associadas a desempenhos negativos dos bebés
e das crianças pequenas. Em terceiro lugar, quando as crianças têm um mau
relacionamento com o pai os resultados não são tão positivos. Em quarto lugar,
mesmo que tendencialmente os progenitores com custódia física partilhada tendam
a ter rendimentos mais elevados e a manterem relações com menor conflito, estes
dois fatores isolados não explicam os melhores desempenhos das crianças. E, por
fim, ainda que a maioria das crianças em custódia física partilhada admita que
viver em duas casas pode ser, por vezes, complicado, muitas sentem que os
benefícios superam de longe os possíveis inconvenientes.»
Daniel
Sampaio, Dá-me a Tua Mão e Leva-me, Como Evoluiu a Relação Pai-Filho, Caminho,
2ª ed., 2020, pp. 146-147, analisa a questão nestes termos:
«Conhecem-se
hoje diversas vantagens no modelo de residência partilhada. A principal é a de
que, deste modo, mantemos as relações familiares semelhantes às do momento
pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da
família intacta. Este esquema leva a um diálogo entre os progenitores, embora
em muitos casos seja difícil e feito apenas por e-mail (muitas vezes para
“fazer processo” e mais tarde apresentar em tribunal), porque é necessário
fazer acordos e negociar diversos aspetos da vida dos filhos. Os conflitos de
lealdade que muitos jovens mostram (devo estar mais com a minha mãe ou o meu
pai vai ficar aborrecido?) tendem a desparecer com a organização dos tempos em
família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos. Finalmente, a
residência partilhada permite algum espaço individual a cada um dos pais, nos
tempos em que estão sozinhos, o qual pode ser importante sobretudo quando
aparecem novas relações afetivas.
Quem
não concorda com a residência partilhada argumenta que este regime só pode ser
decretado nos casos em que o conflito entre os progenitores se reduziu ao
mínimo, porque a manter-se a zanga ela seria ativada nas inevitáveis
combinações do quotidiano. Não é essa a minha experiência, antes pelo
contrário: nos caos em que tenho tido intervenção terapêutica, este regime
atenua o conflito, pela razão simples de que “ninguém ganha” e a criança se “divide”
entres os pais.(…)
Na
residência partilhada a criança convive com ambos os pais e essa constância de
relacionamento permite um conhecimento mais direto e íntimo de cada um, o que
torna a eventual influência negativa [reportando-se às práticas alienantes
familiares] menos intensa.»
Neste
âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina ..., 670/16:
«As
vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem
os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que
se estabelecem entre os progenitores e os respetivos filhos, com a envolvência
direta e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a atividade e os laços afetivos
entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cf.
neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir
Grisard Filho, “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício
do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007,
93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed.
A residência alternada pode, portanto, ser
mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores,
porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais
viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por
períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior
intimidade.
Com
efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de
circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor
e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um
«espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como
«provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado
familiar.
Acresce
que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a
conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um
perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do
outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período
inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a
passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova
situação e relacionando-se de uma forma pragmática.(…)
Conclui-se,
portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das
responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo
de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da
criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos
pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor
com quem apenas está durante o período estabelecido para as respetivas visitas.
Pelo
contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança
com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afetiva
se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma
proximidade física que possibilite uma interligação afetiva real e consistente,
sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes
nunca chegarem a acontecer.
A
residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação,
é mais suscetível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode
constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e
delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento
dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja
conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa
separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da
conflitualidade entre os progenitores.
Este regime tem, pois, como vantagens a maior
proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter
de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não
se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das
responsabilidades de ambos, suscetível de criar um forte vínculo emocional de
pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas
crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e
envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz
crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e autoestima
positiva.»
Ainda
na jurisprudência, é enfatizado que a residência alternada permite equilibrar o
princípio da igualdade dos progenitores e o superior interesse da criança
(Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva,
29241/16), sendo o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de
afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais (Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2017, Rosa Coelho, 954-15).
A
doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos
menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos:
possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de
insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e
unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança;
promove a hostilidade entre os progenitores (cf. Joana Salazar Gomes, O
Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp.
75-80, 85-88; Pedro Raposo de Figueiredo, “A residência alternada no quadro do
atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente)
do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; Maria Perquilhas, “O
exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada):
consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do
Direito à Psicologia, 2018, p. 69).
Obtemperando
à objeção da instabilidade, acompanhamos o raciocínio do Acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16, quando aí se afirma
que: «Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar
instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a
instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que,
sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação
a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande
aptidão para se integrarem em situações novas.» Conforme refere Maria Teresa
Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada
em Caso de Divórcio, 2019, p. 35, «(…)
note-se que qualquer que seja o regime, parece-nos inevitável que se
crie esta instabilidade na vida da criança com o divórcio, dado que sempre
implica uma alteração radical nos seus moldes de vida.» Refere ainda que: «[o]
habitual discurso sobre as desvantagens e os malefícios para a criança do
“andar para lá e para cá” deve ser ponderado face aos objetivos de assegurar a
continuidade da implicação materna e paterna e da cooperação parental» (p. 33).
Também
não acompanhamos a argumentação no sentido de que este regime promove a
hostilidade entre os progenitores. Além do que já foi mencionado supra
(nomeadamente o texto de Daniel Sampaio), acompanhamos o Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins,
6334/16, quando aí se afirma que: «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais,
que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao
invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente
existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no
seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos
práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido
que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria
das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»
Acresce que, conforme referem Sofia Marinho e
Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017,
p. 257, «Ao invés da residência única, a residência alternada fomenta
equilíbrios no desenvolvimento dos dois progenitores na parentalidade, pois
permite não só que ambos tenham influência e responsabilidades sobre os
cuidados e a educação de filhos e filhas no quotidiano, como também que ambos
sejam autónomos e independentes no exercício da parentalidade. Nesta medida,
esta é também um instrumento apaziguador de disputas sobre qual o progenitor
que melhor serve o bem-estar da criança. (…) quando se favorece o envolvimento
parental dos dois progenitores não é necessária uma relação de amizade para que
ambos exerçam plenamente a sua parentalidade, pois ao contrário do que acontece
na residência única não se atribui a um dos progenitores o poder de incluir ou
excluir o outro da vida das crianças. Neste quadro, a concertação de atividades
e de decisões entre progenitores ocorre em maior ou menor grau tanto numa
relação em que o consenso é fácil como numa relação em que é difícil.»
Quanto
ao estado da doutrina nacional, anterior à alteração advinda da Lei nº 65/2020,
Marianna Chaves, “Responsabilidades parentais e guarda física – Uma distinção
necessária”, in Lex Familiae, Ano 16, nº 31-32 (2019), p. 114, resume que:
«Mais
cautelosa, a doutrina portuguesa considera que, um eventual acordo de exercício
conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, somente
poderá ser considerado diante de alguns pressupostos, que constituem critérios
exemplificativos e orientadores, a serem ponderados pelos juízes e tribunais,
tais como: a) capacidade de cooperação entre os progenitores; b) manifesta
relação afetiva entre o filho e os pais; c) capacidade dos progenitores em
colocar de lado as diferenças pessoais; d) capacidade de dar prioridade às
necessidades dos filhos; e) idade e maturidade do filho; f) vontade manifestada
pelo filho; g) identidade de estilos de vida e valores; h) capacidade de acordo
sobre questões relativas a saúde, educação, religião (questões de particular
importância); i) vontade de cooperar aliada a respeito e confiança mútuos; j)
proximidade entre as residências dos pais e a escola da criança; k)
flexibilidade de horários dos pais; l) ambiente laboral amigo da família.»
Na
jurisprudência, existe uma corrente significativa que sustenta que o regime da
residência alternada não se justifica quando exista um clima de elevada
conflitualidade entre os progenitores (cf., exemplificativamente, os Acórdãos
do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, de
24.10.2019, Carlos Portela, 3852/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 27.4.2017, Maria João Areias, 4147/16).
O
histórico da conflitualidade dos progenitores, nomeadamente a sua persistência
ou agudização após a separação dos progenitores, constitui um elemento a
ponderar na decisão a tomar. Porém, não cremos que tenha um valor assim tão
sintomático e perentório para a decisão a tomar pelo tribunal, como é assumido
por tal corrente jurisprudencial.
Com
efeito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de
18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16:
«(…)o
critério orientador da decisão a tomar deve ser o superior interesse da
criança, sendo fundamental encontrar um equilíbrio entre as várias componentes
da vida das crianças por forma a que as mesmas cresçam de forma sadia e
equilibrada.
Na
maioria dos casos, e desde que reunidas as condições logísticas necessárias e
que todos os intervenientes sejam emocionalmente estáveis, a única forma de que
tal possa suceder é o estabelecimento de residência alternada entre ambos os
progenitores, porquanto apenas esta permitirá à criança uma vivência plena com
ambos e respetivas famílias alargadas.
Não
nos parece que o conflito parental possa ser limitador da escolha que melhor
acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender.
O
citado Ac. TRC de 9-10-2018, refere que “A ideia de que a guarda partilhada
expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de
conflito, a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é
extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a
este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide)
em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança,
alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao
poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer
concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da
conflitualidade entre os progenitores”.
Por
outro lado, e tal como se descreve neste aresto e em vários estudos publicados,
a residência alternada diminui o conflito parental, porquanto permite a divisão
de responsabilidades entre os pais na gestão quotidiana da vida dos filhos,
assim afastando os pontos de discórdia entre ambos.
Acresce
que, estando as decisões sobre as questões de particular importância atribuídas
a ambos os progenitores, esse conflito continuará sempre presente se os
progenitores não encontrarem um modo de equilibrar as suas pretensões, atendendo
aos interesses dos filhos, podendo a necessidade constante de interação com os
filhos e de responsabilização efetiva de cada um dos progenitores na vida
destes ser determinante para apaziguar as tensões e os conflitos existentes,
muitas vezes relacionados com questões da vida quotidiana.»[20]
São
também pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16:
«III-O
argumento da inexistência de conflito entre os progenitores como obstáculo à
fixação da residência alternada não tem autonomia em relação aos requisitos
negativos para o exercício conjunto das responsabilidades parentais previstos
no art. 1906-A do CC ou à exigência de respeito pelas orientações educativas
mais relevantes tomadas pelos dois para esse exercício conjunto.
IV-Se
a falta de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação entre os
progenitores não impede o exercício conjunto das responsabilidades parentais,
ela não impede também, nem poderia impedir, a residência alternada. Aquelas
capacidades só têm a ver com a necessidade de respeito pelas orientações
educativas mais relevantes por eles tomadas para o exercício em comum das
responsabilidades parentais e de não se porem em causa as condições para esse
exercício.
V-A
exigência de um projeto de vida em comum também não pode ir além da exigência
de os progenitores acordarem entre si orientações educativas relevantes para o
exercício em comum das responsabilidades parentais. A incapacidade para o
fazerem pode ser suprida pelo tribunal e só deve ser impeditiva da residência
alternada se puser em perigo a segurança, saúde, formação e educação dos
filhos.»
O
conflito não constitui uma inevitabilidade adquirida, pelo contrário. Conforme
se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.7.2018,
Margarida Sousa, 1138/13:
«“A
ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a
afirmação de que, em caso de conflito a criança fica mais protegida se confiada
a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos
progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor
que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado
do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do
progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê
na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do
outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores” (Acórdão da
Relação de Lisboa de 07.08.2017 – Relator, Pedro Martins).
Com
propriedade se pode, pois, dizer que:
“O
problema é, afinal e sempre, o conflito”.
Tendo
consciência disso, o legislador, ao aprovar um novo Regime Geral do Processo
Tutelar Cível (RGPTC), centrou o processo “no paradigma da gestão do conflito
parental e em encontrar assim soluções que mantenham ambos os pais na vida da
criança com grande proximidade”, sendo que, para tal, necessário se torna
desenvolver “plataformas de funcionamento conjunto que criam novas emoções positivas,
que depois contribuem para ultrapassar as memórias emocionais negativas vindas,
em regra, da “separação conjugal” e, por outro lado, gerar “um envolvimento
total dos mesmos (progenitores), que impede abandonos parentais” (autor e obra
citados, pág.´s 134 e 135).
O
processo judicial deve, pois, servir para alterar comportamentos, não se
aceitando o conflito como uma inevitabilidade, sendo, para o efeito, essencial
o recurso pelo julgador a assessoria técnica com vista à avaliação e
acompanhamento dos progenitores em conflito, por forma a alterar os paradigmas
que os conduzem aos comportamentos conflituantes e a, desse modo, se alcançar a
conciliação, a tentar em várias sessões, caso tal se revele necessário (neste
sentido, ver obra e autor citados, pág.´s 102 a 104 e 109), o que implica uma
diferente postura dos tribunais, um maior empenhamento destes na construção das
aludidas plataformas de funcionamento com vista ao exercício conjunto das
responsabilidades parentais» (sublinhado nosso).
A
recente alteração ao Artigo 1906º do Código Civil, efetuada pela Lei nº
65/2020, de 4.11, sana divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à
admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a
imposição de tal regime prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e
aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência
alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança. Cremos,
também, que esta redação não sana a discussão sobre a pertinência da residência
alternada para crianças de tenra idade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa de 18.6.2020, Jorge Leal, 2973/18, Acórdão do Tribunal da Relação do
Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, Acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra de 11.12.2018, Alberto Ruço, 2311/18), discussão que não é pertinente
neste processo.
Desta
nova redação do Artigo 1906º não resulta também que a residência alternada seja
tida pelo legislador como o regime regra. Com efeito, o texto definitivo
diverge, substancialmente, da Proposta de Lei nº 87/XIV/1ª do PS que tinha o
seguinte teor: «O tribunal privilegia a residência alternada do filho com ambos
os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo
da fixação de alimentos, sempre que, ponderadas todas as circunstâncias
relevantes, tal corresponda ao superior interesse daquele» https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/14/01/016/2019-11-19/32?pgs=31-33&org=PLC&plcdf=true.
No
que tange à primazia do interesse da criança, «(…) o interesse da criança é o
núcleo duro que o legislador estabelece como o denominador intransponível nas
decisões relativas à vida de uma criança sendo o pressuposto de qualquer
decisão, e integrar tendo em conta a sua vida, os seus interesses e as
consequências das opções e decisões, tendo em conta o seu desenvolvimento,
identidade e dignidade» (Marisa Almeida Araújo, “A pluriparentalidade - O
direito à convivência”, in Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 131).
Segundo o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança
sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido
primacialmente em consideração, p. 17, «O conceito do interesse superior da
criança é, portanto, flexível e adaptável. Deverá ser ajustado e definido numa
base individual, em conformidade com a situação específica da criança ou das
crianças envolvidas, tendo em conta o seu contexto, situação e necessidades
pessoais. Nas decisões individuais, o interesse superior da criança deve ser
avaliado e determinado à luz das circunstâncias específicas da criança em
particular. Nas decisões coletivas – tais como as que emanam do legislador – o
interesse superior das crianças em geral deve ser avaliado e determinado à luz
das circunstâncias do grupo específico e/ou das crianças em geral.» O superior
interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso
concreto «no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como
sujeito de direito, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e
estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem
respeitar esse interesse do menor» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
16.1.2017, Madeira Pinto, 2055/16)”.
Com
este enquadramento, vejamos como apreciar a situação dos autos.
Não
são nunca situações fáceis as que chegam a um Tribunal de recurso na área da
regulação das responsabilidades parentais, desde logo porque se o fossem, não
era necessário virem a Tribunal.
Se
quiséssemos a situação ideal, Requerente e Requerida, teriam mantido o seu
projecto de vida comum e viveriam felizes e contentes para sempre com os dois
filhos que geraram em comum.
Mas
a vida não é um conto de fadas e a felicidade não é unívoca e pode obter-se de
muitas formas e por muitas vias.
O
problema é que a infelicidade também.
E
o tipo de guerra que se estabelece entre pais desavindos é, precisamente, uma
fonte de infelicidade para todos, nomeadamente quando esquecem ou não percebem
que o seu projecto comum (in casu, por
exemplo, incluindo dois filhos), só acabou no que respeita a si próprios,
mantendo-se no que concerne ao ... e ao T.
Com
os/as filhos/as existe um projecto vivo e permanente em que os egoísmos,
aversões e desejos íntimos dos progenitores devem ficar na sombra para realçar
efectivamente o interesse daqueles/as.
É
isso que tem de os motivar.
E,
por isso, têm de assumir e perceber que a presença física constante e em pé de
igualdade[21] dos dois progenitores
gera vivências únicas e irrepetíveis aos filhos (num contexto em que ambos são
pais responsáveis que amam o seu filho[22]). E é esse contributo que os faz crescer,
estruturar e ganhar identidade própria. Isso será, em cada caso, a
concretização do “superior interesse do menor”[23].
No
caso do ... é bom ter rotinas, mas convém não esquecer que as rotinas não são
imutáveis e também se podem e devem (re)criar.
E
agora, havendo possibilidade disso, porque o pai tem uma disponibilidade que
não tinha antes, o ..., que fará 9 anos em Agosto, pode e vai beneficiar com
esta nova rotina.
Como
bem se refere no Acórdão da Relação de Évora de 09/11/2017 (Processo n.º 1997/15.1T8STR.E1-Francisco Matos), a residência alternada “é susceptível de
criar algum desconforto e influir, mormente nos primeiros tempos, nas rotinas
diárias do menor, mas estes nefastos efeitos têm que ser aferidos e comparados
com aqueles que resultariam da falta de contacto do menor com ambos os progenitores, de modo a usufruir em pleno
e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe
proporcionará”.
A
cumplicidade que o ... tem com a mãe, a irmã e o irmão mais pequeno, é uma
mais-valia. Uma mais-valia que não se perde numa residência alternada. Pelo
contrário, permite juntar-lhe e desenvolver, na mesma medida, uma nova
cumplicidade, com o pai e a sua nova família. Outra mais-valia. Isso é bom para
o .... E sendo bom para o ... é bom para a mãe e para o pai.
O
... vai – efectivamente e em plenitude – ganhar mais uma família, porque o pai (exactamente como a mãe), faz parte
da sua essência enquanto ser e essa família, usando as palavras do psiquiatra António Gomes, “como palco de
relações, não pode prescindir do corpo comum das palavras partilhadas. Do lugar
dos olhares cruzados. Uma família é um lugar por dentro das pessoas todas. Tem
bastidores, lugares reservados de reencontro, silêncios de crescimento e
lágrimas secretas; mas, como um palco, exposto e ao vivo, é um lugar por dentro
das pessoas todas, incorpora a reserva e a exposição, o íntimo e o partilhado,
o silêncio e a palavra, a ponderação e o risco, a revolta e a aceitação (não a
domesticação). Uma família, como palco de relações, é uma dinâmica de forças,
não de astenias e demissões; tem divergências, mas o palco, por inerência, é
uma convergência ampla de tensões e apaziguamentos que ajudam a crescer”[24].
É
tudo isto – este quotidiano[25] com
vivência(s)[26] – que o ... vai poder ter
com o pai. Como já tem com a mãe.
A
residência alternada que foi fixada, com todos os cuidados com que o foi, com a
serena, equilibrada e temporizada forma de implementação (que adaptou os
normais tempos de aulas, férias e convívios a esta mudança[27]),
acaba por se tornar, como refere Guilherme
de Oliveira, na “expressão visível – depois da separação dos titulares das
responsabilidades parentais – daquilo que verdadeiramente importa: a partilha das responsabilidades”[28].
O
supremo interesse do ... foi assegurado
e, pode dizer-se – na linha do defendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 22
de Março de 2022 (Processo n.º 293/20.7T8SXL-B.L1-7-subscrito por este mesmo
Colectivo) – os princípios da
proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental, da prevalência
da família e da continuidade das relações psicológicas profundas (que
também estão presentes nas decisões a tomar quanto à guarda de crianças, no
âmbito dos processos de regulação das responsabilidades parentais), estão não só respeitados, como
promovidos (pois estão preservadas as suas relações afectivas
estruturantes de grande significado e de referência, para o seu saudável e
harmónico desenvolvimento, e está garantida a continuidade de uma vinculação
securizante).
Em
conformidade com o exposto, a bem estruturada e melhor fundamentada Sentença sob
recurso, merece a nossa total concordância e, como tal, será confirmada sem
mácula ou censura.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de
Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de
Lisboa,
face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas,
em julgar improcedente a apelação
e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Notifique
e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
Lisboa, 10 de Maio de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa
José Capacete
[1]
Recursos no Novo
Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]
Cfr., por
exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 09/11/2020 (Processo n.º
18625/18.6T8PRT.P1-Jorge Seabra).
[3]
Os Factos
colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra de maior tamanho.
[4]
“O atual art.
662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como
se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria
convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou
daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do
dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo
Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, pág. 332.
[5] Por
todos, vd. António Abrantes Geraldes,
Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193
a 210.
[6] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, página 200.
[7] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, páginas 201 a 205.
[8] António Abrantes Geraldes,
Recursos…, páginas 206-207.
[9] Por vezes, a
Recorrente parece esquecer que o mais importante é a disponibilidade e vontade
de exercer a parentalidade. E, no caso, ela existe (felizmente) dos dois lados.
[10]
Sendo que só o
calor da discussão em sede de recurso justifica a acusação de que o pai não
acompanhou o ... às consultas durante a pandemia (quando se sabe que apenas um
progenitor podia acompanhá-lo, o que é expressamente referido pela Recorrente
do seu depoimento em audiência).
[11] E havendo
divergências – que nunca houve neste aspecto, nem nada aponta para que possa
vir a haver – sempre o Tribunal poderá intervir, por de tratar de uma questão
relevante.
[12] Sublinhando a
conveniência de um período prévio de adaptação: RL 18/06/2020 (Processo n.º
2973/18.8T8BRR.L1-2-Jorge Leal).
[13]
Sublinhado e carregado nossos.
[14]
Assim, também, RE
14/07/2020 (Processo n.º 546/19.7T8PTM.E1-Mário
Coelho).
[15] Que define o regime
essencial nesta matéria:
-
no artigo 69.º n.ºs 1 e 2, quando afirma que as crianças têm direito à
protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral,
em particular contra todas as formas de abandono, de discriminação e de
opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais
instituições, cabendo ao Estado, em especial, assegurar proteção às crianças
órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar
normal;
-
no artigo 36.º, n.ºs 5 e 6 quando estipula que os pais têm o direito e o dever
de educação e manutenção dos filhos e não podem de estes ser separados, salvo
quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante
decisão judicial.
[16]
Resolução da
Assembleia Geral das Nações Unidas 1836 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
[17]
Adoptada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/1989, assinada por Portugal em
26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12
de Setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de
12 de Setembro.
Nela
se impõe aos Estados (para além de tomar medidas de protecção das crianças
contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono
ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, quer se encontrem sob a
guarda dos pais ou de qualquer outra pessoa a quem tenham sido confiadas -
artigo 19.º, n.º 1), vele para que as crianças apenas sejam separadas de seus
pais se essa separação se mostrar necessária “no interesse superior da
criança”: é o que dispõe o se artigo 9.º, n.º 1 (“Os Estados Partes garantem
que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as
autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de
harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é
necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se
necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a
criança ou no caso de os pais viverem
separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser
tomada”- itálico nosso).
[18]
Dos quais
decorre que incumbe aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança
e saúde, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação até à respetiva
maioridade ou emancipação.
[19] Ambos
relatados pelo ora primeiro adjunto na composição do presente Colectivo (Juiz
Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa)
e tendo como segundo adjunto o também aqui segundo adjunto (Juiz Desembargador José Capacete).
[20]
Em complemento à
citação dos Acórdãos de Relação de Lisboa de 15/12/2020 e 11/01/2022, em que
nos encontramos, acrescenta-se ainda, a propósito deste Acórdão da mesma
Relação, de 18/06/2019, a anotação concordante de Margarida Silva Pereira, in
Direito da Família, 3.ª edição-reimpressão, AAFDL, 2020, páginas 608-612.
[21] Com pertinência, Pedro Raposo de Figueiredo, sublinha que
“a residência alternada promove o exercício da parentalidade positiva e uma
consistente convivência com ambos os progenitores, sendo um fator relevante de
pacificação de tensões e conflitos, sobretudo, por colocar os pais em posição
de estrita igualdade” (“A residência alternada no quadro do atual regime de
exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos
progenitores”, in Julgar, n.º 33,
2017, página 102, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/09/04R-Pedro-Raposo-de-Figueiredo-A-resid%C3%AAncia-alternada-rectificado.pdf
[consultado a 30/04/2022]).
[22] O que, cremos,
ninguém nos autos coloca em causa, independentemente das divergências
assumidas.
[23] “O
superior interesse da criança não deve ser apreciado segundo critérios
subjetivos da vontade dos pais ou da própria criança” diz-se, com notável
lucidez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2018 (Processo
n.º 27942/12.8T2SNT-F.L1-2-Gabriela Rodrigues),
tratando-se, como se vê, de um conceito vago, indeterminado e genérico, mas que necessariamente envolve “o
direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”, como já
em 1985, assinalava Almiro Rodrigues (vd., “Interesse do Menor, contributo para
uma definição”, in Revista de
Infância e Juventude, n.º 1, 1985, páginas 18 e 19, e Análise Psicológica,
1986, 3/4 (IV), páginas 461-482(468),
também disponível em https://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/2135/1/1986_34_461.pdf
[consultado a 01/05/2022].
[24] António Gomes, Família(s): um palco para relações, in Revista do CEJ, 2020-I, CEJ/Almedina,
2020, página 320.
[25]
Jorge Duarte Pinheiro, As crianças, as responsabilidades
parentais e as fantasias dos adultos, in Estudos
de Direito da Família e das Crianças, AAFDL, 2015, página 339; Clara Sottomayor, Regulação do exercício
das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, Almedina, 202, página
167 (sublinhando, todavia, os riscos que comporta este regime).
[26] “O direito ao
desenvolvimento realiza-se na plenitude de vivência de cada estádio do
desenvolvimento”, afirma Almiro Rodrigues
(“Interesse do Menor, contributo para uma definição”, Análise Psicológica,
cit., página 479).
[27]
O que é fulcral
para o êxito da medida.
[28]
Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2.ª
edição, Almedina, 2021, página 354.